LIVRANÇA
EXECUÇÃO
RELAÇÕES IMEDIATAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
AVALISTA
PERSI
Sumário

Sumário:
I. Dada à execução a livrança como título de crédito, incumbe ao Executado, no âmbito das relações imediatas, o ónus de alegação e prova dos factos reais, concretos e objectivos capazes de colocar em crise a validade, existência, manutenção, subsistência ou eficácia daquela relação fundamental que subjaz à livrança, por estarmos perante um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito.

II. Atendendo às características da literalidade, abstracção e autonomia da obrigação cambiária, o direito da Exequente de reclamar do Executado, enquanto subscritor ou avalista, o pagamento do montante titulado pela livrança dada à execução, decorre da simples circunstância de ser legítima portadora daquela, dado que a mesma já se encontra vencida (cfr. artigos 16.º e 48.º, ex vi artigo 77.º, da LULL), não sendo necessário que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio título – a livrança – ou sejam alegados no requerimento executivo, nem é necessária a junção do pacto de preenchimento ou do contrato que originou a prestação da garantia para o título executivo ficar completo e se considere a obrigação certa, exigível e líquida.

III. Os Recorrentes/Executados, um deles na qualidade de pessoa colectiva e o outro na qualidade de avalista (e não de fiador) não têm de ser integrados no PERSI.

Texto Integral

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Apelação n.º 1139/23.0T8BJA-A.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Sónia Moura

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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


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I. RELATÓRIO


- Embargos de Executado – Oposição à Execução – Oposição à Penhora


1. As partes:


Recorrentes – Embargantes - Executados – CONSTRUÇÕES AA, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. e BB


Embargada/Exequente/Recorrida – “CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.”


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2. Objecto do litígio:


Os Executados vieram por apenso à Execução, que contra eles foi intentada por “CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.”, deduzir oposição à execução e à penhora mediante embargos de executado alegando pedindo o seguinte:


1. Deverão os presentes embargos ser julgados procedentes, por provados e, em consequência, absolver os executados da presente instância executiva;


2. Se assim não se entender, devem a instância ser declarada extinta em face da procedência das exceções invocadas;


3. Sem prescindir e, caso outro seja o entendimento, deverá a penhora realizada ser levantada face ao aqui alegado e provado;


4. Ou, se por mera hipótese assim não se entender, o que apenas por título académico se concebe, manter suspensos todos os atos que possam ter por objeto a venda do imóvel ou a sua entrega a terceiros, privando os executadas da habitação e dos meios que permitam a subsistência dos executados.


Em contraponto, contestou a Exequente alegando, em suma, as razões que em seu entender impõem a improcedência dos embargos.


Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador, fixado o valor da causa e decidiu-se conhecer imediatamente do mérito da causa, ao abrigo do artigo 595.º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.


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3. Sentença em Primeira Instância:


Foi proferida sentença em primeira instância com o seguinte dispositivo [transcrição]:


«Nos termos e pelos fundamentos expostos o Tribunal julga a presente oposição à execução e à penhora totalmente improcedente.».


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4. Recurso de apelação do Executado/Embargante/Recorrente:


O Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença com as seguintes conclusões [transcrição]

1. Os embargantes discordam em absoluto do teor da douta sentença proferida pelo tribunal a quo.

2. Denota-se que a sentença padece de nulidade por clara violação do disposto no artigo 615.º n.º 1 als. c) e d) do CPC, i.e, os fundamentos da douta sentença estão em clara oposição com a decisão proferida, sendo esta ininteligível e, ainda, não se pronunciando sobre questões que mereciam ser alvo da sua pronúncia.

3. Tanto assim é verdade que temos na fundamentação de facto a ponto 2. da douta sentença, mais precisamente, nos factos dados como provados n.os 6 e 7, para os quais se remete e se dão por integralmente reproduzidos, que durante o período de 20.12.2019 até 16.06.2023 o título executivo fora transferido da ora exequente para uma entidade terceira, mais precisamente a Esperto e Original, S.A..

4. Como tal, seria impossível à douta sentença considerar não assistir razão aos embargantes quando estes alegam a ilegitimidade da exequente aquando do preenchimento da livrança, base da presente execução.

5. Ou ainda, considerar que estamos perante um título executivo que foi devida e correctamente preenchido sem recurso a um preenchimento abusivo, como em boa altura os executados/ embargantes alegaram.

6. Convenhamos que a sentença jamais poderia afirmar na fundamentação de direito que o crédito exequendo nunca saiu da esfera jurídica do exequente CGD, S.A., como, erroneamente o faz.

7. Mais se diga que, com o devido respeito e salva melhor opinião, não se pronunciou a devida sentença sobre todas as questões, exceções e demais elementos invocados na peça dos embargantes.

8. De igual modo, com o devido respeito e salva melhor opinião, carece ainda a douta sentença de fundamentação no que respeita à exclusão dos embargantes do mecanismo do PERSI, limitando-se a remeter para artigos da lei, não extraindo qualquer conclusão da aplicação dos mesmos.


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5. Resposta


A Recorrida apresentou contra-alegações e conclui essencialmente que não se verifica a invocada nulidade da sentença recorrida, por inexistir contradição entre os seus fundamentos e a sua conclusão, por inexistir falta de fundamentação e por inexistir omissão de pronúncia.


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6. Admissão do recurso


O tribunal a quo pronunciou-se sobre as invocadas nulidades entendendo não se verificar nenhuma delas e admitiu o recurso.


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7. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


7.1. Nulidades da sentença


7.2. Reapreciação jurídica da causa.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença [transcrição]:


«1) A Exequente apresentou intentou a execução apresentando como título executivo livrança subscrita pela sociedade Construções AA, Sociedade Unipessoal Lda., e avalizada por BB, no valor de € 61.193,73, emitida em 31.10.2006 e vencida em 25/08/2022;


2) A livrança foi entregue em branco à Exequente para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela Construções AA, Sociedade Unipessoal Lda., no contrato de abertura de crédito em conta-corrente ao qual foi atribuído o n.º PT ..., celebrado em 31.10.2006;


3) As partes convencionaram que a data de vencimento da livrança seria fixada pela exequente quando, em caso de incumprimento pela sociedade executada das obrigações assumidas, aquela a decidisse preencher;


4) Para garantia de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir pela sociedade "Construções AA, Sociedade Unipessoal Lda” junto da Exequente, até ao limite de capital de 30.000,00 €, o Executado CC constituiu a favor da Exequente hipoteca sobre o prédio urbano, sito no Loteamento do Monte..., concelho de Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 2 sob o n.º 1413, da freguesia de V..., e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 2687 da freguesia de V..., até ao limite máximo de € 45.105,00 €;


5) Face ao incumprimento das obrigações assumidas por parte da sociedade mutuária, a livrança foi preenchida pela totalidade da dívida capital, juros, comissões e demais encargos, calculados até 25.08.2022;


6) Em 20.12.2019 a exequente transmitiu para a Esperto e Original, S.A., a hipoteca que garante o crédito exequendo;


7) Em 16.06.2023 a Esperto e Original, S.A. retransmitiu para a exequente a referida hipoteca;


8) Em 25.08.2022, a exequente notificou os executados, por carta registada com aviso de receção, conferindo-lhes o prazo de cinco dias para procederem ao pagamento voluntário da dívida, dando conta que havia sido determinado o vencimento da livrança para esse mesmo dia;


9) A missiva enviada foi recebida e assinada pelo Embargante BB no dia 04.09.2022;


10) BB é o único sócio e gerente da sociedade Executada;


11) Em 11.09.2023 foi penhorado o prédio urbano sito em “Monte...”, lote n.º 22, freguesia de V..., concelho de Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 1413, daquela freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2687;


12) Incidem sobre o imóvel outras hipotecas e penhoras com registos anteriores à actual;


13) Tal imóvel constitui a casa de morada de família do Executado avalista e sede da sociedade Executada.».


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B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


1. Das invocadas nulidades da sentença


Neste domínio, importa distinguir as nulidades da sentença (cfr. art. 615.º, do CPC), das nulidades do processo (cfr. art. 195.º, do CPC) e de outras patologias de que a mesma pode padecer.


Com efeito, como refere Abrantes Geraldes, “Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso” – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 793.


A sentença é nula nos seguintes casos (art. 615.º, n.º 1, do CPC):


a) Não contenha a assinatura do juiz;


b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;


c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.


Os Recorrentes invocam várias vicissitudes da sentença que qualificam como nulidades, que cumpre apreciar, contudo, parece-nos que o modo como as razões dessas nulidades são apresentados acabam por se encontrar mais próximos de uma mera discordância da fundamentação jurídica, por isso, sem prejuízo da apreciação das nulidades invocadas, será ainda reapreciado o mérito da causa.


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1.1. Da invocada nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e a sua conclusão:


A nulidade a que se reporta a 1.ª parte da al. c) ocorre “quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente (STJ 8-9-21, 1592/19, STJ 3-3-21, 3157/17, STJ 29-10-20, 1872/18).” – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I., Almedina, pág. 793-794.


A decisão judicial é obscura “quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Em STJ 20-5-21, 69/11 e STJ 8-10-20, 1886/19, decidiu-se que a ambiguidade ou obscuridade prevista na al. c) só releva quando torne a parte decisória ininteligível, o que ocorre quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, no 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.” – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I., Almedina, pág. 794.


Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/05/20241 (Nelson Borges Carneiro, proc. n.º 311/18.9T8PVZ.P1.S1, www.dgsi.pt), “A nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier a ser expresso.”.


No caso concreto em apreciação, os Recorrentes entendem que a decisão recorrida padece de “incongruências”, “dando como provados factos que, embora na fundamentação de facto estejam assentes de uma determinada maneira, no entanto a conclusão a que a douta sentença chega não tem o mínimo de correspondência com essa fundamentação”, considerando a alegada ilegitimidade da Exequente, ora Recorrida atendendo à cessão de créditos celebrada com a “Esperto & Original, S.A.”.


Ora, na fundamentação de facto da sentença consta que:


“6) Em 20.12.2019 a exequente transmitiu para a Esperto e Original, S.A., a hipoteca que garante o crédito exequendo;


7) Em 16.06.2023 a Esperto e Original, S.A. retransmitiu para a exequente a referida hipoteca;”


E, no ponto “III. Fundamentação de Direito”, refere que “o crédito exequendo nunca saiu da esfera jurídica do exequente, ao contrário do alegado pelos embargantes.”


No entanto, não se pode confundir a transmissão e retransmissão da hipoteca (que configura uma garantia) com o crédito objecto da presente execução o qual nunca foi alvo de transmissão, tendo permanecido ab initio na esfera da Exequente.


Com efeito, o que foi efetivamente objeto de transmissão – resultante de um lapso, o qual foi posteriormente retificado –, foi a hipoteca genérica registada sob a AP. 18 de 2006/09/19, sobre o prédio urbano, sito no Loteamento do Monte..., concelho de Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 2 sob o n.º 1413, da freguesia de V..., e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 2687 da freguesia de V..., a qual foi devidamente executada nos presentes autos e posteriormente, para retificar o lapso ocorrido, foi retransmitida para a Caixa Geral de Depósitos, S.A., por escritura pública datada de 16.06.2023 – cfr. Doc. 3 junto à Contestação apresentada pela Recorrida, em 13/11/2023.


Assim sendo, o crédito em si, executado nos presentes autos, nunca saiu da esfera jurídica da Caixa Geral de Depósitos, S.A., o que foi transmitida foi apenas a hipoteca que garantia este crédito, lapso que foi devidamente retificado pela AP. 1718 de 2023/06/20, regressando a hipoteca à esfera da ora Exequente/Recorrida.


Então, não está em causa a hipoteca mas o crédito exequendo, por isso, não se verifica a invocada nulidade da sentença recorrida.


Questão diversa é a eventual discordância dos Recorrentes relativamente à fundamentação e decisão sobre a legitimidade da Exequente ou a alegada existência de preenchimento abusivo da livrança são questões a apreciar no mérito da causa.


Deste modo, porque os fundamentos estão em consonância com a decisão e a decisão é perfeitamente inteligível, não se verifica a invocada nulidade da sentença, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.


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1.2. Da invocada nulidade por falta de fundamentação:


“Para além da falta de assinatura do juiz (suprível oficiosamente em qualquer altura), é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação ininteligível ou impercetível, cf. RP 8-9-20, 15756/17), previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11).”2.


Com efeito, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/20213 (Oliveira Abreu, proc. n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt) “Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil.”.


Os Recorrentes alegam que “a sentença remete para disposições legais sem, contudo, sequer justificar o motivo pelo qual entende que os executados/ embargantes se tem por cliente bancário não consumidor ao invés de preencherem os requisitos da norma que usam para os excluir”, portanto a Sentença recorrida incorreria numa nulidade por falta de fundamentação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.


Resulta da análise da sentença recorrida, no que diz respeito à explicação da inaplicabilidade do conceito de cliente bancário aos Recorrentes e, consequentemente, da não obrigatoriedade de inclusão dos mesmos no PERSI, que a Mm.ª Juiz fundamentou a sua decisão de facto e de direito de modo completo e preciso, elencando os factos provados e não provados com relevância, explicitou a sua motivação de facto e a fundamentação de direito, localizando-se assim nos antípodas da ausência absoluta de fundamentação.


Questão diversa, é a discordância por parte dos Recorrentes dessa fundamentação e decisão, a ser apreciada em sede de mérito da causa.


Além disso, o dever de fundamentação não tem de ser “exaustivo” pois cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial permite ao destinatário a perceção do iter cognoscitivo e valorativo de facto e de direito revelando o que a justifica, como se decidiu a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/20244 (Isoleta de Almeida Costa, proc. n.º 1804/03.7TBPVZ-B.P1, www.dgsi.pt):


I - A nulidade da sentença prevista no 615º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil (aplicável aos despachos por força do artigo 613º, nº 3,) prende-se com o disposto no artigo 154º, do mesmo diploma, que fixa o dever do juiz fundamentar a decisão e concretiza o comando constitucional contido no n.º 1 do artigo 205.º da CRP ao estabelecer que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».


II - Acolhe-se em razões de ordem substancial, demonstração do raciocínio lógico do juiz na interpretação da norma geral e abstrata aplicada ao caso concreto e de ordem prática, dar a conhecer às partes os motivos da decisão, em particular à parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respetivo fundamento.


III - Este dever de fundamentação da decisão judicial, no entanto não tem de ser exaustivo e cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, permite ao destinatário a perceção do iter cognoscitivo e valorativo de facto e de direito, revelando o que a justifica.


IV - Só se pode falar em sentença nula por falta de fundamentação, se, se verifica a ausência absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, não bastando a fundamentação deficiente e incompleta [sublinhado nosso].


Deste modo, porque foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não ocorreu a invocada nulidade da sentença, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.


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1.3. Da invocada nulidade por omissão de pronúncia:


«A este respeito, também é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões” (STJ 27-3-14, 555/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13).». E ainda «Se é grave a falta de apreciação de alguma questão relevante para o resultado da lide (omissão de pronúncia), não o é menos a apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso (excesso de pronúncia). Já a condenação ultra petitum resultará na violação do disposto no art. 609.º, n.º 1.»5.


Ou seja, a alegada omissão de pronúncia deve ser aferida em função das questões colocadas e não pode confundir-se com a discordância dos fundamentos.


Como de igual modo se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/20246 (Nuno Gonçalves, proc. n.º 21/21.0YFLSB, www.dgsi.pt): “Constitui jurisprudência pacífica que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.”.


E ainda como se decidiu Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/20247 (Mário Belo Morgado, proc. n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt):


“Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s), questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”


Os Recorrentes fundamentam a existência de uma alegada nulidade da Sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, uma vez que a mesma, alegadamente, “não aprecia os embargos deduzidos e nem responde às querelas, exceções e alegações apresentadas pelos embargantes”.


Apesar de as alegações não serem muito claras quanto à questão (ou questões), constantes dos Embargos de Executado apresentados pelos Recorrente, relativamente à(s) qual(ais) a douta Sentença não se pronunciou, com algum esforço interpretativo do conjunto das alegações apresentadas parece-nos vislumbrar que se referirá ao alegado preenchimento abusivo da livrança pela ora Recorrida, que, supostamente, não teria legitimidade para o fazer, porquanto “tal documento estaria na posse e titularidade da Esperto e Original, S.A. e nunca da aqui exequente/ embargada”; e ainda o facto de a quantia aposta na livrança, que serve de título executivo da presente execução, ser, alegadamente, superior àquelas que os Recorrentes entendem ser devida, uma vez que o crédito em conta-corrente não poderia exceder os € 30.000,00 (trinta mil euros).


Contudo, a sentença recorrida pronunciou-se efetivamente quanto a essas questões, entendendo não existir um preenchimento abusivo da livrança, decorrente da cessão da hipoteca porque entendeu que não se verificava a sua causa, isto é, entendeu não ocorrer a ilegitimidade da Recorrida no preenchimento da livrança porque a titularidade do crédito exequendo nunca saiu da esfera jurídica da ora Exequente, portanto, também não se poderia ter verificado a alegada consequência que seria o preenchimento abusivo da livrança, ficando assim prejudicada.


Por outro lado, a sentença em causa considerou que «a quantia exequenda encontra-se perfeitamente demonstrada no requerimento executivo, tendo sido calculada de acordo com o contratualmente previsto. Urge realçar que os embargantes não podem limitar-se a alegar que a quantia indicada pela embargada não se encontra correcta. Seria necessário que pelo menos alegassem a quantia que reputam em dívida, o que não fizeram, já que (como se disse) não colocam em crise a situação de incumprimento».


Uma vez mais, se os Recorrentes discordam deste entendimento é uma questão relativa ao mérito da causa.


Deste modo, porque as questões colocadas foram todas decididas na decisão ou ficaram prejudicadas pela solução dada a outras, não ocorreu nulidade da sentença por omissão de pronúncia para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.


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2. Reapreciação jurídica da causa:


2.1. Da ilegitimidade da Exequente ou do preenchimento abusivo da livrança e ónus de alegação:


Considerando que no caso concreto o título dado à execução é uma livrança, importa atentar que a “livrança” é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a expressão livrança, a promessa pura e simples de pagar determinada quantia, a data e o lugar do pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga e a assinatura de quem a passa (cfr. artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).


Nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, podem servir de base à execução: “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.


Neste preceito distinguem-se duas realidades, os títulos de crédito, com as características da literalidade, da abstracção e da autonomia, e os quirógrafos de títulos de crédito, ou seja, documentos autógrafos de reconhecimento de dívida, como aqueles que, tendo valido como títulos de crédito, deixaram de ter essa qualificação por via de vicissitudes decorrentes dos regimes constantes da LULL e da LUCh.


No caso concreto, não existem dúvidas de que o título dado à execução constitui um título de crédito, uma livrança, a que é conferido força executiva, por via do artigo 703.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil.


Efectivamente, constituindo a livrança título executivo, pode o legítimo portador do título de crédito intentar execução com base exclusivamente na obrigação cambiária, estando assim dispensado de invocar a relação causal subjacente à emissão deste título.


O título de crédito vale, assim, pelo que dele consta, é independente da relação causal e é por este título que se determinam os fins e os limites da acção executiva (cfr. já citado artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).


A livrança dada à execução contém os requisitos essenciais para que possa valer como tal (cfr. artigos 75.º e 76.º da LULL).


Com efeito, como refere lapidarmente Pinto Furtado8, a propósito da característica da abstracção, “A declaração aposta no título exprime e dá forma a um novo direito – o direito cartular – despregado da relação fundamental para se incorporar na res e poder «viajar» nela de acordo com o mecanismo fundamental da transmissão da coisas móveis.


Deste modo, como se concluiu ainda no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/12/20219 (Cristina Neves, proc. n.º 2550/20.3T8SRE-A.C1, www.dgsi.pt), na execução cambiária, «… a obrigação exigida em sede de execução é, não a constante da obrigação causal, mas a obrigação cambiária que uma vez constituída, por autónoma e abstracta, são independentes da relação subjacente ou causal à sua emissão, beneficiando das características de: - Incorporação da obrigação no título (a obrigação e o título constituem uma unidade); - literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspecção do título); - abstracção da obrigação (o título é independente da “causa debendi”); - independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (a nulidade de uma das obrigações que o título incorpora não se comunica às demais); - autonomia do direito do portador (o portador é considerado credor originário). Por essa razão, entrando o título em circulação, apenas podem ser opostos ao portador do título as excepções baseadas nas relações imediatas (artº 17º da LULL), uma vez que este “carácter literal e autónomo dum título de crédito só produz efeito, quando este entra em circulação e se encontra em poder de terceiros de boa fé.” [DELGADO, Abel, Lei Uniforme Sobre Cheques, Anotada, págs. 100 e segs].»


Nesta sequência, reunindo a livrança os requisitos essenciais previstos no artigo 75.º da LULL para valer como título de crédito e constituir título executivo, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, não tinha a Exequente que alegar no requerimento executivo a relação causal.


Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/06/202210 (Francisco Xavier, proc n.º 67/21.8T8ELV.E1, www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte:


«I. No âmbito do processo executivo, a livrança, como título de crédito, tendo em consideração os princípios ínsitos da abstracção e da incorporação, dispensa o exequente de expor e densificar a relação jurídica causal, fundamental ou subjacente à sua emissão, como decorre do artigo 703º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.


II. Tal ónus de alegação apenas se exige no caso da apresentação dos ditos documentos como quirógrafos, cumprindo, então, ao exequente invocar no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente.


III. Dada à execução a livrança como título de crédito, incumbe ao executado, no âmbito das relações imediatas, o ónus de alegação e prova dos factos reais, concretos e objectivos capazes de colocar em crise a validade, existência, manutenção, subsistência ou eficácia daquela relação fundamental que subjaz à livrança.


IV. Assim, o ónus alegacional e probatório do preenchimento abusivo da livrança impende sobre o obrigado cambiário/executado, atenta a circunstância de estarmos perante um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito.».


No caso concreto em apreciação, os Recorrentes pretendem colocar em causa o valor aposto na livrança, contudo, já vimos que sendo o título dado à execução uma livrança e da qual consta a assinatura aposta pelos Recorrentes, um na qualidade de subscritor e outro na qualidade de avalista, em sede de títulos de crédito, rege, entre outros, o princípio da literalidade pelo qual se afere a obrigação cambiária respectiva. O princípio da literalidade é transversal a todo o regime legal dos títulos de crédito, no sentido de exprimir a prevalência quase absoluta do sentido objectivo da declaração sobre o realmente querido, enquanto nela contido11.


No caso dos títulos de créditos, os mesmos consistem em títulos executivos que são, per si, autosuficientes, não sendo necessária a exposição de factos no requerimento executivo.


Contudo, os Recorrentes limitaram-se a alegar juízos conclusivos de que o preenchimento foi abusivo.


No entanto, os Recorrentes nos seus Embargos de Executado não indicam os valores pagos nem demonstram aritmeticamente que existiu abuso no preenchimento, considerando ou a taxa de juro ou a data do incumprimento, a título meramente exemplificativo.


Com efeito, sendo o preenchimento abusivo uma excepção peremptória (de direito material) competia aos Embargantes/Recorrentes demonstrá-lo, alegando e provando factos que concretamente revelassem tal invocado abuso.


Assim e recaindo sobre os Embargantes/Recorrentes o ónus de alegação e da prova da excepção do preenchimento abusivo no sentido de demonstrar que foi violado o pacto de preenchimento, o que não sucedeu, impõe-se a improcedência da presente oposição à execução também nesta parte.


Com efeito, o ónus alegacional e probatório do preenchimento abusivo da livrança impendia precisamente sobre os obrigados cambiários, ora Recorrentes, e não sobre a Exequente, atenta a circunstância de estarmos perante factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito.


Acrescentamos que não obstante esse ónus de alegação e prova os Recorrentes não alegou qualquer facto concreto nesse sentido, ou seja, a título meramente exemplificativo, não alegou que procedeu ao pagamento total ou parcial da dívida ou que foi violado um concreto e determinado pacto de preenchimento, entre outras possibilidades ao seu dispor para desse modo contrariar o valor constante da livrança, mas apenas e tão somente alegou generalidades.


Em situação semelhante se decidiu no mesmo sentido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/01/202212 (Micaela Sousa, proc. n.º 7503/10.7YYLSB-A.L1-7, www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte:


«3–O negócio cambiário tem por base uma causa, mas que é separada daquele, decorrendo não dele próprio, mas de uma convenção subjacente, extracartular, sendo que os vícios de que esta padeça apenas poderão ser opostos ao portador imediato.


4–Nessas circunstâncias, recai sobre o executado o ónus de alegar e de provar factos concretos e objectivos que sejam susceptíveis de colocar em crise a validade, eficácia ou existência da relação fundamental subjacente à livrança.


5–Para tanto, não basta ao executado invocar um desconhecimento genérico quanto aos créditos subjacentes à emissão das livranças, uma sucessão de letras de reforma, sem qualquer descrição ou concretização, a inexistência de pacto de preenchimento e, simultaneamente, a sua violação, num arrazoado destituído de factos concretos e objectivos passíveis de serem sujeitos a produção de prova, pelo que tal alegação é insuficiente para afastar a sua responsabilidade quanto ao pagamento das livranças exequendas.».


Deste modo, em suma, não ficou demonstrada a ilegitimidade da Exequente ou o alegado preenchimento abusivo da livrança dada à execução.


*


2.2. Da aplicabilidade do mecanismo do PERSI:


Os Recorrentes alegaram essencialmente que “… sem prejuízo da douta sentença dissertar sobre o mecanismo PERSI não se compreende como conclua que o mesmo não se aplica ao caso concreto uma vez que não existe fundamentos para excluir os embargantes da sua aplicação porque em momento algum estes deixam de ser clientes bancários perante a exequente”.


A este propósito na sentença recorrida escreveu-se o seguinte:


«Alegam ainda os embargantes não terem sido incluídos no PERSI.


O Decreto-lei n. º 227/2012, de 25 e Outubro estabelece, no que ora releva, um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento. Assim, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa. A instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que: a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação; b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.


A integração no PERSI deve ser comunicada ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro.


Para efeitos do referido decreto-lei, entende-se por cliente bancário o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito.


Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.


Ora, por força da noção de cliente bancário legalmente prevista, resulta evidente que no caso não havia lugar à obrigatoriedade de integração dos embargantes no PERSI.».


Apreciando.


Com efeito, o DL 227/2015 de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, de clientes bancários decorrente da progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criassem um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito (PERSI). Destinou-se a viabilizar situações de difícil solvabilidade das famílias que viram subitamente os seus rendimentos reduzidos de modo substancial. Nos termos do disposto no seu artigo 2.º n.º 1, o PERSI é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários que conforme a alínea a) do seu artigo 3.º são os consumidores de acordo com a definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003. A definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003 adoptou um sentido restrito «consumidor» definido este como qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar. Esta definição de consumidor exclui do seu âmbito as pessoas colectivas.


Em consequência disso, o DL 227/2012 de 25.10 não tem aplicação aos contratos de crédito celebrados entre instituições bancárias e pessoas colectivas e aos respectivos avalistas, mesmo que estes sejam pessoas singulares ou clientes bancários como pretendem os Recorrentes.


Neste sentido, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/10/202313 (Manuel Aguiar Pereira, proc. n.º 4984/18.4T8OAZ-A.P1.S1, www.dgsi.pt):


«I) Não tem aplicação o regime de proteção aos consumidores instituído pelo Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro estando em causa um contrato de crédito com hipoteca para apoio de tesouraria celebrado entre um banco e uma sua cliente pessoa colectiva, já que esta não é “consumidor” na acepção adoptada por tal diploma.


II) Não tem igualmente aplicação o indicado regime em relação às pessoas singulares que garantam o cumprimento do contrato de crédito pelo cliente bancário consumidor como avalistas de livrança por ele subscrita, salvo se se tiverem também constituído fiadores do contrato de crédito.


III) Não é aplicável aos avalistas, por analogia ou interpretação extensiva, o regime dos fiadores da obrigação do mutuário do contrato de crédito instituído pelo Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro.


IV) Uma tal interpretação não encerra qualquer violação do direito constitucional à habitação ou do princípio da igualdade, no caso de ter sido constituída pelos avalistas das livranças uma hipoteca voluntária sobre um imóvel onde está instalada a sua casa de habitação.».


Deste modo, em suma, os Executados/Recorrentes, sendo um deles avalista (e não fiador) e outro pessoa colectiva, não têm de ser integrados no mecanismo do PERSI.


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3. Em síntese:


- porque os fundamentos estão em consonância com a decisão e a decisão é perfeitamente inteligível, não se verifica a invocada nulidade da sentença, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC;


- porque foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não ocorreu a invocada nulidade da sentença, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC;


- porque as questões colocadas foram todas decididas na decisão ou ficaram prejudicadas pela solução dada a outras, não ocorreu nulidade da sentença por omissão de pronúncia para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;


- não ficou demonstrada a ilegitimidade da Exequente ou o alegado preenchimento abusivo da livrança dada à execução;


- os Executados/Recorrentes, sendo um deles avalista (e não fiador) e outro pessoa colectiva, não têm de ser integrados no mecanismo do PERSI.


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4. Responsabilidade tributária


As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade dos Recorrentes.


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III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,

1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Recorrentes e, em consequência confirmar a Sentença da Primeira Instância.

2. As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade dos Recorrentes.

3. Registe e notifique.


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Évora, data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Sónia Moura

__________________________________________

1. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f4c369730e08ba8680258b17002e112a?OpenDocument↩︎

2. - Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., pág. 793.↩︎

3. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/54940067083ff01f802587a80057e6d2?OpenDocument↩︎

4. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9e31989ba631ed0580258b49004b2768?OpenDocument↩︎

5. – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, pág. 794.↩︎

6. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4147f7504c91d0880258aa0003bc7ab?OpenDocument↩︎

7. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6aeec6e660d904980258ad9003e5976?OpenDocument↩︎

8. Pinto Furtado, Jorge Henrique, Títulos de Crédito, Almedina, pág. 63.↩︎

9. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3fa153ee627c7aed802587b1005361e3?OpenDocument↩︎

10. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/dbf553618c1eb256802588b1002ee558?OpenDocument↩︎

11. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, III vol., p. 44 e Vaz Serra, in BMJ nº 60, p. 118↩︎

12. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a68644e7fc81599a802587d1002fab37?OpenDocument↩︎

13. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d640d276aa818a1680258a5c004871dc?OpenDocument↩︎