MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
FACTOS COMPLEMENTARES
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PRAZO
BOA-FÉ
Sumário

Sumário:
I. São atendíveis os factos complementares, concretizadores não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa (artigos 5.º e 6.º, do CPC).

II. No âmbito do cumprimento do contrato de mediação imobiliária, apesar da não celebração do negócio visado, a mediadora pode ter direito à remuneração/comissão desde que:

- o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade,

- o cliente tenha a qualidade de proprietário,

- o mediador tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado,

- a não concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.

III. Compete à Autora/Recorrida o ónus de alegação e prova de factos que revelem que não lhe é imputável a causa da não concretização do contrato prometido.

IV. O prazo previsto num contrato promessa para a celebração do contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite ou absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo e possibilita a resolução ou de prazo fixo relativo, determinante da simples situação de mora.

V. Em caso de dúvida deve considerar-se um prazo fixo relativo, por estar mais de harmonia com a realidade ou a vontade hipotética das partes e ser a menos onerosa para o devedor.

VI. O prazo suplementar (especial ou admonitório) previsto no art. 808.º, do Código Civil, fixado ad hoc pelo credor para transformar a mora em não cumprimento definitivo tem de ser razoável.

VII. O conceito de “prazo razoável” deve ser estabelecido em coerência com os princípios da boa fé, da cooperação dos contraentes e do não exercício abusivo do direito e tem uma natureza indeterminada que carece de preenchimento valorativo à luz das circunstâncias do caso concreto, designadamente: 1.º ao conteúdo da relação contratual; 2.º à dificuldade da prestação; 3.º aos interesses do credor e do devedor; 4.º à causa do não cumprimento; 5.º à gravidade do não cumprimento; 6.º na hipótese de o devedor não ter realizado prestação nenhuma, à gravidade do atraso; 7.º na hipótese de o devedor ter realizado uma prestação defeituosa, imperfeita ou inexacta, à gravidade do defeito; 8.º à frequência com que o devedor foi interpelado; 9.º à intensidade com que o devedor foi interpelado; 10.º aos prejuízos que o atraso causa ao credor; e (sobretudo) – 11.º ao risco de que a prestação se torne inútil para o credor.

VIII. No entanto, se a parte fixa o prazo demasiado curto intencionalmente, quer dizer, sabendo que com toda a probabilidade não pode ser cumprido pelo devedor e, portanto, contra a boa fé, a fixação do prazo deve ter-se por ineficaz totalmente, pois não há então motivo para manter quaisquer efeitos à fixação do prazo.

Texto Integral

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Apelação n.º 2600/23.1T8STB.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Manuel Bargado

2.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

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ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


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I. RELATÓRIO


Ação Declarativa, Processo Comum


1. As partes:


Autora/Recorrida – ULTIMOBSTACULO - UNIPESSOAL, LDA.


Ré/Recorrente – IMOSETÚBAL - SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA.


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2. Objecto do litígio – A Autora pretende obter da Ré a devolução da quantia de €6.949,50 (seis mil novecentos e quarenta e nove euros e cinquenta cêntimos) correspondente à comissão que aquela pagou à Ré em cumprimento do contrato de mediação imobiliária entre ambas estabelecido, na sequência de contrato promessa de compra e venda celebrado com cliente angariado pela Ré, porque afinal acabou por não se celebrar o contrato prometido por sua culpa.


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3. Sentença em Primeira Instância:


Realizada audiência final, veio, subsequentemente a ser proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente, por provada, e em consequência, decido Condenar a Ré a pagar à Autora, a quantia de € 6.949,50 (seis mil novecentos e quarenta e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa dos juros comerciais, desde a citação até ao efetivo pagamento.».


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4. Recurso de apelação:


Inconformado com esta sentença, a Ré interpôs recurso de apelação com as seguintes conclusões [transcrição]:


«A) A douta sentença de que se recorre padece de um erro de julgamento, tendo o Juiz a quo apreciado mal a matéria de facto e aplicado mal o direito ao caso concreto.


B) Existem alguns factos, dados por provados, que foram mal apreciados pelo Tribunal e que não se podem deixar de impugnar nos termos do Art. 640.º do C.P.C..


C) A Apelante considera que foram incorrectamente julgados os seguintes factos dados por provados constante dos pontos 14., 15., 16. e 33. dos factos provados.


D) Factos estes que deviam ter sido julgados da forma seguinte:


“14. Por imperativos de sigilo bancário e RGPD, a Ré não pôde confirmar se a promitente compradora reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, nomeadamente se tinha crédito bancário aprovado.”


“15. Não provado.”


“16. Não provado.”


“33. Em 09/12/2022 a Autora procedeu à venda do imóvel dos autos à Sra. AA, NIF ..., residente na Praceta..., tendo existido no negócio a intervenção da mediadora imobiliária denominada BB SOARES, Licença AMI n.º 19889.”


E) Nos termos do disposto no Art. 5.º, nº 2, alíneas a) e b) do C.P.C., para além dos factos provados articulados pelas partes, existem outros, instrumentais e que são complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultaram da instrução da causa, que deveriam ter sido considerados pelo Juiz a quo, e que não o foram.


F) Efectivamente, porque pertinentes à boa decisão da causa, DEVERIAM TER SIDO CONSIDERADOS E DADOS POR PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:


“34. Em 30 de Junho de 2022, e sujeito à avaliação do imóvel, CC tinha no NOVO BANCO, S.A. um pedido de Crédito Habitação aprovado para um financiamento de 100.000,00 €, com valor de avaliação e de aquisição de 120.000,00 €, com as condições de taxa de juro, taxa base, Spread, TAN, TAEG, LTV, Taxa de Esforço, MTIC, prestação mensal, seguro de vida e de imóvel e restantes encargos de aquisição melhor identificados no Resumo de Simulação junto em audiência em 17/04/2024.”


“35. Com a subida das taxas de juros que se verificaram no verão de 2022, o NOVO BANCO, S.A. alterou as suas condições de financiamento, exigindo a CC um fiador, o que esta não logrou alcançar, ficando a aprovação do crédito habitação existente comprometida.”


“36. Por carta datada de 25 de Outubro de 2022 e com referência ao “Assunto: Pedido de Crédito Habitação” e “Data do pedido: 18/07/2022”, foi comunicado pelo NOVO BANCO, S.A. a CC que não poderia ser satisfeita a pretensão de pedido de crédito habitação de montante de 98.000,00 €, conforme documento junto em audiência em 17/04/2024.”


“37. Através de e-mail de 28 de Outubro de 2022, com o assunto “Aprovação de Crédito Habitação UCI – Processo 01.15303”, foi comunicado pela UCI, Unión de Créditos Inmobiliários, S.A. – Establecimiento Financiero de Crédito, Sucursal em Portugal, a CC, a aprovação do processo a 70% do valor de avaliação – 79.100 € devido à localização do imóvel, sendo que, se a avaliação viesse superior poderiam aumentar o valor do empréstimo, conforme documento junto em audiência em 17/04/2024.”


“38. Através de e-mail de 02 de Novembro de 2022, com o assunto “Aprovação de Crédito Habitação UCI – Processo 01.15303”, foi comunicado pela UCI, Unión de Créditos Inmobiliários, S.A. – Establecimiento Financiero de Crédito, Sucursal em Portugal, a CC, que o processo estava aceite para a compra de 120.000 € e um financiamento de 70%, ou seja, caso a avaliação visse por 120.000 € financiariam 84.000 €, conforme documento junto em audiência em 17/04/2024.”


“39. Passando a promover o imóvel por iniciativa própria, a Autora logrou encontrar a interessada identificada em 33. por intermédio da mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889 que havia sido contratada pela interessada compradora.”


G) Em termos de prova documental, constante do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, temos os 3 documentos juntos em audiência em 17/04/2024 e o documento 1 junto pela Ré no seu requerimento de 19/05/2023 – Refª 45621167 que foram ignorados na sentença recorrida.


H) Em termos de prova testemunhal, temos diversos depoimentos prestados em audiência – prestados pelas testemunhas DD, EE, FF e GG – que se encontram gravados e registados, cujos excertos se transcreveram e para os quais se remete.


I) O Tribunal a quo não fez uma apreciação crítica e conjugada de toda a prova produzida nos autos;


J) Resulta da prova produzida que no momento da visita ao imóvel e da celebração do CPCV com a Apelada, a interessada CC tinha uma aprovação de crédito habitação por parte do NOVO BANCO, S.A., dependente da avaliação do imóvel, conforme tinha sido transmitido à Apelante pela “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária , Lda.”,


K) Que a informação bancária acerca da interessada CC que tinha sido obtida pela “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária , Lda.”, designadamente de aprovação ou pré-aprovação de crédito habitação, era sigilosa, confidencial e sujeita às regras de RGPD, não tendo a Ré forma de a confirmar,


L) Que a Autora, através do seu Gerente, poderia ter optado por outros potenciais compradores que reuniam as condições e que haviam sido identificados e selecionados pela Apelante,


M) Aliás, foi o próprio gerente da Autora quem selecionou a candidata a comprar o imóvel, ou seja, foi ele quem entrevistou as interessadas, acompanhando as visitas, fazendo perguntas, questionando inclusivamente, como foi dito em audiência, se tinham créditos aprovados, e escolheu inclusivamente a citada CC, quando para a Ré, até seria preferível escolher outra interessada que havia sido identificada pela testemunha DD, que tinha ela própria verificado toda a documentação, não tendo sequer que partilhar depois comissão com a outra agência imobiliária.


N) Que, com a subida das taxas de juros que se verificaram no verão de 2022, o NOVO BANCO, S.A. alterou as suas condições de financiamento, exigindo a CC um fiador, o que esta não logrou alcançar, ficando a aprovação do crédito habitação existente comprometida.


O) Que a Apelante foi diligente no sentido de selecionar clientes que reunissem os requisitos pretendidos pela Apelada.


P) A Autora foi intransigente para com a promitente compradora, não prorrogando o prazo de realização da escritura por mais alguns dias, mesmo sabendo que já havia por parte da UCI um crédito aprovado, porque sabia que o imóvel era facilmente vendível (veja-se que houve 15 visitas num só dia), podendo assim vendê-lo rapidamente e por preço superior, com a vantagem de ficar com o sinal de 15.000,00 €.


Q) Pouco se importando se a sua conduta perante a promitente compradora, que apenas precisava de mais alguns dias, constituía um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.


R) No que toca à aplicação do direito e respetivo enquadramento jurídico, também a douta sentença andou mal e merece alguns reparos.


S) Dispõe o Art. 19.º, nº 2 do RJAMI (Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro):


2. É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”.


T) Nos termos da Cláusula 5ª do CMI dos autos foi acordado que:


“A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro.”


U) O que equivale a dizer que, mesmo que o negócio visado não se concretize, a Ré teria direito a ficar com a comissão recebida aquando da celebração do CPCV, caso a Autora tivesse contribuído para a não celebração do negócio.


V) Sucede que, como vimos, a Autora ao não ter permitido a prorrogação por mais alguns dias do prazo para a realização da escritura, quando a promitente compradora já tinha o crédito habitação aprovado noutra instituição financeira (UCI), agiu claramente em abuso de direito.


X) Com efeito, não é razoável conceder apenas 8 dias para marcar a escritura, sob pena de ter por incumprido definitivamente o negócio, fazendo seu o sinal recebido, quando sabe que a promitente compradora deixou de ter o crédito que tinha aprovado em face das novas exigências ocorridas em virtude do aumento das taxas de juro, mas que já tinha um novo crédito em vias de ser aprovado e apenas precisava de mais alguns dias.


Y) Ora, a postura das partes contratantes deve pautar-se por um espírito de boa fé negocial - quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé (cfr. Art. 227.º, nº 1 do Código Civil).


W) No caso em apreço, a Apelada, na qualidade de promitente vendedora, ao não ter sido sensível e flexível aos argumentos apresentados, permitindo a prorrogação do prazo para outorga da escritura que permitisse a aprovação do crédito que estava iminente, pelo contrário, para conceder uma dilação de 20 dias a Autora exigiu uma contrapartida de reforço de sinal no valor de 10.000,00 €, quando sabia que a promitente compradora não tinha essa capacidade financeira, agiu a Autora num abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.


Z) Optando a Autora por ficar com o sinal recebido no valor de 15.000,00 €, sabedora que iria encontrar rapidamente outro comprador, realizando com o CPCV um lucro fácil, não se preocupando se com isso iria gerar um prejuízo incomportável à promitente compradora.


AA) Ora, não se pode olvidar que da parte da promitente compradora, com o aumento das taxas de juro que ocorreu no verão de 2022 e que são do conhecimento geral, constituindo um facto notório, de repente viu o seu Banco a exigir novas condições para manter o crédito bancário que havia sido aprovado, o que não deixa de constituir uma alteração superveniente das circunstâncias que existiam aquando da celebração do CPCV.


BB) Sendo que o fulcro do Art. 437.º, nº 1 do Código Civil, encontra-se precisamente nos “princípios da boa-fé”.


CC) Age de boa-fé quem o faz com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, por via de uma conduta honesta e conscienciosa, com correção e probidade, sem prejudicar os interesses legítimos daquela ou proceder de modo a alcançar resultados não toleráveis por uma consciência razoável.


DD) Expressando a lei ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (cfr. Art. 334º do Código Civil).


EE) Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, em contrário da boa-fé ou dos bons costumes, proibindo essencialmente a utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de interesses exorbitantes do fim que lhe inere.


DD) E o entendimento da jurisprudência, no seguimento da doutrina, tem sido no sentido de que este instituto funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.


EE) E uma das vertentes do abuso do direito é o designado venire contra factum proprium, no confronto com o princípio da tutela da confiança, como é o caso de ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta, positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade.


FF) Ora, tanto na negociação/formação como no cumprimento/execução dos contratos e, bem assim, no exercício de direitos correspondentes (designadamente, o direito de resolução do contrato), devem as partes conformar-se com o princípio da boa-fé (cfr. Arts 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, ambos do Código Civil), adotando, nesse âmbito, conduta honesta, correta e leal, e, a mais disso, comprometida, não só com a confiança gerada na contraparte (com correspondente investimento desta última), mas em geral com o interesse contratual de ambas as partes (aquele que visam atingir/satisfazer com o cumprimento do negócio), de molde a que não resulte desnecessária e intoleravelmente prejudicado/comprometido o interesse contratual de qualquer delas.


GG) Da análise dos factos em causa nos presentes autos, resulta assim ter existido uma conduta censurável da Autora que contribuiu para o insucesso do negócio.


HH) Por outro lado, como se viu, a Ré cumpriu todos os seus deveres de forma irrepreensível, tendo direito à comissão contratualmente estabelecida.


II) No entanto, a douta sentença não analisou a figura do abuso de direito no prisma que deveria, confundindo o interesse/direito da ora Apelante com o interesse/direito da promitente compradora.


JJ) Por outro lado, nos termos da Cláusula 4ª do CMI dos autos – Regime de Contratação, ficou previsto que:


1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade.


2. O regime de exclusividade previsto no presente contrato, implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária, durante o respetivo período de vigência, ficando a Segunda Contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.


KK) Sucede que a Autora, não tendo denunciado o CMI celebrado com a Ré, o qual se mantinha em vigor, decidiu promover a venda do imóvel por sua iniciativa, colocando uma placa de publicidade sua, logrando assim encontrar um interessado através de outra agência de mediação imobiliária que este contratara, a quem veio a vender o imóvel dos autos.


LL) O que significa, atento o regime de exclusividade contratado entre as partes, que a Ré teria sempre direito à sua comissão.


MM) No entanto, entendeu o Tribunal a quo que estamos perante uma exclusividade simples e não reforçada, o que não impedia a Autora de promover a venda do imóvel por si própria.


NN) Ora, sendo a doutrina e jurisprudência do entendimento que a exclusividade simples é aquela em que o cliente está impedido de recorrer a outra agência de mediação imobiliária para angariar interessados para o mesmo imóvel e a exclusividade reforçada que impede o cliente de promover, publicitar ou angariar interessados por sua iniciativa, ainda assim o ora Apelante entende que o Tribunal recorrido andou mal na sua apreciação.


OO) Com efeito, como ficou provado, a Autora logrou alcançar um interessado para o seu imóvel através de uma agência imobiliária, não contratada por si é certo, mas sempre através de uma empresa de mediação imobiliária que lhe angariou um interessado, quando estava impedida de o fazer, sob pena de pagar a comissão devida.


PP) Concluindo-se que a Apelante cumpriu com os seus deveres contratuais e tinha direito à comissão recebida.


QQ) Assim, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o disposto nos Arts. 227º, nº 1, 236º a 238º, 334º, 342º, 406º, nº 1, 437º e 762º, nº 2 do Código Civil, o Art. 414º do CPC, e os Arts. 16º, nº 2, alínea g) e 19º, nº 2 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.


Porém V. Exas., com serenidade, dando provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença e absolvendo a Ré do pedido, farão a costumada JUSTIÇA!».


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5. Resposta:


A Ré não apresentou contra-alegações


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6. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


Considerando que o objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – são as seguintes as questões cuja apreciação aquelas convocam:


1.ª - Impugnação da matéria de facto;


2.ª - Reapreciação jurídica da causa.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

7. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença recorrida, assinalando-se os que são objecto do dissenso da Recorrente:


«Factos provados:


Estão provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa (e expurgados aqueles com natureza meramente conclusiva ou de direito):


1. A autora foi dona e legitima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao rés do chão direito do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal, sito na Rua 1, Local 1, na união das freguesias da ..., concelho da Local 2, descrita na conservatória do registo predial da Local 2 sob o número trezentos e cinquenta e três da freguesia de Local 1, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo número 2 da união de freguesias da ....


2. A Ré é uma pessoa coletiva que se dedica à mediação imobiliária, encontrando-se devidamente licenciada para o exercício de tal actividade através da licença AMI n.º 10434, emitida pelo Instituto das Construção e Imobiliário (InCI, I.P.), com estabelecimento comercial na Avenida ..., em Local 3.


3. A Autora dedica-se à compra e venda de imóveis e foi contactada pela Ré, a qual manifestou o interesse em angariar a fracção da Autora, acima descrita, e nesse sentido diligenciar por conseguir interessado na compra do imóvel.


4. Na sequência desse contacto, a 20/07/2022, a Autora assinou, conjuntamente com a Ré, o contrato de mediação imobiliária n.º...6/2022, por via do qual lhe conferiu o encargo de promover e mediar a venda do referido imóvel.


5. O contrato foi celebrado para vigorar pelo prazo de seis meses a contar da data da sua assinatura, renovável por iguais períodos.


6. No referido contrato ficou previsto: na clausula 4.ª, sob a epigrafe «Regime de Contratação» o seguinte:

O segundo contratante contrata a mediadora em regime de exclusividade.

O regime de exclusividade previsto no presente contrato, implica que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência, ficando a segunda contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.

7. No referido contrato ficou previsto: na clausula 5.ª, sob a epigrafe «Remuneração» o seguinte:

1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro.

2. O segundo contraente obriga-se a pagar à Mediadora a titulo de remuneração:

A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3. O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições:

O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.

4. O direito à remuneração não é afastado pelo exercício do direito legal de preferência sobre o imóvel.

8. A fracção foi, numa fase inicial, angariada pelo preço de € 108.000,00 (cinquenta e oito mil euros), porém, e face à elevada procura e volatilidade do mercado imobiliário, o valor da compra e venda foi alterado, com a concordância de Autora e Ré, para o preço de € 113.000,00.


9. Como condição essencial para a celebração de contrato promessa que antecedesse a venda a Autora impôs que o mesmo não poderia ficar condicionado a aprovação bancária, bem como que o eventual interessado/a tivesse capitais próprios, ou, em alternativa, tivesse crédito bancário já aprovado.


10. Ainda, era condição essencial para a Autora que o prazo para a realização do contrato definitivo não excedesse os 60 dias.


11. Entre as várias diligências desenvolvidas pela Ré com vista à promoção e venda do imóvel, tiveram lugar contactos com outras agências de mediação imobiliária, no sentido de localizar um interessado que reunisse os requisitos indicados.


12. Nessa sequência, a empresa “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, apresentou à Ré a sua cliente promitente compradora, assegurando que a mesma reunia os requisitos solicitados pela Autora, designadamente o de ter um crédito bancário já aprovado.


13. Assim, de entre os vários interessados, a Ré apresentou à Autora uma interessada de nome CC assegurando que a mesma tinha crédito bancário aprovado, e nessa medida, o negócio, apenas ficaria condicionado à avaliação do imóvel.


14. A Ré não confirmou se a promitente compradora reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, nomeadamente se tinha crédito bancário aprovado.


15. Levando a Autora a celebrar um contrato convencida que a compradora reunia condições bancárias que a mesma não tinha.


16. Preterindo outros potenciais compradores que reuniam essas condições.


17. Assim, a Autora celebrou, a 08 de agosto de 2022, o contrato promessa de compra e venda, tendo ficado estipulado que o contrato definitivo seria celebrado no prazo máximo de 60 dias a contar da data da assinatura.


18. Na data da outorga do referido contrato, a promitente compradora entregou à Autora a título de sinal a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros).


19. Na sequência deste recebimento a Autora pagou à Ré a comissão prevista no contrato de mediação imobiliária outorgado entre Autora e Ré.


20. Em consequência, em 10/08/2022 a Ré emitiu à Autora a fatura FA 2022/710 no valor de € 5.650,00 + IVA (€ 6.949,50).


21. A Autora ficou a aguardar que a promitente compradora que a contactasse para agendar a avaliação ao imóvel e bem assim marcar a escritura definitiva.


22. Volvidos 30 dias, não teve nenhum contacto quer parte da mediadora, aqui ré, quer por parte da promitente compradora.


23. O que fez com que passasse a contactar com persistência, pelo menos, uma por semana, a Ré, questionando-a do ponto de situação da venda.


24. Da Ré obtinha respostas fazendo crer que a Autora nada tinha a recear uma vez que os prazos iriam ser cumpridos.


25. Já a Autora face à proximidade da data de vencimento do CPCV logrou obter todos os documentos atinentes à realização da escritura definitiva.


26. No dia 04 de outubro de 2022 a Autora foi contatada pela Ré dando conta do email que recebera da sua congénere que tinha a cliente compradora, a imobiliária Casarroba, Sociedade de Mediação Imobiliária Lda, detentora da marca Century 21 e da Licença AMI 6347, a qual pedia uma adenda ao contrato promessa de compra e venda com um prazo adicional de 20 dias para a realização do negocio definitivo.


27. A esse email respondeu a Autora questionando a Ré da existência de financiamento bancário aprovado tal como lhe fora garantido ao que a Ré anuiu novamente, estipulando como condição para conceder uma dilação de 20 dias, um comprovativo da aprovação do crédito e um reforço de sinal no valor de € 10.000,00, o que não foi aceite pela promitente compradora.


28. Deste modo, a Autora não aceitou protelar o contrato promessa.


29. A promitente compradora não marcou, como lhe competia, a escritura definitiva de compra e venda dentro dos 60 dias estipulados no contrato.


30. Razão pela qual, a Autora no dia 12 de outubro de 2022, lhe endereçou uma carta interpelando-a a realizar a escritura definitiva no prazo de 8 dias, carta que aquela não recebeu, pese embora a mesma haja sido enviada para a morada domiciliada no contrato promessa outorgado pelas partes.


31. Não obstante, a promitente compradora não procedeu á marcação da compra prometida, pelo que por carta que lhe dirigiu para o domicílio convencionado, a 21 de outubro de 2022 sob registo com aviso de receção, e que aquela recebeu, a Autora declarou incumprido o contrato promessa de compra e venda celebrado.


32. Como consequência, solicitou à Ré a devolução da comissão paga por si por conta da mediação, o que esta não fez.


33. Em 09/12/2022 a Autora procedeu à venda do imóvel dos autos à Sra. AA, NIF ..., residente na Praceta....


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Factos não provados:


Resultaram como não provados os seguintes factos:


a) A Ré apresentou a promitente compradora como sendo a única que preenchia as exigências da Autora, e que podia, sem demais condições, celebrar o negócio proposto.


b) A Autora logrou encontrar um interessado na aquisição do imóvel com recurso a outra empresa de mediação imobiliária.


c) A Autora logrou encontrar um interessado na aquisição do imóvel por iniciativa própria.».


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8. Impugnação da decisão da matéria de facto


A Recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos dados por provados constantes dos pontos 14., 15., 16. e 33. dos factos provados e entende que deviam ter sido julgados da forma seguinte:

“14. Por imperativos de sigilo bancário e RGPD, a Ré não pôde confirmar se a promitente compradora reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, nomeadamente se tinha crédito bancário aprovado.”

“15. Não provado.”

“16. Não provado.”

“33. Em 09/12/2022 a Autora procedeu à venda do imóvel dos autos à Sra. AA, NIF ..., residente na Praceta..., tendo existido no negócio a intervenção da mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889.”

A Recorrente entende ainda que “Nos termos do disposto no Art. 5.º, nº 2, alíneas a) e b) do C.P.C., para além dos factos provados articulados pelas partes, existem outros, instrumentais e que são complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultaram da instrução da causa, que deveriam ter sido considerados pelo Juiz a quo, e que não o foram” e por isso considera que por serem pertinentes à boa decisão da causa, deveriam ter sido considerados e dados por provados os seguintes factos:

- “34. Em 30 de Junho de 2022, e sujeito à avaliação do imóvel, CC tinha no NOVO BANCO, S.A. um pedido de Crédito Habitação aprovado para um financiamento de 100.000,00 €, com valor de avaliação e de aquisição de 120.000,00 €, com as condições de taxa de juro, taxa base, Spread, TAN, TAEG, LTV, Taxa de Esforço, MTIC, prestação mensal, seguro de vida e de imóvel e restantes encargos de aquisição melhor identificados no Resumo de Simulação junto em audiência em 17/04/2024.”

- “35. Com a subida das taxas de juros que se verificaram no verão de 2022, o NOVO BANCO, S.A. alterou as suas condições de financiamento, exigindo a CC um fiador, o que esta não logrou alcançar, ficando a aprovação do crédito habitação existente comprometida.”

- “36. Por carta datada de 25 de Outubro de 2022 e com referência ao “Assunto: Pedido de Crédito Habitação” e “Data do pedido: 18/07/2022”, foi comunicado pelo NOVO BANCO, S.A. a CC que não poderia ser satisfeita a pretensão de pedido de crédito habitação de montante de 98.000,00 €, conforme documento junto em audiência em 17/04/2024.”

- “37. Através de e-mail de 28 de Outubro de 2022, com o assunto “Aprovação de Crédito Habitação UCI – Processo 01.15303”, foi comunicado pela UCI, Unión de Créditos Inmobiliários, S.A. – Establecimiento Financiero de Crédito, Sucursal em Portugal, a CC, a aprovação do processo a 70% do valor de avaliação – 79.100 € devido à localização do imóvel, sendo que, se a avaliação viesse superior poderiam aumentar o valor do empréstimo, conforme documento junto em audiência em 17/04/2024.”

- “38. Através de e-mail de 02 de Novembro de 2022, com o assunto “Aprovação de Crédito Habitação UCI – Processo 01.15303”, foi comunicado pela UCI, Unión de Créditos Inmobiliários, S.A. – Establecimiento Financiero de Crédito, Sucursal em Portugal, a CC, que o processo estava aceite para a compra de 120.000 € e um financiamento de 70%, ou seja, caso a avaliação visse por 120.000 € financiariam 84.000 €, conforme documento junto em audiência em 17/04/2024.”

- “39. Passando a promover o imóvel por iniciativa própria, a Autora logrou encontrar a interessada identificada em 33. por intermédio da mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889 que havia sido contratada pela interessada compradora.”

*


1.1. Analisando os pontos 14, 15 e 16 dos factos provados:


Na decisão de facto julgou-se provada a seguinte factualidade:

“14. A Ré não confirmou se a promitente compradora reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, nomeadamente se tinha crédito bancário aprovado.

15. Levando a Autora a celebrar um contrato convencida que a compradora reunia condições bancárias que a mesma não tinha.

16. Preterindo outros potenciais compradores que reuniam essas condições.”

Importa referir que os factos impugnados estão directamente relacionados com os seguintes factos dados como provados na sentença, que não foram impugnados, mas, se tal se justificar, na apreciação global da prova, podem vir a ser alterados, como segue:

«9. Como condição essencial para a celebração de contrato promessa que antecedesse a venda a Autora impôs que o mesmo não poderia ficar condicionado a aprovação bancária, bem como que o eventual interessado/a tivesse capitais próprios, ou, em alternativa, tivesse crédito bancário já aprovado.

10. Ainda, era condição essencial para a Autora que o prazo para a realização do contrato definitivo não excedesse os 60 dias.

11. Entre as várias diligências desenvolvidas pela Ré com vista à promoção e venda do imóvel, tiveram lugar contactos com outras agências de mediação imobiliária, no sentido de localizar um interessado que reunisse os requisitos indicados.

12. Nessa sequência, a empresa “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, apresentou à Ré a sua cliente promitente compradora, assegurando que a mesma reunia os requisitos solicitados pela Autora, designadamente o de ter um crédito bancário já aprovado.

13. Assim, de entre os vários interessados, a Ré apresentou à Autora uma interessada de nome CC assegurando que a mesma tinha crédito bancário aprovado, e nessa medida, o negócio, apenas ficaria condicionado à avaliação do imóvel.».

A motivação da decisão de facto no que concerne a estes pontos de facto 9 a 16 é a seguinte:

«Previamente, cumpre referir que no que diz respeito às condições consideradas essenciais pela Autora para celebrar o contrato promessa, a Ré não impugnou a matéria alegada, aceitando aliás expressamente a mesma – factos 9) e 10).

Assim, no essencial, ao tribunal coube em sede de julgamento, averiguar se a Ré sabia que a promitente compradora não reunia as condições essenciais exigidas pela Autora. Bem como, se a Autora contribuiu, e em que medida, para a não celebração do negócio.

Quanto à primeira questão, o tribunal ouviu com relevância FF e DD – agentes imobiliárias trabalhadoras da Ré – que, de forma coerente e espontânea, confirmaram que a promitente compradora era cliente da Century 21 e que lhes foi transmitido que a mesma tinha já crédito bancário aprovado, preenchendo assim a condição essencial para a Autora contratar. Ainda relataram que não confirmaram a existência ou não da referida aprovação bancária, sendo habitual confiarem naquilo que lhes é transmitido pela congénere, bem como que só posteriormente à celebração do CPCV tiveram conhecimento de que o crédito deixou de ter aprovação.

Com relevância DD referiu ainda que, existiam outros clientes que fizeram proposta para aquisição e que reuniam a essencial condição de terem crédito aprovado, porém a cliente da EE subiu a proposta em € 1.000,00, facto que levou a Autora a aceitar a sua proposta, sendo que esta agente imobiliária assegurou que a mesma reunia as condições bancárias necessárias.

Em face do exposto, o tribunal ficou efectivamente convencido de que a Ré assegurou à Autora que a promitente compradora tinha crédito aprovado, o que era condição essencial, levando-a a celebrar o CPCV, preterindo outros potenciais interessados, sendo que não certificou por qualquer modo a informação transmitida pela congénere Century21 relativa ao crédito aprovado – factos 11) a 16).

E isso mesmo resultou confirmado dos depoimentos de EE e GG que, embora tenham referido que a promitente compradora reunia os pressupostos, certo é que resultou claro dos seus relatos que a mesma não detinha um crédito aprovado, mas apenas uma pré-aprovação.

Ainda, embora esta ultima testemunha tenha afirmado a determinado momento que inexistem créditos aprovados antes da avaliação, certo é que acabou por resultar do seu depoimento que efectivamente existem instituições de crédito que aprovam financiamento antes da avaliação, de que é exemplo a UCI, que veio a aprovar o crédito da promitente compradora, sem que tivesse sido efectuada a avaliação. Ademais, resultou claro deste depoimento – embora a testemunha tenha tentado por respostas esquivas escamotear a situação – que a aprovação pela UCI – a única que efectivamente existiu - ocorreu esgotado há muito o prazo para a celebração do contrato promessa, bem como uma eventual prorrogação, tal como aliás resulta expresso dos emails que foram juntos ao processo na sessão de julgamento.

Assim, muito embora não tivesse sido feita prova de que a Ré tivesse conhecimento que a promitente compradora não tinha o crédito aprovado em momento prévio ao CPCV, tal como foi alegado pela Autora, resultou claramente demonstrado que a mesma não confirmou aquele facto, confiando assim na informação que lhe foi transmitida pela congénere Century 21, razão pela qual o tribunal consignou este facto no ponto 14).».

Para melhor analisar a viabilidade daqueles factos, importa atentar na factualidade que foi alegada pela Autora no art. 24.º da PI do seguinte modo:

“E a Ré que bem sabia que a promitente compradora não reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, levou-a a celebrar aquele contrato, recebendo a sua comissão, em claro violação dos deveres contratuais que sobre ela impediam.”.

E uma dessas condições essenciais invocadas era o “crédito bancário já aprovado” como referido no art. 8.º, da P.I.


Por sua vez, na sua Contestação, com relevância a Ré alegou o seguinte:

«18. Na sequência desses contactos, foi comunicado à Ré pela empresa “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, detentora da marca “Century 21 Lusíadas” e da licença AMI nº 6347, que tinha uma interessada – CC – que reunia tais características, ou seja, quer dos capitais próprios exigidos, quer do financiamento bancário já aprovado.

(…)

22. Tendo a Autora sido colocada a par das propostas apresentadas, bem como do facto de terem sido veiculadas por outra empresa de mediação imobiliária que angariara a interessada, a Autora estabeleceu como condições para a realização do negócio, que o valor de venda fosse de € 113.000,00, com a entrega de € 15.000,00 no momento da celebração do CPCV a título de sinal (superior a 10% do valor de venda), e prazo de 60 dias para escritura com recurso a crédito bancário.

(…)

24. Sendo que, nos vários contactos estabelecidos entre a Ré e a Autora, assim como com a citada “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, foi confirmado por esta última que a sua cliente – potencial compradora – reunia os requisitos transmitidos pela Ré e solicitados pela Autora, designadamente de ter um crédito bancário já aprovado.

25.

Sublinhando-se que, não sendo o comprador angariado pela Ré, esta não tinha forma de controlar ou confirmar se existia crédito aprovado ou não.».

Antes de mais, é decisivo debruçarmo-nos em primeiro lugar sobre a “exigência de crédito aprovado”.


A designação de “crédito aprovado” é um termo técnico da gíria bancária, sendo consabido que de acordo com as regras da normalidade, nas várias fases de negociação de crédito bancário, podemos surpreender a utilização dos seguintes termos essenciais:


- “Simulação” de crédito;


- “Pré-aprovação” de crédito;


- “Aprovação” de crédito.


Em qualquer site de qualquer instituição financeira é possível encontrar as diferenças nos termos actuais (que não será muito diferente de 2022).


No site da UCI1 “A pré-aprovação do crédito habitação é uma primeira avaliação conduzida pelo banco, tendo em conta um conjunto de dados financeiros básicos, que determina se será, ou não, elegível para obter o empréstimo. No entanto o seu valor é limitado e necessitará de confirmação”.


“A decisão do financiamento acontece após a escolha da casa e do envio de toda a documentação para análise de risco. É neste momento que é analisada toda a informação com suporte da documentação (…)”.


“Uma vez analisada a informação e concluídos os procedimentos, a instituição financeira estará, então, em condições de aprovar (ou não) o pedido de crédito. Entretanto, se a resposta for positiva, será emitida a Ficha de Informação Normalizada Europeia (FINE) de aprovação, em conjunto com a carta de aprovação final e a minuta do contrato de crédito.”.


A informação constante da Deco Proteste2 pode ser resumida do seguinte modo:


Para que o banco conceda o crédito à habitação, é necessário fazer uma pré-aprovação. Para tal, o interessado terá de se deslocar ao balcão do banco, com os seguintes documentos:


- comprovativos de rendimentos obtidos nos últimos meses (recibos de vencimento ou de pensões, recibos verdes, etc.);


- declaração de IRS.


Algumas instituições bancárias permitem que esta fase seja realizada exclusivamente online, mas é igualmente obrigatório apresentar os documentos indicados.


Com esta informação, o banco calcula a taxa de esforço, ou seja, o peso que a prestação do crédito à habitação, em conjunto com outras que já tenha, irá ter no seu orçamento mensal. Para saber, tem de dividir o valor das prestações pelo seu rendimento mensal líquido e multiplicar o resultado por 100. Obtém uma percentagem, que é a taxa de esforço: o ideal é que não ultrapasse os 35 por cento. Caso seja superior a 50%, o processo de financiamento não avança.


O banco apresenta-lhe, então, uma simulação do valor da prestação com as condições mais adequadas à sua capacidade financeira, ajustando valores como o spread (a margem de lucro do banco). Se os critérios de concessão forem cumpridos, o crédito é pré-aprovado.


Seguidamente, é preciso verificar quanto vale o imóvel pretendido e que vai servir de garantia do financiamento, através de uma avaliação. Esta é realizada por um perito independente, que atribui um valor ao imóvel, considerando as suas características, localização e estado de conservação. Este valor determina o montante máximo que o banco pode emprestar – por norma, não vai além dos 90% da avaliação.


Então, muito sinteticamente, na pré-aprovação ocorre uma análise do perfil do cliente com emissão de simulação, enquanto a aprovação final depende da avaliação do imóvel e da documentação financeira.


Por isso, quando a Autora alega que exigia a existência de aprovação de crédito bancário aos potenciais interessados, ainda para mais tratando-se a Autora de empresa do ramo de actividade de compra e venda de imóveis, teria de estar a par dessa realidade e por isso deve entender-se que seria mais uma pré-aprovação, pois estava dependente da avaliação do imóvel.


Com efeito, caso se entendesse que já estava definitivamente aprovado o crédito bancário e sem necessidade de avaliação então nem seria necessário celebrar contrato promessa podendo logo celebrar-se o contrato definitivo.


Aliás, é a própria testemunha da Autora, HH (trabalha para a Autora e vive em união de facto com o sócio gerente desta), que admitiu o seguinte:

[00:04:51] HH: Sim, fizemos vários contactos, foi um processo um bocadinho desgastante neste sentido, fizemos vários contactos para perceber o porquê da demora uma vez que era um processo que tinha supostamente um crédito bancário aprovado e nós já percebemos mais ou menos como é que funciona estas coisas, normalmente quando existe um crédito bancário aprovado é rápido a marcação de visita ao imóvel por parte do banco para fazer a avaliação bancária e esse prazo foi esgotado, vimos que não era marcada a avaliação bancária, estranhámos porque sabemos que normalmente quando há crédito aprovado é rápido e fizemos várias vezes questões à imobiliária que passo a expressão que nos enrolavam e que não nos explicavam o porquê da demora…

E ainda, a testemunha EE (consultora imobiliária da Century 21) esclareceu o seguinte:

“[00:12:18] EE: O cliente tinha que… pronto, são informações que eu tenho, que é, para ir à visita, que é: o cliente tem de ter capitais próprios de um valor X, e um crédito já aprovado, ou pré-aprovado, neste caso. Tem de ser pré-aprovado, que só se aprova depois de encontrar a casa, não é? Neste caso, tínhamos essas… estávamos nessas condições, por isso é que eu fui à procura da casa para a D. CC.”

Daqui resulta claramente que quando a Autora exigia o crédito “aprovado” para celebrar o contrato promessa deve entender-se que se trata realmente da expressão técnica “pré-aprovado”, ou seja, aprovado mas dependente de avaliação do imóvel.


Este detalhe é importante, pois, na prática, estando depende de avaliação, consoante o resultado da mesma, poderia a final não ser aprovado.


Isto não significa que na linguagem corrente do dia a dia, nas diversas conversações entre as várias intervenientes no negócio em, causa, não seja possível, por comodidade e rapidez, estas referirem sempre a expressão “crédito aprovado” apesar de não ser tecnicamente a mais correcta, mas estando todas cientes de que faltaria sempre a avaliação do imóvel para a aprovação final.


Talvez por isso conste expressamente no ponto 13 dos factos provados da sentença recorrida que «… tinha crédito bancário aprovado, e nessa medida, o negócio, apenas ficaria condicionado à avaliação do imóvel.».


Então, se a Ré informa que a cliente tinha o crédito aprovado mas o negócio estava condicionado à avaliação do imóvel, este crédito teria forçosamente de estar apenas “pré-aprovado” e não já “aprovado”, isto é, não existem ainda certezas sobre o resultado da avaliação do imóvel e da aprovação final do crédito.


Em suma, julgamos assim ser mais conforme com a realidade considerar que a Autora exigia crédito aprovado, embora ainda sujeito à avaliação do imóvel, ou seja, crédito pré-aprovado.


E é neste sentido que deve ser considerado quando qualquer um dos intervenientes se refere a crédito aprovado no contexto da celebração do contrato promessa em causa.


Assim, deve ser retificado o ponto 9 nos seguintes termos:


«9. Como condição essencial para a celebração de contrato promessa que antecedesse a venda a Autora impôs que o mesmo não poderia ficar condicionado a aprovação bancária, bem como que o eventual interessado/a tivesse capitais próprios, ou, em alternativa, tivesse crédito bancário já aprovado, embora ainda sujeito à avaliação do imóvel, ou seja, crédito pré-aprovado.».


Por sua vez, nos pontos de facto 12 e 13 consta como provado o seguinte:

“12. Nessa sequência, a empresa “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, apresentou à Ré a sua cliente promitente compradora, assegurando que a mesma reunia os requisitos solicitados pela Autora, designadamente o de ter um crédito bancário já aprovado.” (sublinhado nosso).

“13. Assim, de entre os vários interessados, a Ré apresentou à Autora uma interessada de nome CC assegurando que a mesma tinha crédito bancário aprovado, e nessa medida, o negócio, apenas ficaria condicionado à avaliação do imóvel.” (sublinhado nosso).

Na sequência do exposto anteriormente, a expressão crédito aprovado mencionada nos pontos 12 e 13 deve entender-se como crédito ainda sujeito à avaliação do imóvel, portanto, “crédito pré-aprovado”.


Por outro lado, julgamos que a utilização da expressão “assegurou” nos pontos 12 e 13 dos factos provados, como foi alegado pela Autora na sua Petição Inicial, não é a mais adequada para reflectir a realidade do que sucedeu, porque “assegurar” significa “tornar seguro, dar a certeza de; garantir; afirmar com segurança; asseverar; obter a certeza de (algo); certificar-se”3, portanto, inculca a ideia de que de algum modo a Ré garantiu, deu a certeza ou certificou-se de que a interessada CC reunia os requisitos, mas essas garantias não resultaram da prova produzida.


Além disso, para melhor compreender o contexto e as circunstâncias em que apareceram interessados no imóvel e o contexto e as circunstâncias em que foi celebrado o contrato promessa em causa e seus motivos, é essencial elencar nos factos provados todos os factos (incluindo os factos complementares e instrumentais) concretos da vida real que ocorreram, designadamente, todas as comunicações existentes entre as partes, que decorreram temporalmente até à celebração do contrato promessa, alterando-se assim a factualidade dos pontos 12, 13, 14, 15 e 16.


Nesta sequência, é possível surpreender no depoimento da testemunha DD (mediadora da Ré) que durante as visitas dos potenciais interessados ao imóvel questionava-os se tinham “crédito aprovado” (no sentido já referido de “pré-aprovado”), na presença do gerente da Autora (Sr. II) e afirmou que “…com os colegas que levaram clientes compradores eu não tenho acesso à parte papelada”, bem como que “não tenho como solicitar a aprovação bancária da outra parte” no sentido de que “não é norma por qualquer consultor imobiliário pedir a documentação da compra do processo bancário que não pertence à minha cliente, que a cliente não é minha. É um documento que pertence à outra parte”.


A presença do representante da Autora foi ainda confirmada pelo depoimento da testemunha EE e não foi desmentida pelo depoimento da testemunha HH:

[00:18:19] HH: É possível, quase garantidamente que sim, não me recordo, já passou muito tempo, mas o II costuma estar em todas as visitas aos seus imóveis, portanto, a probabilidade de estar é muita.

Ou seja, parece resultar efectivamente que os clientes interessados angariados pela Ré “exibiam” o comprovativo de que possuíam pré-aprovação de crédito durante as visitas efectuadas ao imóvel, mas não se refere que entregavam fisicamente o comprovativo, enquanto que relativamente a clientes interessados indicados por outras imobiliárias, como sucedeu no caso concreto com a CC, se não fosse exibido pela interessada o documento formal, não era viável à Ré controlar se existia documento formal com pré-aprovação do crédito devido ao sigilo bancário e às regras de RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados), contudo esta circunstância não é propriamente um facto que deva ser elencado nos factos provados da sentença, é uma mera conclusão.


Aqui chegados, concordamos com a motivação da sentença na parte em que ali se refere que «FF e DD – agentes imobiliárias trabalhadoras da Ré – que, de forma coerente e espontânea, confirmaram que a promitente compradora era cliente da Century 21 e que lhes foi transmitido que a mesma tinha já crédito bancário aprovado [ou melhor “pré-aprovado” como acima analisado], preenchendo assim a condição essencial para a Autora contratar. Ainda relataram que não confirmaram a existência ou não da referida aprovação bancária, sendo habitual confiarem naquilo que lhes é transmitido pela congénere, bem como que só posteriormente à celebração do CPCV tiveram conhecimento de que o crédito deixou de ter aprovação. Com relevância DD referiu ainda que, existiam outros clientes que fizeram proposta para aquisição e que reuniam a essencial condição de terem crédito aprovado, porém a cliente da EE subiu a proposta em € 1.000,00, facto que levou a Autora a aceitar a sua proposta…» (sublinhado nosso), mas já não podemos concordar com a restante.


Basta atentar que a testemunha DD esclareceu o seguinte:

“[00:12:51] Mandatário da Ré (Dr. JJ): Havia era vários interessados. Como é que se fazia a escolha? Ou como é que se fez neste caso a escolha, se foram vocês que escolheram?

[00:12:57] DD: Nunca.

[00:12:58] Mandatário da Ré (Dr. JJ): A DD. Ou se foi o Sr. II que estava lá. Como é que ele optou?

[00:13:02] DD: Nunca, se fosse para eu escolher a proposta eu teria escolhido a minha própria cliente que tinha a aprovação bancária, que tinha 15.000,00€ para dar de entrada e que tinha a proposta de 112.000,00€ que era posterior, uma proposta estava igualada, a proposta da Sra. CC que era acompanhada pela EE que subiu dos 110 para os 112. Se fosse para eu escolher, eu teria escolhido a minha própria cliente.

[00:13:31] Mandatário da Ré (Dr. JJ): Mas como é que se processou? Quem é que escolheu? Quem é que definiu?

[00:13:35] DD: Foi o II.

[00:13:36] Mandatário da Ré (Dr. JJ): E consegue perceber por que razão é que escolheu?

[00:13:38] DD: Deve ser pelos 1.000,00€ de diferença. Porque depois eu apresentei as propostas aos parceiros meus que me tinham dado propostas dos clientes e disse-lhes que eu tinha uma proposta dos 112.000,00€, com condições de 15.000,00€ de entrada. A EE sobe mais 1.000,00€ da proposta com a D. CC e foi ganha esta proposta por 1.000,00€. Porque o cliente meu, eu tenho aqui essas propostas não sei se faz sentido.”

O referido depoimento foi confirmado no essencial pelo depoimento da testemunha EE e ainda pelo teor das comunicações (emails) trocados entre os intervenientes com as propostas, melhor plasmados nos factos provados infra elencados.


Ora, a explicação dada pela testemunha DD (de que foi a Autora a escolher a interessada e não a Ré) faz todo o sentido, pelo seguinte motivo:


A proposta da CC era superior às demais em €1.000,00, por isso a Autora iria receber pela venda do imóvel €113.000,00 e não apenas €112.000,00.


Já para a Ré, mediadora, era pouco significativo fazer a venda por mais €1.000,00, porque a sua comissão era apenas de 5% do valor total da venda e desse montante ainda tinha de partilhar 30% da comissão com a Century21, ou seja, a diferença era receber mais €20,00 de comissão.


Ou seja, é perfeitamente compreensível que para a Ré fosse preferível que a compradora fosse sua porque assim não teria de ceder à Century21 os 30% da comissão.


Então, parece-nos lógico que tivesse sido a Autora a escolher a compradora CC (apresentada pela Century21), em detrimento das demais, devido ao facto de esta apresentar um valor mais elevado em €1.000,00, valor já significativo.


Pelos referidos motivos não é possível afirmar que foi a falta de confirmação da Ré sobre a aprovação do crédito que levou a Autora a celebrar o contrato promessa em causa.


Nesta sequência, em suma, afinal o que levou a Autora a aceitar a concreta proposta (em detrimento de outras) e a celebrar aquele concreto contrato promessa foi a circunstância da particular interessada (CC) subir a proposta em mais €1.000,00 e não as “condições essenciais” transmitidas pela Century21 e veiculadas pela Ré, porque essas condições todos os interessados que visitaram o imóvel também possuíam.


Então, isto significa que da prova produzida não é possível afirmar que a Ré que bem sabia que a promitente compradora não reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, incluindo a existência de crédito aprovado ou pré-aprovado e levou-a a celebrar aquele contrato, como alegado pela Autora na sua P.I., por isso deve ser dada tal factualidade como não provada.


Então, na sequência dos factos provados do ponto 11 da sentença (“11. Entre as várias diligências desenvolvidas pela Ré com vista à promoção do imóvel, tiveram lugar contactos com outras agências de mediação imobiliária, no sentido de localizar um interessado que reunisse os requisitos indicados.”), ficaram ainda provados os seguintes factos (incluindo factos complementares e instrumentais):

• Na sequência desses contactos, foi comunicado à Ré pela empresa “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, detentora da marca “Century 21 Lusíadas” e da licença AMI nº 6347, que tinha uma interessada – CC – que reunia tais características, ou seja, quer dos capitais próprios exigidos, quer do financiamento bancário já pré-aprovado.

• Tendo a Autora sido colocada a par das propostas apresentadas, bem como do facto de terem sido veiculadas por outra empresa de mediação imobiliária que angariara a interessada.

• A consultora da promitente compradora CC (a Century21) não exibiu qualquer documento comprovativo da pré-aprovação de crédito bancário e nem a Ré nem a Autora solicitaram tal documento.

• Tendo essa empresa Casarroba feito, em 27/07/2022, uma proposta inicial de compra pelo valor de €110.000,00, com assinatura imediata do CPCV, € 15.000,00 de entrada e escritura até 60 dias (cfr. email de 27/07/2022, 18:44).

• Mais informando que aguardava a confirmação de uma visita para o dia 29/07/2022 às 16h20, sendo as condições de partilha 70/30 dos 5% + IVA de comissão (cfr. email de 27/07/2022, 18:44).

• Num só dia, a Ré fez todas as visitas ao imóvel da Autora com potenciais interessados na compra, todos reuniam as condições exigidas pela Autora, sendo que as visitas da parte da tarde foram feitas também na presença do gerente da Autora (Sr. II) que também questionava directamente os interessados para saber se cumpriam as condições referidas, incluindo a aprovação (ou pré-aprovação) bancária.

• No âmbito das referidas visitas foram feitas duas propostas por parte de potenciais interessados angariados pela Ré na presença do gerente da Autora.

• Também compareceu no dia das visitas, da parte da tarde, EE (da Century 21 ou Casarroba, consultora da interessada CC) que visitou o imóvel e fez videochamada com CC, tudo na presença e conhecimento do gerente da Autora.

• Depois de realizada a visita e confirmando-se a vontade de compra por parte da interessada referida, em 01/08/2022 foi apresentada pela “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” à Ré, uma segunda proposta de aquisição pelo valor de €112.000,00 (cfr. email de 01/08/2022, 12:37h).

• Tendo a Autora sido colocada a par das propostas apresentadas, bem como do facto de terem sido veiculadas por outra empresa de mediação imobiliária que angariara a interessada, a Autora estabeleceu como condições para a realização do negócio, que o valor de venda fosse de €113.000,00, com a entrega de € 15.000,00 no momento da celebração do CPCV a título de sinal (superior a 10% do valor de venda), e prazo de 60 dias para escritura com recurso a crédito bancário.

• Valor esse de €113.000,00 que foi aceite pela interessada, mantendo-se as restantes condições, o que foi transmitido pela “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” à Ré em 02/08/2022 – cfr. email de 02/08/2022, às 17:40h.

• A “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, que detém a marca Century21 é um Intermediário de Crédito aprovado pelo BdP Nº 000173.


*


1.2. Relativamente ao ponto 33. dos Factos Provados, deve se alterada a redacção dos factos tal como proposto pela Recorrente, porque resulta do teor objectivo do respectivo documento (doc.1 junto pela Ré no requerimento de 19.05.2023 – Ref: 45621167 – Cópia do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrado em 09/12/2022 na sede do Banco Santander, DPA) na qual a Autora vendeu a fração dos autos, onde se confirma na Cláusula Sétima que o negócio teve a intervenção da mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889:


Em 09/12/2022 a Autora procedeu à venda do imóvel dos autos à Sra. AA, NIF ..., residente na Praceta..., tendo existido no negócio a intervenção da mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889.”.


*


1.3. A Recorrente entende que devem ser aditados ainda factos que considera complementares, acima elencados.


Tal como já referido anteriormente, estando em causa o comportamento das partes, a sua boa-fé, julgamos ter toda a relevância concretizar em factos concretos mais detalhadamente que comunicações existiram efectivamente entre as partes naquela fase crítica do desenvolvimento do contrato promessa, contudo, deve ser considerada como provada a factualidade que resulta do teor objectivo dos documentos juntos – emails e cartas.


Importa referir que para além das comunicações das partes plasmadas nos emails, ficou ainda provado que “Em momento não apurado mas após o decurso do prazo de 60 dias previsto no contrato promessa a própria promitente compradora contactou directamente a Autora, por email e por telefone a pedir para esperarem mais um pouco pela aprovação do crédito”, como resulta do depoimento da própria testemunha da Autora, HH (que vive em união de facto com o sócio gerente da Autora):

“00:06:08] HH: Sim, sim, já numa fase em que já tínhamos esgotado o prazo para CPCV e que dissemos que já não íamos vender a casa e porque nunca chegou a haver o crédito bancário aprovado e a Sra. CC chegou a mandar um e-mail e chegou a contactar o II por telefone o qual eu presenciei no escritório a pedir para esperarmos mais um pouco pela aprovação do crédito, mas, pronto, já tínhamos esgotado…”

Na sequência do mail de 14 de setembro e 2022, nessa altura já se sabia que o pedido de crédito da promitente compradora junto do Novo Banco, S.A., de 18/07/2022, com simulação datada de 30/06/2022, para o financiamento de €100.000,00 não podia ser satisfeito e que tal se deveu ao seguinte:


Com a subida das taxas de juros que se verificaram no verão de 2022, o NOVO BANCO, S.A. alterou as suas condições de financiamento, exigindo a CC um fiador, o que esta não logrou alcançar.


Estes factos resultam do depoimento das testemunhas DD, GG e da testemunha FF, conjugados ainda com o teor das comunicações constantes do documento junto em audiência final de 17/04/2023 e quanto ao aumento das taxas de juro nessa época, para além de ser um facto do conhecimento público, resulta ainda da consulta da informação do Banco Central Europeu4: «Em julho de 2022, começámos a subir as taxas de juro, no contexto de uma fase que os especialistas designam como “aumento da restritividade da política monetária”».


Importa então descrever cronologicamente as diversas comunicações ocorridas entre os vários intervenientes, incluindo os factos já considerados provados na sentença e não impugnados, para melhor compreensão, como segue:

• Em 10 de agosto de 2022 a Ré enviou a planta do imóvel para a Century21 – (email de 10/08/2022, às 17:21).

• Com a subida das taxas de juros que se verificaram no verão de 2022, o NOVO BANCO, S.A. alterou as suas condições de financiamento, exigindo a CC um fiador, o que esta não logrou alcançar, ficando o pedido de crédito habitação de 18/07/2022, com simulação datada de 30/06/2022, para o financiamento de €100.000,00 comprometido.

• Nessa sequência, em data não apurada, foi solicitado crédito a outra instituição, a UCI.

• Em 14 de setembro de 2022 (email de 14/09/2022, às 10:59h) a Century 21 informou a Ré para além do mais que:

“Bom dia Cara DD,

Espero que se encontre bem.

Na sequencia das nossas conversas telefónicas, venho por este meio, e antes de mais, pedir desculpa pelo atraso no possesso.

A Banca desde setembro a esta parte, não está tão facilitada como até então.

Nesta conformidade, o crédito que estava aprovado para a nossa cliente num valor bem superior ao que a sra. fez no CPCV e pretende escriturar, deixou de ter a mesma aprovação.

Desta forma, vimo-nos obrigados a mudar de instituição bancária e neste momento, estamos crédulos que possivelmente até ao final desta semana, estejamos em condições de pedir a avaliação, de modo a cumprir a data acordada, entre as partes, em CPCV.

Reitero as nossas desculpas.

Obrigada.”.

• Em 19 de setembro de 2022 a Ré questiona a century21 do seguinte modo: “Ainda não tivemos informação do agendamento da avaliação, agradeço informação sobre o ponto da situação do processo” (cfr. email de 19 de setembro de 2022, 14:08h).

• Em 19 de setembro de 2022, em resposta a century informa a Ré (cfr. email de 19/09/2022, 14:19):

Boa tarde cara FF,

Agradeço o seu e-mail e reencaminho infra o e-mail que enviei na semana passada, a fazer o ponto de situação.

Conforme tive a oportunidade de referir telefonicamente esta manhã, à DD, estou neste momento a aguardar a todo o momento que a UCI entre em contacto comigo para agendar a avaliação.

Assim que tiver notícias, entrarei em contacto convosco de imediato.

Agradeço a vossa compreensão.

Com os melhores cumprimentos”.

• Em 04 de outubro de 2022, a Ré solicita à Autora, por email, “…a necessidade de prorrogação à data do CPCV. Por parte da UCI, a colega que está com o do processo teve, entretanto, dois problemas familiares graves, e o processo atrasou algum tempo. Neste momento, o processo da D. CC [promitente compradora] já está em condições de seguir com a aprovação, e posteriormente à avaliação. Queiram por favor dizer por parte do vosso proprietário, se aceita uma prorrogação por mais 20 dias…” – email de 04 de outubro de 2022, 15:48h.

• Em 06 de outubro de 2022 a Autora informa a Ré que “aceitará conceder um prazo de 20 dias, em adenda ao contrato celebrado, caso nos façam chegar de imediato documento comprovativo de aprovação do crédito bancário, e reforço de sinal no montante de €10.000,00. Caso estas condições não sejam aceites a escritura terá de ser realizada até ao termo da data convencionada pelas partes [07 de outubro de 2022]” (email de 06/10/2022, 12:47h).

• Em 06 de outubro de 2022, a Ré informa a Autora “…que a parte compradora não tem os 10.000€ para entrega de reforço de sinal, pois está a recorrer a financiamento bancário para perfazer o valor em dívida. Venho apelar à vossa compreensão, pois a cliente deseja muito celebrar a escritura do imóvel (email de 06/10/2022, 15:30h).

• Em 06 de outubro de 2022, a Autora questiona a Ré do seguinte: “A cliente tem ou não aprovação bancária?” (email de 06/10/2022, 15:42h).

• Em 06 de outubro de 2022 a Ré responde à Autora: “A cliente tem o crédito aprovado na UCI, aguardamos apenas o contacto do engenheiro para efectuar a avaliação bancária.” (email de 06/10/2022, 15:45h).

• Em 06 de outubro de 2022 a Autora questiona a Ré: “Há quanto tempo aguardam o contato do engenheiro?” (email de 06/10/2022, 15:51).

• Em 06 de outubro de 2022 a Ré responde à Autora: “A informação que tive hoje da Century21 (que tem a cliente compradora), é que foi hoje aprovado o CH na UCI, e vai ser carregada a avaliação após a vossa decisão, pois a cliente não irá ter custos adicionais se não avançar com a compra do imóvel.” (email de 06/10/2022, 16:04h).

• Em 06 de outubro de 2022 a Autora responde à Ré informando que aquela “… tinha mais de um comprador para esta fracção. Optou pela compradora promitente porquanto lhe foi transmitido que a promitente vendedora [deverá ler-se “compradora”], tinha já naquela data o crédito, para a prometida compra, aprovado.” E ainda que a Autora “…compra e vende imóveis de profissão e a espera determina sempre a perda de rendimentos. Assim, e posto isto, a mesma estará na disponibilidade de aditar ao contrato 20 dias para a escritura definitiva se houver reforço de sinal que demonstre boa fé da compradora. Caso contrário, a mesma aguardara pelo términus do contrato fazendo seu o sinal já recebido…” (email de 06/10/2022, 16:35h).

• Em 10 de outubro de 2022 a Ré enviou email à Autora que havia recebido da UCI [entidade bancária] reenviado da Century21: “Conforme falamos, amanhã… irei à sede presencialmente para … discutir o processo da CC [promitente compradora]. A questão prende-se com considerarmos a pensão do filho… Acredito nesta operação e como sempre farei o que está ao meu alcance para a finalizarmos. Conto no decorrer da semana termos parecer positivo para avançar…” (email de 10/10/2022, 15:40h).

• A promitente compradora não marcou a escritura definitiva de compra e venda.

• Em momento não apurado mas após o decurso do prazo de 60 dias previsto no contrato promessa a própria promitente compradora contactou directamente a Autora, por email e por telefone a pedir para esperarem mais um pouco pela aprovação do crédito.

• No dia 12 de outubro de 2022 a Autora enviou uma carta à promitente compradora, para a morada domiciliada no contrato promessa outorgado pelas partes, interpelando-a para realizar a escritura definitiva no prazo de 8 dias.

• Em 14 de outubro de 2022 a Ré reenviou o anterior email à Autora e informa o seguinte: “… agradeço informação se avança com o aditamento ao Contrato promessa ou se elabora uma carta a informar o seu termoVenho por este meio fazer um ponto de situação relativamente ao processo da cliente CC. Hoje o sistema informático da UCI, teve um percalço, e ficaram impedidos de trabalhar. A KK … ofereceu-se para entrar em contacto com a vossa Agência… no sentido de poder esclarecer o que se está a fazer com este processo… A aprovação positiva e definitiva vai ter que sair. Retomamos a pré aprovação que tínhamos com o Novo Banco, que na altura era necessário um Fiador, pessoa, que a CC neste momento tem. Toda a documentação já se encontra no Novo Banco. Agradeço, piamente, que passem esta informação ao vosso proprietário e à Sr.ª Advogada no sentido de nos concederem tempo de prorrogação do CPCV a fim de podermos fechar o processo e a nossa cliente não sair prejudicada.” (email de 14/10/2022, 09:43h).

• No dia 21 de outubro de 2022 a Autora enviou carta que para o domicílio convencionado da promitente compradora, sob registo com aviso de receção, e que aquela recebeu, a Autora declarou incumprido o contrato promessa de compra e venda celebrado.

• No dia 23 de outubro de 2022 os CTT devolveram ao remetente, à Autora, a carta acima mencionada datada de 12 de outubro de 2022, com o motivo “não reclamada”.

• Por carta de 25 de outubro de 2022 o Novo Banco comunicou formalmente à promitente compradora que a o seu pedido de crédito de 18/07/2022 com simulação datada de 30/06/2022 para o financiamento de €100.000,00 não poderia ser satisfeita.

• Em 27 de outubro de 2022 a Autora solicitou à Ré a devolução da comissão paga por si por conta da mediação, o que esta não fez.

• Em 28 de outubro de 2022 a UCI enviou email à promitente compradora e à Century21, com o assunto “Aprovação de Crédito Habitação UCI – Processo 01.15303”, a informar que está “pré-aprovado” o crédito solicitado; “…o processo está aceite para a compra de 120.000€ e um financiamento de 70%, ou seja, caso a avaliação venha por 120.000€ financiaremos 84.000€… Fico a aguardar o ok para prosseguir com a avaliação…”, com junção de documento de “UCI. União de Créditos Imobiliários – Pré-aprovação de crédito habitação” (email de 28/10/2022, 18:05h).


Finalmente, entende a Recorrente que deveria ter sido dado como provada a seguinte factualidade:


“39. Passando a promover o imóvel por iniciativa própria, a Autora logrou encontrar interessada, AA, por intermédio da mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889 que havia sido contratada pela interessada compradora.”


Ora, ouvida a testemunha indicada, DD, conjugado com o teor objectivo do documento de onde resulta a intervenção da mediadora imobiliária, resultou provado apenas que “Passando a promover o imóvel por iniciativa própria, a Autora logrou encontrar a interessada AA que havia contratado a mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889.”, nada mais se provando.


*


1.4. Em síntese, após a referida apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, a factualidade provada e não provada a considerar é a seguinte (implicando a renumeração dos pontos de facto, mantendo a referência à numeração original dos factos inalterados da sentença, para melhor compreensão):


FACTOS PROVADOS:


Resultaram provados os seguintes factos:

1. 1. A autora foi dona e legitima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao rés do chão direito do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal, sito na Rua 1, na união das freguesias da ..., concelho da Local 2, descrita na conservatória do registo predial da Local 2 sob o número trezentos e cinquenta e três da freguesia de Local 1, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo número 2 da união de freguesias da ....

2. 2. A Ré é uma pessoa coletiva que se dedica à mediação imobiliária, encontrando-se devidamente licenciada para o exercício de tal actividade através da licença AMI n.º 10434, emitida pelo Instituto das Construção e Imobiliário (InCI, I.P.), com estabelecimento comercial na Avenida ..., em Local 3.

3. 3. A Autora dedica-se à compra e venda de imóveis e foi contactada pela Ré, a qual manifestou o interesse em angariar a fracção da Autora, acima descrita, e nesse sentido diligenciar por conseguir interessado na compra do imóvel.

4. 4. Na sequência desse contacto, a 20/07/2022, a Autora assinou, conjuntamente com a Ré, o contrato de mediação imobiliária n.º46/2022, por via do qual lhe conferiu o encargo de promover e mediar a venda do referido imóvel.

5. 5. O contrato foi celebrado para vigorar pelo prazo de seis meses a contar da data da sua assinatura, renovável por iguais períodos.

6. 6. No referido contrato ficou previsto: na clausula 4.ª, sob a epigrafe «Regime de Contratação» o seguinte:

O segundo contratante contrata a mediadora em regime de exclusividade.

O regime de exclusividade previsto no presente contrato, implica que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência, ficando a segunda contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.

7. 7. No referido contrato ficou previsto: na clausula 5.ª, sob a epigrafe «Remuneração» o seguinte:

1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro.

2. O segundo contraente obriga-se a pagar à Mediadora a titulo de remuneração:

A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3. O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições:

O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.

4. O direito à remuneração não é afastado pelo exercício do direito legal de preferência sobre o imóvel.

8. 9. Como condição essencial para a celebração de contrato promessa que antecedesse a venda a Autora impôs que o mesmo não poderia ficar condicionado a aprovação bancária, bem como que o eventual interessado/a tivesse capitais próprios, ou, em alternativa, tivesse crédito bancário já aprovado, embora ainda sujeito à avaliação do imóvel, ou seja, crédito pré-aprovado.

9. 10. Ainda, era condição essencial para a Autora que o prazo para a realização do contrato definitivo não excedesse os 60 dias.

10. 11. Entre as várias diligências desenvolvidas pela Ré com vista à promoção do imóvel, tiveram lugar contactos com outras agências de mediação imobiliária, no sentido de localizar um interessado que reunisse os requisitos indicados.

11. Na sequência desses contactos, foi comunicado à Ré pela empresa “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, detentora da marca “Century 21 Lusíadas” e da licença AMI nº 6347, que tinha uma interessada – CC – que reunia tais características, ou seja, quer dos capitais próprios exigidos, quer do financiamento bancário já pré-aprovado.

12. Tendo a Autora sido colocada a par das propostas apresentadas, bem como do facto de terem sido veiculadas por outra empresa de mediação imobiliária que angariara a interessada.

13. A consultora da promitente compradora CC (a Century21) não exibiu qualquer documento comprovativo da pré-aprovação de crédito bancário e nem a Ré nem a Autora solicitaram tal documento.

14. Tendo essa empresa Casarroba feito, em 27/07/2022, uma proposta inicial de compra pelo valor de €110.000,00, com assinatura imediata do CPCV, € 15.000,00 de entrada e escritura até 60 dias (cfr. email de 27/07/2022, 18:44).

15. Mais informando que aguardava a confirmação de uma visita para o dia 29/07/2022 às 16h20, sendo as condições de partilha 70/30 dos 5% + IVA de comissão (cfr. email de 27/07/2022, 18:44).

16. Num só dia, a Ré fez todas as visitas ao imóvel da Autora com potenciais interessados na compra, todos reuniam as condições exigidas pela Autora, sendo que as visitas da parte da tarde foram feitas também na presença do gerente da Autora (Sr. II) que também questionava directamente os interessados para saber se cumpriam as condições referidas, incluindo a aprovação (ou pré-aprovação) bancária.

17. No âmbito das referidas visitas foram feitas duas propostas por parte de potenciais interessados angariados pela Ré na presença do gerente da Autora.

18. Também compareceu no dia das visitas, da parte da tarde, EE (da Century 21 ou Casarroba, consultora da interessada CC) que visitou o imóvel e fez videochamada com CC, tudo na presença e conhecimento do gerente da Autora.

19. Depois de realizada a visita e confirmando-se a vontade de compra por parte da interessada referida, em 01/08/2022 foi apresentada pela “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” à Ré, uma segunda proposta de aquisição pelo valor de €112.000,00 (cfr. email de 01/08/2022, 12:37h).

20. Tendo a Autora sido colocada a par das propostas apresentadas, bem como do facto de terem sido veiculadas por outra empresa de mediação imobiliária que angariara a interessada, a Autora estabeleceu como condições para a realização do negócio, que o valor de venda fosse de €113.000,00, com a entrega de € 15.000,00 no momento da celebração do CPCV a título de sinal (superior a 10% do valor de venda), e prazo de 60 dias para escritura com recurso a crédito bancário.

21. Valor esse de €113.000,00 que foi aceite pela interessada, mantendo-se as restantes condições, o que foi transmitido pela “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” à Ré em 02/08/2022 – cfr. email de 02/08/2022, às 17:40h.

22. A “Casarroba – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, que detém a marca Century21 é um Intermediário de Crédito aprovado pelo BdP Nº 000173.

23. 17. Assim, a Autora celebrou, a 08 de agosto de 2022, o contrato promessa de compra e venda, tendo ficado estipulado que o contrato definitivo seria celebrado no prazo máximo de 60 dias a contar da data da assinatura.

24. 18. Na data da outorga do referido contrato, a promitente compradora entregou à Autora a título de sinal a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros).

25. 19. Na sequência deste recebimento a Autora pagou à Ré a comissão prevista no contrato de mediação imobiliária outorgado entre Autora e Ré.

26. 20. Em consequência, em 10/08/2022 a Ré emitiu à Autora a fatura FA 2022/710 no valor de € 5.650,00 + IVA (€ 6.949,50).

27. Em 10 de agosto de 2022 a Ré enviou a planta do imóvel para a Century21 – (email de 10/08/2022, às 17:21).

28. Com a subida das taxas de juros que se verificaram no verão de 2022, o NOVO BANCO, S.A. alterou as suas condições de financiamento, exigindo a CC um fiador, o que esta não logrou alcançar, ficando o pedido de crédito habitação de 18/07/2022, com simulação datada de 30/06/2022, para o financiamento de €100.000,00 comprometido.

29. Nessa sequência, em data não apurada, foi solicitado crédito a outra instituição, a UCI.

30. Em 14 de setembro de 2022 (email de 14/09/2022, às 10:59h) a Century 21 informou a Ré para além do mais que:

“Bom dia Cara DD,

Espero que se encontre bem.

Na sequencia das nossas conversas telefónicas, venho por este meio, e antes de mais, pedir desculpa pelo atraso no possesso.

A Banca desde setembro a esta parte, não está tão facilitada como até então.

Nesta conformidade, o crédito que estava aprovado para a nossa cliente num valor bem superior ao que a sra. fez no CPCV e pretende escriturar, deixou de ter a mesma aprovação.

Desta forma, vimo-nos obrigados a mudar de instituição bancária e neste momento, estamos crédulos que possivelmente até ao final desta semana, estejamos em condições de pedir a avaliação, de modo a cumprir a data acordada, entre as partes, em CPCV.

Reitero as nossas desculpas.

Obrigada.”.

31. Em 19 de setembro de 2022 a Ré questiona a century21 do seguinte modo: “Ainda não tivemos informação do agendamento da avaliação, agradeço informação sobre o ponto da situação do processo” (cfr. email de 19 de setembro de 2022, 14:08h).

32. Em 19 de setembro de 2022, em resposta a century informa a Ré (cfr. email de 19/09/2022, 14:19):

“Boa tarde cara FF,

Agradeço o seu e-mail e reencaminho infra o e-mail que enviei na semana passada, a fazer o ponto de situação.

Conforme tive a oportunidade de referir telefonicamente esta manhã, à DD, estou neste momento a aguardar a todo o momento que a UCI entre em contacto comigo para agendar a avaliação.

Assim que tiver notícias, entrarei em contacto convosco de imediato.

Agradeço a vossa compreensão.

Com os melhores cumprimentos”.

33. Em 04 de outubro de 2022, a Ré solicita à Autora, por email, “…a necessidade de prorrogação à data do CPCV. Por parte da UCI, a colega que está com o do processo teve, entretanto, dois problemas familiares graves, e o processo atrasou algum tempo. Neste momento, o processo da D. CC [promitente compradora] já está em condições de seguir com a aprovação, e posteriormente à avaliação. Queiram por favor dizer por parte do vosso proprietário, se aceita uma prorrogação por mais 20 dias…” – email de 04 de outubro de 2022, 15:48h.

34. Em 06 de outubro de 2022 a Autora informa a Ré que “aceitará conceder um prazo de 20 dias, em adenda ao contrato celebrado, caso nos façam chegar de imediato documento comprovativo de aprovação do crédito bancário, e reforço de sinal no montante de €10.000,00. Caso estas condições não sejam aceites a escritura terá de ser realizada até ao termo da data convencionada pelas partes [07 de outubro de 2022]” (email de 06/10/2022, 12:47h).

35. Em 06 de outubro de 2022, a Ré informa a Autora “…que a parte compradora não tem os 10.000€ para entrega de reforço de sinal, pois está a recorrer a financiamento bancário para perfazer o valor em dívida. Venho apelar à vossa compreensão, pois a cliente deseja muito celebrar a escritura do imóvel (email de 06/10/2022, 15:30h).

36. Em 06 de outubro de 2022, a Autora questiona a Ré do seguinte: “A cliente tem ou não aprovação bancária?” (email de 06/10/2022, 15:42h).

37. Em 06 de outubro de 2022 a Ré responde à Autora: “A cliente tem o crédito aprovado na UCI, aguardamos apenas o contacto do engenheiro para efectuar a avaliação bancária.” (email de 06/10/2022, 15:45h).

38. Em 06 de outubro de 2022 a Autora questiona a Ré: “Há quanto tempo aguardam o contato do engenheiro?” (email de 06/10/2022, 15:51).

39. Em 06 de outubro de 2022 a Ré responde à Autora: “A informação que tive hoje da Century21 (que tem a cliente compradora), é que foi hoje aprovado o CH na UCI, e vai ser carregada a avaliação após a vossa decisão, pois a cliente não irá ter custos adicionais se não avançar com a compra do imóvel.” (email de 06/10/2022, 16:04h).

40. Em 06 de outubro de 2022 a Autora responde à Ré informando que aquela “… tinha mais de um comprador para esta fracção. Optou pela compradora promitente porquanto lhe foi transmitido que a promitente vendedora [deverá ler-se “compradora”], tinha já naquela data o crédito, para a prometida compra, aprovado.” E ainda que a Autora “…compra e vende imóveis de profissão e a espera determina sempre a perda de rendimentos. Assim, e posto isto, a mesma estará na disponibilidade de aditar ao contrato 20 dias para a escritura definitiva se houver reforço de sinal que demonstre boa fé da compradora. Caso contrário, a mesma aguardara pelo términus do contrato fazendo seu o sinal já recebido…” (email de 06/10/2022, 16:35h).

41. Em 10 de outubro de 2022 a Ré enviou email à Autora que havia recebido da UCI [entidade bancária] reenviado da Century21: “Conforme falamos, amanhã… irei à sede presencialmente para … discutir o processo da CC [promitente compradora]. A questão prende-se com considerarmos a pensão do filho… Acredito nesta operação e como sempre farei o que está ao meu alcance para a finalizarmos. Conto no decorrer da semana termos parecer positivo para avançar…” (email de 10/10/2022, 15:40h).

42. 29. A promitente compradora não marcou a escritura definitiva de compra e venda.

43. Em momento não apurado mas após o decurso do prazo de 60 dias previsto no contrato promessa a própria promitente compradora contactou directamente a Autora, por email e por telefone a pedir para esperarem mais um pouco pela aprovação do crédito.

44. 30. No dia 12 de outubro de 2022 a Autora enviou uma carta à promitente compradora, para a morada domiciliada no contrato promessa outorgado pelas partes, interpelando-a para realizar a escritura definitiva no prazo de 8 dias.

45. Em 14 de outubro de 2022 a Ré reenviou o anterior email à Autora e informa o seguinte: “… agradeço informação se avança com o aditamento ao Contrato promessa ou se elabora uma carta a informar o seu termoVenho por este meio fazer um ponto de situação relativamente ao processo da cliente CC. Hoje o sistema informático da UCI, teve um percalço, e ficaram impedidos de trabalhar. A KK … ofereceu-se para entrar em contacto com a vossa Agência… no sentido de poder esclarecer o que se está a fazer com este processo… A aprovação positiva e definitiva vai ter que sair. Retomamos a pré aprovação que tínhamos com o Novo Banco, que na altura era necessário um Fiador, pessoa, que a CC neste momento tem. Toda a documentação já se encontra no Novo Banco. Agradeço, piamente, que passem esta informação ao vosso proprietário e à Sr.ª Advogada no sentido de nos concederem tempo de prorrogação do CPCV a fim de podermos fechar o processo e a nossa cliente não sair prejudicada.” (email de 14/10/2022, 09:43h).

46. 31. No dia 21 de outubro de 2022 a Autora enviou carta que para o domicílio convencionado da promitente compradora, sob registo com aviso de receção, e que aquela recebeu, a Autora declarou incumprido o contrato promessa de compra e venda celebrado.

47. No dia 23 de outubro de 2022 os CTT devolveram ao remetente, à Autora, a carta acima mencionada datada de 12 de outubro de 2022, com o motivo “não reclamada”.

48. Por carta de 25 de outubro de 2022 o Novo Banco comunicou formalmente à promitente compradora que a o seu pedido de crédito de 18/07/2022 com simulação datada de 30/06/2022 para o financiamento de €100.000,00 não poderia ser satisfeita.

49. 32. Em 27 de outubro de 2022 a Autora solicitou à Ré a devolução da comissão paga por si por conta da mediação, o que esta não fez.

50. Em 28 de outubro de 2022 a UCI enviou email à promitente compradora e à Century21, com o assunto “Aprovação de Crédito Habitação UCI – Processo 01.15303”, a informar que está “pré-aprovado” o crédito solicitado; “…o processo está aceite para a compra de 120.000€ e um financiamento de 70%, ou seja, caso a avaliação venha por 120.000€ financiaremos 84.000€… Fico a aguardar o ok para prosseguir com a avaliação…”, com junção de documento de “UCI. União de Créditos Imobiliários – Pré-aprovação de crédito habitação” (email de 28/10/2022, 18:05h).

51. Passando a promover o imóvel por iniciativa própria, a Autora logrou encontrar a interessada AA que havia contratado a mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889.

52. 33. Em 09/12/2022 a Autora procedeu à venda do imóvel dos autos à Sra. AA, NIF ..., residente na Praceta..., tendo existido no negócio a intervenção da mediadora imobiliária denominada BB, Licença AMI n.º 19889.


*


FACTOS NÃO PROVADOS:


Resultaram não provados os seguintes factos:

a. A Ré que bem sabia que a promitente compradora não reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, levou-a a celebrar aquele contrato (24.º PI)

b. Preterindo outros potenciais compradores que reuniam essas condições (25.º PI).

c. A Ré apresentou a promitente compradora como sendo a única que preenchia as exigências da Autora, e que podia, sem demais condições, celebrar o negócio proposto.

d. A Autora logrou encontrar um interessado na aquisição do imóvel com recurso a outra empresa de mediação imobiliária.

e. A Autora logrou encontrar um interessado na aquisição do imóvel por iniciativa própria.


*


9. Reapreciação jurídica da causa


Contrato de mediação Imobiliária – direito à remuneração/comissão.


A única questão a dilucidar consiste em saber se, apesar de não ter sido celebrado o contrato definitivo previsto no Contrato Promessa celebrado entre a Autora (na qualidade de promitente vendedora) e a promitente compradora (angariada pela Ré), mesmo assim, a Ré tem direito à remuneração/comissão que foi, aliás, paga antecipadamente com a celebração daquele Contrato Promessa.


Assim, a presente acção emerge de alegado incumprimento das obrigações da Ré perante a Autora no âmbito de contrato de mediação imobiliária entre ambos celebrado.


Com efeito, na Petição Inicial, a Autora alegou essencialmente que, na sequência do contrato de mediação imobiliária referido, a Ré apresentou-lhe a interessada CC (que surgiu por via de outra imobiliária, a “Casarroba”, detentora da Century21) assegurando que tinha crédito bancário aprovado, com a qual a Autora celebrou contrato promessa nos termos do qual, a promitente compradora se comprometeu a celebrar a escritura definitiva no prazo de 60 dias, ou seja, até 06 de outubro de 2022, contudo, no dia 04 de outubro de 2022, a Ré solicitou um prazo adicional de 20 dias para a realização da escritura definitiva.


Mais alegou a Autora que não aceitou protelar o prazo solicitado porque a Ré bem sabia que o prazo aceite para a escritura (de 60 dias) era condição essencial para a vontade de contratar, bem como, alegou ainda “E a Ré que bem sabia que a promitente compradora não reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, levou-a a celebrar aquele contrato, recebendo a sua comissão, em claro violação dos deveres contratuais que sobre ela impediam.” (24.º, PI).


Finalmente, alegou também que como a promitente compradora não marcou a escritura no prazo acordado (de 60 dias), no dia 12 de outubro de 2010 endereçou-lhe carta interpelando-a a realizar a escritura definitiva no prazo perentório de 8 dias, carta que esta não recebeu pese embora a mesma haja sido enviada para a morada domiciliada no contrato promessa, por isso, como a promitente compradora não procedeu á marcação da compra prometida, por carta que lhe dirigiu para o domicílio convencionado, a 21 de outubro de 2022 sob registo com aviso de receção, e que aquela já recebeu, a Autora declarou incumprido, sem culpa da aqui Autora, o contrato promessa de compra e venda celebrado e como consequência, solicitou à Ré a devolução da comissão paga por si por conta da mediação.


Na Primeira Instância, após aprofundada análise do regime do contrato de mediação e em particular da remuneração devida, acolheram-se, no essencial, os fundamentos invocados pela Autora e por isso condenou-se a Ré a entregar/devolver à Autora a quantia de €6.949,50, consignando-se aí, para além do mais o seguinte:


«Salvo melhor opinião, embora tenha resultado demonstrado que a Autora não aceitou a prorrogação, por não terem sido cumpridas as condições por si impostas, tal facto não é suficiente para que se conclua que o o negócio definitivo não se concretizou por causa que lhe é imputável, desde logo porque resultou claro que a promitente compradora não tinha o crédito aprovado e ainda provou-se que a Autora conferiu um prazo de 8 dias após dia 12/10, sendo que o contrato teria de ser celebrado até dia 08/10. Deste modo, efectivamente não resultou demonstrado que a Autora tivesse de algum modo contribuído para a não celebração do contrato definitivo.».


A Recorrente/Ré discorda do entendimento da Primeira Instância porque como o contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade, apesar de não se ter concretizado o negócio visado, tem direito a receber a comissão (por isso não tem de devolver à Autora a comissão por esta paga na totalidade com a celebração do contrato-promessa), porque se verificam duas situações em que qualquer uma delas dá direito à comissão:


- 1.ª – Por um lado, a não concretização do contrato definitivo com a cliente angariada é imputável à promitente vendedora, ora Autora, porque lhe foi solicitado prazo adicional de 20 dias para poder celebrar o contrato definitivo que esta não aceitou e, pelo contrário, interpelou a promitente compradora para marcar a celebração do contrato definitivo em apenas 8 dias, acabando por resolver o contrato promessa pelo decurso do prazo concedido sem que tivesse sido agendado o contrato definitivo, incorrendo assim a Autora em abuso do direito em relação à promitente-compradora e não em relação à Ré;


- 2.ª – Por outro lado, a promitente vendedora, ora Autora, ainda durante a pendência do contrato de mediação, veio a vender o bem a terceiro, com intervenção de uma outra mediadora, violando desse modo a cláusula de exclusividade.


O regime jurídico do contrato de mediação imobiliária encontra-se regulado na Lei 15/2013, de 08/02, para além da aplicação em geral das regras de direito civil comum em matéria de direito das obrigações, cumprimento e incumprimento dos contratos.


Nos termos do art. 19.º, n.º 1, da Lei 15/2013 (regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária) a remuneração “é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.


E o n.º 2 da referida norma estipula que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.


Portanto, para ser devida remuneração sem a concretização do negócio visado têm de se verificar os seguintes requisitos (cfr. art. 19.º, da citada Lei):


- o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade,


- o cliente tenha a qualidade de proprietário,


- o mediador tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado,


- a não concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.


No caso concreto em apreciação, é incontroverso que o contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade, a cliente (a Autora) tinha a qualidade de proprietária do imóvel em causa, a mediadora (a Ré) tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de uma interessada com o qual o negócio visado (a compra e venda do imóvel da Autora) podia ser concretizado, tendo sido celebrado contrato promessa de compra e venda entre a Autora e a interessada promitente compradora.


Resta apurar se a não concretização do negócio visado (a compra e venda do imóvel da Autora) se deve a causa não imputável ao cliente (Autora).


Compete à Autora/Recorrida o ónus de alegação e prova de factos que revelem que não lhe é imputável a causa da não concretização do contrato prometido que havia celebrado com a interessada, na sequência do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Ré/Recorrente.


Neste sentido: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/20245 (Francisca Mota Vieira, proc. n.º 482/22.0T8PRD.P1, www.dgsi.pt).


A Autora estriba o direito à devolução da comissão essencialmente no facto de se ter verificado o incumprimento por parte da promitente-compradora das obrigações que para esta resultaram do contrato promessa de compra e venda que celebrou com a Autora e por isso resolveu o contrato.


Nos termos do regime geral do cumprimento e do cumprimento das obrigações – aplicável ao contrato-promessa – o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando realiza pontualmente, com diligência e boa fé, o comportamento devido (cfr. art.º 762.º, do Código Civil).


O incumprimento definitivo pode ocorrer por várias formas, entre as quais:


1º - a perda de interesse do credor na prestação, em consequência da mora do devedor, ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (cfr. artº. 808º, nº. 1);


2º - pelo decurso do prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; ou


3º - pela recusa peremptória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar (Prof. Antunes Varela, in RLJ nº. 121, pág. 223).


No caso concreto em apreciação, começando por analisar a terceira hipótese, não ocorreu qualquer recusa do devedor (da promitente compradora) em cumprir, antes pelo contrário, todas as comunicações estabelecidas entre as partes revelam que esta queria cumprir – ficando assim desde logo afastada a terceira hipótese acima referida.


No que diz respeito à segunda hipótese, a convenção de um prazo para o cumprimento de um contrato não tem sempre o mesmo alcance e significado, podendo querer dizer que, decorrido o prazo não pode já ser obtida a finalidade da obrigação, desaparecendo o interesse do credor (caso em que, findo o prazo, o contrato caduca), mas podendo também significar que o facto de o prazo terminar não torna impossível a prestação em momento ulterior, se esta ainda interessar ao credor, o qual pode, porém, se for caso disso, resolver o contrato, se este for bilateral (cfr. VAZ SERRA, RLJ, 104.º 302; 110.º 326; e 112.º 27).


Importa, então, averiguar o significado do prazo certo fixado pelas Partes, com o objectivo de surpreender a presença ou não da essencialidade subjectiva do «termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado», o "que terá de ser «deduzido» do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes ou de outras circunstâncias adjuvantes" sendo que, se estivermos perante um «termo fixo essencial» a resolução está automaticamente legitimada, enquanto se se tratar de um «termo relativamente fixo» a resolução é legítima se verificados os respectivos requisitos gerais (arts. 808.º e 801.º e 802.º, do Código Civil)6.


Assim, o prazo previsto num contrato promessa para a celebração do contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite ou absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo e possibilita a resolução ou de prazo fixo relativo, determinante da simples situação de mora7.


No primeiro caso, as partes, ao fixarem o prazo máximo para a celebração da escritura, têm em vista o estabelecimento de um prazo limite, inequivocamente essencial, cujo decurso tacitamente pressupõe a perda do interesse delas na respectiva celebração e determina o imediato incumprimento definitivo.


No segundo, embora as partes tenham estabelecido um limite temporal para o cumprimento, o mesmo não traduz uma directa e consequente perda de interesse negocial, aceitando-se que a prestação ainda é possível no âmbito do contrato, caindo o devedor numa situação de mora.


No caso concreto em apreciação, apesar da Autora ter transmitido à Ré que era condição essencial que o prazo para a realização do contrato definitivo não excedesse os 60 dias, no contrato promessa apenas ficou a constar que o contrato definitivo seria celebrado no “prazo máximo de 60 dias”, nada mais sendo dito a este propósito.


Com efeito, no contrato promessa não ficou a constar qualquer cláusula de onde resulte que este prazo era um prazo fatal, ou seja, um prazo essencial absoluto (como sucede quando se contrata o serviço de transporte para um casamento ou o táxi para apanhar determinado voo) nem este resulta de qualquer outro elemento de facto.


Do teor do contrato promessa infere-se apenas que, no momento da sua celebração não havia condições para a celebração do contrato definitivo, tanto é que as partes convencionaram que o contrato definitivo seria celebrado no prazo máximo de 60 dias a contar da data da assinatura do contrato promessa.


Por outro lado, a expressão “prazo máximo” ali referida não transforma o prazo em prazo absoluto fatal, precisamente porque não existem outros elementos de facto para se poder concluir desse modo.


Neste sentido, a propósito da expressão “prazo máximo” pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/04/20038 (Fernando Samões, proc. n.º 0320650 www.dgsi.pt):, onde se sumariou com interesse o seguinte:


I - O prazo previsto num contrato-promessa para a celebração do contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite ou absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo e possibilita a resolução ou de prazo fixo relativo, determinante da simples situação de mora.


II - A qualificação do prazo em absoluto ou relativo depende da interpretação da vontade das partes e das suas declarações negociais.


III - Não havendo, no momento da celebração do contrato-promessa, condições para a celebração do contrato definitivo, pois o prédio prometido vender não estava inscrito na matriz nem seu preço era determinável visto se desconhecer a sua área, impunha-se uma dilação entre a celebração dos dois contratos; por via disso, as partes convencionaram que "a escritura será marcada com o prazo máximo de três meses".


IV - Tal expressão, só por si, não permite concluir que o prazo revista a natureza de absoluto; será antes, até porque foi alegada a prorrogação do prazo por um mês, um prazo fixo relativo, susceptível, tão somente, de constituir em situação de "mora debitoris" relativamente à obrigação de celebrar o contrato prometido aquele que devesse diligenciar pela marcação da escritura. (sublinhado nosso).


Finalmente, em caso de dúvida, deve ser considerado um prazo fixo relativo.


Neste sentido, considerou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/20219 (Maria da Graça Trigo, Proc. n.º 1790/17.7T8VFX.L1.S1, www.dgsi.pt), o seguinte:


«A fixação de uma data como termo final de celebração da escritura prometida pode ser entendida, em princípio, com um de dois sentidos:


a) ou como prazo limite, absoluto e improrrogável, cujo decurso implica ou determina o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata resolução ou caducidade;


b) ou como prazo relativo ou não essencial, apenas determinante de uma situação de mora, conferindo ao credor o direito de pedir o cumprimento do contrato ou uma indemnização moratória.


No caso de dúvida é de ter como verificada a hipótese referida em b) por estar mais de harmonia com a realidade ou a vontade hipotética das partes e ser a menos onerosa para o devedor - cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 4.6.98, Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt/jtrl» (sublinhado nosso).


Então, o prazo estabelecido era relativo ou não essencial porquanto no contrato-promessa as partes não afirmaram nem direta nem tacitamente a essencialidade absoluta de tal prazo - cfr. Artigo 236º do Código Civil.


De facto, nem do texto do contrato-promessa nem da factualidade provada emerge qualquer circunstancialismo que sustente que o prazo constituía um termo essencial absoluto, razão pela qual se conclui que o prazo é relativamente fixo ou não essencial.


Aliás, a própria Autora/Recorrida não o interpretou como tal, na medida em que findo o prazo de 60 dias previsto no contrato interpelou a promitente compradora concedendo-lhe um prazo suplementar especial admonitório de 8 dias para cumprir.


Nesta sequência, trata-se de um prazo fixo relativo, susceptível, tão somente, de constituir em situação de mora debitoris relativamente à obrigação de celebrar o contrato prometido aquele que devesse diligenciar pela marcação da escritura, concretamente a identificada promitente compradora.


Finalmente, quanto à primeira hipótese, também não ocorreu perda objectiva de interesse da Autora na celebração do negócio porque concedeu prazo suplementar admonitório à promitente compradora para esta cumprir.


Resta então apurar se o prazo especial suplementar admonitório de 8 dias concedido pela Autora à promitente-compradora é um prazo razoável ou se agiu em abuso do direito como entende a Recorrente/Ré.


A situação está prevista na 2ª parte do n.º 1 do art.º 808º do CC, normativo que dispõe o seguinte: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.


Baptista Machado observa que o devedor pode discutir a razoabilidade do prazo suplementar que o credor fixou10.


Pires de Lima e Antunes Varela entendem ainda que o prazo-limite que o credor pode fixar ao devedor em mora para obter o cumprimento, resolver o contrato ou poder requerer a realização coactiva da prestação é um prazo especial, estipulado ad hoc, que tanto vale para as obrigações puras, como para aquelas a que, ab initio ou a posteriori, foi imposto um prazo, conquanto nada obste a que o prazo suplementar surja logo no momento constitutivo da obrigação11.


Perante o concreto contexto e circunstâncias, 8 dias será um prazo razoável para efeitos do disposto no art. 808.º, do Código Civil?


Ora, neste aspecto consideramos desde já que a questão não pode ser vista como susceptível de integrar o propriamente o instituto do abuso do direito previsto no art. 334.º, do CC, como entende a Recorrente, porque os prazos fixados em contratos apenas podem ser alterados de duas formas:


- Ou está previsto no próprio contrato a possibilidade de prorrogação do prazo mediante a ocorrência de certos pressupostos,


- Ou por acordo de ambas as partes, mas não pode ser imposto unilateralmente.


No caso concreto, a prorrogabilidade do prazo não está prevista no contrato e não existiu qualquer acordo para o efeito.


Então, julgamos que o cerne da questão residirá antes na “razoabilidade” do prazo de 8 dias concedido na interpelação admonitória pela Autora à promitente-compradora para esta realizar a escritura e no âmbito da análise desta razoabilidade do prazo está ínsita de algum modo o exercício abusivo desse direito, mas localizado no âmbito da boa fé no cumprimento das obrigações (cfr. art. 762.º, n.º 2, do CC).


Ou dito de outro modo, é necessário saber se, no contexto e circunstâncias em que ocorreu a interpelação admonitória, o prazo de 8 dias concedido pela Autora à promitente compradora era “razoável” como impõe o art. 808.º, do CC.


A lei não define nem dá critérios para apurar a “razoabilidade” desse prazo.


O conceito de prazo razoável tem uma natureza indeterminada, que carece de preenchimento valorativo à luz das circunstâncias do caso, sendo razoável o prazo suplementar suficiente para que o devedor possa completar uma prestação já iniciada – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/04/202412 (Maria Clara Sottomayor, proc. n.º 4357/19.1T8LRA.C1.S1, www.dgsi.pt).


Esse prazo suplementar, dentro do qual o devedor poderá ainda cumprir, deve ser razoável, isto é, estabelecido em coerência com os princípios da boa fé, da cooperação dos contraentes e do não exercício abusivo do direito – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-202213 (Fernando Baptista, proc. n.º 831/19.8T8PVZ.P1.S1, www.dgsi.pt).


A doutrina entende que “prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação”14, ou, completando este critério, o prazo suplementar será adequado “(…) sempre que seja suficiente para que o devedor possa completar uma prestação (já) iniciada”15.


Sobre a razoabilidade do prazo suplementar fixado para o devedor cumprir a sua obrigação, afirma-se, também, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-02-202116 (Maria da Graça Trigo, proc. n.º 854/18.4T8FNC.L1.S1, www.dgsi.pt), citando Nuno Pinto Oliveira, o seguinte: «O aplicador do direito deverá apreciar a adequação ou razoabilidade do prazo atendendo às circunstâncias do caso concreto – designadamente: 1.º ao conteúdo da relação contratual; 2.º à dificuldade da prestação; 3.º aos interesses do credor e do devedor; 4.º à causa do não cumprimento; 5.º à gravidade do não cumprimento; 6.º na hipótese de o devedor não ter realizado prestação nenhuma, à gravidade do atraso; 7.º na hipótese de o devedor ter realizado uma prestação defeituosa, imperfeita ou inexacta, à gravidade do defeito; 8.º à frequência com que o devedor foi interpelado; 9.º à intensidade com que o devedor foi interpelado; 10.º aos prejuízos que o atraso causa ao credor; e (sobretudo) – 11.º ao risco de que a prestação se torne inútil para o credor».


Por sua vez, Vaz Serra17 afirma que “Tais prazos devem ser os razoáveis ou convenientes, isto é, devem ter a duração suficiente para que a outra parte possa praticar o facto a que respeitem.” Continua aquele autor, citando Larenz (in Lehrbuch des Shuldrechts, 2.ª ed., 1957, I, 22, pág. 2019, nota 1), “Parece que, tendo a parte que fixou o prazo manifestado a vontade de que a outra parte pratique o facto dentro de um prazo, daí pode tirar-se a consequência de que é eficaz a fixação de prazo, excepto no que respeita à sua duração. No entanto, se a parte fixa o prazo demasiado curto intencionalmente, quer dizer, sabendo que o é, e portanto, contra a boa fé, a fixação do prazo deve ter-se por ineficaz totalmente, pois não há então motivo para manter quaisquer efeitos à fixação do prazo” (sublinhado nosso).


Apreciando.


A Recorrente/Ré alegou que o facto de a Autora não ter prorrogado o solicitado prazo previsto para a realização da escritura para mais 20 dias para permitir concluir o procedimento bancário de aprovação do crédito e, ao invés disso e ciente dessa dificuldade, por ter interpelado a promitente compradora para realizar a escritura em apenas 8 dias a Autora actuou operante esta em abuso do direito.


Como deflui dos factos provados, a Ré informou a Autora das várias vicissitudes com o crédito bancário, destacando-se a subida das taxas de juro no verão de 2022, e solicitou uma prorrogação do prazo para mais 20 dias.


A Autora não aceitou a possibilidade de prorrogação do prazo para mais 20 dias, a não ser que a promitente compradora fizesse reforço de sinal em mais €10.000,00, contudo, esta não pode satisfazer esta pretensão.


Então, não só a Autora não aceitou prorrogar o prazo para mais 20 dias como, interpelou a promitente compradora para cumprir sob pena de resolução do contrato concedendo o prazo suplementar ou especial de 8 dias.


No caso concreto existem alguns detalhes essenciais a destacar:


É necessário atentar que, ao contrário da Autora, a promitente compradora já adiantou parte da sua prestação definitiva (preço) com a entrega da quantia de €15.000,00 a título de sinal, ou seja, deu já inicio ao cumprimento da sua obrigação de pagamento do preço devido aquando da futura celebração do contrato prometido.


Por outro lado, não estamos perante aquela situação em que perante o decurso do prazo estipulado (de 60 dias) para a realização do contrato prometido o devedor promitente comprador se remeteu ao silêncio nada dizendo ao credor, obrigando este a fazer a interpelação admonitória, não foi isso que sucedeu no caso concreto, antes pelo contrário, resulta da factualidade provada acima elencada, que a Ré solicitou insistentemente à Autora um prazo adicional para cumprimento do contrato promessa informando-a dos motivos relativos ao crédito bancário, até a própria promitente compradora contactou a Autora a solicitar mais tempo para poder cumprir o contrato promessa.


Não obstante, em face dessas informações e solicitações, a Autora apenas admitia prorrogar o prazo por 20 dias se a promitente compradora fizesse reforço de sinal com mais €10.000,00.


E em face da impossibilidade de a promitente compradora satisfazer esta exigência, a Autora envia-lhe carta para realizar a escritura no prazo de 8 dias, bem sabendo desde logo que tal era impossível de cumprir por duas ordens de razões:


- 1.º - Porque a Ré tinha solicitado o prazo de 20 dias para a promitente compradora poder cumprir por causa das vicissitudes com o crédito bancário;


- 2.º - No contrato promessa ficou acordado que a Autora tinha de ser avisada com a antecedência de 15 dias para marcação da escritura – o que era incompatível com a concessão do prazo suplementar ou especial de 8 dias concedido pela Autora.


Com efeito, vejamos melhor a cronologia relevante:


- 08 de agosto de 2022 – data da celebração do contrato promessa;


- 03 de outubro de 2022 – Do lado da mediadora da promitente compradora é solicitado prazo adicional de 20 dias para poder concretizar contrato definitivo, explicando os motivos;


- 08 de outubro de 2022 – último dia do prazo previsto no contrato promessa (60 dias contados desde 08 de agosto);


- 12 de outubro de 2022 – a promitente vendedora (Autora) enviou à promitente compradora carta registada com aviso de recepção a informar que se a escritura não fosse realizada no prazo de 8 dias se considerava resolvido o contrato promessa que haviam celebrado;


- 21 de outubro de 2022 – a promitente vendedora (Autora) enviou à promitente compradora carta registada com aviso de recepção a resolver o contrato;


- 23 de outubro de 2022 – devolução da carta de interpelação enviada a 12 de outubro com a informação “não reclamada”.


Daqui resulta que nem sequer foi respeitado pela Autora o prazo de 8 dias que concedeu à promitente compradora porque enviou a carta de interpelação no dia 12 de outubro (registada com aviso de recepção) e no dia 21 de outubro enviou logo a carta a informar a promitente compradora que estava resolvido o contrato por incumprimento desta, contudo, é necessário atentar que a primeira carta de interpelação admonitória enviada a 12 de outubro apenas foi devolvida ao remetente a 23 de outubro, significando isto que a promitente compradora poderia ainda cumprir o contrato até ao dia 31 de outubro, ou seja, a Autora não aguardou pelo decurso do prazo especial suplementar de 8 dias que lhe concedeu (porque estes 8 dias teriam de ser contados da data da assinatura do aviso de recepção).


Concretizando melhor os critérios da razoabilidade do prazo acima apontados pelo citado autor Nuno Pinto Oliveira:


1.º ao conteúdo da relação contratual – no caso concreto a relação estabelecida entre a Autora e a promitente compradora traduz-se na promessa de celebração de contrato de compra e venda de imóvel;


2.º à dificuldade da prestação – a prestação a cargo da promitente compradora consiste no pagamento do preço e depende de crédito bancário, estando a Autora ciente desde o início de que era necessário proceder à avaliação do imóvel;


3.º aos interesses do credor e do devedor – os interesses de Autora e promitente compradora são interesses gerais;


4.º à causa do não cumprimento – a causa do retardamento da prestação da promitente compradora resultou de vicissitudes na obtenção do crédito bancário na sequência de terem disparado as taxas de juro do BCE no verão de 2022;


5.º à gravidade do não cumprimento – não se apuraram elementos sobre a gravidade do não cumprimento;


6.º na hipótese de o devedor não ter realizado prestação nenhuma, à gravidade do atraso – o devedor, a promitente compradora realizou o pagamento do sinal acordado no montante de €15.000,00, ou seja, correspondente a 13% do preço final a pagar no contrato de compra e venda (€113.000,00);


7.º na hipótese de o devedor ter realizado uma prestação defeituosa, imperfeita ou inexacta, à gravidade do defeito – não ocorreu;


8.º à frequência com que o devedor foi interpelado – a promitente compradora foi apenas interpelada uma única vez para o cumprimento;


9.º à intensidade com que o devedor foi interpelado – nada a salientar;


10.º aos prejuízos que o atraso causa ao credor – não se apuraram concretos prejuízos;


11.º ao risco de que a prestação se torne inútil para o credor – o decurso do prazo não torna a prestação inútil para o credor já que este poderia vender o imóvel a terceiros, o que veio a suceder passado pouco tempo (em dezembro de 2022 vendeu o imóvel a terceiros).


Nesta sequência, em face de todas as circunstâncias apontadas, julgamos que o prazo suplementar especial admonitório de 8 dias que a Autora concedeu à promitente compradora é manifestamente irrazoável.


Aliás, não só era irrazoável à luz de qualquer critério objectivo, como ainda subjectivamente, porque a Autora ao conceder 8 dias sabia perfeitamente que eram necessários 20 dias, por isso estava perfeitamente ciente que a promitente compradora com toda a probabilidade nunca poderia cumprir aquele prazo, actuando assim nos antípodas da boa fé exigida no art. 762.º, n.º 2, do Código Civil.


No mesmo sentido, pode ser consultado o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-02-202118 (Maria da Graça Trigo, proc. n.º 854/18.4T8FNC.L1.S1, www.dgsi.pt):


«IV. No contexto em causa, o prazo suplementar de alguns dias fixado pelos autores afigura-se como sendo absolutamente exíguo para o efeito em causa e, por isso, não adequado nem razoável, não podendo assim dar-se como respeitadas as exigências legais (art. 808.º do CC) relativas à transformação da mora em incumprimento definitivo.


V. Atendendo a que, “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé” (art. 762.º, n.º 2, do CC), estava-lhes vedado fixar um prazo suplementar de tal forma curto que entrava em contradição com a conduta assumida pelos autores ao longo dos meses que se seguiram à celebração do contrato-promessa.».


E no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/201319 (Sérgio Poças, proc. n.º 7439/10.1T2SNT.L1.S1, www.dgsi.pt) considerou-se que «De facto, o prazo razoável é aquele em que um devedor, normalmente diligente, nas circunstâncias concretas, possa cumprir e não um prazo que com toda a probabilidade não possa ser cumprido.».


Em suma, a resolução do contrato operada pela Autora foi ilícita e consequentemente ineficaz por duas ordens de razões:


- 1.º) Para poder ser validamente convertida a mora em incumprimento definitivo a promitente vendedora, ora Autora, estava obrigada a conceder um prazo razoável à promitente compradora e, no caso concreto, considerando as circunstâncias e contexto, destacando-se que a aquela já sabia que com toda a probabilidade a promitente compradora não conseguia realizar o contrato definitivo até 08 de outubro, porque esta (através da Ré) tinha pedido prazo adicional de 20 dias o qual foi recusado pela promitente vendedora, ora Autora, é manifestamente desrazoável e atentatório do princípio da boa fé (cfr. art. 762.º, n.º 2, do Código Civil), conceder um prazo suplementar especial admonitório de apenas 8 dias para realizar a escritura.


- 2.º) Independentemente do prazo de 8 dias concedido pela promitente vendedora ser desrazoável, como já vimos, mesmo com base nesse prazo, nunca a promitente vendedora poderia alguma vez resolver validamente o contrato porque ficou provado que a carta a comunicar a resolução foi enviada em 21 de outubro quando ainda esta ainda não sabia se a promitente compradora recebera a interpelação admonitória (enviada a 12 de outubro por carta registada com aviso de recepção). Isto porque apenas no dia 23 de outubro a carta de interpelação para cumprir foi devolvida ao remetente pelos CTT por não ter sido reclamada, por isso quando muito apenas a 24 de outubro a promitente vendedora, ora Autora, teve conhecimento de que não foi reclamada. Ou seja, em teoria a promitente compradora poderia ter ido levantar/reclamar a referida carta aos CTT até ao dia 22 de outubro, dispondo a partir daí de 8 dias para realizar o contrato definitivo, isto é, até 30 de outubro de 2022. Isto significa que a promitente vendedora só poderia ter enviado a carta de resolução depois desta data, o que não sucedeu.


Então, por qualquer uma das hipóteses aludidas a resolução do contrato promessa seria sempre ilícita e inválida e por isso ineficaz em relação à promitente compradora.


Deste modo, em suma, a Autora não logrou demonstrar que o contrato definitivo (o negócio visado com o contrato de mediação estabelecido entre a Autora e a Ré) não foi celebrado por causa não imputável à promitente vendedora, ora Autora, antes pelo contrário, ficou provado que lhe é imputável a não celebração.


Em consequência disso, a Autora está obrigada a pagar à Ré a correspondente remuneração prevista no contrato de mediação.


Nesta sequência fica prejudicada a apreciação da segunda situação invocada pela Recorrente, de que a promitente vendedora, ora Autora, ainda durante a pendência do contrato de mediação, veio a vender o bem a terceiro, com intervenção de uma outra mediadora, violando desse modo a cláusula de exclusividade.


Importa destacar, de todo o modo, não ficou provado que a Ré tenha violado ou incumprido alguma das suas obrigações decorrentes do contrato de mediação imobiliária, destacando-se que não ficou provado que “A Ré que bem sabia que a promitente compradora não reunia as condições essenciais que a Autora exigira para a realização do negócio, levou-a a celebrar aquele contrato” e “ Preterindo outros potenciais compradores que reuniam essas condições”.


Deste modo, na sequência de todo o exposto, considerando que a remuneração foi adiantadamente paga pela Autora à Ré esta tem o direito de ficar definitivamente com a mesma.


Procede, assim, o recurso interposto, impondo-se a revogação da sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a ação.


*


10. Responsabilidade Tributária


As custas são da responsabilidade da Recorrida.


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III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,


- Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente/Ré revogando-se a decisão de Primeira Instância e, em consequência,


- Julga-se totalmente improcedente a acção e absolve-se a Recorrente/Ré do pedido.


- Custas a cargo da Recorrida/Autora.


- Registe e notifique.


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Data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Manuel Bargado

2.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

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1. https://uci.pt/pt/recursos-uteis/blog/pre-aprovacao-do-credito-habitacao-vs-aprovacao/↩︎

2. https://www.deco.proteste.pt/dinheiro/comprar-vender-casa/dicas/credito-habitacao-quais-sao-documentos-necessita↩︎

3. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/assegurar.↩︎

4. https://www.ecb.europa.eu/press/blog/date/2024/html/ecb.blog240608~aa46b5f2a0.pt.html↩︎

5. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/624ed3ba6a8e5a0480258b48003d0338?OpenDocument↩︎

6. J. C. BRANDÃO PROENÇA, "Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral", 110.↩︎

7. cfr. Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª ed., págs. 130 e 131; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4.ª ed., pág. 44.↩︎

8. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/0738ae9d794a0aaf80256d4900390e88?OpenDocument↩︎

9. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/35539280d824ad5e8025867a0047ffef?OpenDocument↩︎

10. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pág. 42, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1997, pág. 71.↩︎

11. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1997, pág. 71.↩︎

12. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/925051c14af7e12880258b09003d7816?OpenDocument↩︎

13. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f3522860209e7f718025886a00567ff8?OpenDocument↩︎

14. Baptista Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, p. 166.↩︎

15. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 1.ª edição, Coimbra Editora, 1.ª edição, 2011, p. 816.↩︎

16. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/049ccfb484f47ea4802586bd004f4bfd?OpenDocument↩︎

17. Vaz Serra, Adriano Paes da Silva, BMJ n.º 77, pág. 221 e ss. (e ainda BMJ n.º 28, pág. 256 e ss.)↩︎

18. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/049ccfb484f47ea4802586bd004f4bfd?OpenDocument↩︎

19. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9a0552443482a81780257b74004fef2a?OpenDocument↩︎