RESPONSABILIDADES PARENTAIS
VISITAS
PROCESSO PENAL
PROCESSO PENDENTE
Sumário

Sumário:
I. Estando pendente um processo onde se investiga crime de natureza sexual sobre a criança e no qual, decorrido quase dois anos, o progenitor não foi constituído arguido justifica-se, no processo de regulação das responsabilidades parentais, o alargamento do regime de convívios do pai à criança, quando, para além do mais, esta manifestou vontade nesse sentido e o CAFAP observou em contexto de visitas, durante o período de um ano, a existência de cumplicidade e afetividade entre a criança e o progenitor.
II. Por ocorrer risco de incumprimento do regime alargado de convívios fixado é de determinar o acompanhamento da sua execução pelos serviços de assessoria técnica, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 6 do RGPTC.

Texto Integral

Acordam as juízas da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.

No P. 3646/23.5T8PTM-C de regulação do exercício das responsabilidades parentais que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Família e Menores de Portimão - Juiz 1, iniciado por requerimento de AA contra BB, pais da criança CC, nascida em ...-...-2018, foi proferida decisão provisória, datada de 10-12-2024, que manteve o regime de visitas, a ocorrer por via do CAFAP, ou através de acordo entre os progenitores, devendo neste caso contar com a supervisão de um terceiro, que o Tribunal admitiu poder ser a avó paterna.

1. O regime provisório fixado em 10-12-2024 tem o seguinte teor (transcrição):

“Tendo presente o estado dos autos, impõe-se no imediato decidir a questão reportada às visitas/contatos do pai com o menor.

Nessa óptica, tendo presente o promovido pelo Ministério Público, sem se olvidar a posição do progenitor, importa em primeiro lugar fazer realçar que o regime de visitas vigente assenta num regime de contactos por via do CAFAP, admitindo o Tribunal que perante o acordo dos progenitores e nos termos em que o concretizem que o menor possa ter outros contactos com o progenitor.

Ante tal quadro e em segundo lugar, será de responder à pregunta: estarão reunidas as condições para se alterar tal regime nos termos solicitados pelo pai?

Na resposta a tal questão temos em primeiro lugar que do evidenciado pelo CAFAP as visitas entre filho e progenitor decorreram de forma perfeitamente normal havendo vontade do menor em estar com o pai e não havendo igualmente reporte de situações de natureza sexual que tenham decorrido no contexto de tais visitas, o que aponta em certa medida para a expansão das visitas; sucede que noutro quadrante o Tribunal não pode ignorar a circunstância de o relatório pericial médico legal no âmbito da psicologia não afastar a possibilidade da presença de abusos quando afirma que se consegue identificar alterações psicológicas, sociais e físicas que em conjunto com a presença de comportamento bizarros de natureza sexual permitem classificar como possível a existência de abusos de natureza sexual, o que aponta no sentido de que caso haja contactos do menor com o pai os mesmo ocorram com alguma cautela que mais não seja até melhor luz se fazer sobre a situação.

Nessa circunstância na ponderação dos interesses em jogo (e não deixando de ter presente o previsto no art.º 28.º do RGPTC e no art.º 1906.º e ss. do CC), ou seja do interesse do pai em estar com o menor e do superior interesse deste em também ter contactos com o seu pai (que é o que indica o CAFAP que serão profícuas para ambas as partes), não deixando de se olvidar também o interesse do mesmo em que ainda assim haja alguma precaução em tais contactos posto que os termos do relatório já referido não deixa de levantar algumas interrogações quanto a eventuais abusos que reclamarão a proteção do menor no contexto em que se encontra, decide-se nesta fase ainda embrionária do processo e por ora manter as visitas nos termos em que estão fixadas ou seja, a ocorrerem por via do CAFAP , ou a ocorrerem através de acordo dos progenitores e nos termos em que os mesmo acordem, devendo neste caso as mesmas contar com a supervisão de um terceiro que o Tribunal admite que possa ser a avó paterna.

Aqui chegados importando definir um rumo a seguir nos autos, deverão os mesmos aguardar por 30 dias no que diz respeito à evolução do processo crime reequacionando-se então os termos a seguir no processo.

Notifique.”

2. Inconformado com tal decisão o requerido interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):

«1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida em 10.12.2024 , que indeferiu a alteração do regime provisório instituído e manteve o de visitas supervisionadas pelo CAFAP (de duas horas por semana),

2. Para assim julgar, bastou-se a douta sentença ora recorrida com a pendência do procedimento criminal intentado pela progenitora em momento imediatamente anterior à propositura do presente processo de regulação das responsabilidades parentais. (por pretensos abuso de natureza sexual do progenitor relativamente ao menor)

3. Ora, no entender do Apelante, não só o que decorre daqueles autos de processo crime não autoriza tal decisão, como todos os demais elementos carreados para os presentes autos são relevadores que os facto participados pela progenitora são infundados e inconsubstanciados.

4. Releva para análise do presente recurso o histórico procedimental e o conteúdo do processado. Assim,

5. Em 12.12.2023 o Tribunal a quo proferiu douto despacho que fixou a residência do menor exclusiva com a progenitora e decidiu afastar o menor de convívios com o progenitor privando-o dos direitos de visita, sem audição prévia do progenitor e estribada, exclusivamente, em argumentação expendida pela progenitora na sua petição inicial, não tendo sido ouvidas quaisquer testemunhas ou técnicos.

6. Nas duas sessões da primeira conferência de pais realizadas nos dias 06 e 18 de Março de 2024, foram ouvidos os progenitores e o menor.

7. Das declarações do menor não se extraiu a ocorrência de factos de natureza sexual entre pai e filho, tal como concedeu o Tribunal na acta, então lavrada,

8. Não obstante, o Tribula decidiu fixar, ulteriormente, visitas supervisionadas pelo CFAP, que decorreram entre os meses de Junho e Dezembro de 2024 (primeiramente de uma vez por semana, por períodos de 60 a 120 minutos).

9. Dos relatórios elaborados pelo CAFAP e secundados pelas declarações prestadas em juízos pelos técnicos da equipa que supervisionaram as visitas ressalta a existência de cumplicidade e afectividade entre a criança e o progenitor, não havendo qualquer recusa por parte daquele em estar na presença deste, e da verbalização do menor pretender a companhia do pai e manifestar ensejos de com ele conviver, bem como com os demais familiares ( irmã , tios, e avó paterna) fora daquele espaço.

10. Até à presente data não foi deduzida qualquer acusação no processo com o nº 3046/23.7... ( ainda em sede de Inquérito) a que estes autos alude, e foi, por duas vezes, recusada, pelo ministério Público a constituição do progenitor como arguido, por não se considerado interveniente no mesmo.

11. Da documentação extraída daqueles autos de inquérito 3046/23.7... concretamente o relatório pericial de natureza sexual de onde não se extrai qualquer tipo de lesão ao menor e o relatório da perícia de psicológica médico legal.

12. Nenhum elemento ora juntos aos autos indiciam a existência de traumas ou memórias compatíveis com os relatos efetuados pela progenitora.

13. As alusões ínvias insertas nos relatórios da perícia de natureza sexual e o da perícia médico-legal psicológica - que instruem aquele Inquérito - enfermam de incorreção de metodologia e inquinado de ausência de rigor técnico e científico, por falta de fundamentação teórica e/ou empírica para a análise de resultados obtidos com as provas aplicadas em contexto forense.

14. O registo áudio trazido aos autos pela progenitora não foi objeto de perícia técnica seja, quanto à sua fidedignidade de tempo, modo e lugar, seja de análise sobre a modelação e sugestionabilidade que o discurso e conduta da progenitora inflecte no menor aquando de tal registo.

15. Em face de todo o sobredito, não pode o Apelante conformar-se com a douta decisão por, no seu entender e salvo o devido respeito, inexistir fundamento que alicerce o sentido decisório tendo em conta a globalidade de elementos constantes nos autos que constatam que o Apelante não actuou, nem sequer de forma indiciária, de forma moral ou criminalmente censurável contra o seu filho.

16. Ao assim julgar, o tribunal a quo desconsiderou o superior interesse do menor e proferiu decisão contrária ao mesmo, qual seja, o direito de conviver com o pai.

17. Pelo que e por forma a proteger aquele superior interesse, deverá a decisão ora posta em crise ser revogada e substituída por outra que determine a alteração do regime provisório de molde a ser concedido o direito de visitas diárias –não inferiores a três por semana -ao progenitor, sem a supervisão do CAFAP, ainda que a entrega e recolha do menor seja efectuada na casa da avó paterna, o que salvaguardará o superior interesse do menor.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão que manteve o regime provisório fixado, decidindo-se pela alteração do mesmo por forma a ser concedido ao progenitor o direito de visitas diárias, não inferiores a três por semana, sem a supervisão do CAFAP, ainda que a entrega e recolha do menor seja efetuada na casa da avó paterna. (…)”.

3. Nas contra-alegações o Ministério Público alegou o seguinte (transcrição):

«(…) Objecto do Recurso

Atendendo ao disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, e em conformidade com a generalidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, o âmbito de recurso encontra-se delimitado e define-se pelas conclusões que o apelante extrai das alegações de recurso, sem prejuízo do Tribunal ad quem apreciar questões de conhecimento oficioso, devendo as conclusões ser precisas e claras, tendo por base que as questões nelas sumariadas serão objecto de decisão.

Assim, todas as questões de mérito que tenham sido apreciadas na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do apelante, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de ser consideradas decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o Tribunal de recurso.

Posto isto, em apertada síntese, consideramos que o apelante invoca como fundamentos do recurso a sua discordância relativamente à valoração dos elementos probatórios que fundamentaram a manutenção do regime de visitas, alegando que o que decorre do processo crime não autoriza tal decisão, e os demais elementos carreados para os autos são reveladores que os factos participados pela progenitora são infundados.

Ademais, as alusões insertas nos relatórios de perícia psicológica e de natureza sexual enfermam de incorrecção metodológica, estando inquinados de ausência de rigor técnico e científico, conforme parecer que o apelante junta com as suas alegações.

Em nosso modo de ver, salvo o devido respeito por opinião distinta, o apelante carece de razão.

III – Da Resposta às Alegações apresentadas

Estamos perante um processo de jurisdição voluntária, em que, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, e em que, atenta a sua especificidade - processo de regulação das responsabilidades parentais no âmbito do Regime Geral do Processo Tutelar Cível - o tribunal, deve adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna em defesa do superior interesse da criança, já que este, se assume, como o valor fulcral ou fundamental do processo, sendo esse interesse que deve presidir a qualquer decisão no âmbito da regulação das responsabilidades parentais.

Quando chamado a intervir na regulação das responsabilidades parentais, deve o tribunal nortear-se pela consideração plena e exclusiva do interesse da criança, nos termos previstos nos arts. 1906º nº 5 e 7do Código Civil, ou seja, pelo seu direito a um desenvolvimento são e normal no plano físico, moral, intelectual e social, em condições de liberdade e dignidade, tal como resulta da Lei Fundamental e da Convenção Sobre os Direitos da Criança.

Nos termos do disposto no art.º 40º, do R.G.P.T.C., “Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”.

Vemos, assim, que na regulação do exercício das responsabilidades parentais deverão ser observados, entre outros, os princípios fundamentais do interesse da criança e da igualdade entre os progenitores, atendendo-se, prioritariamente, ao interesse do menor, sem prejuízo da consideração de outros interesses legítimos que concorram no caso concreto.

Atentando no caso sub iudice, embora não se ignore que, na data em que foi proferido o despacho colocado em crise, o recorrente não havia sido constituído arguido, certo é que no inquérito crime consta um relatório psicológico, tendo o Senhor Perito identificado alterações psicológicas, físicas e sociais, que em conjunto com a presença de comportamentos bizarros de natureza sexual permitem classificar como possível a hipótese da presença de abusos de natureza sexual, verificando-se que o titular do dito processo pondera a possibilidade de proceder, novamente, à audição da criança para memória futura.

Como bem se esclarece no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.3.2024, proferido no proc. 2979/22.2T8SNT-B.L1-6, acessível para consulta em www.dgsi.pt, , o direito de visitas é pensado de modo a salvaguarda do superior interesse da criança, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, psíquico e emocional, visando o estabelecimento de laços afectivos e emocionais com o progenitor não guardião e deve ser desenhado de acordo com as concretas circunstâncias do caso, nomeadamente da existência, ou não, de anteriores contactos e convivência, a idade da criança e até o posicionamento dos pais em relação aos filhos e contactos com o outro progenitor.

Só excepcionalmente esse direito de visitas pode ser afastado ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante (artº 40º nº 3 do RGPTC), designadamente quando as circunstâncias concretas do caso o desaconselhem, por existir algum tipo de risco efectivo, psicológico, emocional ou físico para a criança.

Porém, como se referiu acima, o Direito de Visitas ao progenitor não guardião, não pode estar dissociado do superior interesse do filho e do seu bem-estar psíquico e emocional. O mesmo é dizer que quando o direito de visitas entra em conflito com o interesse da criança é o interesse da criança que deve prevalecer.

Ora, no caso em análise, como se salientou no despacho recorrido, o relatório psicológico demanda que os contactos com o pai ocorram com alguma prudência, até que melhor luz se faça sobre a situação.

Nessa medida, de acordo com os elementos carreados até esse momento, é acertada a decisão de manutenção das visitas supervisionadas no CAFAP.

Deve, por isso, ser julgado improcedente o recurso e manter-se a decisão recorrida. (…).».

4. Notificada a progenitora das alegações do progenitor (ref. 13255158) e das contra-alegações apresentadas pelo MP (135445111) aquela silenciou.

5. Concedidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Os factos com relevância para a decisão do recurso são os constantes deste relatório e os que adiante se assinalarão.

II. Análise do recurso

1. O apelante invoca como fundamentos do recurso a sua discordância relativamente à valoração dos elementos probatórios que fundamentaram a manutenção do regime de visitas, alegando que o constante do processo crime não autoriza tal decisão, e os demais elementos carreados para os autos são reveladores que os factos participados pela progenitora são infundados.

Depois salienta que as alusões insertas nos relatórios de perícia psicológica e de natureza sexual (constantes do processo crime) enfermam de incorreção metodológica, estando inquinados de ausência de rigor técnico e científico, conforme parecer que o apelante junta com as suas alegações.

Por fim, o recorrente considera padecer a decisão recorrida de falta de fundamentação.

2. O presente recurso foi interposto da decisão provisória proferida em 10-12-2024, que indeferiu a alteração do regime provisório instituído em 12-12-2023 e manteve as visitas do pai à criança supervisionadas pelo CAFAP (de duas horas por semana).

O apelante progenitor considera, todavia, não existir fundamento que alicerce o sentido da decisão recorrida face à globalidade de elementos constantes do processo dos quais resulta que (cf. conclusão 15):

1- Nenhum elemento indicia a existência na criança de lesão física, trauma ou memórias compatíveis com os relatos efetuados pela progenitora;

2- Os relatórios da perícia de natureza sexual e o da perícia médico-legal psicológica, que instruem o processo de Inquérito, enfermam de incorreção de metodologia e estão inquinados de ausência de rigor técnico e científico, por falta de fundamentação teórica e/ou empírica para a análise de resultados obtidos com as provas aplicadas em contexto forense;

3- O registo áudio apresentado pela progenitora não foi objeto de perícia técnica seja, quanto à sua fidedignidade de tempo, modo e lugar, seja de análise sobre a modelação e sugestionabilidade que o discurso e conduta da progenitora inflete no filho aquando de tal registo.

Acresceria, na perspetiva do arguido, resultar provado que:

4- No processo com o n.º 3046/23.7... (ainda em sede de Inquérito) até à presente data não foi deduzida qualquer acusação (conclusão 10);

5- Nesse Inquérito já foi, por duas vezes, recusada, pelo Ministério Público a constituição do apelante como arguido, por não ser considerado interveniente no mesmo.

6- Das declarações da criança produzidas neste processo de RRP não resultou a ocorrência de factos de natureza sexual entre pai e filho, tal como admitido pelo tribunal (conclusão 7);

7- Das visitas realizadas no CAFAP ressalta a existência de cumplicidade e afetividade entre a criança e o progenitor, não havendo qualquer recusa por parte daquele em estar na presença deste, e da verbalização do filho pretender a companhia do pai e manifestar ensejos de com ele conviver, bem como com os demais familiares (irmã, tios, e avó paterna) fora daquele espaço (conclusão 9).

Salienta o recorrente que a decisão recorrida de manutenção do regime provisório se fundamentou tão só na pendência do procedimento criminal despoletado pela progenitora em momento imediatamente anterior à propositura do presente processo de RRP (por pretenso abuso de natureza sexual do progenitor relativamente ao filho).

Analisando o despacho recorrido o Tribunal a quo, não se pode deixar assinalar que o mesmo se mostra suficientemente fundamentado quanto às razões que conduziram à manutenção do regime provisório anteriormente fixado, a saber:

- A circunstância de o relatório pericial médico legal no âmbito da psicologia não afastar a possibilidade da presença de abusos quando afirma que se consegue identificar alterações psicológicas, sociais e físicas que em conjunto com a presença de comportamento bizarros de natureza sexual permitem classificar como possível a existência de abusos de natureza sexual, o que aponta no sentido de que caso haja contactos do menor com o pai os mesmo ocorram com alguma cautela que mais não seja até melhor luz se fazer sobre a situação.

- O interesse da criança reclama alguma precaução em tais contactos posto que os termos do relatório já referido não deixa de levantar algumas interrogações quanto a eventuais abusos que reclamarão a proteção do menor no contexto em que se encontra.

Assim, ao contrário do alegado pelo progenitor não se pode concluir pela falta de fundamentação do despacho recorrido.

Em todo o caso, tendo em consideração a restante fundamentação constante da mesma decisão provisória (cf. I. ponto 1 deste Acórdão) e, ainda, os elementos existentes do processo não se pode deixar de notar que:

- A presente ação de regulação do exercício das responsabilidades foi intentada, em 8-11-2023, pela requerente mãe contra o requerido progenitor, relativamente ao filho de ambos, nascido em ...-...-2018, relatando factos passíveis de configurar a prática de crimes de violência doméstica e de abuso sexual na pessoa da criança por parte do requerido.

- Em 12-12-2023 foi fixado um regime provisório no qual, com base no relatado pela progenitora a fls. 2 e segs. e 25 e segs. e atendendo ao teor de fls. 33 e 49 segs., o Tribunal concluiu pela existência de elementos perturbadores e resolveu fixar a residência da criança em exclusivo junto da mãe sem fixação de regime de visitas entre a criança e o pai atenta a eventualidade da existência de contactos de natureza sexual entre o progenitor e o filho.

- Depois em 18-03-2024 a criança foi ouvida pelo tribunal, tendo o julgador concluído que das declarações da criança não se extraíam quaisquer atos do pai sobre o filho de natureza sexual e que a criança revelou ter presente o dissídio existente entre os pais e mostrou abertura para voltar a contactar com o pai (cf. despacho judicial de 18-03-2024).

- Os progenitores, entretanto, alcançaram entendimento na sequência do qual o pai almoçou, no dia 19-03-2024 com o filho, na companhia da tia paterna da criança, indo buscá-lo à escola no termo das atividades letivas da manhã;

- Na sequência do pedido dirigido ao CAFAP foram iniciados em 11-06-2024 contactos do pai à criança na presença dos técnicos, tendo os intervenientes sido assíduos e pontuais.

- O CAFAP assinalou que as visitas entre o filho e o progenitor decorreram de forma perfeitamente normal havendo vontade de a criança estar com o pai e não havendo igualmente reporte de situações de natureza sexual que tivessem decorrido no contexto de tais visitas, tendo sido apontada a possibilidade de uma expansão das visitas;

- Depois em 10-10-2024 o CAFAP voltou a informar que nos encontros semanais com duração de 120 minutos a criança mostrava-se sempre entusiasmada por ver o progenitor, procurando-o, assim que chegava à sala para o abraçar e no decorrer dos encontros familiares procurava o contacto físico com o progenitor (colo; abraços e outras manifestações de afeto) sendo o pai bastante adequado em todas as brincadeiras criadas em conjunto. O CAFAP fez notar que embora a duração do encontro familiar fosse de 120 minutos a criança continuava a mostrar resistência em ir embora, mantendo temas de diálogo e brincadeiras com o progenitor para prolongar as visitas. Verbalizando inclusive vontade de ficar mais tempo com o progenitor fora do centro do CAFAP (andar de mota; cozinhar, partilhar refeições com o pai e elementos da família com a irmã, o padrinho ou a avó). Tendo sido observado cumplicidade e afetividade entre a criança e o progenitor, não havendo qualquer recusa por parte da criança em estar na presença do progenitor.

- A progenitora em 15-11-2024 juntou um áudio ao processo com a respetiva transcrição tendo esclarecido ter sido realizada por ela própria e na qual colocou questões à criança para que esta falasse sobre o suposto abuso.

- Em 28-11-2024 apesar de o progenitor ter solicitado a fixação de visitas ao filho na casa da avó paterna e na presença da tia paterna, sugerindo que as mesmas ocorressem dois sábados das 10:00 às 18:00 horas com entrega na casa da avó paterna e recolha na mesma, o tribunal manteve as vistas via CAFAP, sem prejuízo de os progenitores poderem acordar em outros contactos.

Tendo em consideração o referido cumpre apreciar se, no presente momento processual se se justificava um alargamento provisório dos convívios da criança com o pai, perante a pendência de um processo crime onde se investiga um eventual abuso sexual sobre a criança e no qual foi realizado um relatório pericial em que essa possibilidade é admitida face aos comportamentos sexualizados da criança (que se desconhecem quais sejam, nem perante quem foram exteriorizados ou quem os presenciou – o relatório é dúbio quanto a essa matéria).

No referido processo de Inquérito com o n.º 3046/23.7... intentado no ano de 2023 no qual se investiga a prática de crime de natureza sexual na pessoa da criança o progenitor até à data não foi constituído arguido.

Tendo decorrido, entretanto, mais de um ano desde que se iniciaram os contactos da criança com o pai no CAFAP e revelando o CC, agora com seis anos de idade (nasceu a ...-...-2018), interesse em almoçar com o pai e manter com ele contactos fora do CAFAP bem como a restante família e sendo evidente a cumplicidade e afeto entre a criança e o pai, não tendo, por outro lado, este sido constituído arguido e sujeito a qualquer medida coativa (cf. artigo 40.º, n.º 9 do RGPTC) justifica-se que, no interesse superior da criança seja respeitada e considerada a sua opinião e vontade, embora salvaguardando a sua segurança, face às suspeitas lançadas sobre a pessoa do progenitor na sequência do conflito parental determinando-se, que tal como sucedeu no dia do pai (em 19-03-2024) que:

- A criança uma vez por semana almoce com o pai na presença da avó paterna de acordo com os horários e interesses daquela (ex: terça-feira);

- Sem prejuízo do referido e por ocorrer risco de incumprimento do ora decidido determina-se que haja acompanhamento da execução do regime ora estabelecido pelos serviços de assessoria técnica, até à fixação de um regime definitivo (tudo nos termos do artigo 40.º, n.º 6 do RGPTC);

- Os serviços de assessoria técnica informarão o tribunal sobre a forma como decorre a execução da decisão agora fixada, com periodicidade semanal, sem prejuízo de articulação com o CAFAP.

- A criança continuará a manter contactos com o pai no CAFAP de acordo com o delineado por esta instituição;

O regime agora fixado não inviabiliza, naturalmente, o Tribunal a quo de ir alargando o regime de convívios do pai à criança de acordo com os interesses desta e na sequência das informações semanais prestadas pelos serviços de assessoria técnica.

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente parcialmente o recurso de apelação interposto, alterando-se a decisão provisória recorrida, fixando-se quanto ao regime de convívios o seguinte:

1- A criança uma vez por semana almoçará com o pai na presença da avó paterna de acordo com os horários e interesses daquela com recolha e entrega em moldes semelhantes aos ocorridos no dia do pai do ano de 2024 (ex: terça-feira);

2- Sem prejuízo do referido, por ocorrer risco de incumprimento do ora decidido determina-se que haja acompanhamento da execução do regime ora estabelecido pelos serviços de assessoria técnica, até à fixação de um regime definitivo (tudo nos termos do artigo 40.º, n.º 6 do RGPTC);

3- Os serviços de assessoria técnica informarão o tribunal sobre a forma como decorre a execução da decisão agora fixada, com periodicidade semanal, sem prejuízo de articulação com o CAFAP.

4- A criança continuará a manter contactos com o pai no CAFAP de acordo com o delineado por esta instituição;

5- Em tudo o mais mantém-se a decisão provisória proferida.

O regime agora fixado não inviabiliza que o Tribunal a quo defina horários e locais de recolha e entrega da criança bem como alargue o regime de convívios do pai à criança de acordo com os interesses desta e na sequência das informações semanais prestadas pelos serviços de assessoria técnica.

Sem custas.

Évora 25-06-2025.

Beatriz Marques Borges

Rosa Barroso

Carla Francisco