Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Uma questão nova, invocada em sede de recurso, que não é de conhecimento oficioso, não pode ser apreciada pelo tribunal da relação, visto não ter sido previamente apreciada pelo tribunal da 1.ª instância.
II – Admitido o procedimento disciplinar, junto pela entidade empregadora com o articulado de motivação do despedimento, sem que tenha sido interposto o competente recurso desse despacho, nos termos dos arts. 79.º-A, n.º 2, al. d) e 80.º, n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho, tal despacho de admissão transitou em julgado.
III – Admitido o depoimento de uma testemunha sem que tenha sido interposto recurso de tal despacho, nos termos dos arts. 79.º-A, n.º 2, al. d) e 80.º, n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho, tal despacho transitou.
IV – Se, apesar de constar da nota de culpa que o processo disciplinar se encontra disponível para consulta em determinado local, o trabalhador vier invocar que tal processo disciplinar não estava efetivamente disponível para consulta ou nele não constavam todos os elementos de prova a que a nota de culpa fazia menção, compete a este, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, o ónus da prova desses factos.
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA2 (Autor) intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “LO, Lda.”3 (Ré).
…
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
…
No decurso da ação, a Ré apresentou articulado motivador, solicitando a improcedência, por não provada, da presente ação, ou, caso assim se não entenda, que se exclua a reintegração do trabalhador.
…
A esse articulado, o Autor veio responder, contestando e reconvindo, solicitando, a final, que seja julgada procedente, por provada, a presente ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e, consequentemente seja declarado a ilicitude do despedimento do Autor; e que seja julgada procedente, por provada, a reconvenção, sendo a Ré condenada a pagar ao Autor:
- a quantia de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais;
- a quantia de €20.350,00, a título de indemnização por despedimento ilícito, na parte já vencida, acrescida da que se vencer até à data do trânsito em julgado da sentença;
- as retribuições que se venceram desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença;
- a quantia de €1.850,00, a título de outros créditos emergentes da relação laboral e da sua cessação, na parte já vencida; e
- os juros legais até integral pagamento.
…
A Ré veio igualmente responder à reconvenção, solicitando a sua improcedência, por não provada.
…
Em 15-07-2024, o tribunal a quo notificou a Ré para se pronunciar sobre a não junção do “ficheiro vídeo” com o processo disciplinar, tendo esta apresentado a respetiva justificação e juntado o referido “ficheiro vídeo”, vindo o Autor igualmente a pronunciar-se sobre tal questão.
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Em 13-08-2024, a Ré juntou aos autos vários ficheiros de alegadas trocas de mensagens, tendo o Autor solicitado a condenação da Ré como litigante de má-fé por apenas em sede de julgamento vir juntar novos elementos de prova, os quais não constavam da nota de culpa, impugnando, desse modo, tal documentação.
…
Em 19-09-2024, foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada sanada a irregularidade resultante da não junção aos autos do ficheiro de vídeo, uma vez que o mesmo, entretanto, foi junto; foi dispensada a audiência prévia, foi admitida a reconvenção; foi feito o saneamento do processo; foi dispensada a enunciação dos temas da prova; foram apreciados os requerimentos de prova, tendo sido admitidos o ficheiro de vídeo e os vários ficheiros de alegadas trocas de mensagens, sendo condenada a Ré em multa, pela junção tardia; e foi designada a data do julgamento.
…
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença em 05-01-2025, com o seguinte teor decisório:
Em face do exposto, decide-se julgar a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, declarar lícito e regular o despedimento do Autor AA decidido pela Ré LO, Lda.
Mais se julga parcialmente procedente a Reconvenção deduzida pelo Autor referido e, em consequência, indo no mais absolvida, condena-se a mencionada Ré LO, Lda. no pagamento ao Autor da quantia de 1.850,00€ (mil oitocentos e cinquenta euros), referente a férias vencidas em 1 de janeiro de 2024 e não gozadas e subsídio de férias, acrescida dos respetivos juros de mora civis, à taxa supletiva, até integral pagamento.
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Custas pela Ré.
Valor: 1850€ [cfr. art. 98.º-P n.º 2 do CPT]
Registe e notifique, comunicando também a presente sentença ao serviço competente do ministério responsável pela área da segurança social (Art. 75º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, na redação atual).
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Inconformado com tal sentença, veio o Autor AA interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
a) A sentença recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, sendo que a prova produzida em audiência impunha claramente decisão diversa da que foi proferida.
b) Nomeadamente, existem elementos bastantes que permitem concluir que os elementos objetivos e subjetivos da licitude do despedimento não se encontram preenchidos, o que impunha, necessariamente, decisão em sentido diametralmente oposto.
c) Em 10.11.2023, antes dos factos, foram conferidos ao mandatário poderes para apresentar queixa contra o A. cfr. Procuração junta com o doc. nº 4 da motivação que respeita a uma queixa crime apresentada junto do DIAP de Cidade 1, contra o aqui A.
d) Os factos em causa no PD reportam-se (supostamente)ao dia 19.12.2023.
e) É aberto procedimento disciplinar em 21.12.2023, com base no despacho de 20.12.2023(fls.1 e 2 do PD). Nesse despacho de abertura do PD verificamos que foi BB quem transmitiu à gerência (CC) que o trabalhador tinha subtraído uma caixa de óleo. No entanto, a testemunha BB, no depoimento de dia 05.11.2024 com início às 11:35:53 e fim às 12:19:19, aproximadamente aos 08:40 minutos de gravação, refere o seguinte que foi o pai (CC) que lhe deu conhecimento. cfr. Transcrição do depoimento. Afinal quem viu os factos e os comunicou em primeiro lugar? Parece não se descortinar a verdade sobre tal comunicação o que fragiliza a posição da entidade patronal e, naturalmente, inquina o andamento do PD.
f) Sendo certo que desde logo verificamos que a intenção de despedir o trabalhador é muito anterior aos factos analisados no PD e na sentença, e se reporta certamente a momento anterior à outorga da procuração. A esse propósito bastava ouvir atentamente a testemunha BB que no seu depoimento de dia 05.11.2024 com início às 11:35:53 e fim às 12:19:19, aproximadamente aos 36:00 minutos de gravação, refere que andava desconfiado há cerca de 4 meses. Mas antes já a testemunha DD, no seu depoimento de dia 21.11.2024, segunda gravação, com início às 11:02:24 e fim às 11.34.03, aproximadamente aos 14:40 minutos de gravação, tinha referido que o mantiveram mais 1 mês e meio para que ele pagasse os valores que a R. considerava que lhe eram devidos pelo A. DD deixa desde logo a dúvida sobre a data a prática dos factos, o que se soma à procuração datada de Novembro. Quando foram praticados os factos?
g) A prova feita aliada à experiência comum que deve nortear também o tribunal leva a concluir que na verdade foi travada uma verdadeira caça ao homem por parte da entidade patronal. Um verdadeiro caso de assédio que inadmissivelmente passou ‘’despercebido’’ ao julgador, ainda que resulte de somadas evidencias. Tanto mais que todas as testemunhas, de forma unânime, referiram que há muito que já andavam desconfiados. Talvez por isso o Sr. Dr. Juiz tenha dado como provado que o PD se iniciou em 20 de Setembro de 2023. Precisamente, os referidos 4 meses antes da suposta data da prática dos factos. Factualidade resultante do já transcrito aquando do depoimento prestado por BB.
h) A ser assim já se tinha verificado a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, nos termos do artigo 329º do Código do Trabalho e, em consequência, o despedimento deveria ser declarado prescrito e ilícito, tudo com as demais consequências.
i) Na comunicação a que foi junta a nota de culpa seguia informação que o processo poderia ser consultado no escritório do instrutor. Em 09 de Janeiro de 2024, pelas 10horas, o mandatário do A. deslocou-se ao local onde estaria, mas a consulta não foi possível, tendo sido informado que o processo não estava, nem estaria, disponível para tal consulta. No entanto, nesse mesmo dia, foi enviada comunicação escrita, via e-mail, ao mandatário do A. informando que o processo estaria disponível no dia 10.01.2024, pelas 11horas. Comunicação essa que também não se encontra junta com o PD.
j) A consulta ocorreu assim no dia 10.01.2024, constatando-se que do processo constava apenas Termo de Abertura e a própria nota de culpa. O PD consultado foi exatamente o junto com a motivação e encontra-se apenas numerado de 1 a 7, sendo que as restantes ‘’peças’’ apresentadas com a motivação do despedimento não contêm numeração. O mesmo vale por dizer que inexistiam documentos anexos, nomeadamente auto de ocorrência, autos de visionamento, autos de inquirição e ficheiro vídeo (ainda que em Pendrive) anexo ao processo.
k) Quanto a BB, estranho seria não ter sido ouvido em sede de PD considerando que do despacho inicial consta como quem transmitiu à gerência (CC) que o trabalhador tinha subtraído uma caixa de óleo. Acresce que a testemunha BB, no seu depoimento de dia 05.11.2024 com início às 11:35:53 e fim às 12:19:19, aproximadamente aos 38:01 minutos de gravação, esclareceu que tinha respondido a perguntas feitas pelo instrutor e auxiliado na elaboração de um documento escrito, que se presume ser um auto de declarações ou um auto de visionamento. Documento esse que não integra o PD. Uma evidência que o Tribunal a quo preferiu ignorar.
l) Daqui derivam dois factos: o primeiro, a dificuldade em consultar o processo; e o segundo a ocultação de provas em sede de consulta e, já em fase judicial, com a motivação.
m) Considerando a intenção da entidade patronal com o processo disciplinar era a de proceder ao despedimento com justa causa do A., existem passos essenciais e inultrapassáveis, nomeadamente possibilitar a consulta do processo disciplinar integral.
n) Existiu assim um obstáculo/violação ao exercício do direito de defesa. Que ademais deixa a descoberto a má fé com que vem agindo a entidade empregadora, mas que parece ter passado despercebida ao Tribunal a quo.
o) No caso dos autos estamos assim perante a violação do disposto no art. 355º nº 1 do CT, o que, nos termos do disposto no artigo 382.º/1 e 2, al. c) do mesmo diploma legal, que determina a invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, a ilicitude do seu despedimento que vier eventualmente a ocorrer.
p) Acresce que a própria nota de culpa carece de formalidades essenciais, como a assinatura da Nota de culpa pelo Instrutor, o que determina uma invalidade que inquina todo o processo.
q) Da analise da Nota de Culpa resulta:
- ‘’1.O arguido está ao serviço da empresa desde 2 de Novembro de 2012(…) – Desconhecemos de onde resulta tal facto, pois a verdade é que tal data não é referida em nenhum momento anterior, nomeadamente com despacho que inicia o PD não foi junta nenhuma documentação, como o recibo, ficha de funcionário, Auto de ocorrência ou qualquer outro documento de onde tal resultasse. O mesmo vale por dizer quanto às funções desempenhadas pelo aí arguido. Ainda que o A. assuma que tal corresponde à verdade.
-‘’4.No dia 19 de Dezembro de 2023, pelas 12.05h o arguido manifestou através de atitudes graves…..
5. o arguido nessa data e hora apoderou-se para si, de uma caixa de óleo da ENI 3x5L, na sede da empresa.’’ – quanto aos factos 4 e 5 da Nota de culpa também é impercetível de onde foram extraídos os mesmos, pelos mesmo motivos enunciados quanto ao ponto 1.
-‘’6.O arguido confrontado pela Gerência(…) – desconhecemos de onde resulta que o arguido foi confrontado pela gerência, sendo certo que do PD, mormente do que antecede a elaboração da Nota de Culpa não pode ser.
-com a Nota de Culpa é junto o frame de um suposto vídeo não identificado.
-na Nota de Culpa Consta uma testemunha, todavia a verdade é que do Processo Disciplinar não consta o auto de inquirição da mesma em data anterior à Nota de Culpa, mas sim no dia 27.02.2024, iniciado pelas 11h10m.
r) O A. respondeu à Nota de Culpa, tendo indicado testemunhas, que foram ouvidas no dia 27.02.2024, pelas 10h40m. Ou seja, do que resulta da análise documental, antes das testemunhas da entidade patronal. Seguidamente à inquirição da Testemunha DD, testemunha da R. no PD, foi proferida de imediato decisão, sem possibilitar o contraditório ao A.
s) No caso dos autos existe violação do artigo 355º do Código do Trabalho, geradora de invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, ilicitude do despedimento (cfr. art. 382.º n.º 1 e 2 al. c) do Código do Trabalho).
t) O tribunal a quo refere que ‘’Por outro lado, apurou-se que o ficheiro-vídeo que constituía da prova documental indicada na nota de culpa estava armazenado em PEN USB junto ao dossier do processo disciplinar e, portanto, disponível para consulta.’’ Não se consegue indagar de onde foi retirada tal ilação, sendo certo que apenas após despacho expresso do Tribunal a Ré juntou o vídeo, como acima já se referiu.
u) Aliás não se compreende que o Tribunal teça motivações com o seguinte teor:
‘’resultando da notificação, que o processo se encontra à disposição para consulta, tudo indica que o referido elemento documental se encontrava apto a ser consultado (se não existisse não seria mencionado na Nota de Culpa).’’ Se não existisse não seria mencionado na Nota de Culpa? Faz então presumir que tudo o que é mencionado na Nota de Culpa existe, porquanto as entidades patronais são todas pessoas de bem. Ora, salvo melhor e mais douto entendimento, o despacho elaborado pelo tribunal ordenando a junção do ficheiro deveria obviar outro entendimento, nomeadamente o de que o acesso ao ficheiro foi inclusivamente dificultado em sede judicial.
v) Evidenciamos que do processo disciplinar não consta contrato de trabalho, recibo de vencimento, o ficheiro vídeo, ou qualquer outra prova.
w) Impugnado o despedimento e não sendo possível a conciliação, o processo seguiu a sua tramitação habitual. Tem o A./trabalhador apresentado contestação com reconvenção. A R. replicou e em seguida, em 15.07.2024, foi proferido Despacho com a refª citius nº 97140676 ordenado a junção aos autos do ficheiro vídeo sob cominação de se determinar a imediata declaração da ilicitude do despedimento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 98.º-I n.º 4 al. a) e 98-J n.º 3, do CPT.
x) Por requerimento datado de 29.07.2024, com a refª citius 10866834, veio a R. juntar o famigerado ficheiro.
y) Atendendo a tudo quanto foi referido até aqui - quanto à numeração do PD apenas de fls 1 a fls7, à falta de peças processuais, à dificuldade na consulta, a violação do principio do contraditório, e à não junção do ficheiro de vídeo ao PD para consulta e com a motivação do despedimento ou com a réplica – não compreendemos nem aceitamos que o Tribunal a quo não tenha depreendido a evidente violação de direitos em todo o processo que conduziu ao despedimento. Sendo certo que não subsistem dúvidas quanto à incompletude do PD. Sendo também evidente que até ao momento não foi junto ou auto de inquirição ou visionamento mencionado pela testemunha BB.
z) No caso dos autos existe desde logo violação do artigo 355º do Código do Trabalho, geradora de invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, ilicitude do despedimento (cfr. art. 382.º n.º 1 e 2 al. c) do Código do Trabalho).
aa) Posto isto, conjugando tudo quanto foi referido supra, em consequência, temos que concluir que o procedimento disciplinar não foi junto aos autos de forma completa, pelo a conclusão tem que ser a de que é aplicável o disposto do artigo 98.º-J, n.º 3, do CPT. Neste sentido veja-se ainda o recente Ac. Do TRG, proferido no proc. nº 1187/23.0T8BRG-A.G1, em 04.04.2024. Assim, o facto 12 dos factos provados deve ser excluído dos mesmos, passando a constar dos factos não provados.
bb) Em decorrência do exposto deviam igualmente os fatos ii) e iii) dos factos não provados passar a constar dos factos provados.
Todavia, caso assim não se entenda, sempre se dirá que:
cc) O A discorda, de facto e de Direito, da justiça e legalidade do decidido pelo Tribunal a quo, pois é seu entendimento que do conjunto da prova produzida, interpretada à luz das regras da experiência comum, não resulta nem poderia resultar provada a licitude do despedimento.
dd) O Tribunal tirou conclusões não suportadas pela prova produzida, cometendo erros na apreciação da prova produzida. Aliás, pode afirmar-se que o tribunal a quo não possui elementos suficientes nos autos para formar a convicção como formou.
ee) O A. concorda com os factos 1, 2, 3, 5, 10 dos factos provados, tanto mais que resulta admitidos pelas partes.
ff) O A. não se conforma nem concorda com os factos 4, 6, 7 e consequentemente os factos 8 e 9 nos termos que infra esclarecemos.
gg) As testemunhas foram unanimes num ponto essencial e não abordado na sentença: todos referem que no dia 19.12.2023 não estava faturada e para transporte nenhuma caixa de óleo. Facto que supostamente despoleta a desconfiança e todo o enredo dos autos. Porém, resulta que tal é uma intencional mentira! Existe uma caixa de óleo faturada! Existe essa prova documental nos autos ainda que se tenha apelado à cegueira para a ultrapassar.
hh) A testemunha DD procedeu na audiência de dia 21.11.2024 à junção de uma listagem das vendas para entrega no dia 19.12.2023, pelo A. Listagem essa acompanhada pelas respetivas faturas. Veja-se a referência citius nº 98193805.
ii) As testemunhas cujos depoimentos se transcreveram juraram que o A. naquele dia 19.12.2023 não poderia fazer o transporte legítimo de nenhuma caixa de óleo, porquanto não estava nenhuma caixa faturada para aquele dia. Sucede porém, que apesar das testemunhas terem prestado juramento, mentiram! Mentiram de forma descarada e ainda que o Tribunal a quo tenha feito descaso, competia-lhe analisar a prova documental junta em audiência (referência citius nº 98193805) onde se verificava que estava faturada – veja-se a fatura nº FA= L/23445, datada de dia 19.12.2023 com início de transporte pelas 12:01 na viatura ..-JX-.. - à empresa Expoflora Lda. uma caixa de óleo com 3 unidade de 5lts.
jj) O que se discutia era o transporte legitimo de uma caixa. Não se discutia se a caixa era amarela, azul ou de qualquer outra cor, ou sequer a marca.
kk) Passamos de nenhuma caixa faturada a dia 19.12.2023, para a demonstração que havia efetivamente uma caixa de óleo faturada nesse dia, para ser transportada pelo A. e na carrinha que lhe estava atribuída, conforme a própria testemunha DD referiu.
ll) A verdade é que no vídeo apresentado não se vê o A. a transportar, além da caixa, nenhum do material faturado e constante da documentação junta pela testemunha em sede de audiência. Facto que muito se estranha e ao qual deve acrescer o facto de resultar certo que há pelo menos 1 mês e meio, mas possivelmente há mais de 4 meses, que ‘’andavam em cima dele’’- frase que o Tribunal inclusivamente transcreve na sentença, em sede de motivação, no momento da apreciação do depoimento da testemunha DD. cfr. sentença página 10 linha 4. Aqui levanta-se outra questão: o vídeo terá sido capturado em que data? Nos autos inexiste prova sobre o modo, data e hora da recolha. O que permite ao menos equacionar que o vídeo pode ser de uma outra qualquer data e ocasião.
mm) Em suma, antes da fatura da caixa de óleo vendida à Expoflora ser junta aos autos, todas as testemunhas e o gerente em declarações de parte, afiançaram que não estava faturada nenhuma caixa de óleo naquele dia. Depois da junção da faturação, DD tentou desenvencilhar-se dizendo que se referia à marca.
nn) Finda aquela sessão de julgamento de dia 05.11.2024, por requerimento citius da mesma data e com a refª 11124691, veio a Ré requerer a inquirição de EE. O que o tribunal permitiu! A R. não provou a essencialidade daquela inquirição, como de resto impõe o artigo 526º do CPC. Todavia, acresce que o R. já tinha indicado 11 testemunhas, servindo-se daquele expediente para aditar ilegalmente o rol, o que cremos ser inclusivamente contrário ao princípio da estabilidade da instância e da diligência que as partes devem ter quanto à indicação de prova. Sendo ainda certo que o conhecimento da existência daquela testemunha e da sua suposta intervenção sempre haveria de ser do conhecimento da R. desde o início dos presentes autos, ou seja desde data anterior ao próprio processo disciplinar, pelo que se não a indicou nos articulados para o efeito, considerando inclusivamente que aditou o rol de testemunhas, foi por entender que não era necessária ou pertinente ou por falta de diligência.
oo) Porém, contrariando tudo o que seria expectável, o Tribunal a quo permitiu a inquirição de EE na segunda sessão de julgamento, mantendo a linha que vinha adotando de tudo permitir a entidade patronal.
pp) Permitiu-se com isto que aquela testemunha viesse com aquilo a que se chama ‘’a lição mais bem estudada’’, focando o seu discurso na marca da caixa, mas nem assim trouxe verdadeira luz aos autos.
qq) Ainda que o tribunal não tenha acompanhado a evidência, resulta da prova que : o vídeo não se reporta ao dia em causa nos autos, se se reporta-se outros produtos seriam carregados, mas ainda que se reporta-se existia de facto uma caixa de papelão faturada para transporte a efectuar pelo A.
rr) Prosseguindo, paira então outra questão que urge esclarecer: como provar o que seguia na caixa, no seu interior ? Iria a caixa vazia? Ou levaria óleo de outras marcas que não a ENI também vendidas pela Ré? A verdade é que ninguém logrou esclarecer tais questões. E uma coisa é certa: o A. carregou licitamente uma caixa de papelão com 3 embalagens de óleo faturadas nos termos enunciados acima.
ss) A R. é uma empresa com várias décadas de atividade, porquanto foi constituída em 2010, em plena era tecnológica. Sendo certo que a outra empresa do Grupo, LP, Lda.. se encontra no mercado desde 2007. Por outras palavras, os sócios da R. têm uma vasta experiência empresarial. Os produtos que vende têm obrigatoriamente que constar do stock, sendo habitual realizar inventário com regularidade, de forma a poder confirmar o balanço entre compras e vendas, verificando o número de unidades disponíveis. Conforme se verificou pelas faturas juntas aos autos os produtos são faturados com recurso a referências. Cada produto corresponde assim a uma referência. Não é crível que ninguém tenha conseguido identificar que material estava de facto em falta.
tt) Porém, ninguém esclareceu nos autos que produto concreto, ou pelo menos qual era a sua referência ou tipo de óleo, ou o seu valor e em que quantidade foi o mesmo subtraído pelo A. Acresce que também não é crível que a R. dê agora conta que ‘’serão cerca de 100.000€ que andam na rua’’ e que ‘’havia óleo a desaparecer’’ cfr.sentença pagna 9 linhas 13 e 16 e ainda assim não saibam esclarecer que produtos se encontram efectivamente em falta.
uu) Sendo certo que para adensar o mistério ficou esclarecido que as caixas em armazém não se encontravam sempre cheias.
vv) Aqui chegados o que temos é o seguinte: Parece que o A. subtraiu não se sabe o que, por que seguia dentro de uma caixa, não se sabe de que valor, referência ou sequer quantidade. E até podíamos arriscar dizer que tudo isto teria passado ao lado do Tribunal a quo se não fosse o que consta da motivação da própria sentença e que ora se transcreve: ‘’acresce não haver dúvida que se tratou de uma caixa completa/fechada (com três ou quatro embalagens dentro, o que não foi possível apurar, atenta a divergência dos depoimentos (…) cfr. Sentença a fls 14 linhas 23 a 26.’’
ww) Por último, mas não menos importante, ficamos também a saber que a R. foi vítima de um roubo em data anterior. Pelo que ainda que lhe falte material, ninguém consegue descortinar se o mesmo não foi o material roubado nessa ocasião.
xx) Outro facto que se estranha ter passado despercebido ao Tribunal é o facto de todos os intervenientes acharem normal que a R. ligue a clientes a perguntar se já tinham pago e mediante resposta positiva, assumem de imediato que o suposto pagamento tinha sido entregue ao A. Ora bem, é usual nas lides comerciais existirem faturas em atraso e clientes devedores. Quantos não são os que chegam a tribunal em processo de cobrança de faturas que apesar de afiançarem ter pago, não o consegue demonstrar. A verdade é que também a R. se agarra a um raciocínio que não pode, sem mais, fazer concluir que todas as faturas em dívida na contabilidade, pelo facto de os clientes terem dito que se encontravam pagas, se encontravam de facto pagas e o seu valor tinha sido entregue ao A.
yy) A verdade é que o autor confrontado com pressões da entidade patronal e da sua colega DD, Confrontado com essas pressões , foi dizendo que iria providenciar para que questões que efectivamente se verificassem pendentes se regularizassem. Um ‘’vou resolver’’ não se pode confundir com um ‘’vou pagar’’. Alias, como resulta da página 8 linha 13 da sentença, o A. disse ‘’que ia resolver o assunto’’, mas o representante legal entende que tal expressão é o A. as responsabilizar-se pelos pagamentos. Igual entendimento é feito quanto as mensagens de WhatsApp. Sucede porem, que o entendimento que é feito, no contexto supra debatido e no estado de pressão que o R, vinha a sofrer poderá apenas significar que iria interceder junto dos clientes.
zz) Todas as alegações feitas em sede de PD pecam por faltarem à verdade, como se demonstrou pela prova testemunhal supra transcrita.
aaa) Assim não se pode aceitar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por não estarem provados os factos constantes da decisão de despedimento e da sentença.
bbb) Na verdade, a R. acusa o trabalhador de se apoderar para si de uma caixa que continha óleo, sem, no entanto, carrear para o processo disciplinar qualquer facto que permita confirmar a acusação, mas antes contrariá-la.
ccc) Mais, como se alegou em sede de resposta à Nota de Culpa e ainda em sede de contestação, todos os bens que manuseou ao longo de mais de 12 anos de trabalho, fê-lo no âmbito das funções, enquanto comercial! Carregava bens da sua entidade para distribuir pelos clientes, porquanto essa era umas das suas funções.
ddd) Ademais, é a própria R. que refere que, nas atribuições e incumbências do A. se contavam a recolha de encomendas e entrega ao cliente (ver alegações nº 2, 5, 6, etc., da queixa crime dirigida ao MP de Cidade 1). Do exposto resulta que o manuseamento e transporte de bens comercializados pela entidade patronal não só era normal, como constituía uma obrigação do trabalhador.
eee) A tudo acresce que o arguido não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada é sede de PD. Em boa verdade, o ónus da prova dos factos constitutivos da infração impende sobre o titular do poder disciplinar. O mesmo é dizer que nenhuma prova foi feita de que o A. tenha praticado qualquer ato merecedor de responsabilidade disciplinar.
fff) Acresce, que um “non liquet” em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do “in dubio pro reo”. Cabendo ao empregador o ónus da prova da justa causa, terá este de fazer prova da existência de um furto e de alegar e provar a existência de uma perda patrimonial. Nesse mesmo sentido veja-se o o acórdão do tribunal da relação do Porto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9c2f3f3fcec9e0d780258998002ff17a?OpenDocument
ggg) Da mesma forma, inexistem evidências de que o trabalhador A. tenha violado culposamente os deveres constantes g) e h) do artigo 128º do Código do Trabalho. Consequentemente inexiste qualquer demonstração de que o A. tenha com a sua conduta violado o disposto nas al. a) e e) do nº 2 do artigo 351º do código do Trabalho.
hhh) Na verdade, é a R. quem pratica reiteradamente condutas que abstratamente são susceptíveis de enquadrar, entre outros, os crimes de denuncia caluniosa, injúria e assédio.
iii) Caso não se entenda como acima se expos, o que apenas por mera hipótese académica se concebe, sempre haveriam de operar os mais basilares princípios de direito penal, aplicáveis ao Processo disciplinar. Nomeadamente o princípio do in dubio pro reo.
jjj) Em caso de alguma dúvida assaltar o julgador quanto à prática do crime, o arguido não pode ser pelo mesmo condenado. Uma das vertentes do aludido princípio é a constitucionalmente consagrada presunção de inocência, descrita no artigo 32º da CRP. Este artigo é uma vinculação dirigida ao juiz, pois em caso de dúvida tem o Tribunal de decidir pro reo.
kkk) Necessariamente o julgador tem de ficar em dúvida perante a prova produzida sobre factos relevantes para assim decidir favoravelmente ao arguido. No caso dos autos, a sentença proferida pressuporia a ausência de dúvida. Facto que nos leva a indagar se perante a prova constante dos autos, o Tribunal a quo deveria ter ficado em estado de dúvida. Estamos em crer que a prova documental, em conjugação com a a prova testemunhal nunca eram suficientes para criar qualquer certeza, sendo antes aptas a lançar dúvidas inultrapassáveis sobre a prática de factos criminosos. Esta materialização da dúvida é suportada pela motivação da sentença sem suporte na prova efetivamente produzida, fazendo uma deplorável interpretação da prova. O Tribunal não pode fundamentar as suas decisões num facto que ‘’não foi possível apurar, atenta a divergência dos depoimentos (…) cfr. Sentença a fls 14 linhas 23 a 26.’’. Sobretudo quando falamos de um facto constitutivo de um crime e sobre o arguido impende a presunção de inocência.
lll) Tudo isto conjugado com a falta de evidencias era imperativamente apto a criar dúvidas insanáveis. Tal comporta em si uma incongruência na análise factual de tal forma insanável que não se compreende a decisão.
mmm) Deste modo, quer pela análise da decisão e da sua motivação, quer pela análise de toda a prova testemunhal e documental nos autos, e que é muita, ter-se-á que concluir pela gritante violação deste princípio.
nnn) Bem sabemos da existência do não menos importante princípio da livre apreciação da prova, princípio que exclui a apreciação sem motivação e arbitrária da prova produzida. Pois, como é consabido, a discricionariedade não é ilimitada, deve sempre ser norteada pela perseguição da verdade concreta, provada, sem ser suscetível a dúvidas. Nesta senda, pode ler-se o Ac. 1165/96, de 19-11, Proc. n.º 142/96 - 1.ª, in BMJ 461.º/93 e o ac. Do STJ relativo ao proc. nº 07P1769, datado de 12.03.2009.
ooo) Em suma, conjugados todos os elementos probatórios, é mister o que se passou concretamente, sendo certo que ninguém relata os factos dados como provados, nem eles resultam de nenhuma prova.
ppp) Na fundamentação da sentença oferecida pelo Tribunal, são invocadas dúvidas, ainda que indiretamente, pelo meio do uso de expressões como a já transcrita.
qqq) Deste modo, deveria o Tribunal ter aplicado o princípio in dubiu pro reo, culminando na declaração da ilicitude do despedimento.
rrr) Tudo isto é na verdade, contrário à tão mencionada experiência comum. Deste modo, a prova produzida está em contradição com os factos provados.
sss) Acresce à matéria acima exposta e que comprava cabalmente a pressão a que o A. era sujeito por parte da entidade patronal, que a fatura entregue ao A. para devolução e junta aos autos, conjugada com a restante prova , bem como pela sua devolução por parte do A., leva a concluir que tal veiculou apenas mais uma forma da R. amedrontar o A.
ttt) Em suma, da prova produzida resulta o seguinte:
-Os factos provados 1,2,3, 5, 10,12,13, 14 e 15 devem ser mantidos;
-Os Factos provados 4, 6, 7 e consequentemente os factos 8 , 9 e 11 devem ser considerados não provados.
- os factos não provados i) vii) e xii) devem manter-se
Os factos não provados ii), iii), iv), v), vi), viii), ix), x) e xi) devem passar a constar dos factos provados.
uuu) A verdade é que, de acordo com tudo o que se referiu e demonstrou na rubrica precedente, a entidade patronal não logrou provar os factos pelos quais acusava o A., ou melhor o único facto em causa nos autos: o furto de uma caixa de óleo pelo A. no dia 19.12.2023
vvv) Em suma, não se encontram minimamente preenchidos os requisitos para determinar a existência de de justa causa do despedimento. Facto que leva o A. a pugnar pela alteração dos factos provados e , consequentemente conduz a que se considere o despedimento ilícito, com as demais consequências, nomeadamente a condenação da R. nos termos do pedido reconvencional na sua totalidade, e não apenas quanto a ferias vencidas em 1 de Janeiro de 2024 e não gozadas e subíidio de ferias, acrescido dos respetivos juros de mora civis.
www) O A. foi vítima de assédio. O assédio é um comportamento ilícito, que viola a dignidade e personalidade do trabalhador e que é suscetível de gerar o direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais (e patrimoniais) que dele resultem.
xxx) No caso dos autos, as práticas da R. foram aptas a causas mal-estar ao A., que é pessoa séria, respeitada e honesta, e que vive amargurado
yyy) Pelo exposto, o Trabalhador tem direito e reclama da Entidade Empregadora o pagamento da quantia de € 24 700,00 (vinte e quatro mil e setecentos euros), a título de créditos emergentes da relação laboral e da sua cessação, na parte já vencida, discriminada como segue:
1.DANOS NÃO PATRIMONIAIS ----------------------------------- € 2.500,00
2. INDEMNIZAÇÃO ----------------------------------------- € 20350,00
3. FÉRIAS VENCIDAS NO DIA 01 DE JANEIRO DE 2024 -------------------- € 925,00
4. SUBSIDIO CORRESPONDENTE ------------------------------------------------- € 925,00
zzz) E é assim, justamente nesta medida que deve a R. ser condenada com as consequências legais da ilicitude do despedimento.
TERMOS EM QUE, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, DEVENDO EM CONSEQUÊNCIA:
A)DECLARADA A ILICITUDE DO DESPEDIMENTO;
B) SER A ENTIDADE EMPREGADORA CONDENADA A PAGAR À TRABALHADORA A QUANTIA DE € 2.500,00, A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
C) SER A ENTIDADE EMPREGADORA CONDENADA A PAGAR À TRABALHADORA A QUANTIA DE € 20.350,00, A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO POR DESPEDIMENTO ILÍCITO, NA PARTE JÁ VENCIDA, ACRESCIDA DA QUE SE VENCER ATÉ À DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA;
D) EM QUALQUER CASO, SER A EMPREGADORA CONDENADA A PAGAR AO TRABALHADOR AS RETRIBUIÇÕES QUE SE VENCERAM DESDE A DATA DO DESPEDIMENTO ATÉ À DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA.
E) BEM COMO A QUANTIA DE € 1 850,00, A TÍTULO DE OUTROS CRÉDITOS EMERGENTES DA RELAÇÃO LABORAL E DA SUA CESSAÇÃO, NA PARTE JÁ VENCIDA.
F) E JUROS LEGAIS ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
…
A Ré “LO” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.
…
Admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, após subida a este tribunal, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela procedência do recurso.
A Ré veio responder ao parecer, reiterando a manutenção da sentença e a improcedência do recurso.
Também o Autor veio responder ao parecer, manifestando a sua concordância com o mesmo.
Foi recebido o recurso neste tribunal nos seus precisos termos, e, após terem sido colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar;
2) Aplicação do disposto no art. 98.º- J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho;
3) Impugnação do deferimento do depoimento da testemunha EE;
4) Impugnação fáctica;
5) Invalidade do procedimento disciplinar;4
6) Ilicitude do despedimento;
7) Danos não patrimoniais.
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III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. A Ré LO, Lda. é uma sociedade por quotas que tem por objeto o comércio de óleos, massas lubrificantes e combustíveis [cfr. certidão permanente de fls. 28v e seg.];
2. No exercício da sua atividade, a Ré celebrou com o Autor AA um contrato intitulado “contrato de trabalho sem termo”, com início em 2 de novembro de 2012, nos termos do qual este se vinculou a desempenhar, ao serviço da Ré, a atividade correspondente à categoria de vendedor, incumbindo-lhe a realização de tarefas de prospeção de clientes, apresentação de produtos/serviços, gestão de relações com clientes e acompanhamento pós-venda;
3. O Autor foi contratado para exercer as funções referidas em 2 com lealdade, diligência e sentido de responsabilidade;
4. No dia 19 de dezembro de 2023, pelas 12h05m, o Autor retirou do armazém/sede da Ré e colocou dentro duma carrinha uma caixa completa com pelo menos três embalagens de cinco litros de óleo cada, da marca ENI, de qualidade e preço não concretamente apurados;
5. Posteriormente, o Autor conduziu a referida viatura - que lhe estava atribuída para visitar e fazer entregas a clientes no âmbito das duas funções - para fora das instalações da Ré;
6. O Autor quis e conseguiu fazer sua a referida caixa com embalagens de óleo, que pertencia à Ré e retirou sem autorização;
7. Quando confrontado pela gerência da Ré, o Autor respondeu que levara uma caixa vazia;
8. O Autor não devolveu a referida caixa;
9. Devido ao mencionado em 4 a 8, os representantes da Ré deixaram de ter confiança no Autor;
10. Aquando da decisão de despedimento o Autor auferia de retribuição base a quantia de 925€;
11. O ficheiro-vídeo mencionado na nota de culpa encontrava-se armazenado em PEN USB junto ao dossier do processo disciplinar e disponível para consulta;
12. Antes de responder à Nota de Culpa, o mandatário do Autor deslocou-se às instalações do instrutor do processo disciplinar e consultou o mesmo;
Mais se apurou que:
13. A Ré instaurou o processo disciplinar contra o Autor em 20 de setembro de 2023; (Alterado conforme fundamentação infra)
14. O Autor foi notificado da instauração do processo disciplinar e da nota de culpa, por carta datada de 26 de dezembro de 2023, nos termos constantes de fls. 31 que aqui se dá por reproduzido;
15. Por carta data da 5 de março de 2024 foi comunicado ao Autor o Relatório e a Decisão do Procedimento Disciplinar ora impugnada;
…
E deu como não provados os seguintes factos:
(i) Que tenha sido expressamente solicitado ao Autor que devolvesse a caixa;
(ii) Que a consulta do processo disciplinar por parte do Autor e seu mandatário tenha sido impedida ou dificultada;
(iii) Que o “ficheiro vídeo” não estivesse junto com o processo disciplinar e não tenha sido facultada a prova documental;
(iv) Que o presente processo disciplinar tenha apenas como finalidade desmoralizar o Autor e obrigá-lo a desvincular-se do contrato de trabalho;
(v) Que a Ré tenha retirado condições comerciais que permitissem ao Autor vender em condições concorrenciais, o que resultou numa quebra de vendas por parte do Autor;
(vi) Que a Ré tenha alegado prejuízos infundados provocados pelo Autor;
(vii) Que fosse prática comum o gerente da Ré dirigir-se ao Autor dizendo-lhe: “tu só dás prejuízo, tens de te ir embora, vais a bem ou vais a mal”;
(viii) Que o envio ao Autor de uma fatura no valor de 7.945,01€ tenha tido o objetivo de o amedrontar;
(ix) Que a Ré tenha exercido pressão psicológica constante, dizendo amiúde na empresa que o Sapo, nome pelo qual o Autor é conhecido, tinha de se ir embora, porque só dava prejuízo;
(x) Que no dia em que se deslocou à casa do Autor, o gerente da Ré o tenha tentado coagir a entregar o veículo, fazendo-o crer que iria preso se não aceitasse;
(xi) Que o Autor tenha sentido mal-estar devido à conduta da Ré e viva amargurado e triste por saber que é alvo de injustiça;
(xii) Que o Autor tenha gozado a totalidade das férias vencidas em 1 de janeiro de 2023 no decorrer do referido ano;
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IV – Enquadramento jurídico
Questão Prévia
Consta dos factos provados 4, 5, 6 e 13 que:
4. No dia 19 de dezembro de 2023, pelas 12h05m, o Autor retirou do armazém/sede da Ré e colocou dentro duma carrinha uma caixa completa com pelo menos três embalagens de cinco litros de óleo cada, da marca ENI, de qualidade e preço não concretamente apurados;
5. Posteriormente, o Autor conduziu a referida viatura - que lhe estava atribuída para visitar e fazer entregas a clientes no âmbito das duas funções - para fora das instalações da Ré;
6. O Autor quis e conseguiu fazer sua a referida caixa com embalagens de óleo, que pertencia à Ré e retirou sem autorização;
13. A Ré instaurou o processo disciplinar contra o Autor em 20 de setembro de 2023;
Ora, para além de não ser possível instaurar um processo disciplinar, relativo a um facto ocorrido em 19-12-2023, cerca de três meses antes da sua ocorrência, consta da fundamentação de facto da sentença recorrida que o facto 13 foi dado como provado em virtude do que consta do processo disciplinar junto aos autos. Ora, desse processo disciplinar consta que foi determinada a abertura do presente processo disciplinar em 20-12-2023, o que, aliás, se mostra alegado no art. 22 do articulado de motivação do despedimento.
Assim, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por ser evidente que a data em que se determinou a abertura do processo disciplinar foi a de 20-12-2023 e não a de 20-09-2023, altera-se o facto provado 13, o qual passa a ter a seguinte redação:
13. A Ré instaurou o processo disciplinar contra o Autor em 20 de dezembro de 2023;
1 – Prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar
Entende o recorrente que, em face da factualidade dada como provada, quando o procedimento disciplinar se iniciou o direito a instaurá-lo já se encontrava prescrito, nos termos do art. 329.º do Código do Trabalho.
Apreciemos.
No caso em apreço, para além de ter sido oficiosamente alterado o facto no qual o recorrente fundamentou a sua pretensão, é de salientar que o recorrente não invocou a prescrição do processo disciplinar em sede de resposta ao articulado de motivação do despedimento, pelo que, por se tratar de uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso, e que, por ser nova, não foi previamente apreciada pelo tribunal a quo, mostra-se este tribunal impedido de a apreciar.5
Pelo exposto, não se procederá à apreciação da presente questão.
2 – Aplicação do disposto no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho
Considera o recorrente que é de aplicar o disposto no art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, uma vez que, aquando da notificação que foi efetuada à Ré, nos termos do art. 98.º-I, n.º 4, al. a), do mesmo Diploma Legal, este não veio juntar aos autos o procedimento disciplinar completo, nele faltando o ficheiro de vídeo e ainda o auto de inquirição ou de visionamento da testemunha BB.
Dispõe o art. 98.º- J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho que:
3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.
Relativamente à invocada falta do auto de inquirição ou de visionamento da testemunha BB, estamos, uma vez mais, perante uma questão nova, visto tal circunstância não ter sido invocada em sede de resposta ao articulado de motivação do despedimento, pelo que sobre a mesma inexistiu qualquer despacho proferido pelo tribunal da 1.ª instância. Não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, encontra-se este tribunal impedido de a apreciar.
Relativamente à admissão, pelo tribunal a quo, do procedimento disciplinar, e consequentemente do articulado de motivação do despedimento, foi em 19-09-2024, proferido o seguinte despacho:
Tendo a Ré, entretanto, juntado aos autos o ficheiro de vídeo, considera-se sanada a irregularidade verificada.
Deste despacho não foi interposto o competente recurso, nos termos dos arts. 79.º-A, n.º 2, al. d) e 80.º, n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho, pelo que o mesmo transitou em julgado em 08-10-2024,6 não sendo, por isso, possível a este tribunal de recurso reapreciar tal questão.
Improcede, assim, a pretensão do recorrente sobre esta questão.
3 – Impugnação do deferimento do depoimento da testemunha EE
Considera o recorrente que o depoimento da testemunha EE não devia ter sido admitido, visto apenas tal depoimento ter sido requerido na pendência do julgamento, sendo que já era do conhecimento da Ré a sua relevância para a prova das questões em apreciação nos autos.
Apreciemos.
O depoimento desta testemunha foi admitido em 21-11-2024 durante a audiência de julgamento, pelo que, nos termos dos arts. 79.º-A, n.º 2, al. d) e 80.º, n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho, não tendo sido interposto recurso desse despacho, o mesmo transitou em julgado em 06-12-2024, pelo que este tribunal se encontra impossibilitado de reapreciar tal questão.
Improcede, assim, a pretensão do recorrente sobre esta matéria.
4 – Impugnação fáctica
Entende o recorrente que os factos provados 4, 6, 7, 8, 9, 11 e 12 deveriam passar a não provados e que os factos não provados ii), iii), iv), v), vi), viii), ix), x) e xi) deveriam passar a provados.
Por se mostrarem cumpridos os requisitos previstos no art. 640.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil, admite-se a presente impugnação.
a) Factos provados 11 e 12 e factos não provados ii) e iii)
Consta dos factos provados 11 e 12 que:
11. O ficheiro-vídeo mencionado na nota de culpa encontrava-se armazenado em PEN USB junto ao dossier do processo disciplinar e disponível para consulta;
12. Antes de responder à Nota de Culpa, o mandatário do Autor deslocou-se às instalações do instrutor do processo disciplinar e consultou o mesmo;
Consta dos factos não provados ii) e iii) que:
(ii) Que a consulta do processo disciplinar por parte do Autor e seu mandatário tenha sido impedida ou dificultada;
(iii) Que o “ficheiro vídeo” não estivesse junto com o processo disciplinar e não tenha sido facultada a prova documental;
Considera o recorrente que os factos provados 11 e 12 devem ser dados como não provados e que os factos não provados ii) e iii) devem ser dados como provados, uma vez que o ficheiro de vídeo não foi junto com o procedimento disciplinar aquando da junção quer do articulado de motivação de despedimento, quer da réplica.
Vejamos.
Consta da nota de culpa, que foi notificada ao recorrente, que “O processo encontra-se à sua disposição para consulta na mesma morada”, tendo sido indicada como prova “Documental – ficheiro vídeo”, sendo que na nota de culpa foi ainda junto uma imagem do referido ficheiro vídeo.
Assim, é indiscutível que a Ré (entidade empregadora) fez constar da nota de culpa o local onde se encontrava à disposição do trabalhador (recorrente) o processo disciplinar, indicando ainda como meio de prova um ficheiro de vídeo. Se, porém, o recorrente, apesar de tal notificação, pretendia comprovar, por um lado, que o referido processo disciplinar não se encontrava disponível para consulta, apesar de ter acabado por admitir que o consultou; e, por outro lado, que dele não constava o ficheiro de vídeo, competia-lhe, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, o ónus da prova. Ora, na audiência de julgamento não foi efetuada qualquer prova sobre tal matéria, inexistindo também qualquer outro meio de prova que comprove o alegado pelo recorrente. Acresce que a circunstância de a Ré não ter junto com o processo disciplinar o referido ficheiro de vídeo não permite inferir, por si só, que, aquando da consulta do recorrente ao processo, este não tenha tido acesso ao mesmo, até porque se a intenção da Ré fosse sonegar tal meio de prova, não fazia sentido ter-lhe feito menção na nota de culpa. Acresce que não consta do processo disciplinar um qualquer pedido do recorrente a solicitar o acesso ao meio de prova que figurava da nota de culpa, o que seria a atitude normal, caso tal meio de prova lhe tivesse sido vedado.
Pelo exposto, por inexistência de prova do alegado pelo recorrente, não é possível dar como provados os factos não provados ii) e iii), mantendo-se como provados os factos 11 e 12, improcedendo, nesta parte, a pretensão do recorrente.
b) Factos provados 4, 6, 7, 8 e 9
Consta dos factos provados 4, 6, 7, 8 e 9, que:
4. No dia 19 de dezembro de 2023, pelas 12h05m, o Autor retirou do armazém/sede da Ré e colocou dentro duma carrinha uma caixa completa com pelo menos três embalagens de cinco litros de óleo cada, da marca ENI, de qualidade e preço não concretamente apurados;
6. O Autor quis e conseguiu fazer sua a referida caixa com embalagens de óleo, que pertencia à Ré e retirou sem autorização;
7. Quando confrontado pela gerência da Ré, o Autor respondeu que levara uma caixa vazia;
8. O Autor não devolveu a referida caixa;
9. Devido ao mencionado em 4 a 8, os representantes da Ré deixaram de ter confiança no Autor;
Considera o recorrente que estes factos devem ser dados como não provados perante o confronto dos depoimentos das testemunhas CC, DD, BB, FF e EE. Na realidade, entende que se desconhece o que constava do interior da caixa que o recorrente transportava, bem como o dia em que foi efetuado tal transporte.
Vejamos.
Resulta das declarações do legal representante da Ré, CC, que no dia 19-12-2023, se cruzou com o recorrente quando este transportava uma caixa ao ombro, fechada, para a carrinha de entrega aos clientes. Esse mesmo facto é visionado no ficheiro de vídeo junto aos autos, sendo igualmente visível que a caixa transportada é de cor clara. As testemunhas BB e EE confirmaram ter falado com CC, logo após a ocorrência deste facto, visto CC ter ficado desconfiado relativamente ao que o recorrente transportava. A testemunha DD esclareceu também que, porque já andavam desconfiados do comportamento do recorrente, este não transportava sozinho para o carro o material, razão pela qual era de estranhar o transporte daquela caixa. Por sua vez, a testemunha EE confirmou que as caixas de cor amarela, que o recorrente transportava ao ombro, são da marca de óleo ENI, sendo que o recorrente quando confrontado com a situação de levar uma caixa, ao ombro, para o carro, respondeu a esta testemunha, primeiro, que não tinha levado qualquer caixa, e depois, verificando-se a situação do transporte no ficheiro de vídeo, que apenas transportara uma caixa vazia para pôr lenha. Ora, basta atentar no vídeo para se verificar que estamos perante uma caixa fechada e com algum peso, razão pela qual é transportada ao ombro. Acresce que a testemunha BB esclareceu que, quando vendem apenas uma garrafa de óleo, abrem a caixa, tiram uma garrafa e deixam a caixa aberta com as restantes garrafas, tendo, de igual modo, a testemunha EE confirmado que as caixas vazias estão abertas e as caixas cheias fechadas, o que é também mostrado no ficheiro de vídeo. A testemunha DD também confirmou que o óleo que estava em causa não se encontrava faturado no referido dia 19-12-2023.
Resulta ainda do documento junto em 21-11-2024, que no dia 19-12-2023, efetivamente não foi registado para entrega a cliente qualquer embalagem de óleo da marca ENI.
As referidas testemunhas foram unânimes em confirmar que a caixa que consta do ficheiro de vídeo nunca foi devolvida pelo recorrente.
Por sua vez, conforme bem esclareceu a testemunha BB, porque existem várias referências de embalagens de óleo da marca ENI, havendo caixas fechadas com três embalagens de óleo e outras com quatro embalagens de óleo, não foi possível confirmar qual o tipo de óleo que constava da referida caixa, bem como se nela estavam três ou quatro embalagens.
Os depoimentos citados conjugados com o ficheiro de vídeo e com o documento dos registos para entrega aos clientes de 19-12-2023, merecem total credibilidade, inexistindo, por isso, qualquer dúvida por parte do tribunal sobre tais factos.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir pela manutenção como provados dos factos 4, 6, 7 e 8, improcedendo, nesta parte, a pretensão do recorrente.
c) Factos não provados iv), v), vi), viii), ix), x) e xi)
Consta dos factos não provados iv), v), vi), viii), ix), x) e xi) que:
(iv) Que o presente processo disciplinar tenha apenas como finalidade desmoralizar o Autor e obrigá-lo a desvincular-se do contrato de trabalho;
(v) Que a Ré tenha retirado condições comerciais que permitissem ao Autor vender em condições concorrenciais, o que resultou numa quebra de vendas por parte do Autor;
(vi) Que a Ré tenha alegado prejuízos infundados provocados pelo Autor;
(viii) Que o envio ao Autor de uma fatura no valor de 7.945,01€ tenha tido o objetivo de o amedrontar;
(ix) Que a Ré tenha exercido pressão psicológica constante, dizendo amiúde na empresa que o Sapo, nome pelo qual o Autor é conhecido, tinha de se ir embora, porque só dava prejuízo;
(x) Que no dia em que se deslocou à casa do Autor, o gerente da Ré o tenha tentado coagir a entregar o veículo, fazendo-o crer que iria preso se não aceitasse;
(xi) Que o Autor tenha sentido mal-estar devido à conduta da Ré e viva amargurado e triste por saber que é alvo de injustiça;
Considera o recorrente que a declaração da testemunha DD, quando referiu que “já andavam em cima” do recorrente, confirma que o mesmo tinha falta de condições comerciais, tendo sido intencionalmente colocado pela Ré nessa situação. Considera ainda o recorrente que os depoimentos das testemunhas GG, HH e FF permitem dar como provados estes factos.
Apreciemos.
Relativamente aos factos não provados iv), vi), viii) e ix), as testemunhas indicadas pelo recorrente, em sede de alegações recursivas, nada referiram sobre tais factos, pelo que tais factos sempre terão que se manter como não provados.
Quanto ao facto não provado v), apesar de o recorrente entender que a afirmação da testemunha DD, de que “já andavam em cima” de si, comprova tal facto, verdade é que, para além de estarmos perante um facto manifestamente conclusivo (em concreto, não se conhece o que é que foi retirado ao recorrente), tal afirmação em nada comprova que o recorrente tivesse visto as suas “condições comerciais” retiradas e muito menos que o recorrente tivesse tido uma quebra de vendas.
Assim, este facto manter-se-á como não provado.
Quanto ao facto não provado x), importa referir que a testemunha HH apenas referiu que a testemunha DD foi a sua casa buscar a carrinha, já não que o gerente da Ré tenha ido a sua casa e que tenha feito crer que o recorrente iria preso caso não aceitasse devolver a carrinha.
Assim, este facto é de manter como não provado.
Quanto ao facto não provado xi), relativamente à questão de ser “alvo de injustiça”, por se tratar de um facto conclusivo, nunca poderia ser dado como provado. Por sua vez, quanto à circunstância de o recorrente se sentir mal e viver amargurado e triste, nenhuma testemunha fez menção a estes precisos sentimentos, tendo a testemunha HH apenas feito menção a que o recorrente andava stressado.
Assim, também este facto se manterá como não provado.
Em conclusão, improcede na íntegra a impugnação fáctica do recorrente.
5 – Invalidade do procedimento disciplinar
Entende o recorrente que o procedimento disciplinar é inválido, nos termos dos arts. 355.º, n.º e 382.º, nºs. 1 e 2, al. c), ambos do Código do Trabalho, porque:
a) a nota de culpa não se mostra assinada pelo instrutor;
b) por na nota de culpa constarem factos para os quais inexiste qualquer prova documental;
c) por na nota de culpa estar indicada uma testemunha, mas no processo disciplinar consultado para responder à nota de culpa não constar o auto de inquirição dessa testemunha;
d) o processo disciplinar apenas se encontrar numerado das páginas 1 a 7; e
e) por no processo disciplinar faltarem peças processuais e ter sido dificultada a consulta.
Em primeiro lugar, importa esclarecer que, quanto às circunstâncias mencionadas nas alíneas a), b), c) e d), porque as mesmas não foram invocadas na resposta dada pelo recorrente ao articulado de motivação do despedimento, não tiveram, e bem, qualquer apreciação por parte do tribunal a quo. Assim, e porque não estamos perante questões que sejam de conhecimento oficioso, por se tratarem de questões novas, não serão apreciadas por este tribunal.
Vejamos, então, se o procedimento disciplinar é inválido no que diz respeito à alínea e).
Considera o recorrente que, apesar de se ter deslocado ao local indicado para consulta do processo disciplinar no dia 09-01-2024, pelas 10h00, não pôde consultar o processo, por o mesmo não estar disponível, tendo, posteriormente, sido informado, via email, de que poderia proceder a tal consulta no dia 10-01-2024, o que veio a ocorrer, constando, porém, apenas de tal processo o termo de abertura e a nota de culpa, pelo que nele não constava quaisquer auto de ocorrência, autos de visionamento, autos de inquirição e ficheiro de vídeo.
Concluiu, assim, que a impossibilidade de consultar o processo disciplinar integral consubstanciou uma violação do seu direito de defesa.
Apreciemos.
Quanto às peças processuais que faltavam no processo disciplinar, aquando da consulta do recorrente, uma vez que na resposta dada pelo recorrente ao articulado de motivação do despedimento apenas fez menção à inexistência do ficheiro de vídeo, por se tratarem de questões novas, não iremos apreciar a eventual falta no processo disciplinar do auto de ocorrência, dos autos de visionamento e dos autos de inquirição.
Relativamente à circunstância de não ter sido dado acesso para consulta do ficheiro de vídeo ao recorrente, aquando da sua consulta do processo disciplinar, em face do que resultou da matéria dada como provada, designadamente do que consta dos factos provados 11 e 12, não tendo o recorrente conseguido provar o que consta do ponto iii) dos factos não provados, apenas pode improceder tal questão.
Por fim, relativamente à questão de lhe ter sido dificultada a consulta do processo disciplinar, uma vez mais, é de salientar que o recorrente não fez prova do facto não provado ii), ou seja, não fez prova de que efetivamente tivesse havido qualquer obstáculo à sua consulta do processo disciplinar.
Assim, apenas nos resta concluir pela improcedência, nesta parte, da pretensão do recorrente.
6 – Ilicitude do despedimento
Entende o recorrente que, por a Ré não ter conseguido provar o único facto que imputou ao recorrente, ou seja, o furto de uma caixa de óleo no dia 19-12-2023, não se encontram minimamente preenchidos os requisitos para que lhe fosse aplicada a sanção de despedimento com justa causa, pelo que deve ser declarada a ilicitude do despedimento, com as legais consequências.
É, assim, evidente que a fundamentação do recurso, quanto a esta questão, se baseou unicamente no procedimento da pretendida alteração fáctica.
Acontece, porém, que tal alteração fáctica não teve procedência.
Assim, terá igualmente de improceder a pretendida ilicitude do despedimento, mantendo-se, nesta parte, a decisão constante da sentença recorrida.
7 – Danos não patrimoniais
Entende o recorrente que, por ter sido vítima de assédio por parte da Ré, deve esta ser condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €2.500,00.
Acontece, porém, que a procedência desta pretensão estava igualmente dependente da procedência da impugnação da matéria de facto, concretamente quanto aos factos não provados iv), v), viii), ix), x) e xi), cujo objetivo era o de passarem a provados. Tendo, porém, tal impugnação fáctica improcedido, improcede igualmente, nesta parte, a sua pretensão.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 25 de junho de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço ; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.↩︎
2. Doravante AA↩︎
3. Doravante “LO”.↩︎
4. Apenas se aprecia a invalidade do procedimento disciplinar após a análise da impugnação fáctica por alguns dos pontos invocados dependerem da prévia análise dessa impugnação.↩︎
5. Vide acórdãos proferidos pelo STJ em 17-11-2016 no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2 e pelo TRE em 12-03-2015 no âmbito do processo n.º 55/14.0TBAVS.E1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎
6. Atente-se que a presente alegação de recurso foi interposta em 24-01-2025.↩︎