NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADITÓRIO
Sumário

Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)

Não se verifica a invalidade formal traduzida na causa de nulidade de sentença por omissão de pronúncia quando o Tribunal recorrido se pronuncia naquela, julgando-a(s) infundada(s), sobre questão(es) invocada(s) pela Requerida em requerimento em que exerceu o contraditório concedido expressamente por despacho proferido pelo Tribunal a quo anteriormente à prolação da sentença.

Texto Integral

Apelação nº 1928/24.8YLPRT.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre-Juízo Local Cível de Elvas-Juiz 2


Apelante: AA


Apelado: BB


***


*


Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:


I – RELATÓRIO


Em 08/10/2024 BB apresentou junto do Balcão Nacional do Arrendamento (doravante apenas BNA), contra AA, requerimento de despejo com fundamento no disposto no n.º 3 do artigo 1083.º do Código Civil (doravante apenas CC), relativo à fracção sita na Rua 1, objecto de contrato de arrendamento outorgado entre o primeiro e a segunda em 01/05/2024.


O Requerente alegou, então, o seguinte:


“1 - O Requerente é dono e legítimo proprietário do prédio urbano , sito na Rua 1, freguesia de ..., concelho de Local 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 555 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 212, cfr. Docs nºs 1 e 2;


2 - Em virtude da celebração de contrato de arrendamento para fins habitacionais em 01/05/2024, com início na mesma data, o ora Requerente de de arrendamento à Requerida a referida fracção, conforme resulta do contrato de arrendamento que se junta sob Doc. 3 e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos.


3 - Entre as partes foi convencionado e fixado o valor de 300,00 € (trezentos euros), a pagar pela Requerida à Requerente a título de renda mensal, impreterivelmente, até ao dia 8 (oito) do mês a que respeita.


4 - Sucede que, desde 08/06/2024 até à presente data, a Requerida não procedeu a pagamento da renda mensal convencionada, pese embora as diligências encetadas pelo Requerente nesse sentido, cfr. Docs. 4 e 5.


5 - Pelo que, a Requerida deve presentemente ao Requerente, a título de rendas vencidas e não pagas, a quantia de 1.200,00€ (mil e duzentos euros).


6 - Consequentemente, em 22/08/2024, foi remetida à Requerida carta registada com aviso de recepção, tendo por objectivo a comunicação da resolução do contrato de arrendamento, nos termos do n.º 3, do art.º 1083º do Código Civil, bem como do valor em dívida ao Requerente (900,00€), referente, àquela data, às rendas dos meses de Junho, Julho e Agosto.


7 - Tendo a mesma sido recepcionada pela ora Requerida em 23/08/2024, havendo-se a Requerida notificada nesta mesma data, cfr. Doc. 5.


8 - Assim sendo e nos termos do n.º 5 do Art.º 15º do NRAU, o pedido de rendas, encargos ou despesas no ámbito do presente Procedimento Especial de Despejo, é admissível “desde que tenha sido comunicado à arrendatária o montante da dívida”, o que efectivamente sucedeu, cfr. Doc 5.


9 - Nos termos supra expostos, na presente data, a Requerida encontra-se em dívida para com o Requerente, no valor global de 1.200,00€ (mil e duzentos euros), referente às rendas vencidas e não pagas, relativas aos meses compreendidos entre Junho e Setembro do ano de 2024.


10 - Além dos respectivos juros de mora, ao referido valor, acrescem ainda as rendas vincendas até efectiva desocupação do imóvel arrendado, de pessoas e bens.


Nestes termos, requer a V.Exa a condenação da Executada no pagamento da quantia global de €


1485,77 (mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), referente às rendas em dívida (1.200,00€), juros (9,89€), taxa de justiça (25,50€) e despesas de cobrança (250,00€) acrescida ainda de rendas e juros vincendos até efectivo e integral pagamento, despejas judiciais, todas as quantias asseguradas pelo Exequente a título de custas judiciais e honorários devidos à Ilustre Agente de Execução e custas de parte”.


Foi expedida em 10/10/2024 notificação à Requerida por carta registada com aviso de recepção, nos termos e para os fins do disposto no artigo 15-D, da Lei n.º 6/2006 de 27/02.


A aludida carta veio devolvida com menção na mesma “recusado” a 15/10/2024.


Foi, então, expedida em 12/11/2024 à Requerida nova carta registada com aviso de recepção nos mesmos moldes da anterior constando declarado no aviso de recepção que a 15/11/2024 foi a dita carta para citação depositada no receptáculo postal domiciliário da Requerida na “impossibilidade de entrega”.


A Requerida não interveio nos autos pelo que a 26/02/2025 o BNA converteu o requerimento de despejo em título para desocupação do locado ao abrigo do disposto no artigo 15–E do NRAU e enviou ao Tribunal a quo o presente procedimento especial de despejo, “nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 15 EA da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro.”


Em 03/03/2025 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:


“Antes de mais, notifique a requerida para, querendo, se pronunciar, no prazo de cinco dias, quanto ao pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio, advertindo-se, contudo, que em virtude da falta de dedução de oposição, encontra-se precludida a possibilidade de alegação de fundamentos que visem obstar à constituição do título para a desocupação do locado, que, inclusivamente, já se encontra emitido.”


Em 14/03/2024 a Requerida enviou aos autos por e-mail articulado de resposta à notificação expedida onde requereu a final que:


“a) Que se notifique a Câmara Municipal de Local 1, o Instituto da Segurança Social, IP e o IHRU, IP, para, com carácter de urgência solucionem a carência habitacional do agregado familiar, em função do pedido efetuado pelo requerente, uma vez que aquele é manifestamente vulnerável, à luz de todos os parâmetros exigíveis para esta classificação, tudo nos termos e para os efeitos do art.º 13.º da lei n.º 83/20189 de 3 de setembro e art.º 4.º do Decreto-lei n.º 89/2021, de 03 de novembro;


b) Seja concedida uma moratória de 90 dias à requerida, para procurar outro local para habitar, recorrendo ao mercado habitacional do arrendamento, fixando-se um valor a ser pago mensalmente ao requerente, a título de compensação pela dilação da entrega do locado.


c) Que, em virtude do supra exposto, não seja concedido, antes de corrido o prazo referido na alínea b), o pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio.”


A 28/03/2025 o Tribunal a quo proferiu decisão final da qual consta o seguinte dispositivo:


“VII. Decisão


Pelo exposto, decide-se:


a) Julgar verificada a exceção dilatória de erro na forma do processo/uso indevido do processo e absolver a Ré da instância relativamente ao pedido de condenação no pagamento das quantias indemnizatórias devidas até ao momento da restituição.


b) Homologar a desistência do pedido formulado pelo requerido quanto à condenação da requerida no pagamento da quantia de 275,50€.


c) Reconhecer a cessação do contrato de arrendamento por resolução, através de comunicação à requerida em 23/8/2024, relativamente ao imóvel sito na Rua 1.


d) Autorizar a entrada imediata no locado, sem prejuízo do disposto no artigo 15.º-I, n.º 11 do NRAU aplicável ex vi artigo 15.º-EA, n.º 5 do mesmo diploma legal.


e) Condenar a requerida no pagamento das rendas vencidas dos meses de junho a agosto de 2024, no valor de 900€, acrescidas de juros de mora calculados, à taxa de 4% ao ano, desde a entrada do procedimento de despejo até efetivo e integral pagamento.


f) Absolver-se a requerida do demais peticionado.”


*


Inconformada com a sentença, veio a Requerida apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando no final as seguintes conclusões:


“1. O locado é a casa de morada da família, não tendo a requerida outra casa de que seja proprietária ou arrendada.


2. A tornar-se efetiva, sem mais, a entrada imediata no domicílio, acarretará, sem dúvida que, o agregado familiar ficará sem teto para se abrigar, à intempérie, com crianças de tenra idade, uma vez que não dispõe de outra casa para habitar, nem os familiares os podem acolher, por falta de condições.


3. O agregado familiar vive do RSI, não tem outras fontes de rendimento pelo que se pode considerar família vulnerável.


4. Em caso de despejo de famílias vulneráveis, caberá ao Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP o acompanhamento da situação, cabendo a estas entidades diligenciar pela procura de soluções de realojamento (art.º 13.º da Lei n.º 83/20189 de 3 de setembro e art.º 4.º do Decreto – lei n.º 89/2021, de 3 de novembro).


5. Nos termos do art.º 3.º do Decreto– lei n.º 89/2021, de 3 de novembro “1 - Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro, e para os efeitos previstos no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na sua redação atual, consideram-se em situação de efetiva carência habitacional as pessoas que não possuam ou que estejam em risco efetivo de perder uma habitação e não tenham alternativa habitacional.”


6. Deve-se recorrer às entidades supra referenciadas (Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP) no sentido de procurar, com carater de urgência, uma solução para este agregado familiar.


7. E/ou, deferir-se um espaço temporal, o qual não deverá ir além de 90 dias, para a requerida e o seu agregado familiar, procurarem no mercado habitacional, uma solução que, passará pelo arrendamento de outro imóvel, pagando durante esse prazo ao requerente, um valor que se mostre proporcional e adequado, para compensar essa moratória.


8. O Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre questões essenciais invocadas pela Requerente/Reclamante, nomeadamente as referidas carências habitacionais e o estatuto de família vulnerável, violando, no nosso entender a alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.


Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exs. deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado e, por via disso, deve a douta sentença recorrida, ser declarada nula, por violação da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, e substituída por outra que leve em consideração o requerido pela Recorrente, com as legais consequências.


Assim se fazendo a costumeira


J U S T I Ç A”


*


O Requerente respondeu ao recurso pugnando pela respectiva improcedência.


*


O recurso foi admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo no respectivo despacho o Tribunal a quo se pronunciado quanto à invocada nulidade de sentença nos seguintes termos:


“Da invocada nulidade da sentença


A Ré sustenta que este Tribunal “não se pronunciou sobre questões essenciais invocadas pela Requerente/Reclamante, nomeadamente as referidas carências habitacionais e o estatuto de família vulnerável, violando, no nosso entender a alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.”.


Promana do disposto no artigo 615.º, n.º 1 al. d) que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.


Conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 8/2/2024, proc. 995/20.8T8PNF.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt : “O Supremo Tribunal de Justiça tem declarado, constantemente, que deve distinguir-se as autênticas questões e os meros argumentos ou motivos invocados pelas partes, para concluir que só a omissão de pronúncia sobre as autênticas questões dá lugar à nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil”.


Acrescenta o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 11/10/2022, proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt que “O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.”.


No exercício do contraditório concedido (requerimento datado de 14/3/2025), a Ré solicitou que o Tribunal notificasse a Câmara Municipal de Local 1, o Instituto da Segurança Social IP e o IHRU, IP para que solucionem a carência habitacional do agregado familiar, que seja concedida uma moratória de 90 dias à Ré para procurar outro local para habitar e que o pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio não seja concedida antes de decorrido o referido período.


Ora, os autos foram remetidos para apreciação judicial após a constituição de título para desocupação do locado, cumprindo, unicamente, a apreciação dos requisitos relativos ao pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio.


A este Tribunal não cumpre realizar diligências meramente sociais – oficiar a entidades para que solucionem as carências habitacionais da Ré. Nem tão pouco declarar que o agregado familiar integra a classificação de “manifestamente vulnerável”.


Ademais, não se encontra legalmente prevista a possibilidade de concessão de moratórias (tanto mais que a Ré formaliza o seu pedido sem menção a qualquer disposição legal que o legitime).


Assim, não se trata verdadeiramente de uma questão a ser apreciada pelo Tribunal, mas antes de vários argumentos esgrimidos pela Ré, num direito que lhe assiste, de obstar à prolação de decisão que determine a entrada imediata no domicílio. Porém, as questões submetidas terão de ser devidamente fundamentadas factual e legalmente (e possuírem implicações concretas na decisão a tomar), ao contrário do que sucedeu e determinou que o Tribunal sobre as mesmas não se pronunciasse.


Considera, portanto, a ora signatária que a nulidade invocada pela recorrente não se verifica nem é, sequer, suscetível de influir no exame e decisão da causa, razão pela qual não deverá ser conhecida ou declarada nos termos requeridos.


Sem prejuízo, V. Exas melhor apreciarão e doutamente suprirão.”


*


O recurso é o próprio e foi adequadamente recebido quanto ao modo de subida, mas não quanto ao efeito fixado, que urge corrigir neste momento para efeito meramente devolutivo, por se mostrar aplicável o disposto no artigo 15 – Q do Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano aprovado em anexo ao Dec.Lei n.º 6/2006 de 27/02 ( doravante apenas NRAU)


*


Correram Vistos.


*


II – OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que a questão a apreciar e decidir traduz-se objectivamente apenas em saber se a sentença recorrida padece da nulidade por omissão de pronúncia que lhe foi apontada pela Apelante.


*


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Decorre da sentença recorrida o seguinte quanto a matéria de facto:


1. Factos provados


A) Por escrito particular denominado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FIM HABITACIONAL” outorgado por BB, na qualidade de senhorio, e AA, na qualidade de inquilina, aquele declarou ceder a esta o gozo do imóvel sito na Rua 1, mediante o pagamento da renda mensal de € 300 (trezentos euros).

A. B) A requerida procedeu ao pagamento da renda mensal até maio de 2024.

C) Através de carta registada com aviso de receção o requerente solicitou à requerida o pagamento da quantia de 600€ a título de rendas e de 120€ a título de indemnização.

D) Através de carta registada com aviso de receção remetida em 22/8/2024 pelo requerente e rececionada em 23/8/2024 pela requerida, o requerente comunicou que se encontrava em dívida, a título de rendas, a quantia de 900€ acrescida da quantia de 180€ a título de indemnização e declarou que resolvia o contrato referido em A), com efeito imediato, solicitando a desocupação do locado no prazo de 8 dias.

E) O requerimento de despejo foi remetido à requerida, mediante carta registada com aviso de receção, tendo sido recusado o seu recebimento em 15/10/2024.

F) Em 15/11/2024 a requerida foi notificada do requerimento de despejo, tendo sido a notificação depositada no recetáculo postal.

G) O requerimento de despejo foi convertido em título de desocupação do locado em 26 de fevereiro de 2025, com fundamento na não oposição da requerida dentro do respetivo prazo.

H) Por despacho datado de 3 de março de 2025, foi a requerida notificada para se pronunciar, no prazo de cinco dias, quanto ao pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio.

I) Mediante requerimento datado de 14 de março de 2025, afirmou a requerida que reside no locado com o seu agregado familiar, constituído por si, pelo companheiro CC, pelo dois filhos e por outro menor que se encontra à sua guarda e que como fonte de rendimento dispõe apenas da prestação social do Rendimento Social de Inserção, solicitando a notificação de um conjunto de entidades para que “solucionem a carência habitacional do agregado familiar”, requerendo igualmente a concessão de uma moratória de 90 dias, mediante o pagamento de um valor mensal a título de compensação pela dilação da entrega do locado.

J) A requerida continua a habitar o imóvel.


2. Factos não provados


a. Que a requerida tenha procedido ao pagamento das rendas vencidas nos meses de junho a setembro de 2024.”


*


IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Nulidade de sentença


Arguiu a Apelante em sede de conclusões recursivas a nulidade de sentença prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, sustentando que o Tribunal recorrido não conheceu na mesma das “questões essenciais” que invocou nos autos, nomeadamente “carências habitacionais e estatuto de família vulnerável”.


Importa desde já assinalar que esta é efectivamente a única questão objecto do recurso, pois apenas a ela se refere de forma concreta e objectiva a Apelante nas conclusões recursivas e fá-lo visando o segmento do dispositivo da sentença contido na alínea d).


Decorre do artigo 615.º do CPC, que:


“É nula a sentença quando:


[ …]


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


Relativamente à nulidade prevista nesta alínea d), do n.º 1, do identificado artigo 615º, do CPC, concretamente a chamada “Omissão de pronúncia“, a que alude a primeira parte da dita alínea, diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, em anotação ao mencionado artigo ( in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª edição, 2020, Almedina, pág. 764), que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão.“


E acrescentam ainda que “[…] o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso“, não obrigando, todavia,“[…] a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com « questões » […]. “


Neste sentido saliente-se, entre vários outros, o acórdão do STJ de 27/03/2014, proferido no Processo 555/2002 e o do mesmo Tribunal de 08/02/2011, proferido no processo nº 842/04TBTMR.C1.S1 (ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt).


Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara o seguinte:


Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”.


E acrescenta-se ainda no dito acórdão que “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.“


Correlacionado ainda com a questão ora em tratamento diz-nos o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que:


O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras […]”


Aqui chegados, percebemos, pela leitura dos autos, que a aludida carência habitacional e vulnerabilidade familiar apenas foram suscitadas nos autos em 14/03/2025 pela Apelante em resposta à notificação que lhe foi dirigida em cumprimento do despacho exarado pelo Tribunal a quo em 03/03/2025, no qual foi expressamente referido que se mostrava já “precludida a possibilidade de alegação de fundamentos” que visassem obstar “à constituição do título para a desocupação do locado”, dado que o mesmo se encontrava já emitido.


Na verdade, resulta do artigo 15 – D do Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano aprovado em anexo ao Dec.Lei n.º 6/2006 de 27/02 (NRAU), que:


1 - O BAS expede imediatamente notificação para o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, este:
a) Desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada;
b) Deduzir oposição à pretensão e ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto no artigo 15.º-M.


[…]


Decorre do artigo 15 – E do mesmo diploma legal que:


1 - O BAS converte o requerimento de despejo em título para desocupação do locado se:
a) Depois de notificado, o requerido não deduzir oposição no respetivo prazo;


[…]


Por seu turno estatui o artigo 15 EA do dito diploma o seguinte:


1 - O processo é imediatamente concluso ao juiz para proferir decisão judicial para entrada imediata no domicílio nos casos em que:
a) Depois de notificado, o requerido não deduzir oposição no respetivo prazo;


[…]


2 - Nas situações da alínea a) do número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 566.º a 568.º do Código de Processo Civil.


[…]


Já o artigo 15- F sempre do aludido Dec.Lei prevê que:


1 - O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.


2-A oposição é apresentada no BAS por via eletrónica.
3 - Com a oposição, o arrendatário identifica:


[…]


c) Outras pessoas que, licitamente, se encontrem a residir no locado;
d) Qualquer das situações que motivem a suspensão e ou diferimento da desocupação do locado nos termos do artigo 15.º-M; e
e) Se o locado corresponde à casa de morada de família.


E o artigo 15 – M do regime em apreço estipula que:


1 - À suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil.


Emana do artigo 863.º do CPC o seguinte:


1 - A execução suspende-se se o executado requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, motivada pela cessação do respetivo contrato, nos termos do artigo seguinte.


[…]


3 - Tratando-se de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda.


[…]

5 - No prazo de cinco dias, o juiz de execução, ouvido o exequente, decide manter a execução suspensa ou ordena o levantamento da suspensão e a imediata prossecução dos autos.

Já o artigo 864.º estatui o seguinte:

1 - No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.
2 - O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %.


[…]


E por fim decorre do artigo 865.º do CPC que:


1 - A petição de diferimento da desocupação assume caráter de urgência e é indeferida liminarmente quando:
a) Tiver sido deduzida fora do prazo;
b) O fundamento não se ajustar a algum dos referidos no artigo anterior;
c) For manifestamente improcedente.


[…]


Ora bem, partindo dos factos considerados como provados nos autos e que temos como consolidados uma vez que o recurso não incluiu, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC, impugnação da decisão relativa à matéria de facto discriminada na sentença recorrida, percebemos, perante o quadro normativo acabado de expor, que a Apelante não apresentou, dentro do prazo legal de 15 dias após a notificação que lhe foi regularmente feita do pedido de despejo efectuado pelo Apelado junto do BNA, oposição ao mesmo, nem tão pouco requereu a suspensão ou o diferimento da desocupação do locado, tendo, assim, o dito requerimento sido correctamente convertido em título de desocupação do mesmo em 26/02/2025.


Tendo deixado correr o aludido prazo de 15 dias sem nada fazer naturalmente que ficou precludida a possibilidade por parte da Apelante de invocar com sucesso as mencionadas razões ou “carências familiares”, assim como o “estatuto de família vulnerável”, questões que poderiam subsumir-se às “razões sociais imperiosas” e à “carência de meios do arrendatário”, a que alude, respectivamente, o n.º 1 e o n.º 2, a), do artigo 864.º do CPC, ex vi do artigo 15 – M, n.º 1, do NRAU.


Importa lembrar que no despacho proferido a 03/03/2025 o Tribunal a quo não deixou de advertir que “em virtude da falta de dedução de oposição, encontra-se precludida a possibilidade de alegação de fundamentos que visem obstar à constituição do título para a desocupação do locado, que, inclusivamente, já se encontra emitido.”


No contexto exposto desde logo poderíamos considerar que o Tribunal a quo não estava obrigado a pronunciar-se sobre as “carências familiares“ e sobre a vulnerabilidade familiar, por extemporaneamente invocadas pela Apelante uma vez que já sinalizara a preclusão de uma tal motivação.


Em todo o caso, se lermos com atenção o segmento da sentença recorrida respeitante à “Fundamentação de direito”, verificamos que o Tribunal a quo até logrou pronunciar-se sobre tal alegação da Apelante, concretamente na parte que passamos a transcrever de seguida:


“[…]


Por despacho datado de 3 de março de 2025, foi a requerida notificada para se pronunciar, no prazo de cinco dias, quanto ao pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio. Resultou provado que, não obstante o acima referido, a requerida continua a habitar o imóvel.


Mediante requerimento datado de 14 de março de 2025, afirmou a requerida que reside no locado com o seu agregado familiar, constituído por si, pelo companheiro CC, pelo dois filhos e por outro menor que se encontra à sua guarda e que como fonte de rendimento dispõe apenas da prestação social do Rendimento Social de Inserção.


Ora, não obstante a alegação apresentada pela requerida quando notificada para se pronunciar a propósito do pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio, e ainda que este Tribunal seja conhecedor dos problemas habitacionais que o país enfrenta, inexiste fundamento legal (tanto mais que a requerida nem sequer o alegou) para que seja concedida qualquer moratória ou para que, nestes autos, se diligencie por uma solução habitacional alternativa, especialmente na fase em que se encontram, onde já foi emitido o título de desocupação do locado, em face da não oposição da requerida.


Deste modo, verificado o cumprimento das formalidades legalmente exigidas, verifica-se que existe título para desocupação do locado, foi paga a taxa de justiça devida e foi junto aos autos o respetivo formulário.”


Perante o exposto temos de convir que o Tribunal a quo pronunciou-se na sentença recorrida sobre as questões invocadas pela Apelante na peça processual que dirigiu aos autos em 14/03/2025.


Não se verifica, pois, a patologia apontada à sentença recorrida no recurso da Apelante, ou seja a invalidade formal traduzida em omissão de pronúncia, pelo que se impõe considerar improcedente tal arguição, o que tem como consequência o reconhecimento da improcedência do recurso interposto pela Apelante.


*


V- DECISÃO


Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso de apelação interposto pela Apelante AA decidindo o seguinte:


1. Confirmar a sentença recorrida;


2. Condenar a Apelante nas custas pelo decaimento no recurso interposto (artigo 527º, nºs 1- e 2-, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.


*


ÉVORA, 25 de JUNHO de 2025


(José António Moita-Relator)


(Francisco Xavier - 1.º Adjunto)


(Maria Adelaide Domingos – 2.ª Adjunta)