Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- não é nula, por falta de fundamentação jurídica, a decisão que, sem indicar o artigo legal relevante, permite apreender qual a norma ou princípio utilizado.
- a produção oficiosa de prova, ao abrigo do art. 411º do CPC, depende essencialmente da formulação de um juízo de necessidade probatória com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, o qual prevalece, salvo situações excepcionais, sobre os princípios do dispositivo, da preclusão ou da auto-responsabilidade das partes.
I. A presente acção foi intentada por Pontes- Hotelaria e Turismo, Lda, contra AA, sendo pedida a condenação da demandada a pagar à A. uma indemnização
A A. assentou a sua pretensão, no essencial, na intervenção da R., como advogada da A., em cessação de relação laboral com trabalhadora, tendo esta proposto acção judicial, acção na qual a R. não actuou diligentemente pois:
- a A. constituiu a R. como mandatária naquela acção (proc. 4287/22.0...).
- a R. não requereu o adiamento da audiência de partes, não compareceu nesta diligência, só juntou procuração forense aos autos quando já estava esgotado o prazo para apresentação de contestação.
- a R. não informou a A. das consequências da falta à audiência de partes e do decurso do prazo para apresentação da contestação.
- em consequência da inexistência de contestação, os factos alegados foram julgados provados e a A. condenada.
- a R. não deu conhecimento do teor da sentença condenatória à A..
- a A. só teve conhecimento dos desenvolvimentos do processo com a penhora da sua conta bancária.
Por isso teve os danos que elencou.
A R. contestou, tendo começado por suscitar a intervenção de seguradora. Impugnou depois a versão da A., tendo, em particular, sustentado que a A., tendo-lhe remetido procuração forense, nunca lhe enviou a petição inicial da acção intentada.
Admitida a intervenção principal, veio a chamada, Xl Insurance Company SE Sucursal em España, apresentar contestação, na qual, depois de discutir aspectos atinentes ao contrato de seguro, impugnou a versão da A., tendo, em particular, afirmado que a R. solicitou a documentação relativa à citação sem que esta lhe tivesse sido enviada pela A..
Notificadas, a A. e a R. pronunciaram-se sobre o articulado da chamada.
Prosseguindo o processo, foi efectuado o saneamento e praticados os actos inerentes ao prosseguimento do processo em 05.12.2024.
A A. requereu a junção de um documento (contendo emails) em 17.12.2024, com vista a demonstrar o envio da PI à R.. Num desses emails consta um ficheiro anexo, que a A. diz corresponder à PI.
A chamada pronunciou-se sobre o relevo do documento, tendo, em particular, sustentado que não permitia fazer prova do envio da PI por, no essencial, o anexo constar de todos os emails (três) reproduzidos e por tal anexo corresponder ao contrato de trabalho em causa (tendo em conta o doc. 1 da PI, que contém o mesmo ficheiro - com a mesma denominação identificativa - que consta como anexo dos emails).
Admitida a junção, a R. pronunciou-se sobre o documento, tendo, depois de reiterar nunca ter recebido a PI, afirmado em especial que não é possível saber a que documentos em anexo se refere o email ou visualizar aquele anexo.
No decurso da audiência de julgamento, e durante o depoimento da testemunha BB, foi formulado pelo mandatário da A. o seguinte requerimento:
«A Autora, na sequência da junção do documento junto aos autos, por requerimento datado de 17/12/2024, viu a Ré XL suscitar a questão de o anexo junto ao e-mail não corresponder à petição inicial que a que Autora afirma ter entregue à Ré, Dra. AA, por e-mail.
Como como a Autora não tem outra forma de demonstrar que o anexo diz respeito à petição inicial remetida, requer-se que a testemunha exiba perante o Tribunal o referido e-mail com a possibilidade de o próprio Tribunal abrir o anexo com o propósito de aferir se o mesmo diz respeito à petição inicial que a Autora alega ter entregue à Ré, Dra. AA.
Caso assim não se entenda, requer-se que seja efetuada uma perícia técnica, de forma a aferir a informação que se pretende provar através do primeiro pedido, digamos assim, a informação de que o anexo diz respeito à petição inicial.»
Nessa sequência, a Mandatária da R. declarou nada ter a opor.
O Mandatário da chamada tomou a seguinte posição:
«Oponho-me, uma vez que a questão suscitada em sede de contraditório de documentos juntos pela Autora, pelo requerimento de 17/12/2024, tinha a ver com o facto do nome do ficheiro PDF anexo à troca de e-mails ter o nome exatamente igual ao nome do ficheiro print screen ou captura de ecrã, junto como documento número um, à petição inicial.
Pelo confronto de ambos os documentos, não existem dúvidas de que se tratam exatamente da mesma coisa, ou seja, do mesmo ficheiro PDF correspondente ao contrato de trabalho da senhora CC, pelo que no entendimento da interveniente XL, inexiste razão para a produção da prova agora requerida pela Autora.».
Foi de seguida proferido o seguinte despacho:
«Defere-se o requerido, por tal diligência, se afigurar idónea à demonstração de qual foi, efetivamente, o documento remetido pela Autora à Ré, a 16 de julho de 2022 e a 5 de outubro de 2022.
A abertura do ficheiro em causa servirá ainda para demonstração dos factos vertidos no requerimento da Interveniente XL, nos pontos oito e seguintes do contraditório exercido à respectiva junção e datado de 26/12/2024.
Notifique.»
Deste despacho foi interposto o presente recurso pela chamada Xl Insurance Company SE Sucursal em España, formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem como objeto o despacho proferido em sede de audiência de julgamento, realizada em 17/02/2025, que deferiu a realização de uma diligência de prova solicitada pela Recorrida consistente em abrir, na própria audiência, um ficheiro informático do tipo PDF que surge como anexo à troca de emails junta aos autos por aquela no requerimento datado de 17/12/2024;
2. O despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação jurídica, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea b), aplicável por via do artigo 613.º n.º 3, ambos do CPC, uma vez que não consta do mesmo qualquer base legal ou enquadramento jurídico que permita compreender a legalidade e juridicidade da decisão proferida;
3. O objetivo da Recorrida, ao requerer a abertura em audiência de julgamento do PDF anexo à troca de emails junta aos autos em 17/12/2024, foi o de conseguir fazer entrar no processo o anexo PDF enquanto documento, ou, por outras palavras, que o conteúdo desse documento fosse considerado pelo julgador para fins probatórios;
4. Aquilo que foi junto aos autos pela Recorrida em 17/12/2024 foi uma troca de emails, sendo que se retira dessa troca de emails que foi enviado um ficheiro PDF em anexo – mas esse ficheiro PDF, em si mesmo, não foi junto aos autos pelo requerimento de 17/12/2024;
5. Em bom rigor, se a Recorrida queria que o ficheiro PDF fosse considerado como prova, mormente como prova documental, tinha de o ter junto à petição inicial ou, o mais tardar, ao requerimento de 17/12/2024 ou nos vinte dias anteriores à realização da audiência de julgamento, nos termos do artigo 423.º n.º 1 e 2 do CPC;
6. Certo é que, considerando a data e o contexto da troca de emails junta aos autos pelo requerimento da Recorrida de 17/12/2024, bem como o suposto conteúdo do anexo PDF, nunca este poderia ser junto como documento em sede de audiência de julgamento, pois não se pode de maneira alguma considerar o mesmo como documento superveniente ou cujo interesse na junção apenas surgiu com a realização da audiência, nos termos do artigo 423.º n.º 3 do CPC;
7. Não podem existir dúvidas que o requerimento probatório formulado pela Recorrida é um expediente, destinado a fazer “entrar pela janela o que não se pode fazer entrar pela porta” – o facto é que a Recorrida não podia juntar o ficheiro PDF como documento em audiência de julgamento, nos termos do artigo 423.º n.º 3 do CPC, pelo que arranjou forma de contornar tal disposição legal ao formular um requerimento não de junção de documento, mas de abertura de documento (informático), assim conseguindo que o mesmo fosse valorado pelo Tribunal a quo;
8. Por de expediente proibido se tratar, devia o mesmo ter sido indeferido pelo Tribunal recorrido, o que malogradamente não veio a ocorrer;
9. Face ao exposto, o despacho recorrido viola os princípios do dispositivo, da preclusão, da autorresponsabilidade das partes e da legalidade;
10. O despacho recorrido viola o princípio do dispositivo, porque perdoa à Recorrida o facto de não ter cumprido o ónus que sobre si impendia de oferecer o ficheiro PDF enquanto documento comprovativo da posição por si sufragada na petição inicial e até no requerimento de 17/12/2024;
11. O despacho recorrido viola o princípio da preclusão, pois faz com que a Recorrida consiga ultrapassar/contornar a perda do direito de juntar aos autos o ficheiro PDF anexo à troca de emails que instrui o seu requerimento de 17/12/2024 dentro dos prazos previstos pelo artigo 423.º n.º 1 e 2 do CPC;
12. O despacho recorrido viola o princípio da autorresponsabilidade das partes, porque faz com que a Recorrida não sofra as consequências negativas de não ter junto o referido ficheiro PDF aos autos como documento dentro dos prazos do artigo 423.º n.º 1 e 2 do CPC;
13. O despacho recorrido viola o princípio da legalidade porque, ao ter atendido àquilo que é claramente um expediente ilícito da Recorrida, fez letra morta e derrogou a aplicação daquele que é um preceito legal imperativo – o artigo 423.º n.º 3 do CPC – o que é proibido, nos termos dos artigos 3.º, 202.º e 203.º da CRP;
14. O despacho recorrido corresponde a um exercício ilegal, ilegítimo e abusivo dos poderes inquisitórios do tribunal, previstos no artigo 411.º do CPC;
15. Por um lado, porque o Tribunal a quo está a permitir à Recorrida sanar aquilo que apenas tinha e tem de ser tido como uma consequência da sua inércia e/ou dos seus erros na condução do processo, ao não ter atempadamente junto o ficheiro PDF como documento, nos termos do artigo 423.º n.º 1 e 2 do CPC;
16. Por outro lado, porque o Tribunal recorrido se está inclusive a tentar substituir à própria Recorrente, ao ordenar a realização de diligências de prova que não foram por esta requeridas para “demonstração dos factos vertidos no requerimento da Interveniente XL, nos pontos oito e seguintes do contraditório exercido à respectiva junção e datado de 26/12/2024.».
A A. respondeu, pugnando pela manutenção do decidido por inexistir a nulidade invocada (sendo conhecidos os motivos da decisão), e por a impugnação assentar numa premissa errada, pois a A. não pretendeu juntar qualquer documento.
O Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade invocada, considerando que não se verificava.
II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».
Assim, importa avaliar:
- se ocorre a nulidade invocada.
- se a diligência probatória produzida deveria ter sido recusada.
III. Os factos relevantes, na avaliação a realizar, têm natureza exclusivamente processual, mostrando-se descritos no relatório elaborado (a partir dos dados documentados do próprio processo).
IV.1. A recorrente começa por invocar a nulidade da decisão recorrida por não conter fundamentação de direito, omitindo qualquer fundamento jurídico.
Do art. 615º n.º1 al. b) do CPC decorre que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (...).
Este regime é aplicável ao despacho recorrido por força do art. 613º n.º3 do CPC.
A falta de fundamentação, enquanto vício formal ou de procedimento, pode, na verdade, referir-se só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. No caso, é apenas a omissão destes fundamentos de direito que se discute.
Por força do art. 154º n.º1 do CPC, na linha do disposto no art. 205º n.º1 da CRP, impõe-se a todas as decisões processuais um dever genérico de fundamentação, garantindo, internamente, a sua racionalização, e, externamente, a publicitação e compreensibilidade das suas razões. O desvalor da decisão radica na sua incapacidade em garantir a inteligibilidade ou compreensibilidade do decidido e assim aqueles valores.
Quanto à fundamentação estritamente jurídica da decisão, a sua exigibilidade deriva, em geral, da articulação dos art. 154º n.º1, 607º n.º3, 615º n.º1 al. b) e 616º n.º2 al. a) do CPC. No que especificamente respeita ao art. 607º n.º3 do CPC, este não é aplicável, nos seus exactos termos, ao despacho impugnado, quer por inexistir norma que determine a aplicação daquele art. 607º do CPC (que regula apenas as sentenças) aos despachos, quer pela diferente natureza da sentença e do despacho, a justificar que aquele art. 607º n.º3 do CPC só funcione como apoio hermenêutico na avaliação da fundamentação devida face a cada caso - e mesmo quando se admita a aplicação (mormente analógica) daquela norma, tal só valerá, obviamente, na medida em que a natureza e similitude das situações o justifique [1]. Diferenciação esta que se manifesta essencialmente num menor grau de fundamentação exigível, em regra, ao despacho.
Por outro lado, também se afirma que a falta de fundamentação só ocorre quando esta seja completa ou integral, com completa omissão da devida fundamentação. Ou, em posição menos consensual, quando a fundamentação seja meramente aparente por não ter conteúdo com significado próprio, não permitindo perceber as razões determinantes da decisão.
No caso, o despacho não contém, na verdade, qualquer expressa menção legal (a referência a concreto artigo legal). Não obstante, admite-se «que o juiz não tem de especificar os artigos ou demais fontes legais de que fez uso, embora não possa deixar de enunciar (de modo expresso ou de modo implícito desde [que] inteligível, i. e., não ambíguo ou não obscuro) o teor material da regra ou princípio em que se apoiou» [2]. Neste sentido, «não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia» [3]. Esta asserção vale por igualdade, ou mesmo por maioria, de razão para os despachos. Significando que o dever de fundamentação fica satisfeito quando o despacho indicar a regra de conduta, o fundamento processual que norteou a decisão, mesmo que de modo implícito, e ainda que não especifique o suporte estritamente legal de tal regra.
Ora, atendendo ao despacho proferido, e apesar da sua singela e contida formulação, dele ainda decorre com clareza que a decisão se baseou na idoneidade da diligência probatória para superar controvérsia probatória associada a factos alegados ou discutidos. Em contraponto, o despacho não alude a qualquer direito instrutório da parte requerente a produzir aquela prova. Neste quadro, percebe-se com facilidade que a decisão tem o cunho da oficiosidade e se baseou no princípio da necessidade probatória decorrente do art. 411º do CPC. Aliás, o momento processual em causa e a natureza da diligência não permitem, realmente, outra alternativa a este fundamento. Assim, da fundamentação do despacho ainda se infere, de forma suficiente e apreensível, qual o suporte jurídico ou normativo (coisa diferente da indicação do correspondente artigo legal) da decisão. E tanto assim foi que o recurso interposto também orbita, e de forma essencial, em torno do regime do art. 411º do CPC, sintoma de que a recorrente não teve dificuldade em apreender o suporte normativo da decisão (e sintoma, simultânea ou sequencialmente, de que não havia realmente alternativa normativa a tal suporte jurídico da decisão).
Anota-se ainda que a fundamentação do despacho terá sido também condicionada pela posição então manifestada pela agora recorrente, que na altura se opôs à junção apenas porque pretendeu fazer prevalecer a sua leitura da prova (segundo a qual estaria já demonstrado que o anexo correspondia ao contrato de trabalho e não à PI). Nessa linha, o despacho sublinha justamente o valor probatório da diligência, para dilucidar a questão, e por essa via a necessidade da oficiosa intervenção probatória, superando o (único) argumento então invocado pela recorrente. Decerto, se inserisse na discussão, na altura, os argumentos que agora invoca, seria outra a fundamentação avançada pelo tribunal. De algum modo, a singeleza da fundamentação, mesmo do ponto de vista normativo, é ainda tributária da posição então assumida pela recorrente.
Donde não ocorrer a completa ausência de fundamentação jurídica nem, por isso, a invocada nulidade.
2. No que ao mérito do recurso concerne, e como ponto prévio, cabe começar por clarificar a natureza da diligência probatória em causa. O que foi admitido e realizado consistiu na observação directa pelo tribunal do teor de anexo (em formato PDF) associado a email, permitindo-se assim que o tribunal, e as partes, averiguassem qual o conteúdo daquele ficheiro. Do que se tratou, pois, foi da observação directa do teor do anexo pelo juiz, colhendo-se dessa forma directa percepção do seu conteúdo. Donde estar em causa uma inspecção judicial, atento aquele contacto imediato do juiz com o facto a averiguar e os contornos da figura, delimitada, no art. 390º do CC, através da referência à percepção directa dos factos pelo tribunal [4]. Tanto assim que o resultado da diligência se circunscreveu à enunciação do que foi directamente observado, enunciação que foi depois vertida em descrição lavrada em auto [5], correspondendo deste modo ao regime adjectivo do art. 493º do CPC. Em oposição, verifica-se que a diligência não produziu a junção aos autos de qualquer documento: não só tal junção não ocorreu, como os documentos relevantes (o email e o documento anexado, i. é, a petição inicial) já constavam do processo.
3. Como é sabido, o processo civil continua a ser tendencialmente orientado pelo princípio do dispositivo (com expressão geral nos art. 3º n.º1 e 5º n.º1 do CPC [6]), deixando a cargo das partes o impulso da actividade processual, mormente em termos probatórios, significando, nesta sua vertente, que incumbe às partes apresentar a prova pré-constituída e propor a prova constituenda que reputem ajustada à sustentação da sua posição material (quer se trate de obter certa forma de tutela, quer se trate de impedir a concessão dessa tutela à contraparte). Esta feição do processo tem consagração legal e vem, por razões de ordenação e organização formal, de racionalidade e de salvaguarda da igualdade e boa fé, acompanhada pela fixação de regras reguladoras daquela actividade probatória dispositiva, mormente pela estipulação, com carácter preclusivo para a parte, dos momentos processualmente adequados para o oferecimento ou produção da prova. A ideia de auto-responsabilidade deriva do ónus da iniciativa probatória associada ao efeito preclusivo de certas regras: a parte é responsável pela sua actuação e assim pelas falhas no procedimento probatório processual que adopte (mormente pelas falhas face às regras disciplinadoras daquele procedimento probatório).
Esta feição do processo vinculada à vontade e iniciativa das partes não tem, porém, uma natureza pura, atribuindo a lei ao juiz poderes inquisitórios, ainda que mitigados. Trata-se de efeito do acolhimento da ideia de que a justiça, mesmo civil, não constitui uma questão que apenas interessa às partes [7], sendo ainda um tema de interesse para a comunidade enquanto valor social eminente. É nesse quadro que surge, no âmbito probatório, o art. 411º do CPC, estipulando que «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer». E como já ficou explicitado, não custa reconhecer que, apesar de o despacho impugnado omitir qualquer referência a este regime, ele constitui o seu primeiro fundamento legal.
Regime aquele que, como pacificamente se acentua, dá lugar a um verdadeiro poder-dever do tribunal [8]. Não se trata de uma faculdade que o tribunal exerce discricionariamente, mas da atribuição de um poder funcionalizado à satisfação de certo interesse (apuramento da verdade como condição da justa composição do litígio), implicando que, perante a verificação da hipótese legal, o tribunal fica vinculado a intervir (não lhe cabendo liberdade de opção) [9]. Como refere P. Pimenta, «o critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litigo. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever» [10]. Expressão do carácter vinculado, e nesse sentido obrigatório, da intervenção do tribunal encontra-se no facto de a omissão da conduta devida pelo tribunal ser pacificamente encarada como um vício processual (embora a exacta caracterização deste vício seja discutida, sendo qualificada quer como nulidade da sentença por excesso de pronúncia [11], quer como nulidade processual comum [12], entendendo-se ainda que, em sede de recurso, existe um vício da sentença que importa a sua anulação nos termos do art. 662º n.º2 al. c) do CPC, para produção da prova omitida [13]).
4. São dois os pressupostos literais deste regime.
Tem que estar em causa, de um lado, facto de que o juiz possa conhecer (parte final da norma). A verificação deste requisito não suscita qualquer dificuldade, pois se trata de actividade probatória dirigida a facto inerente à alegação da A. (que sustenta ter comunicado os dados relevantes à R., mormente os termos da citação - art. 18 da PI), e facto que a R. nega (afirmando que não recebeu a PI da acção interposta, no art. 37 da contestação, em posição secundada pela chamada).
E exige-se, de outro lado, que a actividade desenvolvida seja necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Trata-se aqui, na verdade, do pressuposto material do regime Ele revela, de um lado, a conexão daquele regime com a finalidade última do processo (a prossecução da justiça devida no caso concreto), finalidade esta de que a maior aproximação possível da realidade processualmente (probatoriamente) adquirida à realidade histórica constitui condição essencial (quanto maior for a divergência entre a realidade processual e a realidade histórica maior será a probabilidade de a decisão se revelar desadequada e por isso injusta [14]). E aponta, de outro lado, para o critério de intervenção (a sua necessidade) que implica um juízo de carência probatória qualificada, ao mesmo tempo dando conta da natureza complementar da intervenção do tribunal: serve para o juiz procurar superar dificuldade probatória, efectiva, não para suprir a inércia ou a negligência das partes. Não obstante, cabe também sublinhar que aquele juízo de necessidade não equivale a um juízo de indispensabilidade: este supõe, e aquele não, que o meio de prova seja o único possível - embora a pendência de outros meios de prova tenha peso na avaliação da necessidade de intervenção oficiosa do tribunal.
Referem-se ainda outros requisitos mas externos àquele art. 411º do CPC, como a admissibilidade do meio de prova, requisito este que é na verdade comum a qualquer meio de prova (e que não suscita dificuldades no caso), ou a ideia de que o poder instrutório se deve manifestar em momento processualmente desadequado, o que, independentemente do juízo que possa merecer a sua indicação como requisito autónomo, também não suscita dificuldades no caso [15].
5. Neste quadro, e quanto àquele requisito material, o que se verifica no caso é que o tribunal se deparou com um problema probatório relevante: como se referiu já, a A. alegou que comunicou à R. os dados relevantes, em tempo útil, por email. A R. negou, e a chamada também contestou a alegação. A A. juntou cópia do email relevante mas, pela própria natureza do meio em causa, a cópia apenas contém uma imagem do ficheiro, não revelando o conteúdo deste ficheiro. Uma cópia do ficheiro aberto também não permitia, apenas por si, estabelecer a sua relação com o email (pois tal cópia só reproduz o teor do ficheiro, sem estabelecer qualquer conexão com o email). E por isso o problema não radica na falta de junção do ficheiro/documento (aliás, o ficheiro, enquanto documento, já estava, como referido, junto a estes autos) mas apenas na necessidade de conhecer o seu conteúdo. Donde, aliás, que o regime do art. 423º n.º3 do CPC não releve no caso. Acresce que a chamada invocou ainda o facto de o anexo ter a mesma denominação de outro ficheiro junto ao processo, sendo que este outro ficheiro não era a petição inicial mas um contrato de trabalho, o que constituía um relevante contra-indício da alegação da A.. Por fim, cabe notar que o verdadeiro facto em causa (a comunicação da PI à R., de que o teor do ficheiro anexado ao email é dado instrumental) tem uma natureza central (e mesmo essencial), na economia da acção, pois sem essa comunicação decairia um dos principais pontos de apoio da tese da A.. A testemunha BB tendeu a confirmar o teor do anexo (e deu até uma explicação para a coincidência entre as denominações dos dois referidos diferentes ficheiros) mas trata-se, de um lado, de testemunha com algum interesse na causa, dada a sua ligação directa à A. e aos actuais detentores da A. (seus filhos), o que poderia suscitar dificuldades na compreensão do seu depoimento [16], e, de outro lado, de depoimento que refere facto instrumental (o teor do anexo) controvertido, muito relevante, e facto que o tribunal poderia, sem dificuldade, percepcionar directamente, acedendo ao email, assim superando eventuais dificuldades de avaliação ou, melhor, dando objectividade e mesmo certeza à resolução da questão. Sem que se vislumbrem, naquele momento, meios probatórios igualmente eficazes na superação da controvérsia probatória (tanto que a testemunha também referiu que foi ela quem tratou do envio, sendo por isso outros eventuais depoimentos testemunhais de previsível reduzido impacto). Perante este enquadramento, pode na verdade identificar-se uma situação de dúvida fundada e séria, e fundada objectivamente. E assim também não custa reconhecer a existência de uma situação de carência probatória grave, com directos reflexos no apuramento da factualidade indispensável a uma decisão justa. E por essa via existir uma situação de necessidade de adopção do meio probatório em causa. Sem que, em contrapartida, se possa, no contexto referido, falar de uma situação de grave irresponsabilidade da A., que devesse ter sido levada em conta pelo tribunal para não admitir a diligência.
Donde que, e por intermédio do regime do art. 411º do CPC, seria justificada a actuação probatória desenvolvida.
6. A circunstância de a diligência ter sido solicitada pela parte não afecta o exposto. De uma banda porquanto o próprio regime em causa pressupõe essa possibilidade, contida no segmento normativo «mesmo oficiosamente» pois esta forma de previsão inculca que a oficiosidade acresce à iniciativa das partes, que o regime tolera aquela iniciativa das partes [17]. De outra banda mas sequencialmente, porque aquela oficiosidade não constitui requisito do regime, estando este subordinado apenas a razões materiais (a necessidade da prova em vista da justa composição do litígio). Também assim porque a iniciativa da parte não constitui o exercício de um direito probatório comum, mas apenas uma forma de alertar o tribunal para a possível existência de situação merecedora de realização de diligência probatória, realização esta que está sempre subordinada à avaliação autónoma do juiz (iniciativa aquela que também permite à parte adiantar desde logo as suas razões [18]). O critério decisivo será sempre, pois, a verificação do pressuposto legal, não a iniciativa/vontade da parte. Por fim, porque seria incompreensível que, perante situação em que se justificava a intervenção do tribunal, a iniciativa da parte anulasse o dever de agir do tribunal (e até autorizando manipulações, permitindo à parte potencialmente prejudicada pela diligência probatória evitá-la por simplesmente a requerer). O que releva é que a aplicação do regime do art. 411º do CPC se submete aos mesmos requisitos e valoração quer tal aplicação seja provocada quer surja oficiosamente, pelo que a avaliação não é influenciada ou alterada por força daquela iniciativa. Esta não monta para efeitos do regime. Porque, em último termo, a «necessidade se impõe, por si, desligada da vontade que a parte manifesta na sua realização».
7. Também é certo que se aceita pacificamente, e acertadamente, que, como também já se aflorou, o regime do art. 411º do CPC não serve para suprir a inércia ou negligência da parte. Mas trata-se de afirmação que tem que ser entendida no seu âmbito próprio, justificando-se essencialmente nas situações em que a necessidade probatória, e assim o pressuposto material do art. 411º do CPC, não se verifica (em que o juiz não considera ser materialmente necessária a diligência, não acolhendo solicitação efectuada), surgindo a iniciativa da parte, apelando ao tribunal, apenas como mecanismo de suprimento da insuficiência da sua iniciativa probatória realizada no momento próprio. Trata-se, em suma, de situações em que a parte pretende impor ao tribunal uma actividade probatória a que não tem direito, sem que se verifiquem os pressupostos do art. 411º do CPC, traduzindo-se numa mera tentativa de instrumentalização do mecanismo legal (e aqui sim, em desrespeito ao princípio do dispositivo probatório e às conexas auto-responsabilidade e preclusão). Assim, ela vale para evitar uma aplicação automática do regime para superar falhas das partes [19], não para restringir o seu âmbito de aplicação material. Ou, de forma paralela, valerá também em situações onde o carácter complementar da intervenção do tribunal não se verifica, justamente por a actuação da parte não ter criado as bases da intervenção (é o caso, repetido pelos Autores, da omissão de indicação de testemunhas, que depois a parte quer que sejam oficiosamente inquiridas): sem material probatório, inexiste espaço para a criação da indefinição subjacente à necessidade probatória.
Pretender, como sustenta a recorrente, que «não é legítimo o exercício de poderes inquisitórios, mesmo a coberto da suposta necessidade da descoberta da verdade material, quando a diligência de prova tida por conveniente pelo juiz podia e devia ter sido requerida pelas partes dentro dos prazos previstos no CPC», não tem, nos seus termos absolutos, cobertura legal [20] e contraria mesmo o sistema. Pois do art. 411º do CPC não se retira qualquer contributo para tal tese: a inércia da parte não surge como limite absoluto ao poder inquisitório do tribunal. Tal tese contraria o critério material da solução legal, que assenta na necessidade do meio de prova para alcançar a justa composição do litígio, não visando apenas acudir a situações de necessidade probatória com que a parte não contava (e só nestes poderia a norma tendencialmente funcionar, na tese da recorrente). Contraria ainda dados legais claros, pois em todos os momentos em que a lei processual atribui ao juiz um poder inquisitório, em sede probatória, nunca estabelece aquele tipo de restrições ao exercício desse poder (v. art. 436º, 452º, 477º, 490º, 494º, 526º ou 604º n.º3 al. c) do CPC). E aquela lei processual até acentua a importância desse poder ao permitir que ele seja exercido mesmo após o encerramento da audiência de julgamento, como decorre do art. 607º n.º1 do CPC. Tal tese actua ainda em contrariedade à realidade das coisas pois é na audiência de julgamento [21], ou ao menos em momento em que já se esgotou a possibilidade de as partes oferecerem meios de prova adicionais (tirando situações excepcionais), que em regra se coloca a necessidade probatória que motiva a actividade inquisitória do juiz (e, como se referiu, a actuação em momento processualmente desadequado até é invocada como pressuposto do regime). Tal tese conduziria, também, a esvaziar o conteúdo da regra, reduzida a situações marginais, de escassa verificação prática (em regra, os meios de prova oficiosamente determinados não constituem meios ignorados pelas partes, cuja proposição lhes estivesse vedada).
8. De forma diferenciada, afirma-se que a má fé ou negligência grave da parte pode funcionar como limite ao exercício deste poder-dever. A afirmação é justificada mas não deve ser entendida em termos radicais, face à ratio dos poderes inquisitórios do tribunal, já que estes não dependem da posição (e atitude) das partes, mas da realização de uma finalidade material que é, em grande medida, autónoma face àquela posição das partes. Como se trata de um poder-dever, «a partir do momento em que se aperceba de que a realização de certa diligência probatória é necessária para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, o juiz está vinculado, em princípio, à prática do acto». O conflito com a posição processual censurável da parte só em casos contados poderá justificar a superação daquele (poder-)dever. E por isso se tende, justamente, a adjectivar a inércia das partes, indicando que se deve tratar de situação extrema e muito censurável - situada no âmbito dos «comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes» [22] ou, de forma mais acentuada pelo uso da copulativa, de «conduta grosseira e indesculpavelmente negligente» [citado Ac. do TRC de 26.10.2021, proc. 852/20.8T8FIG-A.C1], ou de «grave inobservância do princípio da autorresponsabilidade» [Ac. do TRL de 11.07.2019, proc. 23712/12.1T2SNT-A.L1-7]. Posição esta que não visa desvalorizar o âmbito do art. 411º do CPC, nem a centralidade dos seus pressupostos materiais, visando apenas realçar a importância de outros valores perante a invocação oportunista do regime daquele art. 411º, para suprir omissão alicerçada numa conduta muito censurável da própria parte.
Sem que, no caso, se justifique invocar estes limites, não se identificando uma conduta da A. susceptível de desencadear este efeito obstativo. Com efeito, a questão surge quando a A. junta documento contendo reprodução física dos emails (em 17.12.2024). A junção é tardia mas legítima (art. 423º n.º2 do CPC e porquanto a junção do documento é sempre admissível, tendo a multa uma função ordenadora), e a A. procurou explicar a junção tardia. Tal junção ocorre já após ter sido proferido despacho saneador (em 05.12.2024), sem realização de audiência prévia como o art. 597º do CPC autorizava, e por isso sem espaço de aplicação do art. 598º n.º1 do CPC (para se requererem novos meios de prova). Mesmo admitindo que, não se realizando a audiência prévia, deve ser concedida às partes a faculdade de alterarem os seus requerimentos probatórios [23], tal possibilidade esgotou-se com o decurso do prazo (supletivo) de 10 dias [24] contado a partir da notificação do despacho saneador (em 09.12.2024), já não sendo viável quando a junção do documento (contendo os emails) é admitida (em 31.01.2025) e, a partir desse momento, se passa a poder discutir a «impugnação» realizada pelas partes (aliás, a R. só vem a pronunciar-se em 31.01.2025, na sequência de despacho que determinou a sua notificação para o efeito, e pese embora a chamada se tenha pronunciado logo em 26.12.2024). Desta forma, nunca se poderia falar de omissão grave e marcadamente indevida, ou de negligência exacerbadamente censurável da A. ao não oferecer em momento próprio o meio de prova em causa [25].
9. A invocação do princípio do dispositivo e da conexa ideia de auto-responsabilidade das partes, no contexto do recurso e num sentido prevalecente, peca por subvalorizar e subalternizar as virtualidades e finalidades do inquisitório legalmente consagrado, tornando-o em grande medida evanescente e residual. Acresce que o confronto entre dispositivo e inquisitório não se joga perante afirmações de princípio (genéricas e absolutas, próprias para avaliações académicas ou para juízos sobre o direito a constituir), mas perante os dados legais existentes e face às concretas circunstâncias presentes no caso que os reclamam, sendo perante estas que aquelas regras legais se jogam (por isso que seja deslocada a invocação de jurisprudência que joga com circunstâncias concretas diferenciadas). Não se ignora que existe uma relação de tensão entre uma solicitada intervenção probatória oficiosa do tribunal, de um lado, e o facto de a parte já ter perdido a possibilidade de impor essa pretensão probatória, por outro lado, o que não tem, na verdade, obtido uma solução uniforme. Mas, no caso, ela resolve-se pela avaliação das circunstâncias do caso, de acordo com os critérios derivados do art. 411º do CPC, o que foi realizado. Por isso se afigura correcta a observação de T. de Sousa quando indica [26] que, nestas situações, o problema a resolver não é tanto o de saber se foram violados pela decisão recorrida os princípios do inquisitório, da preclusão, do contraditório e da igualdade, ou outros, mas muito mais o de determinar se a diligência probatória era necessária para a justa composição do litígio. Que foi o que se fez no caso. Pois, como nota P. Pimenta, «uma vez verificados os pressupostos que lhe impõem exercer as incumbências previstas no art. 411º, é vedado ao juiz justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes» [27] - e descontando as referidas situações extremas ou limite.
Por fim, a invocação do princípio da legalidade é, nos termos em que é realizada (por referência apenas à preclusão [28]), deslocada, pois a oficiosidade inquisitória importa naturalmente que as regras probatórias preclusivas que valem para as partes não surjam como limite daquela actividade inquisitória (de contrário, estaria o juiz vinculado aos momentos de oferecimento de prova das partes, o que ninguém sustenta, muito pelo contrário). O que decorre de forma evidente da letra e da razão de ser da norma (art. 411º citado), e ainda da racionalidade do processo: como se referiu já, é, por via de regra, em audiência que a questão se colocará com maior propriedade e acutilância (e, podendo o juiz utilizar o poder-dever de investigação probatória até ao encerramento da audiência, a verdade é que, por disposição expressa, pode fazê-lo mesmo depois de encerrada a audiência de julgamento, como também referido, o que é a cabal revelação de que os seus poderes inquisitórios não bulem com o princípio da legalidade quanto aos momento da produção da prova). O que vale também para as situações de iniciativa das partes [29].
10. Assim, e atendendo ao regime mais rigoroso derivado do art. 411º do CPC, estaria justificada a decisão impugnada.
11. Do ponto de vista do regime específico da inspecção judicial, o art. 490º n.º1 do CPC condiciona a realização da inspecção a um juízo de conveniência.
A articulação desta norma com o art. 411º do CPC suscita uma dificuldade própria. Pois se, em regra, as normas que prevêem uma intervenção probatória oficiosa do tribunal não fixam as condições dessa intervenção oficiosa (oscilando entre a total omissão dessas condições e a menção de condições escassas, como a referência a factos importantes ou factos que interessem à causa), justificando-se o apelo ao regime geral do art. 411º como critério da decisão (como sustenta, T. de Sousa, o art. 411º do CPC indicaria o quadro de finalidades no âmbito do qual deveria ser exercido o poder inquisitório em cada um dos meios de prova típicos [30]), a verdade é que o art. 490º n.º1 do CPC parece adoptar um critério específico, que parece ter alguma autonomia face ao critério utilizado no art. 411º do CPC. Admite-se, contudo, que a diferenciação seja sobretudo aparente. Assim, aquela conveniência deve ser entendida por referência à finalidade probatória da diligência, e assim enquanto expressão do interesse ou antes da falta de interesse (da inutilidade) probatório da diligência. A diligência seria, assim, inconveniente quando se mostrasse redundante ou desnecessária [31]. Juízo este que teria especial relevo nos casos em que a diligência era requerida pelas partes no momento próprio, manifestando-se como um fundamento específico de indeferimento que na verdade corresponde à falta de necessidade na sua realização [32]. E a diligência seria conveniente, na iniciativa oficiosa, quando expressasse um significado probatório próprio, que contribuísse para a realização da justiça do caso. O que equivalia à sua necessidade probatória. Donde não se alterarem os termos da avaliação [33]. Naturalmente, a ver-se no juízo de conveniência um pressuposto autónomo e menos exigente, assentando apenas num juízo de adequação ou pertinência do meio de prova (em regra associado a um poder discricionário), facilitada ficaria a verificação da legalidade da decisão impugnada.
12. Decaindo no recurso, suporta a recorrente as respectivas custas (art. 527º n.º1 do CPC).
V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Notifique-se.
Datado e assinado electronicamente.
Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).
António Marques da Silva - Relator
Elisabete Valente - Adjunta
Maria João Sousa e Faro - Adjunta
1. L. de Freitas sustenta a aplicação, «com as devidas adaptações», do art. 607º n.º4 do CPC aos despachos (Novos estudos sobre direito civil e processo civil, Gestlegal 2021, pág. 39).↩︎
2. R. Pinto, Manual do recurso civil, vol. I, AAFDL 2020, pág. 78.↩︎
3. A. Varela/M. Bezerra/S. e Nora, Manual de processo civil, Coimbra editora 1985, pág. 688.↩︎
4. Neste sentido, v. A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, in CPC Anotado, vol. I, Almedina 2023, pág. 593.↩︎
5. Naturalmente, sendo realizada na própria audiência de julgamento, este auto coincide com a acta da diligência (sendo que, no limite, a acta é um auto presidido pelo juiz - v. art. 159º e 160º e 155º n.º7 do CPC).↩︎
6. Tendo expressão particular depois nas normas que regulam a actividade instrutória das partes.↩︎
7. Superando uma visão estritamente liberal do processo (e do Estado).↩︎
8. Justificando esta solução, pacificamente aceite, v. Nuno Lemos Jorge, Os poderes instrutórios do juiz: alguns problemas, Julgar 3, 2007, pág. 62 e ss..↩︎
9. Acentuando esta vertente, por todos, Ac. do TRC de 26-10-2021, proc. 852/20.8T8FIG-A.C1 (em 3w.dgsi.pt, fonte onde se localizam todos os demais acórdãos citados).↩︎
10. Processo Civil Declarativo, Almedina 2023, pág. 388 nota 920.↩︎
11. T. de Sousa, CPC Online, anotação ao art. 411º, pág. 19.↩︎
12. L. Freitas e I. Alexandre, CPC Anotado, vol. 2º, Almedina 2022, pág. 208, ou L. do Rego, Comentário ao CPC, Almedina 2004, pág. 260 (em termos válidos para o actual regime), ou Ac. do TRC de 25.10.2022, proc. 4322/21.9T8LRA-A.C1.↩︎
13. TRG de 12.05.2016, proc. 3/14.8TJVNF.G1.↩︎
14. A realidade histórica é irrecuperável; a verdade processual constitui apenas uma aproximação àquela, mas uma aproximação que se pretende o mais rigorosa possível.↩︎
15. Sobre estes requisitos, Nuno Lemos Jorge, ob. cit., pág. 74/75 em conclusão, com acolhimento jurisprudencial (v. Ac. do TRG de 14.05.2020, proc. 659/18.2T8GMR-A.G1 ou Ac. do TRP de 23.01.2023, proc. 2518/21.2T8VNG-A.P1).↩︎
16. Note-se que se não trata aqui de avaliar a credibilidade da testemunha ou o valor persuasivo do seu depoimento (avaliação obviamente indevida nesta sede), mas apenas de destacar factores que o tribunal poderia e deveria levar em conta.↩︎
17. Assim, L. Freitas e I. Alexandre, ob. cit., pág. 208; também T. de Sousa assinala ao poder inquisitório uma vertente passiva, permitindo que o tribunal aceite que a parte proponha ou requeira uma prova quando tal já não era admissível - CPC online anotação ao art. 411º, pág. 16.↩︎
18. Razões que, por força do contraditório, teria que ter oportunidade para indicar mesmo em caso de estrita oficiosidade.↩︎
19. Seguindo-se A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, ob. cit., pág. 523/4.↩︎
20. E não é, de todo, sustentado unanimemente pela jurisprudência, como a recorrente pretende. O que a jurisprudência faz é avaliar a iniciativa da parte à luz da sua responsabilidade e da necessidade do meio probatório.↩︎
21. Embora seja sustentado que o momento ajustado para o exercício deste poder-dever seria a audiência prévia (posição esta que aqui se não discute), a prática judiciária tende a centrar-se na audiência de julgamento.↩︎
22. L. do Rego, ob. cit. pág. 533 (em termos também aqui válidos para o actual regime legal).↩︎
23. Solução que, embora não pacífica, é dominantemente aceite.↩︎
24. Abstraindo da posição, minoritário, que apela a um prazo de 20 dias.↩︎
25. Aliás, são inúmeras as situações em que se aceita a junção de prova que era notoriamente disponível pela parte no momento legalmente determinado para a sua junção (v., a título exemplificativo, o Ac. do TRP de 08.09.2020, proc. 2856/15.3T8AVR-D.P1), justamente porque o critério material da junção prevalece e só em situações limitadas se lhe deve opor a inércia (muito) censurável da parte.↩︎
26. Adaptando-se ao caso a sua posição, colhida em Jurisprudência 2019 (21), de 16.05.2029 (no Blog do IPPC, online) sem, crê-se, alterar o seu sentido significativo↩︎
27. Ob. cit., pág. 388.↩︎
28. Naturalmente, as demais regras imperativas também valem para o tribunal (que não pode determinar a audição de parte como testemunha, por exemplo).↩︎
29. Referindo justamente T. de Sousa que a regra permite que o tribunal aceite uma prova proposta pela parte quando, em função do estado do processo, tal já não podia acontecer (CPC online cit., pág. 16)..↩︎
30. No CPC online, anotação ao art. 411º, pág. 16.↩︎
31. Assim, A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, ob. cit., pág. 490.↩︎
32. É sobretudo nestas situações que se coloca o problema de estar em causa um poder discricionário ou antes um poder vinculado, problema que não tem recebido resposta unívoca. Nota-se que, de qualquer modo, a atribuição de uma natureza discricionária não seria obstáculo à admissão do recurso (art. 630º n.º1 do CPC) porquanto o recurso discute as condições legais do juízo probatório, e não apenas a sua oportunidade (discricionariedade).↩︎
33. Em sentido concorrente, v. por exemplo Ac. do TRL de 14.02.2023, proc. 28984/18.5T8LSB-A.L1-7↩︎