CONFISSÃO
ARTICULADOS
IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário

Sumário:
I. As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente (cfr. art. 46.º, do CPC).

II. Nesta sequência, considerando que em sede de oposição a Recorrente/Ré já tinha admitido/confessado expressamente o valor em dívida acima mencionada de €25.222,48 pelo fornecimento de bens e que a Recorrida/Autora aceitou especificadamente, vir posteriormente alegar impugnar os documentos (facturas) subjacentes à mesma, torna-se inútil e ineficaz.

Texto Integral

*

*

Apelação n.º 89919/23.6YIPRT.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Sónia Moura

2.º Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto

*


*


ACORDAM OS JUÍZES NA PRIMEIRA SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


*


I. RELATÓRIO


Ação Declarativa, Processo Comum, que iniciou como Procedimento de Injunção


1. As partes:


Autora/Recorrida – MLGINOX – COMÉRCIO DE PRODUTOS EM INOX, LDA.


Ré/Recorrente – VUELLE UNIPESSOAL, LDA.


*


2. Objecto do litígio: A Autora pede a condenação da Ré no pagamento da quantia de 29.902,96€, acrescida dos juros de mora, computando os vencidos em 113,32€, devida pelo fornecimento de bens que a Ré encomendou e que se encontram descriminados nas facturas que a Autora emitiu.


Em contraponto, a Ré ofereceu contestação admitindo dever à Autora a quantia de 25.222,48€, mas alega que a Autora lhe deve 25.760,00€ pelos trabalhos que a Ré lhe realizou, defendendo que, operada a compensação dos créditos, deve ser reconhecida a existência de um saldo a favor da Ré com a consequente extinção do crédito aqui reclamado pela Autora e a absolvição da Ré do pedido.


Notificada para responder à matéria de excepção, a Autora reconhece lapso da sua parte na indicação do montante em dívida e requer que este seja rectificado para o valor de 25.222,48€; no mais, alega ter pago todos os trabalhos que solicitou à Ré, seja através de transferência bancária seja porque, a pedido da Ré, saldou uma dívida de uma sociedade do companheiro da gerente da Ré, admitindo que possa faltar pagar a quantia de 1.049,58€.


*


3. Sentença em Primeira Instância:


Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto e nos termos de direito invocados, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condena-se a Ré VUELLE, UNIPESSOAL LDA, a pagar à Autora a quantia € 12.432,48 (doze mil quatrocentos e trinta e dois euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida dos juros que, à taxa comercial, se vencerem após o trânsito desta sentença, absolvendo-se a Ré do demais peticionado».


*


4. Recurso de apelação:


Inconformado com esta sentença, a Recorrente/Ré interpôs recurso de apelação com as seguintes conclusões:


«1) As faturas que titulam o pedido da Autora nesta ação foram juntas aos autos em clara violação do disposto nos Artigos 423º e 598º nº 1 do CPC, pelo que a sua junção intempestiva e não justificada não podia ter sido admitida pelo Tribunal recorrido, o que implica a necessária improcedência da acção com a absolvição da Ré dos pedidos formulados pela Autora.


2) Mesmo que assim não se entenda, tendo sido tais faturas impugnados pela Ré e não tendo sido produzida qualquer outra prova relativa ao fornecimento (pela Autora à Ré) dos bens e serviços identificados nas mesmas, impunha-se que o Tribunal recorrido tivesse dado como não provado (ao invés de provado) o ponto de facto 2) dos FACTOS PROVADOS, decidindo consequentemente a final pela improcedência da acção com a absolvição da Ré dos pedidos formulados pela Autora.


3) A prova produzida (conjugação dos orçamentos e faturas da Ré juntos aos autos com a reapreciação da prova gravada) impõe dar como provados (ao invés de não provados) os factos dados como não provados em a) e b) dos FACTOS NÃO PROVADOS.


4) A prova produzida (conjugação dos orçamentos e faturas da Ré juntos aos autos com a reapreciação da prova gravada) impõe que se considere provado que permanece ainda em dívida pela Autora à Ré o valor de 15.990,00 Euros (e não de apenas 12.790,00 Euros - cf. apurou o Tribunal recorrido).


5) A prova produzida (conjugação dos orçamentos e faturas da Ré juntos aos autos com a reapreciação da prova gravada) impõe que - mesmo no caso de se considerar provado o crédito reclamado pela Autora nestes autos (25.222,48 €), o que não se admite - haverá que abater (por compensação) o contracrédito da Ré (15.990,00 €), extinguindo-se assim o crédito da Autora nessa parte, subsistindo apenas em dívida pela Ré à Autora a quantia de 9.232,48 € (e não de 12.432,48 € - cf. apurou o Tribunal recorrido).».


*


5. Resposta:


A Autora apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:


«1) O recurso interposto pela Ré é extemporâneo, por ter sido apresentado fora do prazo legal de 30 dias previsto para a interposição de recurso ordinário de sentença.


2) A notificação da sentença ocorreu em 16/01/2025, pelo que, com a dilação de 3 dias (art. 248.º do CPC), o prazo de 30 dias terminou em 19/02/2025. Com a aplicação de multa, o último dia útil para a interposição do recurso seria 24/02/2025.


3) A Ré apresentou o recurso apenas em 03/03/2025, procurando beneficiar do prazo alargado de 40 dias previsto no artigo 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil.


4) Para beneficiar do prazo de 40 dias, o recurso deve ter como objeto a reapreciação da prova gravada, com a devida especificação dos concretos meios de prova e a demonstração da divergência com a decisão proferida.


5) A Recorrente não cumpre os requisitos legais, limitando-se a invocar genericamente que as faturas não foram admitidas validamente, sem impugnar o despacho que as admitiu nem concretizar a prova gravada alegadamente contrariada.


6) Quanto aos factos não provados, a Recorrente também não especifica de forma suficiente os segmentos da prova gravada que pretendia ver reapreciados, nem demonstra qualquer desconformidade entre essa prova e os factos considerados.


7) Não tendo sido cumprido o ónus de especificação previsto no artigo 640.º do CPC, nem demonstrado que o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada, o recurso não pode beneficiar do prazo alargado de 40 dias.


8) Assim, deve o recurso interposto ser considerado extemporâneo, e, em consequência, não ser admitido.».


*


6. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;


- Reapreciação jurídica da causa.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

7. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença recorrida:


«A) FACTOS PROVADOS


Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:


1) A Autora tem por objecto o comércio de equipamentos e produtos em inox, acessórios e materiais de construção.


2) A solicitação da Ré, a Autora entregou à Ré os bens discriminados nas seguintes facturas que a Autora emitiu:

i- FA 2020/2769, com data de vencimento em 09.09.2020, no valor de 7.940,35€;

ii- FA 2020/2909, com data de vencimento em 20.09.2020, no valor de 6.000,16€;

iii- FA 2020/2910, com data de vencimento em 20.09.2020, no valor de 3.113,38€;

iv- FA 2020/2921, com data de vencimento em 24.09.2020, no valor de 3.207,35€;

v- FA 2020/3334, com data de vencimento em 2.11.2020, no valor de 1.886,13€;

vi- FA 2021/216, com data de vencimento em 20.02.2021, no valor de 88,5€;

vii- FA 2021/921, com data de vencimento em 17.04.2021, no valor de 34,44€;

viii- FA 2021/1043, com data de vencimento em 25.04.2021, no valor de 462,64€;

ix- FA 2021/1278, com data de vencimento em 14.05.2021, no valor de 112,53€;

x- FA 2021/1280, com data de vencimento em 14.05.2021, no valor de 1.588,55€;

xi- FA 2021/1279, com data de vencimento em 14.05.2021, no valor de 263,55€;

xii- FA 2021/2125, com data de vencimento em 22.07.2021, no valor de 970,26€;

xiii- FA 2021/2351, com data de vencimento em 9.08.2021, no valor de 1.706,49€;

xiv- FA 2021/2352, com data de vencimento em 9.08.2021, no valor de 553,50€;

xv- FA 2021/2451, com data de vencimento em 18.08.2021, no valor de 416,39€;

xvi- FA 2021/2476, com data de vencimento em 20.08.2021, no valor de 275,93€;

xvii- FA 2021/2636, com data de vencimento em 1.09.2021, no valor de 342,62€.

3) Por conta da factura referida em 2-i, a Ré pagou 3.740,35€.


4) Na sequência de um incêndio que, em 2017, deflagrou num dos armazéns da Autora, em Faro, esta, em 2020, solicitou à Ré que realizasse os trabalhos de reabilitação.


5) Com vista à realização daqueles trabalhos, a Ré apresentou à Autora 3 orçamentos, por cada fase da reabilitação, no valor total de 72.690,00€.


6) Com a adjudicação e início dos trabalhos, a Ré emitiu a factura FAC A19/36, com data de 22.05.2020, no valor de 25.133,02€, com a descrição “Execução e montagem de estrutura metálica vigamento telhado”, que a A. pagou em 27.05.2020.


7) Com data de 15.07.2020, a Ré emitiu a factura FAC A19/43, no valor de 25.000,00€, com a descrição “Execução e montagem de mezanino (Vosso Armazém)”, que a A. pagou.


8) Por existir uma boa relação entre os representantes da A. e AA, companheiro da anterior gerente da Ré, aqueles e este combinaram que, ao valor de 22.556,98€, correspondente à diferença entre o valor total dos orçamentos referido em 7) e a soma dos valores pagos e referidos em 8) e 9), seria abatido o valor de 9.766,98€, referente a fornecimentos feitos pela A. à empresa Rosariplatre Estuques, Unipessoal, Lda., representada por AA.


B) FACTOS NÃO PROVADOS


a) Os trabalhos realizados pela Ré na sequência da solicitação referida em 4) ascendessem ao valor global de 25.760,00€;


b) No âmbito dos trabalhos solicitados à Ré se incluísse a execução e montagem de molduras metálicas lacadas para janelas pelo valor de 3.200,00€;


c) O valor a abater no âmbito do acordo referido em 8) ascendesse a 21.507,40€».


*


8. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:


8.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está sujeita a determinadas regras ou ónus sob pena de rejeição e o incumprimento destas regras também deve ser oficiosamente conhecido.


Dispõe o art. 640.º, do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:


1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 – O disposto nos 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do no 2 do artigo 636.º.


Então, daqui resulta desde logo que o recorrente tem de especificar obrigatoriamente, sob pena de rejeição:


1.º - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


2.º - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


3.º - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;


4.º - E quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.


A previsão destes ónus tem razão de ser, quer para garantia do contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, não é compreensível que a verificação do cumprimento de tais ónus se transforme num exercício meramente burocrático1.


Já foi objecto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso. A este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023 (processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1)2 uniformizou a jurisprudência do seguinte modo: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa.».


No seu recurso de apelação a Recorrente/Ré pede a revogação da sentença proferida em primeira instância – que a condenou a pagar à Recorrida/Autora “a quantia de € 12.432,48 (doze mil quatrocentos e trinta e dois euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida dos juros que, à taxa comercial, se vencerem após o trânsito desta sentença” – alegando para o efeito essencialmente a sua discordância relativamente à decisão da matéria de facto assim impugnado a mesma no que toca ao ponto 2 dos factos provados e às alíneas a) e b) dos factos não provados.


Então a Recorrente entende que os factos constantes do ponto 2 deviam ter sido considerados como não provados e os factos constantes das alíneas a) e b) dos factos não provados deveriam ter sido considerados do seguinte modo:


“…resulta provado que o custo das obras de reabilitação do Armazém da Autora ascendeu ao valor global de 72.690,00 Euros, acrescido do valor de 3.200,00 Euros relativo à execução e montagem de molduras metálicas lacadas para janelas, dos quais apenas foram liquidados os valores das duas primeiras faturas - 50.133,02 Euros - e descontado o valor de 9.766,98 Euros por força do acerto de contas provado em 9), pelo que permanece ainda em dívida pela Autora à Ré o valor de 15.990,00 Euros (e não de apenas 12.790,00 Euros - cf. apurou o Tribunal recorrido).”.


A Recorrente especificou ainda os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como, na parte em que os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.


Deste modo, constata-se que a Recorrente, apesar de muito sinteticamente, cumpriu minimamente as exigências legais para se poder conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


*


8.2. Analise da impugnação dos factos provados constantes do ponto 2:


“2 - A solicitação da Ré, a Autora entregou à Ré os bens discriminados nas seguintes facturas que a Autora emitiu: (…)”.


A Recorrente entende que tal factualidade deveria ter sido dada como não provada com os seguintes argumentos:


- “Quanto a este ponto de facto a única prova produzida foi a junção aos autos das faturas em causa, o que ocorreu apenas no decorrer da audiência de julgamento de 27.05.2024 em clara violação do disposto no Artigo 423º do CPC, pois tais documentos deveriam ter sido juntos em sede de audiência prévia - cf. Artigo 598º n.º 1 do CPC. Mostrando-se a referida junção intempestiva e não justificada, não poderia o Tribunal recorrido ter admitido tais documentos…”:


Apreciando.


A propósito desta argumentação resulta do teor da acta da audiência final de julgamento datada de 27/05/2024 que, na sequência da tomada de declarações de parte da legal representante da Autora, BB, foi consignado o seguinte:


«No decorrer da prestação de declarações da legal representante da Autora, pela mesma foi feita referência a documentos (faturas) que detém na sua posse, não se encontrando juntas aos autos, pela Mmª Juiz de Direito, foi proferido o seguinte:


DESPACHO


“Ao abrigo do disposto no art.º 411º do Código de Processo Civil, o Tribunal determina a junção aos autos das faturas ora exibidas pela legal representante da Autora, por entender que as mesmas são pertinentes ao esclarecimento dos factos.”».


Então isto significa que a junção da documentação em causa foi determinada oficiosamente pelo tribunal nos termos do disposto no art. 411.º, do CPC, corolário do princípio do inquisitório, um poder dever do julgador, não estando assim em causa o disposto no art. 423.º, do CPC.


Além disso, de todo o modo, não foi interposto recurso daquele despacho, mostrando-se vedada a sua bondade em sede recursiva.


Deste modo, a referida argumentação da Recorrente não pode merecer acolhimento legal.


A Recorrente invoca ainda a seguinte argumentação:


- “…nenhuma outra prova foi produzida relativa ao fornecimento (pela Autora à Ré) dos bens e serviços identificados nas referidas faturas - cf. decorre claramente da audição integral dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora (ouvidas na audiência de 27.05.2024) CC, DD e EE. A Ré impugnou as referidas faturas - cf. Requerimento apresentado em 06.06.2024 com a refª Citius 12559819). Sendo certo que cabia à Autora o ónus da prova de tais factos (cf. Artigo 342 nº 1 do CC), o que não ocorreu:


Na sentença recorrida fundamentou-se do seguinte modo aquela factualidade ora impugnada:


«Os pontos nºs 2 e 3 dos factos provados foram admitidos por acordo pela Ré, na contestação, ao abrigo do disposto no artigo 574.º do CPC. De facto, decorre da contestação (vide nºs 3 a 6) que a Ré não questiona que a Autora lhe forneceu bens a sua solicitação e que nessa sequência a Autora emitiu as facturas cujo pagamento reclama nos autos, simplesmente defende que o valor em dívida não é o peticionado, o que, de resto, veio a ser reconhecido pela Autora no requerimento de 19.02.2024, aí afirmando o referido em 3). Acresce que, a Ré também não impugna que não pagou tais facturas, apenas pretende obter a extinção da sua dívida por compensação de um crédito de que se arroga titular sobre a Autora. Assim, não subsistem dúvidas que a Ré se confessa devedora à Autora e que esta aceitou o valor da dívida indicado pela Ré (arts. 574/1 e 465º/2, a contrario, do Código de Processo Civil).».


Apreciando.


Compete à Recorrida/Autora o ónus de alegação e prova desta factualidade, contudo, como bem referido na motivação da sentença recorrida, efectivamente, nos artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da sua Oposição a Recorrente/Ré admite expressamente que as facturas de 2020 a 2021 apresentadas pela Recorrida/Autora condizem com o extracto de conta corrente da Recorrente/Ré mas que perfazem a quantia de 25.222,48€ que reconhece expressamente dever à Autora e não de €29.902,96.


Alias, notificada da oposição, a Recorrida/Autora veio a reconhecer lapso da sua parte na indicação do montante em dívida e requer que este seja rectificado para o valor precisamente de 25.222,48€, aceitando desse modo essa declaração confessória.


Ora, nos termos do disposto no art. 46.º, do CPC, “As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente”.


Nesta sequência, considerando que em sede de oposição a Recorrente/Ré já tinha admitido/confessado expressamente o valor em dívida acima mencionada de €25.222,48 pelo fornecimento de bens e que a Recorrida/Autora aceitou especificadamente, vir posteriormente (por Requerimento de 06/06/2024) alegar que “A Ré não aceita como verdadeiros os documentos em causa por desconhecer se condizem ou não com o respetivo original, quem são os seus autores e sobretudo se representam aquilo que a Autora afirma e reclama na presente ação, pelo que ficam os mesmos impugnados”, torna-se inútil e ineficaz, comportamento muito próximo da litigância de má fé.


Deste modo, impõe-se a improcedência da impugnação da decisão de facto relativa ao ponto 2 dos factos provados.


*


8.3. Análise da impugnação dos factos não provados das alíneas a) e b):


“a) Os trabalhos realizados pela Ré na sequência da solicitação referida em 4) ascendessem ao valor global de 25.760,00€;


b) No âmbito dos trabalhos solicitados à Ré se incluísse a execução e montagem de molduras metálicas lacadas para janelas pelo valor de 3.200,00€”.


A Recorrente discorda dessa decisão da primeira instância invocando essencialmente o depoimento das testemunhas que indica em conjugação com a seguinte prova documental:


“- três orçamentos elaborados pela Ré, que constituem os docs. 1-a), 1-b) e 1-c) do articulado da Autora de 19.02.2024, os quais perfazem um valor global de 72.690,00 Euros;


- duas faturas (A19/36 c A19/43) emitidas pela Ré no valor global de 50.133,02 Euros, que constituem os documentos 2-a) e 3-a) do Articulado da Autora de 19.02.2024;


- e factura A19/317 emitida pela Ré no valor de 25.760,00 Euros, junta com a sua Oposição/Contestação”.


Apreciando.


A motivação da sentença recorrida quanto aos factos não provados das alíneas a) e b) é a seguinte:


«Por último, quanto à factualidade não provada a mesma resultou da ausência ou insuficiência da prova produzida, ou da demonstração do seu contrário. Assim, perante o valor global dos orçamentos elaborados pela Ré e aceites pela Autora, é óbvio que não ficou demonstrado o facto constante da al. a).


Pese embora a Ré tenha feito incluir na factura que junta com a contestação o item relacionado com as molduras das janelas, o que é certo é que a Autora, no requerimento de 19.02.2024 não aceita essa factura e o valor nela referido. Por outro lado, esse trabalho não está incluído nos orçamentos que a Autora aceitou. Por fim, apenas a testemunha AA, no seu depoimento, alude de forma vaga que se trata de um trabalho extra. Ora, entende-se que a prova produzida é manifestamente insuficiente para se poder dar como provado que esse trabalho tenha sido efectivamente solicitado pela A. à Ré, que tenha sido por esta realizado e que o valor acordado corresponda ao preço acordado. Dessa forma, deu-se como não provado o facto constante da al. b)».


E não se pode perder de vista que ficou provado na sentença recorrida o seguinte (e não foi impugnado):


“5) Com vista à realização daqueles trabalhos, a Ré apresentou à Autora 3 orçamentos, por cada fase da reabilitação, no valor total de 72.690,00€.


6) Com a adjudicação e início dos trabalhos, a Ré emitiu a factura FAC A19/36, com data de 22.05.2020, no valor de 25.133,02€, com a descrição “Execução e montagem de estrutura metálica vigamento telhado”, que a A. pagou em 27.05.2020.


7) Com data de 15.07.2020, a Ré emitiu a factura FAC A19/43, no valor de 25.000,00€, com a descrição “Execução e montagem de mezanino (Vosso Armazém)”, que a A. pagou”.


Nesta sequência, não resulta das declarações de parte da legal representante da Autora, BB, que esta tenha de algum modo confirmado a solicitação, execução e montagem de molduras metálicas lacadas para janelas, nem tal pode resultar apenas das “regras da experiência comum”, nem se pode retirar tal factualidade das declarações de parte da legal representante da Ré, FF.


E de igual modo, do depoimento da testemunha GG (e não apenas HH como consta da respectiva acta) e da testemunha da Autora EE não resulta a factualidade pretendida pela Recorrente, pois é preciso atentar que estão em causa trabalhos a mais e não os contratados, ou seja, foram concluídos os contratados e não os trabalhos a mais.


Deste modo, sem perder de vista a imediação de que beneficia a primeira instância, concordamos com a motivação da sentença recorrida porque efectivamente apenas a testemunha AA menciona tais factos, contudo, alude apenas de forma vaga e genérica que se trata de um trabalho extra, o que é manifestamente insuficiente para se poder dar como provado que esse trabalho tenha sido efectivamente solicitado pela Autora à Ré, que tenha sido por esta realizado e que o valor acordado corresponda ao preço acordado.


Assim, improcede de igual modo a impugnação relativa às alíneas a) e b) dos factos não provados.


*


9. Reapreciação jurídica da causa


Considerando que a reapreciação jurídica da causa estava dependente da procedência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que esta improcede na totalidade, fica prejudicada a análise da fundamentação de direito plasmada na sentença recorrida, restando apenas confirmar a mesma.


Em suma, mostram-se verificados os pressupostos de que depende a compensação de créditos, o que significa que ao crédito reclamado pela Autora nestes autos (25.222,48€) haverá que ser abatido o contracrédito da Ré (12.790,00€), extinguindo-se o crédito da Autora nessa parte e subsistindo em dívida a quantia de 12.432,48€, que a Ré deverá pagar à Autora, a que acrescem os correspondentes juros de mora.


*


10. Responsabilidade Tributária


As custas da Apelação são da responsabilidade da Recorrente/Ré.


*


III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,


- Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente/Ré e, em consequência, confirmar a sentença proferida na primeira instância.


- Custas da Apelação a cargo da Recorrente/Ré.


- Registe e notifique.


*


Data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Sónia Moura

2.º Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto

_________________________________________

1. António Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 2022, pág. 831.↩︎

2. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/12-2023-224203164↩︎