Sumário (elaborado pela relatora):
1. Incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais: A culpa decorre de um juízo de censurabilidade sobre a conduta do progenitor e consiste na apreciação do desvalor que resulta do reconhecimento de que aquele progenitor, nas circunstâncias concretas em que actuou, poderia ter conformado a sua conduta de molde a assegurar a satisfação do dever parental a que a decisão de regulação o obriga e cujo cumprimento lhe era exigível nesses mesmos condicionalismos.
2. Esse juízo de censurabilidade pressupõe a consciência pelo progenitor da ilicitude da sua conduta e a inexistência de uma causa de exculpação, como por exemplo, uma qualquer situação de inexigibilidade.
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Cidade 1, Juízo de Família e Menores de Cidade 1 – Juiz 3, AA, identificada nos autos, veio instaurar incidentes de incumprimento, encontrando-se apensados a estes autos e sendo tramitados em conjunto com este apenso O, os apensos P,Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA e AC, contra BB, identificado nos autos, relativamente à filha de ambos, CC.
Alegou, para o efeito, que o pai da menor estaria a incumprir o regime estabelecido na sentença de alteração da regulação das responsabilidades parentais, impedindo a mãe de conviver com a filha nos fins de semana que discrimina e nas férias de Natal, estando as duas sem conviver uma com a outra desde 6.11.2022.
Inconformada com o decidido quanto ao alegado incumprimento do regime de visitas veio a requerente AA interpor recurso de apelação em que, no termo das respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“(1) A mãe da menor Recorrente, sempre diligenciou para a entrega da menor, mesmo afastada pelo tribunal, MP a pedido do Requerente.
(2) Informou sempre atempadamente e justificando a ocorrência junto do Recorrido ou atrasos e manifestações reveladas pela menor nas entregas.
(3) A menor tem sido entregue ao pai dentro dos moldes plasmados pelo Tribunal.
(4) A entrega da menor à mãe pelo pai, tem ocorrido sem problemas.
(5) A menor vem sempre feliz por ter possibilidades de estar com a mãe.
(6) Nunca ocorreu nenhum episodio de violência ou agressão à menor pela mãe.
(7) Nunca foi apreciada qualquer ocorrência de desvalor da menor praticada pela mãe da menor, nem existem sinalizações junto da CPCJ.
(8) Ficou provado que a psicóloga da menor contratada pelo pai da mesma, praticou perjúrio quando afirmou no depoimento gravado nos autos que após a suposta ocorrência a menor nunca mais falou com a mãe, o que é falso, pois constam dos autos provas áudio de gravações de videochamadas que o tribunal não valorou.
(9) O tribunal e o MP e a Acessória técnica da ISS tem conhecimento do pai bater na menor, mas ainda assim nada fazem ou deram descrição na presente motivação ou factos provados.
(10) O tribunal ao longo de toda a sentença omite factos e provas por as mesmas serem inconvenientes ao pai da menor e que levariam a condenação nos incumprimentos submetidos aos autos.
(11) Sentença não invoca relatório pericial de 04/04/2018, cit. “ (…) junto aos autos no qual o pai na pág 12 é pedido a fazer ajuda especializada quanto á eventual tendência ao predomínio das variáveis de funcionamento da personalidade. … “ pág- 10 cit. “ (…) com recurso a enquadramento em ajuda especializada com acompanhamento em serviço de saúde”(…).
(12) O tribunal/ o Juiz titular do processo da sentença de que se recorre ao longo de todo o processo tem impedido o pedido de perícia psicológica a toso os intervenientes da família pedo pela mãe da menor, possivelmente com receio de se vir a detetar comportamentos suscetíveis de serem avaliados.
(13) O tribunal na douta sentença anula toda a prova pedida pela mãe da menor para ser junta aos autos, não permitindo defesa plena, bem sabendo o tribunal que extravasa a sua competência para tal, violando a lei no âmbito do processo de família e menores.
(14) O tribunal não considera mentira a menor ter dito no relato da factualidade que os olhos da mãe e acompanhantes nos supostos atos de bruxaria mudavam de cor.
(15) O tribunal não atendeu ao depoimento do Dr. DD, ao aferir que cientificamente o que a menor disse é uma impossibilidade a mudança de cor dos olhos.
(16) O tribunal nada fez nem mencionou em desvalor para com a atitude do pai da menor, perante os despachos do anterior juiz, titular do processo em Cidade 1, onde o mesmo não dava razão ao pai por ter intentado um providencia cautelar, e ter requerido a impossibilidade da mãe da menor ser notificada para poder exercer o contraditório a revelia dos mais básicos direitos fundamentais em direito plasmados.
(17) mais a presente sentença omite na sua motivação histórica dos factos, existir nos autos decisão judicial que obriga o pai da menor a dar cumprimento aos convívios decretados com a mãe da menor aos fins de semana, mesmo com a providencia cautelar não sendo meio processual plasmado na lei.
(18) O tribunal na sua motivação, não da como provado prefere omitir tais factos que constam dos autos e decretados pelo juiz em claro favorecimento do pai da menor.
(19) Mais, o juiz titular do processo e que proferiu esta decisão de que se recorre, tendo sido submetido um conjunto de incumprimentos do pai da menor, proferiu decisão no sentido da mãe da menor poder ver a menor no CAFAP de Cidade 1, no entanto, nada se efetivou ou seja, a sua decisão não teve concretização, e mesmo tendo sido o juiz sido informado a requerimento da mãe no processo, que a sua decisão não esta a ser concretizada, nada fez.
(20) Nunca a Recorrente, previu com possível toda a factualidade descrita e junta aos autos como possível ser invocada por ser falsa, nem o tribunal na presente sentença tem prova concreta e irrefutável da existência de tais factos.
(21) A Recorrente nunca impediu o convívio da menor com o pai, inclusive, tendo-se deslocado variadíssimas vezes para recolher a menor em Cidade 1 com deslocações de 500Km ida e volta, sem que o pai a entregasse ou permitisse uma videochamada durante cerca de quase 2 anos, e o tribunal na douta sentença nada diz sobre este comportamento lesivo da menor perpetrado pelo pai da mesma, sabendo e tendo consciência dos males que estava a praticar.
(22) Os factos dados como aprovados pelo tribunal na sentença de que se recorre, na sua esmagadora maioria são factos que pretendem justificar a decisão com outras sentenças anteriores e transitadas em julgado, com a mãe da menor a cumprir escrupulosamente as mesmas, ou seja estamos perante uma dupla condenação pela mesma factualidade o que viola os princípios fundamentais de isenção e imparcialidade.
(23) Em momento algum, verifica-se um único aponte ao comportamento ou incumprimento do pai/Recorrido na decisão que se recorre embora os autos tenham matéria e prova documental que o prova.
(24) Por tudo o exposto, mostra-se claro a indignação da Recorrente à imputação inferida pelo Tribunal “a quo” pois salvo melhor e mais esclarecida ponderação, não foram atendidos todos os factos e provas juntas aos autos, e os que foram, estão erradamente apreciados e intencionalmente valorados em detrimento da mãe da menor, motivo pelo qual se recorre por não estar de acordo.
(25) Quando na douta sentença no seu histórico de motivação se faz menção aquando da audição da menor tal não é verdade, pois a intenção já era de a entregar ao pai conforme sentença de 31/12/2021, porquanto a menor saio por porta diferente para não ver a mãe, e só com a roupa do corpo, tendo a mãe da, menor levado uma mala de roupa para ela ir de ferias com o pai, factualidade que o tribunal omite e que é relevante par a decisão da causa em apreço.
(26) Também, não se aceita que o Meritíssimo juiz diga que conhece muito bem o pai, portanto o mesmo tem de justificar a que nível surge tal conhecimento, sob pena de “suspeita” de favorecimento em sede de decisão de que se recorre.
(27) Considerou o tribunal na douta sentença de que se recorre, que as testemunhas de sangue do pai da menor são mais credíveis que as restantes testemunhas, porquanto sabe-se que não foram apresentadas mais nenhumas testemunhas por parte do pai a não ser a psicóloga que foi contratada pelo pai da menor e que peticou perjúrio, no entanto o tribunal considera um testemunho credível.
(28) Admitir e concretizar a inibição da visita da mãe da menor à menor, como castigo e terapia, é contraria a todos os estudos existentes sobre o papel das relações afetivas, privilegiadas no desenvolvimento da menor e resulta numa regressão da menor, como ser humano com direito a sua opinião e reconhecimento da sua progressiva autonomia, podendo no futuro criar graves problemas sociais na família e na sua vida privada.
(29) Ao não condenar o pai, por todos os apensos de incumprimento realizados pelo pai da menor, coloca em causa a verdade a justiça pondo em causa a saúde mental da menor.
(30) Assim, não se aceita a douta sentença, que se impugna, porquanto contem erros manifestos e graves na apreciação da prova falta de isenção e imparcialidade que deve ter, pelo que deve ser proferida decisão de nulidade, remetido os autos à proveniência, com a decisão de ser realizado novo julgamento, e ser o processo distribuído a novo juiz, o que se requer. Por estarem em causa os princípios da isenção que coloca em causa os princípios estruturantes da função de julgar. Pelo que, a presente decisão de que se recorre deve ser considerada nula por violação dos princípios Fundamentais de isenção e imparcialidade, e em consequência ser proferida decisão no sentido de baixar o processo á 1º Instância para novo julgamento, com distribuição do processo a novo juiz titular do processo diferente do que proferiu a decisão de que se recorre e, serem aceites as provas desentranhadas.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento judicial, requer-se a V. ª Ex.ª, vem requerer que:
a) Seja revogada a decisão proferida de que se recorre;
b) Seja condenado o pai por todos os apensos de incumprimentos das visitas da mãe à menor, videochamadas e demais convívios em férias e dias festivos.
c) Ou, seja proferida a nulidade da sentença que se recorre, atento a violação pela mesma dos direitos fundamentais da prova para defesa plena e errada apreciação da prova e valoração;
c) Seja decretada que a douta sentença de que se recorre, violou os princípios da isenção e imparcialidade e colocou em causa os princípios estruturantes da função de julgar.
d) Em consequência, ser proferida decisão no sentido de baixar o processo á 1º Instância para novo julgamento, com a distribuição a novo juiz.”
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O recorrido BB apresentou contra-alegações em que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Inexiste fundamento legal para que seja fixado efeito suspensivo ao presente Recurso e por tal razão deverá ser indeferido o pedido deduzido pela Recorrente de atribuição do efeito suspensivo ao presente Recurso;
2. No que toca à alegada suspeição do Meritíssimo Juiz a quo, sempre se dirá que para além da extemporaneidade para suscitar tal questão, nos termos do artigo 119º, n.º 2, do CPC e 121º, n.º 1 do CPC, pois que apenas colocada em causa, após ter sido proferida Sentença, com a qual a Recorrente não concorda, além de o incidente não ter sido formalmente deduzido de acordo com as prescrições legais, pelo que não pode, nem deve ser admitido, nem tão pouco apreciado;
3. No que toca à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, a Recorrente limita-se a rejeitar, negando, os factos imputados à mãe pela menor, daí a irrelevância da quase totalidade das conclusões das alegações: incidem sobre matéria já decidida ou então, devido ao incumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º do CPC, são insuscetíveis de valoração;
4. A impugnação da Decisão da matéria de facto apresenta-se como uma mera manifestação de inconformismo da Recorrente perante o sentido da Decisão Judicial que impugna;
5. Ora, em sede de impugnação da matéria de facto, o que releva são os factos e não a posição que a Recorrente assumiu sobre os mesmos;
6. A maior parte dos factos invocados pelo Meritíssimo Juiz na sua decisão já estavam cobertos por decisões transitadas em julgado, seja por não terem sido objeto de oportuna impugnação, seja por se mostrarem confirmadas, na parte respetiva, em via de recurso;
7. Da análise da motivação apresentada e respetivas conclusões, verifica-se que a Recorrente não observou integralmente as imposições legais mencionadas, já que, tendo sido objeto de gravação os depoimentos prestados em audiência, em parte alguma da motivação especificou, por referência aos suportes técnicos as provas que impunham decisão diversa da impugnada, ou seja, não indicou a localização inicio e fim da gravação dos depoimentos, através dos quais fundamenta a sua discordância relativamente aos pontos de facto que entende, erradamente, julgados;
8. A Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640º n.º 1, alíneas a) e b) do C.P.C., pois que não logrou indicar, quer no corpo das suas alegações, quer nas respetivas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente provados nem os concretos meios probatórios que imporiam Decisão Judicial diferente;
9. Nesta conformidade, e por inobservância do disposto nas alíneas a), e b) do n. º1 e al. a), do nº2 do artigo 640ºdo Código de Processo Civil, deverá o Venerando Tribunal considerar imodificável a Decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo;
10. De acordo com a factualidade dada como provada pela douta Sentença, segundo a qual a criança, CC, foi vítima de maus-tratos psicológicos perpetrados pela Requerente/progenitora no período entre setembro e início de novembro de 2022 em que tais convívios não supervisionados tiveram lugar, nomeadamente:
1) a criança foi agarrada por familiares da progenitora e obrigada a suportar o corte de uma cebola perto dos olhos que a fez desenvolver hiperamia ocular e sofrer dificuldades de visão num contexto em que se aproximava a hora de entrega ao pai depois de um convívio no fim-de-semana de 6/11/2022, tudo no sentido de a progenitora poder demonstrar ao progenitor e aos vizinhos que a criança não queria regressar a Cidade 1 com o Requerido;
2) A criança foi obrigada a participar em rezas e rituais em que a progenitora pedia para que a madrasta e irmã da criança morressem;
3) A criança viu a mãe a bater num peluche que a progenitora confundia com o Pai.
11. Tais factos, apesar do carácter insólito de cada um deles, mostram-se credíveis por todos quantos recolheram o depoimento da criança (psicóloga da mesma, EMAT, INML), e semelhantes no seu teor e na sua gravidade às situações que conduziram, num quadro de alienação parental severa, à transferência de residência da menor para o pai por Sentença do Tribunal de Família de Cidade 2 confirmada por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, datado de 28.04.2022 e, ainda, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07.07.2022;
12. A circunstância de o tio materno- segundo a criança igualmente presente no momento do maltrato- negar estar nesse momento em casa da progenitora e mencionar ter ido nesse dia (6/11/2022) participar numa operação especial da policia mostrou-se pouco credível aos olhos do Tribunal a quo, pelo facto de tal testemunha não ter junto qualquer documento que comprovasse a sua presença em tal operação especial, bem como já ter estado presente noutras situações de conflito entre os pais ocorridas antes da transferência de residência da criança para Cidade 1, colocando-se, nessas ocasiões, do lado da mãe, o que torna naturalmente tal depoimento mais suspeito, não merecendo qualquer credibilidade;
13. Tais factos configuram maus-tratos psicológicos graves por parte da progenitora, cuja constatação levou o progenitor a não permitir mais convívios entre mãe e filha, com o único e exclusivo propósito de proteger a filha menor e impedir que a mesma continuasse a ser alvo de maus-tratos físicos e psicológicos por parte da mãe /Recorrente;
14. O progenitor/Recorrido só não deixou a criança estar com a mãe, depois do episódio do dia 6/11/2023, em razão do perigo que representava para a CC tal convivência familiar, atentos os vários episódios de maus- ratos relatados pela criança;
15. E no contexto em que os referidos abusos psíquicos foram considerados provados, evidente se mostra que a vontade da criança, não só é real e justificada nos referidos maus-tratos, como correspondente ao seu superior interesse de ser protegida de tais situações traumáticas, que obrigam a manter a criança afastada do convívio da Recorrente e restante família materna;
16. No caso dos presentes autos, existe causa justificativa para o incumprimento do regime de convívios por parte do Requerido/progenitor no período subsequente a 99/11/2022 e até à Sentença de inibição do exercício das responsabilidades parentais proferida em 31/3/2024, no apenso AG), que atesta e comprova que a CC foi vítima de maus tratos psicológicos perpetrados pela Requerente/progenitora , no período entre setembro e inicio de novembro de 2022, em que tais convívios não supervisionados tiveram lugar;
17. Desta forma e durante tal período, ficou justificada a necessidade de o progenitor/Recorrido não permitir mais convívios entre mãe e filha, sob pena de esta poder sofrer traumas irreparáveis;
18. Face ao que vem supra explanado, considerando toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e prova documental carreada para os presentes autos, a vontade da menor, tendo como necessidade premente a defesa e salvaguarda do superior interesse da menor, considerando para o efeito a observância de tal principio amplamente preceituado nos diversos diplomas legais e sempre com o douto suprimento de V. Exas., requer-se que os incidentes de incumprimento deduzidos pela progenitora nos Apensos O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA e AC sejam julgados improcedentes, por não provados, com a consequente absolvição do progenitor/Recorrido quanto a todos os pedidos contra si deduzidos.
Nestes termos e fundamentos supra expostos e pelo que doutamente for suprido por Vossas Excelências, não violou, a douta Decisão recorrida, qualquer dispositivo Iegal, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.
Com o que se fará inteira Justiça”
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Nas contra-alegações que apresentou, o Ministério Público concluiu do seguinte modo, não tendo apresentado conclusões (transcrição):
“Também na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, publicada no Diário da República n.º 211/90, Iª Série, 1.º Suplemento, de 12 de Setembro de 1990, se estabelece que, “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (cfr. art. 3º, nº 1).
Ora, revertendo este superior interesse da criança para a decisão proferida, assente nos vastos elementos probatórios produzidos em sede de audiência de julgamento podemos dizer que não este razão alguma à recorrente e que a decisão proferida analisada de forma critica e à luz das regras de apreciação a prova salvaguarda o superior interesse da criança, não merecendo reparo ou censura.
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, o ponto 3 da douta decisão recorrida, Vªs. Exªs. farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA.”
O Mmo. Juiz a quo admitiu o recurso, indeferindo, contudo, a pretensão da recorrente quanto à atribuição ao mesmo de efeito suspensivo, antes lhe atribuindo o efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões formuladas nas alegações, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, para além das que forem de conhecimento oficioso, ressalva feita àquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).
A este respeito, importa começar por referir que a 1.ª instância atribuiu efeito devolutivo ao recurso, o qual, em sede de intervenção preliminar, não foi alterado pela relatora. Significa isto que se mostra dirimida a questão relativa ao efeito do recurso, suscitada nas contra-alegações do recorrido, nada mais havendo, pois, a determinar quanto a este assunto.
Assim, atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, e ao que, tendo sido invocado nas contra-alegações do recorrido, cumpre a esta Relação conhecer, são as seguintes as questões a decidir:
- Admissibilidade da junção de documentos apresentados com o recurso, ou constantes dos autos principais e de apensos;
- Suspeição do juiz por decidir a favor do requerido e não aceitar a produção de prova pedida pela requerente e afirmar que conhece muito bem o pai;
- Impugnação da matéria de facto - errada apreciação da prova e sua valoração;
- Incumprimento do regime de visitas da menor CC à mãe, devendo o pai ser condenado por tais incumprimentos.
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III – Fundamentação
1. Fundamentação de facto.
Teve-se em conta o que consta dos presentes autos (3190/15.4...-O), do processo principal e dos diversos apensos, consultados através da funcionalidade “Citius Viewer”.
A sentença em crise deu como provados os seguintes factos e apresentou a seguinte motivação de facto:
1. O Requerente, BB, e a Requerida, AA, casaram-se em ... de ... de 2010;
2. Na constância do referido casamento, nasceu, em .../.../2014, a criança, CC, actualmente, com 10 anos de idade.
3. Os pais da CC separaram-se em Julho de 2015, tendo a progenitora nessa data decidido sair de casa, levando a criança consigo para casa da sua mãe no Algarve, onde passou a residir temporariamente com a filha, o que aconteceu até 31/12/2021.
4. Em 31/12/2021, o Tribunal de Família e Menores de Cidade 2 proferiu no apenso E) sentença, nos termos da qual alterou o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1. A residência da criança é fixada junto do seu pai no concelho de Cidade 1.
2. As questões de particular importância na vida da CC serão decididas de comum acordo entre os pais, salvo em caso de emergência manifesta, hipótese essa em que o progenitor que estiver com a criança poderá tomar a decisão sozinho, comunicando-a logo que possível ao outro progenitor.
3. Entendem-se por questões de particular importância, designadamente, as seguintes: • Mudança de residência da criança para fora de um raio de 30 quilómetros da sua residência actual junto do progenitor; • Mudança do ensino público para o ensino privado ou vice-versa; • Sujeição da criança a intervenções cirúrgicas dos quais resulte perigo grave para a sua vida ou integridade física; • Prática de desportos radicais da qual resulte perigo grave para a sua vida ou integridade física; • A educação religiosa até aos 16 anos de idade; • A participação em programas televisivos; • A administração de bens da criança que implique a sua alienação ou oneração; • A autorização para casamento; • A autorização para obtenção de licença de ciclomotores; • A representação em juízo.
4. As questões da vida corrente da criança em matéria de educação e saúde serão decididas em exclusivo pelo progenitor, tendo a progenitora direito a ser informada das mesmas, caso o requeira. O pai exercerá o cargo de encarregado de educação na escola, tendo a progenitora direito a obter informações sobre a evolução escolar da filha da parte do novo estabelecimento de ensino por esta frequentado.
5. As demais questões da vida corrente da criança serão decididas pelo pai nos momentos em que esteja com a criança, sendo decididas pela mãe nos períodos em que a progenitora conviva com a filha, devendo esta respeitar as orientações educativas mais relevantes decididas pelo progenitor.
6. Até final do mês de Janeiro de 2022, os convívios da criança com a progenitora ficarão suspensos nos termos do nº3 do artigo 40º do RGPTC, podendo esta, no entanto, contactar a filha por telefone ou video-chamada com periodicidade trissemanal em horário acordado entre os pais ou, na impossibilidade de tal acordo, às terças, quintas e sábados entre as 19h00 e as 20h00, sem prejuízo igualmente da possibilidade de contactar a filha por essas vias no aniversário desta ou no aniversário da mãe, no dia da mãe, domingo de Páscoa, Consoada e dia Natal, caso tais datas festivas ocorram durante o período de suspensão de convívios ou do período convívios supervisionados infra fixado. Durante esse período de suspensão de visitas, o CAFAP reunirá com o pai e a criança, explicando a esta última o sentido da intervenção aludida no ponto 7) da presente sentença.
7. Para além dos contactos por telefone com periodicidade trissemanal referidos em 6), a partir do início do mês de Fevereiro de 2022, a mãe conviverá com a filha em convívios supervisionados pelo CAFAP da Cidade 3 com periodicidade quinzenal e duração não inferior a 1 hora (podendo tal duração ser superior – de 2 horas ou mais horas – caso tal entidade assim o entenda e contar com a participação de outros familiares do lado materno nos termos que tal entidade entenda convenientes) pelo período de 5 meses (sem prejuízo de o CAFAP poder informar o Tribunal da desnecessidade da supervisão de tais visitas em período temporal mais curto, caso em que este poderá decidir mais cedo a modificação do regime de convívios nos termos infra estabelecidos). Para o efeito, o CAFAP informará até final de Março, bem como até 10/6/2022, mediante parecer fundamentado, se existem ou não condições para que os convívios deixem de ser supervisionados, o que dependerá da avaliação do cumprimento dos convívios, da relação estabelecida entre mãe e filha, da ausência de sinais de comportamentos alienantes por parte da progenitora e da condição emocional da criança. Não havendo decisão favorável no final do referido período de 5 meses, os convívios continuarão a ser supervisionados nos termos supra-referidos, sendo a situação reavaliada de 2 em 2 meses, mediante novas informações prestadas pelo CAFAP no final desses períodos.
8. Findo o período de convívios supervisionados e caso exista decisão favorável do Tribunal nesse sentido, a mãe conviverá com a filha sem supervisão nos seguintes termos: Em fins-de-semana com periodicidade quinzenal, deslocando-se a progenitora 1 vez por mês a Cidade 1 e convivendo com a filha entre as 10h00 de sábado e as 19h00 de domingo, para o efeito, recolhendo a criança em casa do progenitor e entregando-a no mesmo local, sendo que 1 vez por mês o pai deslocar-se-á a Cidade 4 com a filha entregando-a à progenitora entre as 17h00 e as 18h00 de sexta-feira e recolhendo-a entre as 18h00 e as 19h00 de domingo. Nos meses de Julho e Agosto de cada ano, com excepção do ano de 2022, em 2 períodos de 15 dias, um em cada mês, ocorrendo, na falta de acordo em sentido contrário por parte dos pais, tais convívios nas primeiras quinzenas de cada mês. Sem prejuízo, no ano de 2022, a mãe poderá conviver com a criança por 2 períodos de 1 semana em cada um dos referidos meses, ocorrendo tais convívios, na falta de acordo em sentido contrário entre os pais, nas segundas semanas de cada um dos referidos meses. Nas férias escolares do Natal, a criança passará, em 2022, a semana que inclui o Natal (entre 19/12, pelas 10h00, a 26/12, pelas 10h00) com a mãe, passando a semana que inclui a passagem de ano (entre 26/12, pelas 10h00 e 2/1) com o pai. No ano seguinte, a criança passará a semana que inclui o Natal com o pai, passando a semana que inclui a passagem de ano com a mãe. E assim sucessivamente, de forma alternada. Nas férias escolares da Páscoa de 2023 (atento os convívios supervisionados previstos para esse período em 2022), a criança passará a semana de férias que inclui o domingo de Páscoa com a mãe, passando a outra semana de férias escolares com o pai. As entregas nos períodos de férias do Verão, do Natal e da Páscoa serão realizadas na residência do pai, deslocando-se a progenitora para o efeito a Cidade 1, sendo as recolhas efectuadas em Cidade 4, junto da residência da progenitora, deslocando-se, nesse caso, o progenitor. O horário das recolhas e entregas, na falta de acordo em sentido contrário dos pais, será às 10h00 de cada dia de recolha ou de entrega. No aniversário da criança, a mesma poderá fazer uma refeição com cada um dos progenitores, sendo que, no ano de 2023, o pai almoçará com a criança e a mãe jantará com a filha, alternando no ano seguinte, jantando a CC com o progenitor e almoçando a criança com a mãe. E assim sucessivamente de forma alternada. Para esse efeito, os horários de almoço e de jantar são fixados, na falta de acordo em contrário, entre as 11h00 e as 15h00 e entre as 17h30 e as 21h30. No aniversário dos pais, cada progenitor aniversariante poderá jantar com a criança entre as 17h30 e as 21h30. No dia do pai, a criança jantará com o progenitor, sendo que, no dia da mãe, a criança jantará com a progenitora, sendo o horário entre as 17h30 e as 21h30. Em todos os períodos de convívios não supervisionados entre a mãe e a filha, a criança deverá fazer-se acompanhar dos seus documentos, devendo a progenitora entregar tais documentos ao progenitor no final do período de convívio.
9. Enquanto durarem os convívios supervisionados, a mãe pagará, a título de alimentos devidos à criança a quantia mensal de € 150,00, a qual será liquidada por transferência bancária para a conta do progenitor que este indicará à progenitora no prazo de 48 horas até ao dia 25 de cada mês com início em Janeiro de 2022. A partir do início dos convívios não supervisionados, a prestação de alimentos será aumentada para o valor de € 220,00. Sem prejuízo, a prestação de alimentos será actualizada anualmente à razão de € 4,00 ao ano.
10. As despesas médicas, medicamentosas e escolares de valor igual ou superior a € 20,00 serão repartidas entre os pais, devendo o progenitor que liquidar o encargo comunicá-lo por escrito (sms ou e-mail) ao outro no prazo de 15 dias após o pagamento, juntando recibo comprovativo. O progenitor devedor deverá proceder ao pagamento de metade do valor da despesa no prazo de 15 dias após tal comunicação.
11. Fica totalmente revogado o anterior regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais estabelecido no acordo de 14/1/2019 homologado por sentença no processo principal.
12. O Cumprimento do presente regime será fiscalizado a partir da presente data e pelo período de 1 ano pela ATT / EMAT de Cidade 1, juntando tal entidade, para o efeito, relatórios trimestrais que darão conta do cumprimento ou não do presente regime e da evolução da situação de vida da criança (cfr. artigo 40º nº6 e 7 do RGPTC).
5. A referida sentença foi confirmada pelo acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora datado de 28/4/2022 e ainda pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/7/2022.
6. Na sequência da referida sentença mencionada em 4), foram iniciados os convívios supervisionados entre a progenitora e a criança, sendo que, passados cerca de 6 meses, conforme relatório do CAFAP de julho de 2022, tal entidade entendeu que os convívios da criança com a mãe poderiam passar a ser não supervisionados nos termos referidos na aludida decisão de 31/12/2021, o que foi determinado pelo Tribunal, passando os convívios não supervisionados entre filha e progenitora a ocorrer nos termos previstos nos pontos 6) a 8) da aludida decisão judicial citada em 4).
7. Neste contexto, a CC passou duas semanas completas de férias com a mãe em julho e agosto de 2022, passando ainda dois fins-de-semana completos no mês de setembro, tendo tais convívios decorrido de forma positiva segundo ambos os progenitores quando inquiridos pela EMAT no âmbito do relatório junto em 30/9/2022.
8. Até 23/11/2023, data em que foi junto novo relatório de fiscalização do cumprimento da sentença de 31/12/2021, para além dos convívios não supervisionados já ocorridos até início de setembro de 2022, haviam ocorrido os seguintes convívios não supervisionados da criança com a mãe: 10/11 de setembro/2022, pai deslocou-se a Cidade 4, deixando a criança em casa da mãe na sexta-feira; - 24/25 de setembro/2022, mãe deslocou-se a Cidade 1 e recolheu a filha na casa do pai, no sábado, onde a entregou no domingo; - 8/9 de outubro/2022, pai deslocou-se a Cidade 4, deixando a criança em casa da mãe na sexta-feira; - 22/23 de outubro/2022, mãe deslocou-se a Cidade 1 e recolheu a filha na casa do pai, no sábado, onde a entregou no domingo; - 05/06 de novembro/2022, pai deslocou-se a Cidade 4, deixando a criança em casa da mãe na sexta-feira.
9. No dia 9 de outubro de 2022, aquando da recolha da criança pelo pai, a CC queixou-se, chorando, de que lhe doía fortemente a barriga, tendo o progenitor levado a criança ao hospital, verificando-se que não existia causa diagnosticável para as referidas dores.
10. No dia 6 de novembro de 2022 (domingo), a criança, depois de passar o fim-de-semana com a mãe, deveria regressar a Cidade 1 com o pai que a iria buscar à residência da mãe ao final da tarde.
11. Pouco antes de ser recolhida pelo progenitor, a criança foi agarrada pelo tio materno, tendo-lhe a avó materno aberto os olhos e tendo a progenitora, de seguida, cortado uma cebola na proximidade dos olhos da menor de forma a que esta fosse a chorar para o pai quando este a fosse buscar.
12. Na sequência do referido em 11), a criança, aquando da viagem com o pai e a companheira deste no regresso a Cidade 1, queixou-se do sucedido, referindo que estava a ver mal, o que levou a companheira do progenitor a levar a CC à casa de banho da estação de serviço de Almodôvar, onde passaram água pelos olhos da menor.
13. Como as queixas da criança quanto à vista continuavam, o progenitor decidiu levar a criança ao Hospital;
14. Sendo que, já depois de lhe ser feito o teste dos dedos (vendo a CC dois dedos em vez de um dedo que lhe foi mostrado) e de lhe ter sido feita lavagem aos olhos com soro, no referido Hospital foi diagnosticado à criança pela médica de família, Dra. EE: “ligeira hiperemia conjuntival bilateral e do tipo periférica, sem nistagmo, pupilas isocóricas e isoreactivas. Quando questionada sobre quantos dedos vê, refere ver dois quando lhe é mostrado apenas um.”
15. Segundo a referida médica de família, já depois de a criança ter feito lavagem aos olhos com soro na triagem, a CC, aquando da consulta, apresentava ardor nos olhos e dificuldade em ver, tendo relatado à referida especialista o referido em 11), o que levou a que esta fizesse constar o referido relato na ficha de urgência por entender que o mesmo era credível, atenta a emoção e o medo que a criança havia denotado quando por si observada, razão pela qual também aconselhou o progenitor a apresentar queixa criminal.
16. A criança, CC também relatou o incidente da cebola nas consultas de psicologia, mostrando-se triste (chorando) e revoltada com o sucedido, o que levou a referida especialista a concluir que a situação da cebola teria como intenção da parte da mãe que a criança fosse a chorar para o pai aquando da recolha da menor por parte deste.
17. Aquando dos convívios não supervisionados entre agosto e novembro de 2022, mas em data concretamente não apurada, por mais do que uma vez, a progenitora, a avó materna e uma amiga da mãe participaram um ritual em que se deslocavam em torno de uma mesa com velas e em que pediam que a criança não voltasse para Cidade 1 (para o pai) e que a madrasta da menor e a irmã mais nova desta, FF, morressem, obrigando a CC a participar no mesmo, apesar de esta ter medo de tais rituais.
18. Nesses convívios não supervisionados, a mãe pegava, com frequência, num peluche, gritando com o peluche e batendo neste, pensando que o mesmo era o pai.
19. Segundo a psicóloga da criança, a CC apresenta uma adequada percepção da realidade, não denotando tendência para a confabulação.
20. De acordo com o relato da progenitora aquando da sua audição pela EMAT no relatório de 23/11/2023, a criança, aquando dos convívios consigo, iria para o pai a chorar, a verbalizar que “quer(ia) ficar com a mãe”, “chora(ndo) muito e doendo-lhe a barriga”, acrescentando que tal comportamento da CC se havia repetido nas últimas três vezes que o progenitor a havia vindo buscar a sua casa.
21. Na sequência do referido incidente aludido em 20), o Requerente / progenitor, em 9 de novembro de 2022, instaurou procedimento cautelar, tendo em vista a suspensão imediata das visitas da criança à mãe, o que o Tribunal recusou inicialmente por entender que tal suspensão não deveria ser decretada sem a audição primeiro da progenitora, tendo a citação desta ocorrido apenas em fevereiro de 2023, altura em que o progenitor já havia interposto recurso daquela decisão.
22. Nessa sequência, o progenitor veio a desistir do referido recurso e da instância, vindo, posteriormente, a instaurar a presente acção de inibição do exercício das responsabilidades parentais, a qual foi julgada procedente por sentença proferida no apenso AG em relação à qual a Requerente / progenitor interpôs recurso ainda por decidir.
23. Na sequência de queixa criminal igualmente apresentada pelo pai relativamente ao episódio da cebola supra descrito, foi instaurado o inquérito criminal nº 4252/22.7..., o qual foi concluído com despacho de arquivamento, nos termos do qual foi feito constar que a criança, quando inquirida em declarações para memória futura, havia dito que a progenitora a obrigava a mentir, forçando-a a dizer “que o pai era mau, que o pai já lhe tinha batido e que a queria matar”. Disse ainda que a progenitora lhe batia quando se portava mal, com chapadas na cara. Relatou que a progenitora, a avó e o tio cortavam cebola e passavam nos seus olhos, causando dor e visão desfocada e que aqueles acendiam velas pela casa e diziam coisas que a assustavam.
24. No relatório pericial de avaliação psicológica da criança junto no aludido inquérito, foi feito constar que a criança, CC, apresentou um discurso organizado, credível e sem efabulação em relação à situação da cebola mencionada em 11), apesar de não exibir sinais de ter ficado traumatizada com tal episódio.
25. No despacho de arquivamento, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser crível que os factos relatados pela criança tivessem ocorrido, mas que não haviam sido recolhidos outros elementos de prova (…) que demonstrassem de forma suficiente que a conduta da aí arguida tivesse assumido gravidade suficiente para se enquadrar na figura de maus tratos físicos ou psíquicos enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana com afectação da sua saúde física ou psíquica.
26. A criança foi ouvida pelo Tribunal em 26/9/2023 sobre os referidos incidentes, tendo relatado o seguinte: na situação referida em 11), a mãe pôs-lhe cebola nos olhos para chorar, enquanto o tio e a avó materna a seguravam, para que a CC fosse para o pai a chorar e este pensasse que a filha queria estar mais tempo com a mãe. Ficou a ver “em dobro” como consequência de ter sido exposta à cebola. A mãe também teria velas e bonecos adquiridos em Fátima, fazendo rituais em que referia pretender que a madrasta da menor (GG) e a irmã desta (FF) morressem; a mãe também pegaria num peluche e começa a gritar e a bater neste, pesando que o peluche “era o pai da criança”; questionada sobre as razões dessas atitudes, esclareceu que não sabia por que razão a mãe teria tais comportamentos, mas que já antes de a criança ir viver com o pai para Cidade 1, a progenitora poria comida de bebé na sua boca para fingir que a menor estaria a vomitar no sentido de acabar por não ir para o pai e não ter o convívio que estava programado com o progenitor. Questionada sobre qual a sua vontade neste momento no que respeita a ter convívios com a mãe, referiu imediatamente que “não queria” e que tinha medo das atitudes da progenitora, sendo que o tio e a avó também teriam esses comportamentos, não conseguindo compreender porquê. Neste contexto, referiu que, depois de o pai deixar de a levar aos convívios com a mãe, falou com a progenitora por telefone e esta começou a gritar consigo, chamando-lhe nomes, tendo sido essa última vez que falou com a mãe por essa via; houve outra situação em que a mãe a tentou ir buscar à escola e que a mesma se recusou a ir. Questionada sobre se as situações que havia relatado sobre a sua mãe lhe provocavam algum tipo de sintomas físicos (dores de barriga, pesadelos, etc..) referiu que não e que estava a tentar esquecer os referidos episódios vivenciados com a mãe. Perguntada se tinha alguma preocupação em relação à casa do pai, mencionou que não. Quanto à vida em casa do pai, esclareceu que tinha um quarto próprio, sendo que a FF tinha uma cama em casa dos pais. Tinha educação musical na escola, estando bem adaptada ao estabelecimento de ensino e tendo tido boas notas no 3º ano (bons e muito bons).
27. Na sequência do referido em 11), e desde 6/11/2022, a progenitora não teve mais convívios com a filha em razão de o progenitor entender que a criança não estaria em segurança com a mãe.
28. O referido em 27) motivou a progenitora a instaurar novos incidentes de incumprimento que foram designados pelas letras P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA e AC entretanto incorporados no presente apenso por decisão de 18/7/2023.
Factos não provados:
Inexistem quaisquer factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Fundamentação de Facto:
O Tribunal teve em consideração, para além das declarações da criança proferidas aquando da sua audição em 26/9/2023, os depoimentos das testemunhas, Dra. HH (psicóloga da criança que a acompanha desde março de 2022), Dra. II (técnica da EMAT que ouviu a criança no relatório social junto no apenso E) em novembro de 2022, logo após o episódio descrito nos pontos 90 e ss. da matéria de facto provada), Dra. EE (médica que atendeu a criança no referido episódio da cebola), GG (madrasta da criança), JJ (amiga e vizinha da mãe da criança), KK (vizinho da progenitora), LL (igualmente vizinho da progenitora), MM (avó paterna da criança), Dr. DD (oftalmologista da criança), Dra. NN (técnica do CAFAP que acompanhou os convívios supervisionados da criança com a progenitora), OO (amiga e vizinha da progenitora), PP (tio materno da criança), mais se relevando a documentação junta nos autos à qual se fará referência especificada ao longo da exposição.
Neste contexto, a comprovação do teor dos pontos 1) e 2) dos factos provados decorre do assento de nascimento da criança junto no apenso de promoção e protecção que correu termos na CPCJ (fls. 74 e ss. do referido apenso e fls. 19v do processo principal), bem como do assento de casamento junto com a Petição Inicial no processo de regulação (apenso C) – cfr. fls. 9). Por sua vez, a comprovação da data da separação parental (ponto 3) dos factos provados) decorre das declarações prestadas por ambos os progenitores quanto a tal matéria no anterior julgamento que culminou na sentença de 31/12/2021 aludida no ponto 4) da matéria de facto dada como provada, sendo que, por via de tal sentença junta no apenso E) e confirmada pelos acórdãos igualmente juntos nesse apenso, também se confirma que a criança, na sequência de uma primeira regulação do exercício das responsabilidades parentais em 2015, ficou a viver com a mãe até à referida decisão de 31/12/2021, tendo a passado a viver com o pai depois desta data. Nestes termos, deu-se como provado o teor dos pontos 1) a 5) dos factos provados.
Prosseguindo, como se retira do despacho de 6/7/2022 proferido no apenso E) e do relatório da EMAT junto no mesmo apenso em 23/11/2022, na sequência da sentença referida em 4) que determinou a alteração da residência da criança para junto do pai, a progenitora teve convívios supervisionados com a criança durante cerca de 6 meses, tendo os convívios não supervisionados sido iniciados, após parecer favorável do CAFAP nesse sentido e mediante a referida decisão de 6/7/2022 em agosto de 2022, retirando-se do referido relatório da EMAT terem os convívios não supervisionados sido regularmente cumpridos até 6/11/2022 por parte do progenitor, o que não é posto em causa pela progenitora. Pelo exposto, deu-se como provado o teor dos pontos 6) a 8) dos factos provados.
Sem prejuízo, como salientado no relatório da EMAT junto em 23/11/2022 e confirmado pelo depoimento da testemunha, GG, madrasta da criança, a CC já se havia queixado de dores de barriga no fim de semana 8 e 9 de outubro/2022 aquando da viagem de regresso a Cidade 1, tendo inclusivamente a recolha junto da progenitora no Algarve demorado cerca de 30 minutos, porquanto, segundo a Requerente, a criança estaria na casa de banho, referindo a CC ao pai e à madrasta que havia sido obrigada pela progenitora a ficar sentada num sofá antes de a Requerente se decidir a entregar a menor ao pai. Conforme mencionado no relatório de 23/11/2022, as queixas da criança motivaram uma ida ao Hospital, razão pela qual o agregado familiar só chegou a casa às 00h30. Nestes termos, deu-se como provado o teor do ponto 9) dos factos provados1.
Quanto ao teor dos pontos 10) a 20) dos factos provados, e repetindo o que já ficou dito na sentença de inibição proferida no apenso AG) a esse respeito, mostra-se, no entendimento do Tribunal, o episódio da “cebola” aí descrito amplamente provado pelo depoimento da criança, pelo teor do relatório de urgência elaborado pela testemunha, Dra. EE que atendeu a CC no referido dia 6/11/2022 no Hospital do Cidade 5 e a quem a menor contou o episódio de forma emocionada, pelo depoimento da técnica da EMAT, Dra. II, a qual recolheu novamente o depoimento da criança no relatório de tal entidade junto nos autos em 23/11/2022, pelo depoimento da psicóloga da CC, Dra. HH, a qual igualmente referiu ter ouvido a menor sobre tal matéria, mencionando igualmente que a mesma não teria tendência a confabular, conclusão idêntica à constante no relatório pericial junto no inquérito criminal sobre tal situação. Neste contexto, para alicerçar a credibilidade do depoimento da criança sobre tal episódio note-se o seguinte: 1) até 6/11/2022, a criança estava a ir voluntariamente a todos os convívios – supervisionados e não supervisionados – com a mãe desde a sua ida para o pai, revelando os relatórios do CAFAP (até ao momento da cessação dos convívios supervisionados em julho de 2022) e da EMAT (nomeadamente, no relatório de 30/9/2022) que a CC mostrava uma relação de afecto com a progenitora e com a família materna, estando visivelmente feliz por ver a mãe nesses contextos. A própria criança, quando inquirida pela EMAT e depois pelo Tribunal, revelou que gostava de ir para a mãe, não gostava era da vinda, porque “lhe faziam cebola”, o que indicia que o referido mau-trato ocorria no final do convívio e com a intenção de criar um cenário fictício em que a menor manifestasse ao progenitor, por via de tal coerção e manipulação, não querer estar com este e não querer voltar para Cidade 1; 2) a criança manifestava, de facto, sintomas (cite-se o relatório de urgência junto com a Petição Inicial no apenso de Inibição a esse respeito: ligeira hiperemia conjuntival bilateral e do tipo periférica, sem nistagmo, pupilas isocóricas e isoreactivas. Quando questionada sobre quantos dedos vê, refere ver dois quando lhe é mostrado apenas um) de que havia estado em contacto com produto danoso para a vista, tal como referido pela médica, Dra. EE, no depoimento desta, esclarecendo tal depoente, bem como, de resto, a testemunha, DD, oftalmologista que havia também visto a menor noutra ocasião, que tais sintomas não decorreriam de miopia ou de astigmatismo de que a criança pudesse igualmente sofrer; 3) a criança, nos depoimentos prestados perante a médica, Dra. EE, e perante a EMAT (técnica, II) revelou estar emocionada (com medo do que se passava em casa da mãe), sendo o seu relato vivenciado e objectivo; 4) a circunstância de todos os relatórios do CAFAP e da EMAT entre abril de 2022 e novembro de 2022 darem conta de uma muito boa adaptação da CC ao agregado familiar do progenitor, bem como o facto de, aquando dos convívios supervisionados, a criança manifestar tristeza pelo final dos convívios com a mãe, mas satisfação e tranquilidade por regressar ao pai depois disso, denotam que o facto de as recolhas passarem a ser difíceis aquando da passagem dos convívios supervisionados a não supervisionados e de a criança chorar nesses momentos, bem como ter dores de barriga, tem outra explicação que não a circunstância de ter saudades da mãe ou querer ficar a viver com esta, num contexto em que a CC, depois de ir viver com o pai, sempre manifestou satisfação com tal situação; 5) o facto de, já na sentença de 31/12/2021, posteriormente confirmada pelos Tribunais Superiores, se dar conta de várias situações em que a criança, na véspera ou logo depois do convívio com o pai, ser levada pela mãe ao hospital alegadamente com sintomas de “diarreia”, “febre” ou “dores de barriga” sem que tais sintomas tivessem uma explicação médica, explicando a CC aquando da sua audição pelo Tribunal em setembro de 2023, que a progenitora chegaria ao ponto de a obrigar a colocar “comida de bebé” na boca para simular vómito, vai também no sentido de tornar realista o depoimento da menor; 6) a circunstância de, quer a psicóloga da criança, HH, quer o INML na avaliação psicológica realizada no inquérito, mencionarem que a criança não apresenta tendência para confabular, tampouco demonstrando qualquer dificuldade de percepção da realidade, e conseguindo ser objectiva e credível no seu discurso obriga igualmente a afastar a hipótese de a CC ter “sonhado” ou “efabulado” a referida situação; 7) a circunstância de o pai ter cumprido todos os convívios (supervisionados e não supervisionados) da criança com a mãe até ao referido incidente, bem como o facto de a criança não ter quaisquer problemas na ida para a progenitora (nomeadamente, não sendo a entrega à mãe difícil, sendo-o apenas a recolha), depõem no sentido de o discurso da menor também não ter sido influenciado, manipulado ou objecto de coacção por parte do pai ou da companheira deste; 8) o facto de a progenitora insistir junto da EMAT (cfr. relatório de 23/11) que a criança iria para o pai a chorar e que quereria regressar para a mãe num contexto em que tal se mostrava amplamente desmentido pela CC e por todos os relatórios do CAFAP e da EMAT demonstra que aquela não havia desistido de “tudo fazer” para alterar a regulação e fazer com que a criança voltasse para si, podendo, pois, ir ao ponto de cometer os factos em questão como se crê que aconteceu.
Neste contexto, importa, para além de referir os mencionados argumentos para se atribuir credibilidade ao depoimento da criança, afastar igualmente os possíveis indícios que poderiam depor em sentido contrário: 1) o facto – referido pela progenitora na sua Contestação – de a criança não apresentar pedaços de cebola nos olhos aquando da assistência médica prestada pela testemunha, EE, apesar de a CC referir que tal produto lhe havia sido colocado nos olhos pela mãe, mostra-se facilmente explicável pela circunstância de a criança ter sido submetido a duas lavagens dos olhos (a primeira, quando parou, durante a viagem de regresso a Cidade 1, na estação de serviço para que a companheira do progenitor lhe pusesse água na vista; a segunda, na fase da triagem no hospital antes de ser vista pela médica) antes de tal momento, o que tenderia a retirar tais eventuais pedaços de cebola dos olhos, bem como pela circunstância de não ser claro no depoimento da menor se a cebola esteve, de facto, em contacto físico com os olhos ou apenas na proximidade destes, caso este em que necessariamente não teria ficado com pedaços de cebola na vista; 2) a circunstância de o tio materno – segundo a criança igualmente presente no momento do maltrato – negar estar nesse momento em casa da progenitora e mencionar ter ido nesse dia (6/11/2022) participar numa operação especial da polícia mostra-se pouco credível pela circunstância de tal testemunha não ter junto qualquer documento que comprovasse a sua presença em tal operação especial, bem como já ter estado presente noutras situações de conflito entre os pais ocorridas antes da transferência de residência da criança para Cidade 1, colocando-se, nessas ocasiões, do lado da mãe, o que torna naturalmente tal depoimento mais suspeito; 3) ao contrário do referido pela progenitora na sua Contestação, o inquérito criminal não foi arquivado (cfr. despacho de arquivamento junto pela progenitora em tal articulado) por o Ministério Público que o depoimento da criança não merecia credibilidade, antes pelo contrário, não só referindo o relatório do INML que o relato da menor era credível, como se referindo em tal despacho de arquivamento que a factualidade narrada pela CC “podia ter ocorrido”, mas que, ainda que assim fosse, não seria susceptível, atenta também o facto de a menor não demonstrar estar traumatizada aquando da sua audição pelo INML, de atentar contra o bem jurídico da dignidade humana e, como tal, de preencher o tipo de ilícito de violência doméstica. Note-se, neste contexto, que a questão do trauma tem de ser entendida de forma mais subtil, na medida em que, como referido pela técnica que acompanhou a criança aquando da sua audição neste Tribunal em setembro de 2023, a CC estava a fazer por esquecer o sucedido e a bloquear um pouco tais memórias como mecanismo de defesa típico de quem, sim, passou por experiências más. Que tal ressonância emocional existia no discurso da criança quando primeiramente ouvida pela médica (no dia 6/11/2022) e pela EMAT (antes de 23/11/2022, data da junção do relatório social referente a tais factos) foi amplamente confirmada pelos depoimentos das testemunhas, EE e II, bem como, de resto, pela testemunha HH, a qual mencionou também que a criança chorara quando lhe contara tal episódio em contexto de consulta de psicologia; 4) o facto de as testemunhas, QQ (amiga e vizinha da mãe da criança), KK (vizinho da progenitora), LL (igualmente vizinho da progenitora), darem conta, no geral, de uma aparente normalidade na casa da Requerida, nunca tendo notado quaisquer episódios que lhes pudessem dar a entender que se passassem as situações descritas pela criança nos fins-de-semana que passava com a mãe, com quem, de resto, a criança parecia ter uma boa relação, mostra-se naturalmente pouco relevante, pois que tais testemunhas não estavam presentes em casa da progenitora aquando do episódio da cebola (ou, como se dirá adiante, dos rituais)e dificilmente se poderiam ter apercebido de tal situação. Note-se, mais uma vez, que a criança sempre descreveu até 6/11/2022 e, mesmo depois, gostar de estar com a mãe, sendo o problema, não a ida para a progenitora, mas a vinda, alturas em que aconteceriam os maus tratos por si relatados.
Neste contexto, refira-se que, pelos motivos supra aludidos, igual credibilidade deve ser atribuída ao relato da criança relativamente às questões dos rituais que a mãe, a avó materna e uma amiga daquela fariam ou da situação com o peluche, porquanto relatadas tais situações no mesmo momento (nomeadamente, aquando da inquirição da criança pela EMAT em novembro de 2022 e em altura semelhante à psicóloga) e com a mesma ressonância emocional, pormenorização e objectividade. Neste contexto, saliente-se, mais uma vez, que o carácter algo “fantástico” de tais relatos poderia fazer questionar a credibilidade do referido relato não fosse o facto de: 1) a criança não manifestar qualquer propensão para a confabulação, apresentando um discurso objectivo e credível segundo as várias entidades às quais prestou tal depoimento; 2) a criança não manifestar qualquer má vontade em relação à mãe antes do referido episódio de 6/11/2022 e, mesmo depois disso, perante a EMAT e o Tribunal, embora referindo não pretender estar com a mãe e de ter medo das atitudes desta, não manifestar nenhum antagonismo ou desprezo em relação à progenitora, apenas mágoa, incompreensão e necessidade de ficar em paz; 3) o carácter “fantástico” (no sentido de “fora do habitual”) do relato relativamente às rezas ou ao peluche não se mostrar tão “fora de normal” se se pensar que, tal como referido na sentença de 31/12/2021, a mãe já havia feito uma denúncia caluniosa contra o pai na sequência de alegação falsa de abuso sexual da filha por este, sendo condenada em pena suspensa por tal facto; já havia, por todas as formas, impedido o convívio da criança com o pai no período em que residia com a filha, indo ao ponto de ir constantemente ao hospital nas vésperas ou nos momentos subsequentes aos convívios, referindo queixas da criança de “diarreias, febre e dores de barriga” sem causa médica conhecida e fazendo a criança acreditar que ficava doente “por causa do pai” bem como que este queria fazer mal à mãe (nomeadamente, que tencionaria matar a progenitora). Vale dizer, num contexto vindo de referir em que a progenitora manifesta um ódio extremado em relação ao progenitor, os episódios relatados pela criança (nomeadamente, as rezas e o peluche) situam-se dentro do referido padrão de actuação da Requerida e como plausíveis nesse contexto. Nestes termos, deu-se como provado o teor dos pontos 10) a 20), bem como, com base no relatório do INML e do despacho de arquivamento (juntos no apenso AG de inibição) 23) a 25) dos factos provados.
Finalmente, o teor dos pontos 21) e 22) dos factos resulta dos apensos AF (de procedimento cautelar) e AG (de inibição), aí se verificando que o progenitor, logo no momento em que deixou de permitir a ocorrência de convívios entre mãe e filha, pediu a suspensão de tais convívios, o que não foi deferido nessa altura por o Tribunal entender que a progenitora deveria ser ouvida sobre tal matéria, demorando a citação desta nesses autos, o que levou o Requerido mais tarde a desistir do apenso de procedimento cautelar e a instaurar o processo de inibição (apenso AG). Nestes termos, deu-se como provado o teor dos pontos 21) e 22) dos factos provados.
O teor do ponto 26) dos factos provados corresponde às declarações da criança, CC, neste Tribunal em setembro de 2023, estando tais declarações gravadas no sistema Citius.
Por último, o teor dos pontos 27) e 28) dos factos provados mostra-se amplamente comprovado nos autos, admitindo o progenitor que não deixou a criança estar com a mãe depois do episódio do dia 6/11/2023, referindo que não o permite em razão do perigo que existe para a CC decorrente de tal convivência familiar, atentos os vários episódios de maus tratos relatados pela criança. Ora, que tal receio do progenitor se julga justificado resulta, como referido, de se entender que tais maus tratos ocorreram efectivamente e de a própria CC demonstrar tal receio e vontade de não estar com a Requerente. Nesse sentido, deu-se como provado o teor dos pontos 27) e 28) dos factos provados.”
*
- Admissibilidade da junção de documentos apresentados com o recurso, ou constantes dos autos principais e de apensos;
A recorrente “requer a junção ao presente de toda a documentação do processo principal, respectivos audios e provas, demais recurso intentado de prova desentranhada vertida nos autos apenso AG e O, e demais apensos de incumprimento”.
Conforme dispõe o artigo 651.º, n.º 1 do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Segundo o artigo 425.º do mesmo diploma, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Ora, a recorrente nada alega que justifique a junção tardia “prova desentranhada” ignorando-se o seu teor, pelo que não se retira qualquer elemento que fundamente a sua relevância para efeitos do que está em discussão nos autos e que torne necessária a sua junção nesta fase recursória.
Assim, face ao exposto, não serão esses documentos aqui considerados.
Quanto ao mais este Tribunal, como já acima consignamos tem acesso ao processo principal e respectivos apensos que podem ser consultados através da funcionalidade “Citius Viewer”, pelo que não se justifica a junção desses elementos neste apenso.
- Suspeição do juiz por decidir a favor do requerido, não aceitar a produção de prova pedida pela requerente e afirmar que conhece muito bem o pai;
Em bom rigor a recorrente lança suspeitas infundadas sobre o Sr. juiz a quo sem que, de forma consequente e em tempo útil, tenha instaurado o respectivo incidente de suspeição. O que a recorrente faz é sugerir que o Mmo juiz não foi imparcial, lançar suspeitas mais ou menos vagas relativamente ao seu comportamento processual, para concluir que este Tribunal deve decidir “no sentido de baixar o processo à 1ª instância para novo julgamento, com a distribuição a novo juiz.”
Sobre o incidente de suspeição dispõem os arts. 120º a 123º do CPC:
Artigo 120.º
Fundamento de suspeição
1 - As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente:
a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115.º, em linha reta ou até ao 4.º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal;
b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa;
c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta;
d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes;
e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa;
f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo;
g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários.
2 - O disposto na alínea c) do número anterior abrange as causas criminais quando as pessoas aí designadas sejam ou tenham sido ofendidas, participantes ou arguidas.
3 - Nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a ação foi proposta ou o crédito foi adquirido para se obter motivo de recusa do juiz.
Artigo 121.º
Prazo para a dedução da suspeição
1 - O prazo para a dedução da suspeição corre desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do n.º 2 do artigo 119.º, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo; o réu citado para a causa pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa.
2 - A parte pode denunciar ao juiz o fundamento da suspeição, antes de ele intervir no processo; nesse caso o juiz, se não quiser fazer uso da faculdade concedida pelo artigo 119.º, declara-o logo em despacho no processo e suspendem-se os termos deste até decorrer o prazo para a dedução da suspeição, contado a partir da notificação daquele despacho.
3 - Se o fundamento da suspeição ou o seu conhecimento for superveniente, a parte denuncia o facto ao juiz logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder mais tarde arguir a suspeição. Observa-se neste caso o disposto no número anterior.
4 - Se o juiz tiver pedido dispensa de intervir na causa, mas o seu pedido não houver sido atendido, a suspeição só pode ser oposta por fundamento diferente do que ele tiver invocado e o prazo para a dedução corre desde a primeira notificação ou intervenção da parte no processo, posterior ao indeferimento do pedido de escusa do juiz.
Artigo 122.º
Como se deduz e processa a suspeição
1 - O recusante indica com precisão os fundamentos da suspeição e, autuado o requerimento por apenso, é este concluso ao juiz recusado para responder; a falta de resposta ou de impugnação dos factos alegados importa confissão destes.
2 - Não havendo diligências instrutórias a efetuar, o juiz manda logo desapensar o processo do incidente e remetê-lo ao presidente da Relação; no caso contrário, o processo é concluso ao juiz substituto, que ordena a produção das provas oferecidas e, finda esta, a remessa do processo; não são admitidas diligências por carta.
3 - É aplicável a este caso o disposto nos artigos 292.º a 295.º.
4 - A parte contrária ao recusante pode intervir no incidente como assistente.
Artigo 123.º
Julgamento da suspeição
1 - Recebido o processo, o presidente da Relação pode requisitar das partes ou do juiz recusado os esclarecimentos que julgue necessários; a requisição é feita por ofício dirigido ao juiz recusado, ou ao substituto quando os esclarecimentos devam ser fornecidos pelas partes.
2 - Se os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da suspeição ou da resposta não puderem ser logo oferecidos, o presidente admite-os posteriormente, quando julgue justificada a demora.
3 - Concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o presidente decide sem recurso; quando julgar improcedente a suspeição, apreciará se o recusante procedeu de má-fé.
É manifesto que a recorrente ao vir lançar suspeitas sobre o M.mo juiz após a prolação da sentença e por não concordar com o sentido da decisão, não cumpriu minimamente os requisitos legais quer de forma, quer de conteúdo (leia-se fundamentos) para que a suspeição possa sequer ser apreciada, não sendo admissível a sua dedução.
- Impugnação da matéria de facto - errada apreciação da prova e sua valoração;
Os recursos de decisões proferidas em providências tutelares cíveis, reguladas pelo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, têm natureza cível e são regulados supletivamente pelo Código de Processo Civil - arts. 32º, nº 3 e 33º, nº 1, ambos do RGPTC.
De acordo com o artigo 662.º, n.º 1, do CPC compete à Relação alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou documento superveniente impuserem decisão diversa.
Se a prova tiver sido gravada há que proceder de acordo com o disposto no artigo 640.º do CPC, devendo o recorrente respeitar os ónus ali estabelecidos, sob pena de rejeição da impugnação.
Na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, impõe-se um ónus de impugnação fazendo recair sobre o impugnante o ónus de indicar os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”, enquanto a alínea b), estende esse ónus à indicação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, estipulando a alínea c), por sua vez, que o impugnante deve indicar a “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Os ónus previstos nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, correspondem àquilo que se designa na doutrina e jurisprudência por ónus primários, por delimitarem o objeto e fundamentação concludente da impugnação.
A concretização dos concretos pontos de facto impugnados deve ser enunciada na motivação do recurso e em síntese nas conclusões, sob pena de rejeição da impugnação.
Os demais ónus primários previstos nas alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, aceita alguma jurisprudência, que possam apenas constar da motivação.
O AUJ n.º 12/2023, de 14-1-11, veio firmar jurisprudência no seguinte sentido: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa.»
O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no artigo 640.º do CPC, é o da adequação, proporcionalidade e razoabilidade aos fins visados com a consagração do regime da impugnação da decisão de facto e a efetiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto. Mas salvaguardando o princípio da inteligibilidade da impugnação e do princípio do contraditório esclarecido (o que impõe a referida inteligibilidade).
Tendo em conta o supra enunciado e passando ao caso sub judice o que se verifica é que a apelante não cumpriu qualquer dos ónus primários do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.
Não indicou nas conclusões de recurso os pontos de facto (ou a correspondente matéria fáctica) que pretendia impugnar, pelo que não acatou o ónus da alínea a), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, o que, só por si, determinaria a rejeição da impugnação.
Em relação aos ónus de indicação dos meios de prova que impunham decisão diferente, como determinado na alínea b), do n.º 1, do mesmo, refere que “o tribunal ao longo de toda a sentença omite factos e provas por as mesmas serem inconvenientes ao pai da menor e que levariam a condenação nos incumprimentos submetidos aos autos”, sem que esclareça do que é que efectivamente se trata; refere-se a um relatório pericial de 4.4.2018, relativamente a uma alusão descontextualizada que ali é feita à personalidade do pai da menor, mas que só por si é perfeitamente inconclusiva e nada determina, faz insinuações inaceitáveis e que as evidências constantes dos autos não suportam, relativamente ao juiz titular do processo e à não realização de perícias psicológicas a todos “ os intervenientes da família”, “ possivelmente com receio de se vir a detectar comportamentos suscetíveis de serem avaliados”, confunde provas com meios probatórios e afirma que “na sentença o tribunal anula toda a prova pedida pela mãe da menor para ser junta aos autos” ( quando, como? qual?). Mistura processos e decisões tomadas no âmbito de outros processos a que este se encontra apenso, e que nalguns casos já há muito transitaram em julgado, não sendo, pois, esta nem a sede, nem o tempo próprio para questionar a adequação dessas decisões. E essencialmente põe em causa a apreciação que o Tribunal a quo faz da prova e a matéria de facto que dá como provada, tecendo longas considerações sobre ao erro de julgamento por parte do Tribunal, sublinhando que toda a apreciação que este faz da prova é errada e mesmo tendenciosa e que o ponto de vista da requerente/ recorrente é o adequado.
Como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 11.3.2010 (processo n.º 949/05.4T8OVR-A.L1) in www.dgsi.pt. : “1. No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.2. O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica.”
Sublinha-se que o Tribunal da Relação só altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido do interessado, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do CPC).
Cumpre ainda ter presente que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta, necessariamente, com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação, nem para a respectiva transcrição. É a imediação da prova que permite perceber a maior ou menor credibilidade dos depoimentos.
Colocar um rol de questões sob a epígrafe “As perguntas essenciais a ser respondidas são” e transcrever quase na integra em sede de motivações de recurso o depoimento da testemunha RR em nada contribui para se apreciar e concluir que a decisão de facto devia ter sido outra, pois manifestamente não impõe outra decisão. Aliás, a recorrente transcreve também parte do depoimento da testemunha DD, médico oftalmologista, sendo que a parte do depoimento que é transcrita, a propósito da necessidade de a menor usar óculos na escola é perfeitamente inócua e não impõe, certamente, decisão de facto diferente. Relativamente à transcrição de parte das intervenções do Mmo Juiz, retiradas de contexto e sem qualquer esclarecimento, não percebemos a que é que se destinam.
Compulsados os autos verifica-se que o tribunal a quo baseia a sua convicção positiva (e negativa) nos documentos juntos e nos depoimentos indicados e respectiva apreciação crítica, que fundamentam a sua apreciação, na perspectiva abrangente e global dos autos e não num mero segmento de um determinado depoimento ou mesmo num ou outro depoimento, pois a obrigação do tribunal é interpretar a prova de forma abrangente, conjunta e harmoniosa, daí retirando os factos que a prova no seu todo permite extrair.
Assim, embora não estejamos a apreciar a impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente por esta não ser admissível, sublinha-se que na sentença, nomeadamente na motivação da matéria de facto, a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.
O tribunal quanto aos pontos 10 a 20 da matéria de facto (“episódio da cebola) fundou a sua convicção no depoimento da CC, no teor do relatório de urgência elaborado pela Dr.ª EE, no depoimento da técnica da EMAT, II, no depoimento da psicóloga HH que também ouviu a criança a propósito deste incidente, nos relatórios do CAFAP e da EMAT entre Abril e Novembro de 2022 , no relatório de avaliação psicológica do INML que menciona que a criança não apresenta tendência para confabular ou dificuldade de percepção da realidade e faz a análise critica desta prova de forma ponderada e minuciosa. Um dos aspectos que a mãe sublinha para pôr em causa estes factos é a filha não apresentar pedaços de cebola nos olhos quando foi assistida no hospital, o que nos parece perfeitamente normal, pois a cebola não foi colocada dentro dos olhos da criança e, além disso, foram feitas várias lavagens aos olhos da CC o que teria removido eventuais vestígios. A análise feita, para a qual remetemos, pois já transcrevemos supra, afigura-se equilibrada e adequada.
Concluindo, é manifesto que a apelante não esclarece minimamente em que termos os meios de prova supra referidos e/ou as críticas que apôs à decisão de facto, determinam que seja alterada a decisão de facto impugnada e em que termos, o que significa que também não cumpriu os ónus das alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.
Em face da patente infração dos referidos ónus, sobretudo o previsto nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, que colocam em causa o aludido princípio do contraditório esclarecido, deve ser rejeitada a impugnação da decisão de facto. Sem prejuízo do que acabámos de referir este Tribunal fez uma apreciação da matéria de facto e da fundamentação da matéria de facto apresentada pelo Tribunal a quo e a mesma afigura-se coerente, explicativa, adequada e harmoniosa, nada havendo a apontar que conduza a diferente solução.
- Incumprimento do regime de visitas da menor CC à mãe, devendo o pai ser condenado por tais incumprimentos.
Vem a recorrente alegar que as visitas da criança CC à mãe foram suspensas pelo pai a partir de 6.11.2022, violando assim o pai o regime fixado.
Num contexto de dissociação familiar, o direito de visita consiste no direito que assiste ao progenitor sem a guarda do filho de se relacionar e conviver com este, face à impossibilidade de, atenta a ausência de comunhão de vida entre os pais, tais relações se desenvolverem com a normalidade e regularidade quotidiana.
O direito de visita assume actualmente um sentido amplo. Inclui o direito de alojamento ou de estadas prolongadas no tempo. Por força da progressiva expansão do conteúdo do direito de visita, reconhece-se ao progenitor com quem a criança não reside habitualmente a faculdade de a alojar durante alguns dias e até durante algumas semanas, por exemplo, no período de férias.
No caso de incumprimento do acordo ou da decisão da regulação do exercício das responsabilidades parentais por um dos pais, a lei reconhece ao outro o direito de requerer judicialmente as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa, até vinte unidades de conta e em indemnização a favor do menor, do requerente ou de ambos- art. 41º, n.º 1 do RGPTC.
Tanto a multa como a indemnização, como de resto qualquer outra providência coactiva, exigem a demonstração da ilicitude e da culpa do progenitor. Nos termos gerais a ilicitude reparte-se por elementos objectivos e subjectivos - o elemento objectivo afere a ilicitude da conduta do progenitor pela sua correspondência com decisão ou acordo de regulação: a conduta é ilícita se dela resulta a violação de um dever parental imposto na decisão ou no acordo. O elemento subjectivo valora a ilicitude da conduta do progenitor pelo conhecimento e vontade do progenitor na ofensa do dever parental, ou seja, pelo dolo ou negligência desse progenitor. Assim, a conduta do progenitor é ilícita se dela resulta uma violação do dever parental imposto na decisão, negociada ou não, de regulação e se o progenitor actuou com dolo ou negligência.
A ilicitude da conduta pressupõe que o comportamento do progenitor não está justificado, designadamente, pela necessidade de salvaguardar um outro interesse. Constitui, por isso, causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente, o direito de necessidade. Este caracteriza-se por, numa situação de colisão de interesses juridicamente protegidos, ser lícito violar um desses interesses para remover o perigo actual que ameaça um outro interesse superior- art. 339º do CCivil.
A culpa decorre de um juízo de censurabilidade sobre a conduta do progenitor e consiste na apreciação do desvalor que resulta do reconhecimento de que aquele progenitor, nas circunstâncias concretas em que actuou, poderia ter conformado a sua conduta de molde a assegurar a satisfação do dever parental a que a decisão de regulação o obriga e cujo cumprimento lhe era exigível nesses mesmos condicionalismos. Esse juízo de censurabilidade pressupõe a consciência pelo progenitor da ilicitude da sua conduta e a inexistência de uma causa de exculpação, como por exemplo, uma qualquer situação de inexigibilidade.
Face a estas conclusões resta aferir se se verifica in casu o incumprimento da decisão do regime de visitas fixado na sentença de 31.12.2021, incumprimento que a requerente assaca ao requerido e, em caso afirmativo, a consequência jurídica que se lhe deve associar.
Desde logo cumpre afirmar que não se presume neste tipo de incumprimento que a falta de cumprimento procede de culpa do progenitor sob cuja guarda o menor está colocado, cabendo ao que reclama o seu cumprimento coercivo a demonstração dos factos que fundamentam a formulação do juízo de censura ético-jurídica sobre a conduta daquele, ou seja, sobre a sua culpa. Essa culpa assenta na constatação de que aquele, nas circunstâncias concretas em que agiu poderia ter-se comportado conformemente ao direito e cumprido o dever violado e que o juiz extrai dos factos provados, utilizando para tanto regras de experiência e critérios sociais- arts. 799º, n.º 1 e 342º, n.º 1 do Ccivil.
Resulta muito claro face à matéria de facto provada a existência de uma causa de exculpação do requerido, por estarmos perante uma situação em que não era exigível que o requerido actuasse de outra maneira, atento o superior interesse da CC, ou seja, trata-se de uma situação de manifesta inexigibilidade. Efectivamente, dando-se como provados os factos 10 a 19, e como tal os maus tratos psicológicos perpetrados pela mãe à criança, não era do interesse desta e não salvaguardava o seu equilíbrio psicológico que as visitas à mãe continuassem a realizar-se. Não era, pois, exigível ao requerido que, face à comprovação dos maus tratos psicológicos, continuasse a levar a filha para estar com a mãe, sendo que o requerido actuou com o zelo que lhe era exigível.
Cumpre assim resolver as questões fácticas referidas relativas ao incumprimento da regulação, no segmento considerado, contra a requerente e, consequentemente, concluir pela inexistência da violação imputável correspondente.
Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo ao julgar improcedentes os incidentes de incumprimento deduzidos pela requerente mãe contra o requerido pai.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pela requerida AA e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527.º, n.os 1 e 2 do CPC).
*
Évora, 25 de junho de 2025
Renata Whytton da Terra – relatora
Maria Gomes Bernardo Perquilhas- 1ª adjunta
Rosa Barroso- 2ª adjunta