ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
USUCAPIÃO
TRATO SUCESSIVO
BALDIOS
MUNICÍPIO
INVERSÃO DO TÍTULO DE POSSE
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO
Sumário

Sumário1:
1. A escritura de justificação notarial constitui uma forma especial de titular direitos sobre imóveis, para efeito de descrição na Conservatória do Registo Predial, baseada em declarações dos próprios interessados, embora confirmadas por três declarantes.
2. Invocada nela a usucapião baseada em posse não titulada, deve o interessado mencionar expressamente as circunstâncias de facto determinantes do seu início e as que a consubstanciam e caracterizam.
3. Essas circunstâncias de facto devem constar do instrumento notarial com vista ao estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, sob pena de ineficácia.
4. Baldios são terrenos não individualmente apropriados, destinados a servir de logradouro comum dos vizinhos de uma povoação ou de um grupo de povoações, com vista á satisfação de certas necessidades individuais, por exemplo, apascentação de gados, recolha de matos e lenhas ou outras fruições de natureza agrícola, silvícola ou apícola.
5. Até à publicação do dec-lei 39/76, de 19 de Janeiro, os baldios eram geridos e administrados pelas Juntas de Freguesia ou pelas Câmaras Municipais, consoante fossem paroquiais ou municipais.
6. Os baldios são considerados prescritíveis desde o Código Civil de Seabra até ao início da vigência do citado dec-lei 39/76 e imprescritíveis a partir da entrada em vigor deste dec-lei.
7. Quem tem a administração de certa coisa alheia não exerce verdadeiros actos de posse.
8. A aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sobre um baldio exige a prova da inversão do título da posse.
9. Tendo sido o réu, quem afirmou na escritura de justificação notarial a aquisição, por usucapião, do seu direito de propriedade, cabe-lhe a prova dos factos constitutivos desse direito.
10. A ré não beneficia da presunção derivada do registo, lavrado com base em tal escritura, por esta ser precisamente o objecto da impugnação.

Texto Integral

Processo nº 3211/16.3T8STR.E1 Recurso de Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal da Comarca de Santarém – Juízo Local Cível de Setúbal - Juiz 2


Recorrentes: MINISTÉRIO PÚBLICO


Recorridos: MUNICÍPIO DE RIO MAIOR, IBERWIND II – PRODUÇÃO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., PESM – PARQUE EÓLICO DA SERRA DAS MEADAS, LDA.

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,


I. RELATÓRIO.


O Ministério Público intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra o Município de Rio Maior, PESM – Parque Eólico da Serra das Meadas, Lda., e Iberwind II Produção, Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo a impugnação e a declaração de nulidade das escrituras públicas de justificação notarial outorgadas pelo Município de Rio Maior, em 27 de agosto de 1987 e em 27 de maio de 1993, no Cartório Privativo da Câmara Municipal de Rio Maior, por não ter adquirido os prédios constantes das escrituras por usucapião, nem tais escrituras serem admissíveis e, em consequência, ser determinado o cancelamento dos registos, e das outras parcelas tituladas pela Câmara Municipal de Rio Maior e ser declarado nulo o contrato de arrendamento relativo ao prédio rústico, artigo 1 da secção D-D-4.


Mais pediu que seja declarada a natureza de terreno baldio das parcelas objeto das escrituras de usucapião.


Alegou para o efeito que o Réu Município de Rio Maior outorgou no dia 27 de agosto de 1987 uma escritura de justificação, declarando ser dono e possuidor, entre outros, do prédio rústico (verba 4), sito na Serra dos Candeeiros, freguesia de Rio Maior, composto de terra inculta, com mato, pinheiros e eucaliptos, a confrontar (do norte) com freguesia de Alcobertas, sul com AA e outros, nascente com BB, e poente com CC, inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de Rio Maior, sob o artigo 1, das secções D, D1, D2, D3 e D4, com a área de 3.691.100 m2, declarando que tem posse sobre o prédio, pelo menos, no decurso dos últimos trinta anos, presumindo-se até que desde tempos imemoriais, posse essa que sempre se caracterizou como sendo em nome do Município de Rio Maior e de boa fé, com o conhecimento de toda a gente e sem a menor interrupção e oposição de quem quer que fosse e, por conseguinte, duma posse pública, contínua e pacífica, pelo que afirma que a Câmara Municipal de Rio Maior adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o imóvel.


Mais alegou que no dia 27 de maio de 1993, o Réu Município de Rio Maior outorgou uma outra escritura de justificação, declarando ser dono e possuidor, entre outros, do prédio rústico (verba 7), sito em Bulheiras, freguesia de Rio Maior, composto de cultura mato, estéril e moinhos, a confrontar do norte, sul, nascente e poente com Serra, inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de Rio Maior, sob o artigo 17 da secção A1 (anteriormente artigo 2927), da freguesia de Rio Maior, com a área de 97.680 m2, declarando que tem posse sobre o prédio, pelo menos, no decurso dos últimos trinta anos, presumindo-se até que desde tempos imemoriais, posse essa que sempre se caracterizou como sendo em nome do Município de Rio Maior e de boa fé, com o conhecimento de toda a gente e sem a menor interrupção e oposição de quem quer que fosse e, por isso, uma posse pública, contínua e pacífica, pelo que afirma que a Câmara Municipal de Rio Maior adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o imóvel.


Referiu que os prédios rústicos, artigo 1, das secções D, D1, D2, D3 e D4 e artigo 17 da secção A1, da freguesia de Rio Maior, conjuntamente com os prédios rústicos artigo 18 da secção N, artigo 22 da secção N, artigo 73 da secção O (atualmente artigos 81 e 82 da secção O) e artigo 7 da secção D4 (atualmente artigos 8 e 10 da secção D), são, desde tempos imemoriais, bens comunitários, afetos às necessidades primárias dos habitantes da Serra dos Candeeiros, freguesia de Rio Maior, que os utilizavam como apoio às economias domésticas, para fornecimento de pastagens e forragens, lenhas para carvão, ervas aromáticas, estrumes, pedra, caça, romarias e produção de alimentos, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, como bem comunitário, constituindo tais terrenos como baldios, factos que eram do conhecimento da Câmara Municipal de Rio Maior e que, não obstante tal situação, veio a outorgar as escrituras de justificação, que a Serra dos Candeeiros é toda ela baldio, dividida por vários artigos do concelho de Rio Maior e distribuídos pelas freguesias de Rio Maior e Alcobertas, que relativamente à freguesia de Alcobertas, por doação da Câmara Municipal de Rio Maior, foram recuperados os baldios da Serra dos Candeeiros e que, porque se trata de terrenos baldios, nunca poderiam ter sido adquiridos pelo R. Município de Rio Maior, devendo permanecer na titularidade da comunidade.


Acrescentou que, com data de 04.12.2002, o Réu Município de Rio Maior, na qualidade de proprietário do prédio rústico artigo 1, das secções D, D1, D2, D3 e D4, celebrou com a 2ª R. PESM – Parque Eólico da Serra das Meadas, Lda., um contrato de arrendamento e que em 03.05.2004, a 2ª R. celebrou com a CERSC – Companhia das Energias Renováveis da Serra dos Candeeiros, Lda., um contrato de cessão da posição contratual, vindo esta entidade a ser extinta por fusão, para a sociedade Iberwind II Produção, Sociedade Unipessoal, Lda. Em 30.09.2015, o R. Município de Rio Maior e a R. Iberwind II Produção, Sociedade Unipessoal, Lda., celebraram um aditamento ao contrato, identificando o prédio rústico artigo 1, das secções D, D1, D2, D3 e D4.


Mais alegou que, apesar de não ter sido lavrada escritura relativamente às parcelas correspondentes aos artigos artigo 73 da secção O (atualmente artigos 81 e 82 da secção O), artigo 7 da secção D4 (atualmente artigos 8 e 10 da secção D), artigo 18 da secção N e artigo 22 da secção N, todos da freguesia de Rio Maior, estes prédios encontram-se fiscalmente titulados a favor do Município de Rio Maior, o que é inadmissível, por serem terrenos baldios.


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Citados, os Réus apresentaram contestações, pugnando pela improcedência da ação.


O Réu Município de Rio Maior impugnou os factos alegados pelo Ministério Público, alegando que os prédios nunca constituíram bens comunitários, que os permita qualificar como baldios e que desde, pelo menos 1945, que a Câmara Municipal de Rio Maior exerceu relativamente aos prédios, actos próprios da sua qualidade de proprietária, pelo que, pelo menos desde essa data que não existiu qualquer utilização coletiva e comunitária desses imóveis.


Mais alegou que a Serra dos Candeeiros é constituída por uma maioria de terrenos registados no domínio privado de diversos particulares ou entidades públicas.


As Rés PESM – Parque Eólico da Serra das Meadas, Lda., e Iberwind II Produção, Sociedade Unipessoal, Lda., impugnaram os factos alegados pelo Ministério Público, dizendo não estar concretamente identificados fisicamente os terrenos e alegando não existir o baldio, uma vez que na extensão dos terrenos invocados de cerca de 400 hectares não eram possuídos e geridos pelas comunidades locais e não estavam inscritos como baldios mas há muito inscritos na titularidade do Município de Rio Maior.


As 2ª e 3ª Rés invocaram ainda a sua boa-fé, que o Parque Eólico está instalado no prédio rústico artigo 1, das secções D, D1, D2, D3 e D4, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o nº 663/19871218, da freguesia de Rio Maior e identificado nos contratos celebrados com o Réu Município de Rio Maior e que nunca foi referido que o terreno seria baldio, que a 3ª Ré e as suas antecessoras efetuaram investimentos e fizeram pagamentos ao Município de Rio Maior e instalaram o Parque Eólico desde 2006, sem que tenha sido invocado qualquer impedimento, constituindo a presente ação abuso do direito.


Alegaram ainda que, se alguma vez os terrenos foram baldios, face à data em que foi outorgada a escritura, quando entrou em vigor o novo regime legal (1976), os terrenos em causa não tinham a natureza de baldios e que os baldios podem ser objeto de arrendamento, pelo que, sempre seria improcedente o pedido de declaração de nulidade do contrato de arrendamento.


Foram invocadas a inadmissibilidade da representação e a ilegitimidade activa do Ministério Público, e a ilegitimidade passiva da 2ª Ré.


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O Ministério Público pronunciou-se no requerimento datado de 04.05.2017, a fls. 325-329.


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Por despacho de 28.09.2017, a fls. 388-391 foi julgada improcedente a exceção de inadmissibilidade da representação e considerou-se ter a ação sido interposta pelo Ministério Público em nome próprio.


No despacho de 28.09.2017, a fls. 391-392, foi determinada a notificação do Ministério Público para identificar, localizar, delimitar cada um dos imóveis em causa nos autos.


O Ministério Público em resposta juntou uma nova petição inicial aperfeiçoada, em 23.10.2017, a fls. 393-401, relativamente à qual os Réus se pronunciaram no exercício do contraditório, referindo que o Ministério Público veio alegar factos novos, requerendo que a nova matéria seja considerada não escrita.


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Teve lugar a audiência prévia (fls. 494-506), no âmbito da qual foi julgada a R. PESM – Parque Eólico da Serra das Meadas, Lda., parte legítima, indeferido o requerido pelos Réus quando à nova petição inicial junta pelo Ministério Público, tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


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Realizou-se a audiência final, após a qual veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Termos em que, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo os RR. do pedido.

Sem custas, por delas estar isento o A.

Registe e notifique.

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Após trânsito, comunique à Conservatória do Registo Predial.”

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Inconformado, recorreu o Autor, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:

1º- Vem o presente recurso interposto da sentença que nos autos à margem referenciados não reconheceu a natureza de baldio dos imoveis identificados no artigo 1º da petição inicial e declarou propriedade privada do Réu Município de Rio Maior os prédios identificados nas escrituras de justificação notarial de posse celebradas no Cartório Notarial Privativo desse Município, nas datas de 27 de Agosto de 1987 e 27 de Maio de 1993, ambas juntas com a Petição Inicial.

2º- A matéria dada como provada nos artº 1º a 7º é conclusiva, genérica, integra meros conceitos de direito e não elenca factos concretos que permitam concluir pela realidade constitutiva do direito de propriedade e, consequentemente, não permite a aquisição pelo Réu Município dos imóveis ali identificados, por usucapião.

3º- A reduzida factualidade dada como provada incluída nos artº 1º, 2º a 6º e 7º é falsa , designadamente na parte em que se refere que a Câmara Municipal, enquanto órgão executivo do Município, amanhou as terras e delas retirou frutos que vendeu, não deixando de se notar que a expressão “frutos” é igualmente vaga e conclusiva e não encontra o mínimo suporte na prova documental e testemunhal produzida em julgamento.

4º- Na verdade, nenhuma testemunha referiu existir amanho de terras por parte do Município nem, consequentemente, a retirada de frutos e a sua venda, e, pelo contrário, as testemunhas DD, EE, FF e GG antes referiram expressamente a ausência de qualquer intervenção por parte da Câmara nos terrenos da serra, pelo que esses reduzidos factos incluídos no ponto 2 da matéria provada devem ser dados como não provados.

5º- As próprias escrituras impugnadas não contém essa factualidade, limitando- se a afirmar em termos conclusivos que o Município de Rio Maior declarou ter posse sobre os prédios justificados pelo menos no decurso dos últimos 30 anos, presumindo-se até que desde tempos imemoriais, posse essa que sempre se caracterizou como sendo em nome do Município de Rio Maior e de boa fé, com o conhecimento de toda a gente e sem a menor interrupção e oposição de quem quer que fosse e, por isso, uma posse pública, contínua e pacífica, pelo que afirmou ter adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre os imóveis, sem descrever qualquer factualidade que integre esses conceitos.

6º- Ou seja, não existe qualquer factualidade que alicerce a aquisição do direito de propriedade, nem nas escrituras nem na sentença, sendo que apenas podem ser julgados provados factos concretos.

7º- Retirando da sentença todos os termos conclusivos e conceitos de direito utilizados ficam esvaziados os pontos 1 a 7 da matéria de facto provada o que redunda, necessariamente, na procedência do pedido de nulidade das escrituras.

8º- As escrituras de justificação encontram-se elas próprias destituídas de factos e são igualmente conclusivas, com meras referências genéricas a que a Câmara exerceu posse púbica, pacífica, de boa fé sobre os imoveis justificados, sem qualquer factualidade onde assentem essas conclusões e sem qualquer referência ao momento em que possa ter ocorrido a inversão do título de posse invocada pelo Réu Município na sua contestação determinando, também por aí a sua invalidade, não só pela ausência de factos que integrem o corpus e o animus mas também por este ser um elemento fundamental para se determinar o decurso do tempo necessário à aquisição por usucapião, quando se invoca a inversão do título de posse, como faz o Réu Município no artº 32º da sua contestação .

9º- Assim, impõe-se considerar como não escritos os factos conclusivos elencados na matéria provada e, extraídos, não resta nenhum facto que permita concluir pela aquisição originária do direito de propriedade pelo que deve ser declarada a nulidade das escrituras de justificação lavradas no Cartório Notarial Privativo do Município de Rio Maior nas datas de 27 de Agosto de 1987 e 27 de Maio de 1993, nos termos peticionados.

10º - na verdade, uma vez impugnadas as escrituras, compete ao justificante, aqui Réu Município de Rio Maior, o ónus da prova dos factos que deveria ter invocado (Acordão Uniformizador de Jurisprudência n.º Nº 1/2008, in DR, I Série, de 31/03/2008) sendo que a sentença, apesar de referir que recai sobre o Réu o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do direito que invocou na escritura de justificação notarial, não julgou em conformidade decidindo pela validade das escrituras, apesar da total ausência de prova nesse sentido.

11º- Assim, os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º 6º e 7º do elenco dos factos provados são manifestamente conclusivos e não configuram factos mas sim conceitos de Direito aos quais os factos provados se deveriam subsumir

12º- Os poucos factos que se podem, sem conceder, descortinar nesse elenco 1 a 7 da matéria provada resumem-se à referência igualmente genérica de que a Câmara Municipal de Rio Maior “amanhou os terrenos, deles retirou frutos, que vendeu”, que esses actos são do conhecimento dos cidadãos mais idosos da freguesia e que a posse de boa fé foi sempre reconhecida por toda a população, mas, em qualquer caso e sem conceder, dado que “frutos” é um conceito demasiado genérico, são falsos e não encontram o mínimo fundamento na matéria produzida em julgamento nem na prova documental junta aos autos , pelo que devem constar no elenco dos factos não provados.

13º- Na verdade, no sentido de que o Réu Município nunca teve intervenção na Serra e que, pelo contrário, sempre as populações fizeram uso da serra como forma de subsistência e como complemento das suas actividades, designadamente semeando batata e fava, recolhendo sama, mato e lenha, pinhas e ervas aromáticas, pastoreando gado e recolhendo azeitona, actividades que reportam, pelo menos, aos seus pais, avós e bisavós, depuseram as seguintes testemunhas, nos seguintes momentos:

a. DD, no que se refere à ausência dos pressupostos da usucapião: sessão de 16.11.2021, momentos 00.21.06 a 00.22.48 e 00.27.54 a 00.28.21, no que se refere à existência de baldios: sessão de 11.2021, depoimento DD, momentos 00.00.39 a 00.08.13, 00.35.37 a 0.36.20,


00.36.40 a 00.42.23 e 00.49.09 a 00.51.07,
b. EE, sessão de 16.11.2021 no que se refere à ausência dos pressupostos da usucapião: momentos 00.09.34 a 00.11.02, 00.17.58 a 00.19.02 e 00.35.28 a 00.36.54 e no que se refere à existência de baldios: sessão de 16.11.2021, momentos 00.00.12 a 00.08.45 e 00.11.02 a 00.17.45, 00.21.11 a 00.28.49 e 00.23.45 a 00.23.52, 00.30.59 a 00.34.41 e 00.39.20 a 00.40.19.

c. FF, sessão de 16.11.2021: no que refere à ausência de pressupostos da usucapião: sessão de 16.11.2021, depoimento FF, momentos 00.07.16 a 00.08.42); no que se refere à existência de baldios: sessão de 16.11.2021, depoimento FF, momentos 00.02.22 a 00.08.42, 00.09.24 a 0.11.16, 00.13.06 a 00.27.41, 00.28.07 a 00.29.16, 00.41.260 a 00.43.57 e 00.56.34 a 00.57.32.

d. HH, sessão de 16.11.2021: no que se refere à ausência de pressupostos da usucapião:momentos 00.11.35 a 00.12.50; 00.32 a 00.32.57); no que se refere à existência de Baldios: sessão de 16.11.2021, depoimento de HH, momentos 00.00.19 a 00.01.02, 00.01.48 a 00.11.35, 00.13.18 a 00.14.22, 00.15.01 a 00.16.04, 00.16.06 a 00.19.12, 00.19.24 a 00.22.43 e ainda 00.22.43 a 00.36.12.

e. II, sessão de 16.11.2021: no que se refere à ausência de pressupostos da usucapião: sessão de 16.11.2021, depoimento II, momentos 00.12.19 a 00.13.30); no que refere à existência de Baldios: sessão de 16.11.2021, momentos 00.01.47 a 00.08.11, 00.13.33 a 00.16.18, 00.16.46 a 00.19.28 e 00.20.19 a 00.20.29.

f. JJ, sessão de 23.11.2021: no que se refere à ausência de pressupostos da usucapião: momentos 00.08.43 a 00.09.15; no que se refere à existência de Baldios: momentos 00.02.01 a 00.06.44, 00.11.08 a 00.11.21 e 00.16.54 a 00.18.45.

g. KK, sessão de 23.11.2021: no que se refere à ausência de pressupostos da usucapião: momentos 00.10.26 a 00.11.50, no que se refere à existência de Baldios: momentos 00.05.29 a 00.06.11, 00.06.40 a 00.07.24, 00.08.49 a 00.10.26, 00.15.44 a 00.16.52, 00.33.05 a 00.33.44, 00.34.05 a 00.34.33, 00.38.56 a 00.44,58.

h. LL, sessão de 23.11.2021, momentos 00.17.35 a 00.18.48, 00.06.23 a 00.08.49, 00.10.41 a 00.11.15, 00.11.15 a 00.14.30.

14º- Mais se retira desses mesmos depoimentos referidos em 13º, aos momentos indicados, que as populações locais, designadamente de Pé da Serra, Vale de Laranjeira, Mato, Casal da Fisga, entre outras, faziam uso da serra, semeando e pastoreando com respeito pelo seu vizinho, que o faziam sem prejudicar quem quer que fosse e à frente de todos, e que o faziam recuando pelo menos aos seus bisavós, por necessitar, para a sua sobrevivência, de complementar as suas actividades principais.

15º- O depoimento destas testemunhas mostra-se relevante porquanto HH é vigilante na Serra, há cerca de 32 anos, em funções no Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, ali nasceu e cresceu e percorreu a Serra que conhece desde sempre em razão da sua vivência pessoal, com o seu pai, e profissional, DD, EE, FF e GG, ali nasceram e cresceram, bem como os seus pais, avós e bisavós, JJ e KK conhecem a Serra há vários anos e estiveram envolvidos no estudo dos baldios, tendo todos prestado testemunhos espontâneos, genuínos, puros, isentos e credíveis sendo que a sentença não refere qualquer exame critico que afaste a credibilidade destas testemunhas e não refere porque razão não acolheu ou afastou os seus depoimentos.

16º- Tendo em consideração estes depoimentos, credíveis e não contrariados pela prova junta pelos Réus, e considerando ainda os mapas juntos aos autos, designadamente com o oficio de fls. 448 e 606, que definem o perímetro florestal da serra dos candeeiros, bem como informação ICNF e DGT exarada nos ofícios que remetem esses mapas (fls. 448 e 605), que igualmente identificam as áreas que na petição inicial se fazem corresponder a zona de baldio, e considerando ainda a legislação aplicável que adiante se explanará, devem não só ser dados como não provados os que constam sob os números 1 a 7 do elenco dos factos provados como devem ainda ser considerados provados os factos dados como não provados sob os artº 1º a 33º da sentença. que correspondem aos artigos 1º a 8º, 10º a 13º, parte final do 17º, 28º, 30º, 31º e 33º da petição inicial, bem como os instrumentais apurados em julgamento.

17º-Acresce que a sentença recorrida fundamenta os factos provados em 1º a 7º em simples contratos de arrendamento e ainda nos depoimentos das testemunhas do Réu que, na verdade, em momento algum referiram que a Câmara Municipal de Rio Maior, enquanto órgão executivo do Réu Município, amanhou terrenos, colheu e vendeu frutos, nem referiam quais os limites da serra em que esses ou outros actos seriam praticados pelo que não é possível afirmar que o teriam sido nas áreas correspondente aos artigos matriciais indicados em 1. dos factos provados, sendo ainda que “data anterior a 1945” (5, dos factos provados) apenas consta em contratos de arrendamento e na contestação do réu Município, à qual a sentença simplesmente adere, reproduzindo a factualidade alegada, sem exame critico que o justifique.

18º- Mesmo que se aceitasse apenas a fundamentação inserta em sentença, basta a sua leitura para se perceber que o depoimento das testemunhas MM, NN, OO, não permite suportar qualquer dos factos dados como provados em 1 a 7, por nenhum referir essa factualidade, designadamente do amanho de terras, recolha e venda de frutos, por parte do Município.

19º- Acresce que a testemunha apresentada pelo Réu Município, NN, não só não suporta a factualidade dada como provada e não provada em sentença como, antes pelo contrário, reforça a não utilização da serra pela Câmara mas sim pela população local, pois sendo fiscal municipal seria expectável que o seu depoimento reproduzisse o cultivo, amanho de terras pela Câmara, a fiscalização ou mera observação desse cultivo, amanho ou venda de frutos que vêm alegadas em sede de contestação quando, pelo contrário, NN não faz esse relato e, pelo contrario, limita- se a referir que o muro construído na serra são “pedras empilhadas. (…) Aquilo põe pedra sobre pedra, a fazer uma divisão, uma proteção de gados, era o que eles faziam. (…A gente sabe lá quem é que fazia. Eu passava lá de carro, sei lá quem é que fazia (…) – sessão de 04.05.2022, depoimento de NN, momentos 00.02.59 a 00.05.11).

20º- Torna-se óbvio que a construção de muros, pedra sobre pedra, para proteção de gados, que o fiscal municipal não sabe quem fazia, indica muito mais a utilização comunitária pelos populares do que, propriamente, construção municipal, confirmando a existência de baldios na serra e não a utilização conducente a aquisição por usucapião.

21º A testemunha MM não referiu qualquer facto susceptível de demonstrar o amanho das terras, recolha e venda de frutos por parte da Câmara nem qualquer outro facto que permita suportar a usucapião daqueles imoveis, limitando-se a afirmar que a Câmara era proprietária e que o terreno onde está instalado o turismo rural comprou à Câmara, por Alvará e, antes pelo contrário, como consta da sentença referiu não conhecer cultivo na serra, pelo que também afasta o cultivo pela Câmara.

22º-Também relativamente às testemunhas OO e PP, ambos funcionários do Réu Município, cumpre referir que o primeiro tem 56 anos de idade e o segundo trabalha para o Município desde 1981, em qualquer caso sem se referirem a pessoas mais velhas, assentando os seus depoimentos num conhecimento recente que não permite afirmar factos tendentes a suportar usucapião reportada a escrituras de 1987 e 1993 factos que, aliás, não referem.

23º-Mesmo ao assentar a prova da validade das escrituras em depoimento testemunhal, a sentença acaba por remeter para as referências que as testemunhas fazem a contratos de arrendamento e, no pouco mais do que isso, às condutas de água sendo que a quanto a estas resulta da própria sentença que foram construídas pela Comissão de Melhoramentos da Freguesia em 1972, data que jamais pode servir de fundamento a escrituras celebradas em 1987 e 1993, desconhecendo inclusive em que área da serra foram construídas e, consequentemente, a que imóvel respeitam e se é um dos que se refere na Petição Inicial, sendo que se afirma ainda na sentença que essas condutas foram posteriormente vendidas à Câmara- cfr. depoimento da testemunhas OO e PP e factos provados em sentença.

24º- Esta data de 1972, que é a única referida pelas testemunhas dos Réus que suportam obras por parte da Câmara Municipal nos terrenos da Serra, foi totalmente desvalorizada pela sentença recorrida, que não atentou a sua proximidade à data das escrituras nem a ausência de identificação do local concreto da construção, e, por outro lado, sem qualquer prova documental ou testemunhal que suporte tal facto deu como provado que a intervenção da Câmara, como proprietária, se reporta a data anterior a 1945.

25º- Na verdade, o ano de 1945 não é referido por qualquer testemunha antes se trata, simplesmente, do ano indicado na contestação, para fundamentar a escriturada aquisição por usucapião resultando este facto provado de uma mera adesão à contestação, sem prova que o suporte, pelo que o ponto 5 dos factos provados deve igualmente ser dado como não provado.

26º- Acresce que não há uma única nota na sentença que permita perceber porque razão não foram considerados os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Autor, pois a sentença é totalmente omissa nesse juízo critico de valoração, apenas referindo que o facto provado 29 o foi com base também nas declarações das testemunhas EE, FF, HH e KK. E se foram credíveis para esse facto 29-“Existem construções privadas no local” porque não foram igualmente relevados os seus depoimentos no que se refere a demais matéria relevante?

27º- A mera existência de contratos de arrendamentos, insuficientes para suportar a usucapião, e a referência constante na sentença a que houve vendas e loteamentos, não documentados, bem como compra de condutas de água, apenas verbalizados pelas testemunhas do Réu Município, não afastam, por outro lado, a natureza baldia dos terrenos, pois no âmbito do Código Administrativo de 1940 era possível à Câmara Municipal celebrar contratos de arrendamento, como Administradora, assim como proceder a vendas por Alvarás, suportadas em documentos atestando a posse e fruição dos terrenos por parte da Câmara, como melhor se concretizará, nas conclusões relativas ao enquadramento jurídico.

28º- Também no que respeita às testemunhas indicadas pelas Rés, nada acrescentam que permita concluir no sentido da prova considerada em sede de sentença, pois que ambos se atêm a relatar os procedimentos utilizados nos estudos para construção do parque eólico e tendo sido confrontados com o artº 11º do Plano Director Municipal de Rio Maior: Testemunha QQ, sessão de 22.05.2022, momentos 00:09:01 a 00.09.33 e RR, Sessão de 04.05.2022, momentos 00.14.10 a 00.14.40, ambos referiram não ter conhecimentos para aferir que se tratava de terrenos baldios.


29º- Os restantes pontos do elenco denominado “Factos provados”(à excepção dos 1 a 9 que como vimos são a reprodução fiel do texto da contestação, sem factualização ou prova) reproduzem o teor da documentação que fundamenta a acção (pontos 10 a 17, 19 e 20, 23 a 26, 28 e 29), à excepção dos pontos 18 e 29 sendo que os factos não provados elencados sob os números 1 a 33 que reproduzem os artigos 1º a 8º, 10º a 13º, parte final do 17º, 28º, 30º, 31º e 33º da petição inicial devem, como referido nas anteriores conclusões, incluir-se no elenco dos factos provados face à prova testemunhal supra indicada e ainda à demais prova documental produzida e legislação aplicável.


30º- A sentença é totalmente omissa não só quanto às razões que levaram a não valorizar os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Autor, ficando por perceber porque motivo os seus depoimentos não foram considerados, como também não explica os motivos pelos quais não considera a documentação junta aos autos pelo Autor, que elenca e dá como matéria provada, mas não analisa nem valora, não extraindo dessa documentação as devidas conclusões.


31º - Dir-se-á ainda que ambas as escrituras impugnadas, celebradas no cartório privado da Câmara Municipal de Rio Maior nas datas de 27.08.1983 e 27.05.1993 não elencam factos mas apenas termos conclusivos e de Direito, e não factos dos que permitam a aquisição por usucapião, bem como inexiste igualmente qualquer referência à forma como o Réu Município adquiriu a posse daqueles imóveis ou ao momento em que possa ter ocorrido inversão do título de posse, o que desde logo impede a aquisição por usucapião;


32º- Na verdade, se a posse do justificante é precária- e no caso é, pois o Município apenas detinha poderes de administração- importaria determinar o momento em que ocorreu a inversão do título de posse o que não se encontra definido nem na escritura e muito menos apurado em sentença.


33º- Não obstante a clareza da prova testemunhal produzida é essencial ter ainda presente que a existência de baldios na freguesia de Rio Maior e, designadamente, na Serra de Aires e Candeeiros, encontra-se documentada em fontes oficiais- governamentais e legislativas- pelo que, acrescendo à prova testemunhal, se impõe a análise de toda a documentação junta e admitida nos autos bem como a leitura da legislação aplicável, tarefa que a sentença não realizou, apesar de os elementos se encontrarem disponíveis no processo.


34º- Os Réus foram confrontados com toda a legislação aplicável (fls. 426 e segs e 725 e segs.), optando por não se pronunciar, sendo que a sentença não pode simplesmente desconsiderar a sua existência, por dela ter tido conhecimento e por ser proveniente de fontes oficiais, que nenhuma sentença pode contrariar.


35º - Assim, e antes de mais, deveria a sentença recorrida ter atendido ao teor do Decreto lei nº 44343, de 12 de Maio de 1962, que no seu artº 1º, submete ao regime florestal parcial os baldios municipais dos concelhos de Rio Maior e Alcobaça, situados na serra dos Candeeiros e seus contrafortes, considerando “como próprios para a execução da Lei 1971, de 15 de Junho de 1938, os terrenos baldios do concelho de Rio Maior, distrito de Santarém, cuja área é de cerca de 1600 ha, situados nas freguesias de Rio Maior e Alcobertas”, dispondo ainda o seu artigo 1.º que “ São submetidas ao regime florestal parcial os baldios municipais dos concelhos de Rio Maior e Alcobaça, cuja área é de cerca de 3600 ha, situados na serra dos Candeeiros e seus contrafortes.


36º- O artº 2º deste Decreto 44343 estabelece o rendimento anual a atribuir às Câmaras Municipais de Rio Maior e Alcobaça, considerando os valores correspondentes à renda média auferida nos últimos anos, confirmando a existência das chamadas “rendas dos baldios”.


37º- No seu artº 3º, o Decreto Lei 44 342 mantém a natureza de baldio dos terrenos submetidos ao regime florestal, afirmando que as “regalias” reconhecidas aos “povos limítrofes”, dentro do limite do perímetro e, sem prejuízo dos trabalhos de arborização, como sejam, apascentação de gados; Roçagem de mato, bem como o aproveitamento dos despojos das primeiras limpezas, no todo ou em parte, conforme as necessidades locais; Recolha de lenhas secas até 0,06 m de diâmetro(…);


38º- Como resulta do artº 4º do mesmo Dec. 44343 é reconhecida a existência de prédios particulares, encravados nos baldios, sem que tal obste a que os demais terrenos confinantes sejam baldios, daí resultando que dentro da área do Perímetro Florestal tudo o que não é propriedade privada legitimamente reconhecida, é baldio.


39º- Face ao preceituado neste artigo 4º, não há que estranhar a presença de prédios privados encravados nos baldios, admitindo-se que alguns estão legais por terem sido adquiridos por usucapião antes da entrada em vigor do Decreto Lei 36/76, estabelecendo- se o principio de que na zona do perímetro florestal é baldio tudo o que não é propriedade legitimamente reconhecida tal como refere a lei mas também sublinhado pelo Vigilante da Serra, HH-cfr. momentos indicados na conclusão 13º.


40º - Do texto deste Decreto lei resulta ainda, na parte que aqui nos interessa e sem espaço para equívocos, que os baldios municipais de Rio Maior, reconhecidos oficialmente, como exigido pela Lei 1971, foram submetidos ao Regime Florestal parcial e, consequentemente, toda a área do Perímetro Florestal é, necessariamente, terreno já oficialmente identificado como baldio, e ainda que em razão do nº 3 do citado Decreto lei, as populações mantém a serventia nos termos ali plasmados e, consequentemente, como resulta também da informação prestada pelo ICNF (documento 7 junto com o requerimento entrado na data de 07.12.2017), a submissão ao Regime Florestal não retira a natureza de baldio a esses terrenos;


41º- Refira-se ainda, a este respeito, que o Decreto Lei 44343 referencia a Lei 1871, de 1938– Lei do povoamento florestal – publicada no Diário do Governo n.º 136, I série, de 15 de Junho de 1938, que determina que “Os terrenos baldios, definitivamente reconhecidos pelos serviços do Ministério da Agricultura (negrito nosso) como mais próprios para a cultura florestal do que para qualquer outra, serão arborizados pelos corpos administrativos ou pelo Estado segundo planos gerais e projectos devidamente aprovados” (Base I) e, de acordo com a Base VI, “Os terrenos baldios, depois de submetidos ao regime florestal, entram na posse dos serviços à medida que forem arborizados ou a contar da respectiva notificação.”


42º -Este reconhecimento dos baldios, a que alude a Lei nº 1971, teve efectivamente lugar através do levantamento dos terrenos Baldios do Continente que foi realizado pela Junta de Colonização Interna, extinto órgão do Ministério da Agricultura, criada pelo artº 171º do Decreto 27:207, de 16.11.1936, cujo regime legal foi estabelecido pela Lei 2014, de 1946 e regulamentado pelo decreto Lei 36706, de 1948 sendo que por força do parag. 4º do artº 173º do citado Decreto Lei 27:207, de 16.11, competiu à então Junta de Colonização interna, mais tarde extinta pelo Dec. Lei 539/74, de 12.10, efectuar, para além do mais, o reconhecimento e estabelecer a reserva dos terrenos baldios do Estado.


43º- Assim, como referido e dentro do âmbito das suas competências, a Junta de Colonização procedeu a levantamento e identificou os baldios do país, entre os quais os localizados na Serra de Aires e dos Candeeiros, freguesia de Rio Maior, publicando esse levantamento através da publicação “Reconhecimento dos Baldios do Continente”, datada de 1939, cuja junção foi considerada intempestiva mas que não pode ser ignorado por se tratar de fonte governamental, que deu origem a dois diplomas legais e que a sentença não pode desconsiderar, motivo pelo qual a sua admissão se mantém pendente de recurso, pugnando-se pela sua admissão ao abrigo do principio do inquisitório- artº 411º NCPC.


44º-O Perímetro Florestal da Serra de Aires e Candeeiros, que resulta da submissão dos baldios e não lhes retira essa natureza, encontra-se sobejamente definido pelos mapas elaborados pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas e Direção Geral do Território, estes juntos e admitidos nos autos, designadamente a fls. 448 (com o requerimento datado de 07.12.2017) e ainda de fls. 605/606 (requerido e admitido em audiência de julgamento de 23.11.2021), bem como em cartas militares cuja junção se encontra pendente de recurso as quais são um “plus” que reforça os demais mapas e cuja apreciação não desenvolveremos.


45º- Quanto à necessária prova da delimitação da área dos baldios da serra, diga-se que o mapa junto a fls. 606, elaborado pela Direção geral do Território e admitido por despacho de 23.11.2021, delimita como Perímetro Florestal toda a área do imovel que corresponde ao artigo matricial nº 1 da Secção D-D4; sendo os demais identificados como Perímetro Florestal no mapa elaborado pelo ICNF, que acompanha o oficio de fls. 448, o qual inclui na área do Perímetro Florestal também áreas que correspondem aos imóveis identificados pelos demais artigos matriciais nº 10 da secção D, 81 e 82 da secção O, 18 da secção N, 22 da secção N e 82 da secção AI;


46º- Este mapa de fls. 606, elaborado pela Direção Geral do Território, demonstra, inequivocamente, a correspondência da área do perímetro Florestal com a descrição que corresponde ao artigo matricial nº 1 da secção D-D4 sendo de notar que, conforme consta do oficio que o anexa e que faz fls. 605 dos autos, foi elaborado com recurso à carta de condicionantes enquanto que o mapa de perímetro Florestal que faz fls. 448 não traz essa menção.


47º-Acontece que o próprio Município de Rio Maior reconhece e identifica a existência de baldios na Serra de Aires e Candeeiros, o que faz no artº 11º do seu Plano Director Municipal, publicado no DR -1Série B, nº 114, de 1995, com as alterações introduzidas a 19.04.2002, 12.06.2008 (DR 112, 2ª serie), 11.03.2010 (DR 49, II série), 14.11.2028 (DR 219, II Série) e 20.07.2021 (DR nº 139, 2ª Série).


48º- Neste artº 11º do PDM, diz-se que “1- Nos termos do decreto-Lei nº 44 343, de 12 de Maio de 1962, estão submetidos ao regime florestal parcial os baldios do concelho de Rio Maior, identificados na carta de condicionantes (2) e localizados nas freguesias de Rio Maior e Alcobertas. 2- As áreas submetidas ao regime florestal são regulamentadas pelo disposto nos Decretos de 24 de Dezembro de 1901 e de 24 de Dezembro de 1903 que o instituíram, ficando ainda sujeitos aos respectivos regulamentos e ordenamento de exploração.”.


49º- Nos autos, temos dois mapas, realizados por duas entidades diferentes, sendo que o mapa elaborado pela Direção Geral do Território, que faz fls. 606 dos autos e foi junto e admitido em audiência de julgamento, na sessão de 23.11.2021, foi elaborado com recurso à carta de condicionantes a que se refere o artº 11º do PDM de Rio Maior e identifica como tal toda a área que corresponde à inscrição matricial nº 1 D-D4,


50º- Conforme se pode ler no oficio que o remete, explicitando as fontes utilizadas para elaboração desse mapa: “A delimitação do perímetro florestal da Serra dos Candeeiros foi extraída da Planta de Condicionantes da 1ª Revisão do Plano de Ordenamento do Parque Nacional das Serras de Aire e Candeeiros- Resolução do Conselho de Ministros nº 57/2010 de 12 de agosto”. –cfr. fls. 605 (negrito nosso)


51º- E, nos termos deste mapa elaborado com recurso à carta de condicionantes, é perímetro florestal - como vimos a sua área resulta da submissão dos baldios ao Regime Florestal Parcial, na Serra dos Candeeiros- toda a área que corresponde aos artigos matriciais nº 1 da secção D-D4, sendo os demais, com a identificação nº 10 da secção D, nº 81 da Secção O, nº 82 da secção O, nº 18 da Secção N, nº 22 da Secção N e nº 82 d secção AI, identificados como Perímetro Florestal pela entidade que o gere, ao seja, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas – artº 4º al. g) do DL n.º 43/2019, de 29 de Março, o que só por si justificava, ainda que nada mais houvesse, decisão diferente da que foi proferida em sentença.

52º- Na verdade, o artº 11º do Plano Director Municipal de Rio Maior refere que estão submetidos ao regime florestal parcial os baldios do concelho de Rio Maior, identificados na carta de condicionantes e, nos autos, temos um mapa do perímetro florestal elaborado de acordo com esta carta de condicionantes que coincide, reigorasamente, com as áreas indicadas em sede de petição inicial.

53º- Acresce referir ainda que, tal como consta ainda do mesmo oficio que acompanha a junção do mapa elaborado pela Direção Geral do Território, que faz fls. 606, “A delimitação dos prédios rústicos da freguesia de Rio Maior identificados no mapa foi extraída das secções cadastrais do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica do concelho de Rio Maior cuja entrada em vigor ocorreu a 30/09/1986, conforme D.R. nº 208 da 10/09/1986, II Série”.

54º- As escrituras de usucapião que se impugnam encontram-se datadas de 27 de Agosto de 1987 e 27 de Maio de 1993, ou seja, foram outorgadas, no cartório privativo do Município de Rio Maior, logo a seguir à identificação e publicação em Diário da República destes artigos matriciais.

55º- Não é, pois, irrelevante, que na acta da Assembleia Municipal de Rio Maior, Sessão Ordinária de 23.02.2006, a pessoa identificada como “SR SS”, tomando da palavra imediatamente a seguir à “PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA DE RIO MAIOR” tenha referido, tal como ali consta, que: “Questionou quanto ao facto de em 1987 o Senhor Presidente de Câmara ter segurado os Baldios, senão iriam para as mãos do Estado; quem não o faria?”- documento nº 2 junto com a petição inicial.

56º- Este documento, tal como os demais juntos pelo Autor cujo emitente é o Município de Rio Maior, não foi impugnado pelo seu emissor, o Réu Município, tendo apenas sido impugnado genericamente pelas Rés, afirmando desconhece-los mas sem arguir a sua falsidade nem quanto ao conteúdo, nem quanto à genuinidade e assinaturas pelo que não pode ser desconsiderado como documento probatório, como nesta parte bem foi considerado em sentença, que o incluiu no elenco dos factos provados sem, contudo, o valorar.

57º- É jurisprudência pacífica que a simples afirmação de que se impugna um documento apresentado pela parte não é impugnação da letra ou assinatura a que se refere o artº 374º nem arguição da falsidade do documento a que se refere o artº 376º, ambos do Ccivil, e que a impugnação generalizada dos documentos juntos aos autos, feita nos termos do artº 415º do CPC, não tem o mesmo sentido, nem vale como impugnação da genuinidade do documento, prevista no nº 1 do artº 444º do CPC.

58º- Não tendo sido impugnados nesses termos, atento o disposto nos nºs 1e 2 do artº 376º do CC e não tendo sido validamente arguida factualidade que conduzisse à sua nulidade, tais escritos fazem prova plena, mormente porque não impugnados pelo seu emissor, devendo considerar-se provados os factos compreendidos nas declarações.

59º- Em síntese, a mera impugnação genérica de documentos juntos aos autos, sem que seja posta em causa a genuinidade dos mesmos, nem a sua força probatória, não impede que seja dado como provado o facto por eles documentado, como sucedeu na sentença proferida nos autos.

60º- Conclui-se, pois, que a sentença recorrida considerou estes documentos mas não os valorou no conjunto da prova, desconsiderando, sem apresentar qualquer justificação, o seu conteúdo, do mesmo modo que não considerou o depoimento das testemunhas do Autor sem que, do mesmo modo, tenha apresentado qualquer justificação para tal.

61º Não existem dúvidas de que o Réu Município de Rio Maior sabe e sempre soube da existência de Baldios na freguesia de Rio Maior, bem como conhece e sempre conheceu a sua área e delimitação, como se evidencia dos documentos juntos e do artº 11º do seu Plano Director Municipal (P.D.M.) , pelo que a factualidade constante do artº 11º dos factos não provados deve ser dado como provada. Mas não só.

62º- Na verdade, entre estes documentos juntos pelo Autor com a petição inicial, inclui-se, para além do mais, um oficio emitido pela Câmara Municipal de Rio Maior e dirigido à Telecom de Portugal, datado de 09.02.1994, não impugnado pelo seu emitente, o Réu Município de Rio Maior, no qual consta, para além do mais, que “O terreno em causa faz parte do artigo rústico número 0001 da secção D (…) O mesmo consta da relação de baldios existentes no concelho de Rio Maior; Pelo DL 44343 de 12.05.62 foi submetido ao regime florestal a cargo da Direção Geral dos Serviços Florestais; Atualmente faz parte integrante do Parque Natural da Serra de Aires e Candeeiros; (…)

63º- Neste oficio refere-se expressamente, que o terreno que a Portugal Telecom pretendia regularizar integra o imóvel que corresponde ao artigo rústico da secção D e consta da relação de baldios existentes no concelho de Rio Maior, pelo há que concluir que tal como acontece com os Baldios de Alcobertas (documento junto com a petição inicial), a Câmara Municipal de Rio Maior dispõe de uma relação dos terrenos baldios que existem na freguesia de Rio Maior; retirando-se desse oficio ainda, claramente, que dessa relação faz parte, para além de outros, o imóvel que se encontra identificado no artigo rústico nº 0001 da Secção D, com a área de 55,500 Ha.

64º- O imóvel que corresponde ao artigo rústico nº 0001 da Secção D é um dos que o Autor peticiona que seja declarado baldio pelo que, ainda que mais nada houvesse, nunca poderia a douta sentença recorrida afirmar, como afirmou, a improcedência da ação, ainda mais com a simplicidade com que o fez.

65º Resulta do depoimento das testemunhas, bem como do documento que faz fls. 122 a 126, subscrito pelo então Presidente da Junta de Freguesia Engenheiro GG, actual Presidente da Câmara Municipal de Rio Maior, que nunca existiu colaboração da Câmara Municipal de Rio Maior com a Junta de Freguesia de Rio Maior no sentido de permitir a identificação dos terrenos baldios da freguesia de Rio Maior sendo que essa identificação existe e sempre esteve na disponibilidade do Município de Rio Maior

66º- Encontra-se explicação para tal no facto de as escrituras de usucapião celebradas pelo município no seu cartório privado assentarem justamente sobre terrenos baldios, que o Réu Município quis salvaguardar na sua posse e que hoje são uma fonte de rendimentos para o Município, designadamente por via dos contratos celebrados com as Rés.

67º- A sentença recorrida é ainda contraditória porquanto consta do elenco dos factos provados, sob o nº 24, que foi constituída Assembleia de Compartes, cuja existência depende da existência de Baldios, mas não retira desse facto as devidas ilações.

68º-Há ainda a considerar que por força do regime decorrente do Decreto lei 36/76, os baldios não podem ser objecto de usucapião desde a entrada em vigor desse diploma, podendo sê-lo na vigência do Código Administrativo de 1940, por privados. Não pelo Município, porquanto este código lhe atribuía poderes de Administração sobre os baldios pelo que, para usucapir, para além da efectivação dos actos integradores da posse e do animus, as escrituras teriam ainda de ter a menção à data em que se verificou a inversão do título de posse, à qual, aliás se refere o artº 32º da contestação, ou seja, a data em que o Município passou a agir como proprietário, que inexiste em ambas as escrituras, in casu.

69º- Não se prova a usucapião por simples contratos de arrendamento e a própria matéria elencada em sentença, destituída das expressões conclusivas e conceitos de Direito, não permite afirmar a aquisição por usucapião dos prédios identificados.

70º- O ónus da prova relativamente aos factos suficientes para integrarem a aquisição do direito de propriedade que nas escrituras se arroga competia ao Réu Municipio de Rio Maior, nos termos do disposto no artº 343º nº 1 do Código Civil, por se tratar de acção de simples apreciação negativa- artº 4º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil, normas que assim se mostram violadas pois apesar de afirmar essa repartição do ónus da prova a sentença recorrida acaba por fazer recair sobre o Autor esse ónus.

71º- Até à publicação do dec. Lei 39/76, de 19.01, os Baldios eram geridos e administrados pelas Juntas de freguesia ou pelas Câmaras Municipais, consoante fossem paroquiais ou municipais pois antes da entrada em vigor do citado dec. Lei 39/76 aplicava-se aos baldios o regime previsto no Código Administrativo de 1940, ou seja, por força do disposto nos artº 44º nº 1, 45º nº 1, 2 e 3, 51º nº 4 e 6, todos ex vi artº 394º deste Código Administrativo, era atribuída às Câmaras Municipais a administração dos baldios municipais (a administração dos baldios paroquiais competia às juntas de freguesia).

72º- Detendo o Réu Município poderes de mera administração, impunha-se que as escrituras mencionassem o momento da inversão do título de posse, o que não aconteceu.

73º- É irrelevante, a junção de um ou vários contratos de arrendamento, nos quais apenas se afirma a posição de outorgante relativamente a uma parcela especifica de terreno localizada no Alto da Serra, sendo que a Câmara Municipal não era proprietária nem poderia ter adquirido por usucapião durante a vigência deste normativo e até à entrada em vigor do Dec. Lei 39/76, uma vez que quem tem a administração de certa coisa alheia não exerce verdadeiros actos de posse, até ao momento em que ocorra inversão do título.

74º- E também não pode ter adquirido por usucapião depois da entrada em vigor deste diploma pois que o Dec. Lei 39/76, no seu artº 2º, dispõe expressamente que “os terrenos baldios se encontram fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião”, principio que se manteve nos sucessivos diplomas que regulam os baldios.

75º- Ou seja, anteriormente e até à entrada em vigor do Decreto lei 39/76 particulares podiam adquirir terrenos baldios, designadamente por usucapião, mas o Município não poderia usucapir porquanto detinha sobre esses terrenos meros poderes de administração, não agindo como proprietário e não se discutindo que o Réu Município de Rio Maior tenha celebrado contratos de arrendamento, na qualidade de administrador.

76º- Encontrando-se os baldios de Rio Maior submetidos ao Regime Florestal Parcial não é de surpreender que nos seus depoimentos as testemunhas refiram com maior precisão o aproveitamento da serra feito pelos seus antepassados e não actualmente, sendo da própria natureza dos tempos que esse aproveitamento não seja agora realizado como o era há cinquenta, cem ou duzentos anos, uma vez que a actual configuração das áreas que correspondem aos artigos matriciais em causa encontra-se arborizada, por via da já referida submissão ao perímetro florestal parcial dos baldios.

77º - Como resulta dos momentos de gravação indicados e mesmo com a salvaguarda do principio da imediação, verifica-se que o depoimento das testemunhas DD, EE, FF, HH, KK, LL, II e JJ é credível e deve ser considerado.

78º- Relativamente à prova documental há a considerar que os documentos juntos com a petição inicial, designadamente as cópias de documentos emitidos pelo Réu Município de Rio Maior, foram considerados no elenco da matéria provada em sentença, e bem, mas a sentença deles não extrai qualquer consequência relativamente ao seu conteúdo, encontrando-se nesta situação, designadamente, os documentos a que se referem os factos provados elencados sob os pontos 13 e 14, bem assim como o documento 14 junto com a petição inicial bem como os remetidos pelo ICNF e Direção Geral do Território a fls. 448/449 e 605/606.

79º- Não há como desconsiderar, face à sua importância, os mapas que delimitam a área do perímetro florestal, que corresponde à área dos baldios da Serra de Aires e Candeeiros, e nem se diga que a questão dos limites do Perímetro Florestal não se incluem nos temas da prova ou que não consta do articulado inicial pois que a delimitação da área dos baldios em conformidade com os limites do perímetro florestal para além de resultar da lei, impondo-se ao julgador, é relevante para a prova dos factos alegados em sede de petição inicial e, consequentemente, deve ser atendida.

80º- Assim, violou ainda a sentença recorrida o disposto nos artº 1º a 4º do Decreto 444 343, de 12 de Maio, que desconsiderou como relevante enquanto definidor da submissão dos baldios ao Regime Florestal Parcial mantendo esta sua natureza, quando, quando deveria ter atendido que as referidas disposições legais identificam, com clareza, que os baldios reconhecidos para efeitos da lei 1971, de 1938, resultam da submissão ao regime florestal e correspondem à área do perímetro Florestal da Serra de Aires e Candeeiros, mantendo a sua natureza de baldio e sendo, portanto, área comunitária, da qual o Município não pode dispor como se fosse sua propriedade privada nem pode adquirir.

81º- Consequentemente, deve a sentença ser alterada no elenco da matéria de facto, dando-se como provado os factos constantes dos artigos devem ser considerados provados os factos elencados como não provados sob os artº 1º a 33º da sentença. que correspondem aos artigos 1º a 8º, 10º a 13º, parte final do 17º, 28º, 30º, 31º e 33º da petição inicial, com fundamento nos depoimentos de DD, EE, FF, GG, JJ e KK, com reporte aos momentos de gravação identificados no artº 13º destas conclusões, documentos juntos com a petição inicial nº 14 e, designadamente o 13 e 14 elencados nos factos provados, mapas de fls. 468 e 606 que definem os limites do Perímetro floresta, ofícios que os anexam cujo teor expõe as fontes utilizadas na sua elaboração, que fazem fls. 468 e 603 e ainda na legislação indicada,

82º Bem como devem ser extraídas dos factos provados todas as expressões conclusivas e conceitos de direito inclusos no elenco da matéria provada que, consequentemente devem ser dados como não escritos.

83º Consequentemente, com fundamento na ausência de factos que o suportem, bem como nos depoimentos das testemunhas e documentos indicados, bem ainda com respeito ao ónus da prova, deverá ser dada como não provada toda a matéria constante dos pontos 1 a 7 dos factos provados, concluindo-se pela ausência de prova que suporte a aquisição originária dos imoveis, por parte do Réu Município de Rio Maior.

84º- Bem como deve ser dada como não provada a factualidade constante da primeira parte do facto provado 24, porquanto a constituição da Assembleia de Compartes não foi iniciativa da Junta de freguesia de Rio Maior, embora impulsionada pela então sua Presidente, TT, conforme resulta do documento 14 junto com a Petição inicial, que faz fls. 122 a 126 dos autos, e ainda do depoimento das testemunhas DD, sessão de 16.11.2021, momentos 00.23.56 a 00.28.46, 00.32.02 a 00.35.07 do seu depoimentos e FF: momentos 00.14.06 a 00.33.42 e 00.35.48 a 00.41.29 e 00.41.30 a 00.43.57 do seu depoimento e , na sessão de 23.11.201, JJ: momentos 00.08.43 a 00.15.12 e LL: 00.09.25 a 00.12.49.

85º- Sem prejuízo, deve ser declarada a nulidade das escrituras impugnadas por não conterem factos susceptíveis de permitir a justificação nem qualquer menção ao momento em que tenha ocorrido a inversão do título de posse, por parte do Réu Município.

86º- Violou ainda a sentença recorrida o disposto nos artigos artº 343º nº 1 do Código Civil, por se tratar de acção de simples apreciação negativa- artº 4º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil, que deveria ter interpretado no sentido de que competia ao Réu Município fazer prova dos factos aquisitivos dos direitos de propriedade que se arrogou mas não deu esse sentido ao preceituado tendo feito incidir esse ónus sobre o Autor;

87º- Bem como violou ainda o disposto nos artigos 1º a 4º do Decreto 444 343 e Lei 1971, de 1938, que desconsiderou, não reconhecendo a existência de baldios na serra de Aires e Candeeiros, quando esses diplomas expressamente os reconhecem, assim como não reconheceu a submissão dos baldios ao Regime Florestal, recusando a delimitação dos baldios pela área do perímetro Florestal, quando o deveria ter feito, como é de lei e dispõem esses normativos.

88º- E assim como violou ainda o disposto no artº 4º do DLei n.º 43/2019, de 29 de Março, que deveria ter aplicado no sentido de reconhecer competência para a gestão da área submetida ao regime Florestal ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas quando, ao invés, interpretou no sentido de reconhecer direitos privados de propriedade a áreas identificadas como Perímetro Florestal.

89º- Consequentemente, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que, alterando a matéria de facto nos termos contantes destas conclusões, e aplicando os normativos indicados, reconheça a natureza de baldio de todos os terrenos submetidos ao regime Florestal e identificados como Perímetro Florestal conforme mapas juntos pelo ICNF, que como resulta da conjugação com o mapa elaborado pela DGT, têm a área, configuração e delimitações que correspondem aos artigos matriciais indicados na petição inicial, designadamente nº 1 da Secção D-D4; nº 10 da secção D, 81 e 82 da secção O, 18 da secção N, 22 da secção N e 82 da secção AI.

90º- Deve ainda a sentença ser revogada no sentido de ser declarada a nulidade das escrituras impugnadas, por as mesmas serem falsas e não permitirem o reconhecimento de factos integradores de aquisição originária do direito de propriedade, como seja a usucapião, nem delas constarem factos integradores desse direito ou o momento em que tenha ocorrido inversão do título de posse.

91º- Caso esse Venerando Tribunal decida que existiu má fé por parte das Rés ao momento da celebração dos contratos, mais deverá ser declarada a nulidade dos contratos celebrados entre estas e o Réu Município.

92º- Evidenciando-se manifesta má fé processual porquanto litigou o Réu Município de Rio Maior conhecedor da sua falta de razão, deduzindo oposição contra normas expressas e contra facto próprio, no caso do Réu Município de Rio Maior, face ao disposto no artº 11º do seu PDM e considerando o teor dos documentos 13 e 14 elencados em sentença bem como o documento 14 junto com a petição inicial, mais se impõe a sua condenação em litigância de má fé.

Termos em que, revogando a douta sentença recorrida e fazendo proceder a acção, nos termos peticionados, farão Vª Exª a costumada JUSTIÇA!

*


Os Réus contra-alegaram e requereram a ampliação do objeto do recurso.


O Município de Rio Maior concluiu da seguinte forma:

i. Recai sobre o Recorrente o ónus de especificar os concretos pontos de facto que, no seu entender, foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo e qual a decisão que deveria ter sido proferida, considerando as questões suscitadas, nos termos do artigo 640.º, n.º 1 do CPC;

ii. Vem o Recorrente alegar que os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, dos factos dados como provados são manifestamente conclusivos e não configuram factos mas sim conceitos de Direito aos quais os factos provados se deveriam subsumir, pelo que deverão ser extraídos e dados como não constantes do elenco dos factos provados.

iii. Vem, por outro lado, alegar que os factos dados como não provados que reproduzem os artigos 1º a 8º, 10º a 13º, parte final do 17º, 28º, 30º, 31º e 33º, da petição inicial devem incluir-se no elenco dos factos provados.

iv. O Recorrente não concretiza nem objetiva, como era seu dever, os factos que entende que não deviam ter sido dados como provados e os factos que deviam ter sido dados como provados. Quanto aos factos que entende que não deviam ter sido dados como provados, apenas alega o Recorrente que os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, dos factos dados como provados são manifestamente conclusivos e não configuram factos mas sim conceitos de direito.

v. O Recorrente não fundamentou, em face da prova produzida, as razões e as provas que levariam a conclusão contrária daquela que é expressa pelos factos dados como provados e não elenca, de forma clara, se tais factos deveriam ser dados como provados apenas parcialmente ou totalmente, e qual deveria ser a decisão sobre tais factos impugnados.

vi. O que leva à conclusão inevitável de que o Recurso em análise não cumpre com os requisitos legais constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, que determina a rejeição liminar do recurso, não se conhecendo da impugnação da matéria de facto, o que se requer.

vii. O Recorrente mais não faz do que uma impugnação em bloco, não conexionando cada facto individualizadamente, ou, pelo menos, grupos de factos que estejam intimamente relacionados, com os concretos meios de prova a que alude.

viii. Também, ao impugnar a decisão proferida na Douta Sentença, colocando-a em crise, sobre matéria de facto, certo é que cabe ao Recorrente especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, conforme consta da alínea b) do número 1 do artigo 640.º do CPC, mas fá-lo de forma insuficiente e, como considera a Jurisprudência, de forma inadmissível e sujeita a rejeição de recurso, nos termos do número 1 do referido artigo.

ix. Prescreve a alínea a) do número 2 do artigo ainda em referência que “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”

x. Termos em que considera o Recorrido que não restará outra consequência que não a de rejeição imediata do recurso quanto à matéria de facto, não sendo admissível que o Recorrente, transfira para o Tribunal ou para as demais Partes, ónus de ouvir todos os depoimentos das testemunhas indicadas, por forma a sindicar a posição do Recorrente.

xi. Sendo imediatamente rejeitado o recurso quanto à matéria de facto, sempre se dirá que o presente Recurso é manifestamente extemporâneo, por verificada a preclusão do direito de interposição de recurso em momento anterior à da interposição do presente, sendo o prazo para interposição de Recurso de 30 dias, nos termos do disposto no número 1 do artigo 638.º do CPC, contando-se a partir da notificação da decisão, que se verificou no dia 02.04.2024, fixando-se assim o prazo em análise no dia 06.05.2024 e o Recorrente apenas interpôs o referido Recurso no dia 14.05.2024, ou seja, 8 dias após a preclusão do direito processual para o fazer.

xii. Prescreve o artigo 639.º do CPC que cabe ao Recorrente o ónus de alegar e formular conclusões, transpondo, a par do artigo 640.º, os requisitos necessários para a admissibilidade do recurso, mas, não obstante, não se coíbe o Recorrente de – em 92 pontos! – apresentar conclusões manifestamente prolixas e repetidas no conteúdo face às alegações, devendo, por isso, o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento.

xiii. Entende o Recorrente que os factos elencados em 1 a 7 dos factos provados não deveriam ser dados como provados na Douta Sentença, por serem factos conclusivos, mas a doutrina tem-se pronunciado sobre o conceito e admissibilidade dos factos conclusivos, com uma evolução notória, em face da nova estrutura do Processo Civil.

xiv. Seguindo a melhor doutrina e jurisprudência, temos que não vislumbramos como os factos dados como provados em 1 a 7 possam ser considerados conclusivos, ou mesmo sendo, como e porquê devem ser eliminados da matéria de facto dada como provada.

xv. O Facto 1 trata-se de facto (ou factos), que elencam as ações especificas praticadas pela Câmara Municipal de Rio Maior: a posse, desde 1945, pacifica e de boa-fé, com conhecimento de toda a gente e sem qualquer interrupção ou oposição de quem quer que fosse, não se encontrando aqui factos jurídicos. São afirmações fácticas que correspondem aos segmentos normativos através dos quais o legislador regulou a forma de aquisição originária em causa nos autos.

xvi. Também no facto 2. apenas vemos factos materiais, que não conclusivos ou jurídicos. Diz-se que a Câmara Municipal de Rio Maior praticou diversos atos devidamente especificados sobre os terrenos em causa nos autos.

xvii. O facto 3. Também é material. Ligado com o facto 2, relata que os atos ali elencados são do conhecimento dos cidadãos mais idosos da freguesia. Bastará atentar no depoimento da testemunha mais idosa do conjunto dos róis – MM – de 84 anos, que sempre viveu na freguesia (nascido, por simples cálculo aritmético, em 1938) e no que refere sobre esta matéria.

xviii. Sobre o ponto 4 também contém factos materiais. A posse da Câmara Municipal sempre foi reconhecida (no período temporal resultante dos factos anteriores) por toda a população da freguesia e de outros lugares. Existem contratos nos autos celebrados com cidadãos de outras freguesias e testemunhas depuseram sobre esse tema (ex.º testemunha UU).

xix. O Facto 5 é um facto negativo, mas material. Não existiu neste período utilização coletiva e comunitária – cfr. entre outros o depoimento da testemunha MM. A utilização comunitária e coletiva é um facto externo e apreensível por qualquer pessoa, não sendo conceito jurídico.

xx. O facto 6 contém o reflexo da prova produzida: os títulos de posse constam nos autos (contratos de arrendamento juntos com a PI), que foram conferidos pelo Município de Rio Maior, resultando dos mesmos que o Município de Rio Maior era o seu proprietário e destinavam-se a ser utilizados pelo co-contratante, também identificado.

xxi. Sobre o facto 7 resulta do senso comum o que é agir como proprietário. Foi mencionado desta forma por diversas testemunhas. Agir como proprietário não se pode confundir com o facto, esse sim conclusivo, de ser proprietário. Afirmar-se que uma pessoa agiu como proprietário significa que praticou os atos atribuíveis a um proprietário, agindo como tal, como já se encontra demonstrado nos factos anteriores. Não diz o facto que a Câmara é proprietária – neste segmento da Sentença.

xxii. Sobre a primeira parte do facto 24, a alegação do Recorrente é tão estranha que até é difícil exercer o direito de defesa sobre a mesma, pois levada a sério constitui um verdadeiro venire contra factum proprium, pois é dado como provado um artigo da PI – o 19.º, pelo que devem improceder estas alegações do Recorrente.

xxiii. A Sentença, e bem, na fundamentação da decisão, alude à prova documental e testemunhal que fundamenta estes factos: “A matéria dos números 1 a 9 dos factos provados diz respeito à prova dos requisitos da aquisição dos prédios por usucapião. Para o efeito. mostraram-se relevantes os documentos juntos a fls. 317 verso, que refere ao pedido para arrendamento da pedreira, sita na Serra dos Candeeiros, datada de 07.02.1975 e o contrato de arrendamento de uma parcela de terreno ocupada com uma casa de habitação e um logradouro, datada de 28.05.1949, sita no Alto da Serra (fls. 723-724). Mostraram-se também relevantes os depoimentos das testemunhas: VV, residente em Local 1 Rio Maior, que explora um restaurante e moinhos como alojamento de turismo rural no Local 1, e que, por força do seu activismo social, acompanhou sempre o desenvolvimento do Alto da Serra, sabendo que existem na serra várias propriedades privadas e que os terrenos da serra que não são privados são propriedade da Câmara Municipal de Rio Maior, propriedades que a Câmara sempre administrou, autorizando a sua utilização pelas populações quando lhe foi requerido, loteando, vendendo terrenos, designadamente, onde está instalado o turismo rural e suportando o custo das obras de fornecimento de água à população; OO, residente em Local 2, localidade que confina com a Serra dos Candeeiros, onde nasceu e foi criado, que de forma clara e conhecedor da vivência no local relatou que existem vários proprietários de terrenos na serra e que as populações quando queriam utilizar os terrenos que pertencem à Câmara Municipal iam pedir à autarquia e que, a única entidade que interveio na serra foi a Câmara Municipal de Rio Maior, construindo depósitos de água e condutas. E acrescentou que, por força das suas funções no município, tomou conhecimento da existência da transmissão de terrenos formalizadas pela através de Alvarás, através dos quais, as pessoas passavam a ser proprietários; PP, pessoa que realizou o inventário dos bens do Município e pôde verificar a existência de documentos de venda e escrituras de arrendamento de terrenos na serra, propriedade do Município, desde os anos quarenta; e UU, que mencionou a necessidade do pedido de autorização para utilização dos terrenos propriedade do Município de Rio Maior e a existência de terrenos arrendados pela autarquia na serra. Com base nas considerações atrás referidas se considerou provado que a Câmara Municipal de Rio Maior, como órgão executivo do Município de Rio Maior, praticou sobre os prédios atrás identificados, actos próprios da sua qualidade de proprietária, vendendo e arrendando e realizando obras, sendo essa qualidade conhecida e reconhecida por todos (factos 1 a 9 dos factos provados), considerando-se não provado o alegado pelo A. no artigo 13.° (1.a parte), da petição inicial.”.

xxiv. Estes factos têm suporte nos contratos de arrendamento de prédios sitos na freguesia de Rio Maior, na Serra de Aires e Candeeiros – docs. 1 a 8 da Contestação (Prova do Facto n.º 1). Estes contratos de arrendamento provam que era a Câmara Municipal de Rio Maior que administrava os referidos prédios na serra, e os dava de arrendamento, mediante o pagamento pelos interessados de um preço. Estes contratos de arrendamento remontam às décadas de 40 e 50 (Prova do Facto n.º 2). Também na Escritura de arrendamento de parcelas de terreno compreendidas nos terrenos em causa nos autos, fls. 723 e 724 (Prova do facto n.º 2).

xxv. Também diversas testemunhas, designadamente as que são referidas na fundamentação e que corroboram cada um dos mencionados factos, como segue: A Testemunha VV, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 04.05.2022 – 20220504102440_­2690661_2871698, entre os tempos 00:01:00 e 00:45:11 (formato HH:MM:SS); A Testemunha UU, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 25.05.2022 – 20220525104509_2690661_2871698, entre os tempos 00:01:00 e 00:34:40 (formato HH:MM:SS); Testemunha PP, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 25.05.2022 – 20220525100458_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:60 e 00:36:26 (formato HH:MM:SS); A Testemunha OO, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 04.05.2022 – 20220504114313_2690661_2871698, entre os tempos 00:01:00 e 00:42:09 (formato HH:MM:SS);

xxvi. Já as testemunhas mencionadas pelo Recorrente, para além de algumas terem interesse na causa (ex.º FF que é a primeira Comparte que consta na escritura junta como Doc. 11 com a PI), outras não residem sequer nos lugares da freguesia em causa ou não depuseram sobre factos concretos que possam fazer concluir por uma utilização coletiva dos terrenos ou que suportem qualquer dos factos que fundamentariam a sua natureza de terrenos baldios.

xxvii. O depoimento da testemunha FF não se pode, de todo, considerar isento, sendo um depoimento claramente parcial, com interesse na causa, pois que, como a própria referiu no seu depoimento gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 16.11.2021 – 20211116142220_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:14 e 00:57:40 (formato HH:MM:SS): Não merece credibilidade, logo à partida, pois que não se presta a fornecer elementos seguros ao julgador necessários à boa decisão da causa. E foi, até, na qualidade “privilegiada” que detinha que reuniu documentação, nomeadamente, Atas da Assembleia Municipal de Rio Maior, que entregou ao Recorrente, para, em parceria com este, levar por diante a ação (conjunta).

xxviii. Do depoimento da testemunha II, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 16.11.2021 – 20211116162207_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:00 e 00:22:19 (formato HH:MM:SS), conclui-se que nada sabe de concreto, factos concretos, sobre a alegada utilização coletiva dos terrenos.

xxix. Do depoimento da testemunha KK, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 23.11.2021 – 20211123114913_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:00 e 00:49:44 (formato HH:MM:SS), conclui-se que nem sequer consegue localizar os baldios que diz existir, justificando a denominação por ser a “voz comum”;

xxx. Do depoimento da testemunha DD, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 16.11.2021 – 20211116100746_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:00 e 00:50:48 (formato HH:MM:SS), ressalta, desde logo, que a população da Serra, ou parte dela, tomou conhecimento da celebração das escrituras de usucapião e nunca se opuseram ou impugnaram, conformando-se com aquisição dos terrenos por parte da Câmara;

xxxi. O depoimento da testemunha EE, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 16.11.2021 – 20211116105947_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:00 e 00:46:48 (formato HH:MM:SS), encontra-se em grande parte muito impercetível, donde não se consegue, desde logo, retirar as “ideias” e considerandos do Recorrente constantes do requerimento de recurso que, aliás, não transcreve. Do que é possível retirar a testemunha, pastor de caprinos, tem consciência que os terrenos onde pastoreia não são seus e que o pastoreio é permitido em terrenos particulares e não apenas em baldios.

xxxii. No depoimento da testemunha JJ, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 23.11.2021 – 20211123111036_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:00 e 00:46:48 (formato HH:MM:SS), verificamos que para além de não ter conseguido identificar os baldios, as escrituras de ususcapião não foram, de todo, impugnadas, durante anos, e era do conhecimento comum que a Câmara vendia terrenos na Serra, para construção de casas por particulares.

xxxiii. No depoimento da testemunha HH, cujo depoimento está gravado no ficheiro constante nos presentes autos, na Plataforma CITIUS, no dia 23.11.2021 – 20211116152047_2690661_2871698, entre os tempos 00:00:00 e 00:38:50 (formato HH:MM:SS), conclui-se que tem uma visão global dos baldios e não da delimitação dos baldios em particular e da utilização comunitária que se discute nos autos, mas apenas refere ter visto rebanhos, que como é do senso comum, podem pastorear em locais públicos e privados, com autorização dos seus proprietários que beneficiam dessa atividade.

xxxiv. Cabia ao Autor alegar e provar os factos constitutivos do direito (ou a classificação) que invoca sobre os prédios em causa, o que não fez. Andou bem o Tribunal a quo ao concluir que o Autor não demonstrou, o que lhe caberia, que o Réu, Município de Rio Maior, não adquiriu terrenos inscritos matricialmente em seu nome e que estes e os terrenos que foram objeto da escritura de usucapião são terrenos baldios.

xxxv. O Réu, Municipio de Rio Maior, fez muito mais do que lhe competia e provou, precisamente que é legitimo proprietário dos terrenos e que os mesmos não são baldios, comprovando que, mesmo que os terrenos tenham sido baldios, existiu a inversão do título da posse, no máximo, em 1964, data em que se completaram 15 anos de posse pacífica e de boa fé da Câmara Municipal sobre os terrenos em causa nos autos (contados sobre a prova documental mais antiga), sem prejuízo de existir prova de que, pelo menos desde 1945 existiam atos de posse, administração e manutenção por parte da Câmara, a par com o reconhecimento dessa posse e até de propriedade (conforme depoimento de MM, que nasceu em 1938 e diz que sempre se lembra de assim ser), não existindo qualquer aproveitamento comunitário dos terrenos nem oposição dos habitantes da freguesia à posse da Câmara Municipal.

xxxvi. Fê-lo de forma clara, seja através da prova documental junta, seja através do depoimento das testemunhas por si indicadas. A Câmara Municipal de Rio Maior, na qualidade de órgão executivo do Município de Rio Maior vendeu, procedeu a manutenções, plantou e colheu frutos, arrendou os terrenos a quem procurava independentemente da naturalidade ou residência dos arrendatários, vendeu parcelas de terreno, e outros atos próprios de um proprietário.

xxxvii. Como bem decidiu o Tribunal a quoDa prova produzida resultou claro e evidente que as populações não usam a serra para satisfação das suas necessidades primárias, designadamente para apascentação de gado, recolha de lenha, cultivo ou outras funções agrícolas de modo comunitário. De facto, as testemunhas limitaram-se a dizer, umas que se recordavam de ir com o avô à serra ou de ir buscar lenha e pinhas ou de ver o gado pastar, mas tal não confere aos terrenos a natureza de baldio. Nunca se verificou existir nos terrenos aludidos situados no perímetro da serra, atualmente integrada no Parque Natural, parcelas ou locais utilizados pela população dos lugares próximos para satisfação de necessidades. E a existir, a utilização dos locais pela população não estaria circunscrita à área dos artigos matriciais invocados, como o A. pretende demonstrar, sendo certo que o A. Ministério Público circunscreve a artigos matriciais e nenhuma das testemunhas foi capaz de identificar os terrenos pelos artigos matriciais, desconhecendo onde se localizavam.”.

xxxviii. E o mesmo se diga quanto aos documentos apresentados pelo Autor, ora Recorrente, decidindo bem o Tribunal a quo que “ (…) documentação que, por si só, não tem a virtualidade de demonstrar a existência de baldios e a sua localização. A remissão dos terrenos baldios para artigos matriciais desvirtua a própria natureza deste tipo de terreno, cuja essência assenta na sua utilização por comunidades na satisfação das suas necessidades, sem limites ou fronteiras que não sejam aqueles que lhes é dado pela utilização das comunidades que deles beneficiam”.

xxxix. Quanto à documentação oficial mencionada pelo Autor e a sua junção aos autos – publicação “Reconhecimento dos Baldios do Continente” - é de salientar que relativamente ao recurso que se encontrava pendente, como refere nas suas alegações, foi já proferido Acordão que julgou improcedente o recurso interposto pelo Autor, cfr. Acordão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 06/06/2024, no âmbito dos presentes autos, do qual consta: “ Os documentos devem ser apresentados, em princípio, com os articulados em que são alegados factos, embora ainda possam ser juntos, sem outros entraves, até 20 dias antes da audiência final, sujeitando-se a parte apenas ao pagamento de uma multa, tal resulta do texto do n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil. Fora deste limite temporal a respectiva admissão tem de resultar de superveniência objectiva ou subjectiva ou por via de necessidade de ocorrência posterior. (…) Se foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não será razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta.”

xl. O A. para além de não ter provado, como era seu dever, que as populações utilizavam a Serra para satistação das suas necessidades primárias, também cumpre referir que os baldios não se delimitam por artigos matriciais, delimitam-se e localizam-se onde existe, efetivamente, a utilização comunitária, o que o Recorrente não fez. E não há nenhuma presunção legal de que os terrenos dos perímetros florestais são baldios, como quer fazer crer o Autor, nem é evidente que havendo um perímetro florestal significa que há baldios.

xli. Pelo que, só se poderia concluir, como consta da Douta Sentença: “ Nunca se provou que existissem nos terrenos aludidos situados no perímetro da serra, atualmente integrada no Parque Natural, parcelas ou locais utilizados pela população dos lugares próximos para satisfação de necessidades, sendo certo que o A. também não logrou demonstrar onde se localizavam os baldios, limitando-se a remeter para artigos matriciais localizados na serra titulados por outras pessoas.”

xlii. Sobre a falta de fundamentação na Sentença dos Factos dados como provados não entendemos esta alegação do Recorrente, uma vez que a Sentença explica bem porque valorou as testemunhas apresentadas pelo Réu Município e não as testemunhas apresentadas pelo Autor.

xliii. Sobre os factos alegados nas escrituras de Usucapião, alega o Recorrente que a Sentença faz assentar o que entendeu ser a produção da prova num pedido de arrendamento de uma pedreira e num contrato de arrendamento, bem como no depoimento de testemunhas que em momento algum produziram declarações de onde se retire que a Câmara amanhou terrenos e retirou frutos que vendeu, ficando por esclarecer porque motivo foram ignoradas as testemunhas apresentadas Autor.

xliv. As questões delimitadas pelos pedidos formulados na ação, levariam a duas singelas apreciações: Ou os terrenos eram efetivamente baldios, e ainda assim, poderiam ser usucapidos desde que a inversão do título da posse tivesse ocorrido antes da proibição de aquisição dos mesmos por usucapião, ou seja, antes de 1976 (o que nos remete para posse pacifica e de boa fé anterior a 1961), o que teria acontecido; ou, os terrenos não são baldios, por falta das respetivas caraterísticas, e a inversão do título da posse não tinha qualquer limitação temporal, reportando-se a posse pacifica e de boa fé, por mais de 15 anos relativamente às datas de outorga das escrituras. E o desfecho da produção da prova, leva-nos à conclusão de que: (i) os terrenos não são nem nunca foram baldios, pelo que à Câmara bastariam quaisquer 15 anos de posse pacifica e de boa fé, mesmo que imediatamente anteriores à celebração das escrituras, para efeitos do pretendido registo de aquisição originária; (ii) mesmo que tivessem sido, a inversão do título de posse do Município de Rio Maior ocorreu bem antes de 1961 (tendo ocorrido, no mínimo em 1945 ou 1949).

xlv. A escritura apenas titula a inversão do título da posse, para efeitos de registo. Não constitui a propriedade. O facto aquisitivo não se dá com a escritura. Apenas se titula com a escritura.

xlvi. Sobre a natureza dos poderes do Município – a administração, vem o MP referir que os arrendamentos realizadso o são por força de poderes de administração (dos baldios) julga-se. Contudo, em nenhum dos contratos (os da Contestação e o de 1949 junto em audiência de julgamento – fls 722 e ss.) isso é mencionado.

xlvii. Acresce também que, conforme alegado em 32.º da Contestação, na ausência de Assembleia de Compartes – que sempre se verificou, pelo menos até 2012, sem conceder na validade da constituição – a administração de baldios nunca seria do Município mas sim da Freguesia, por força da lei.

xlviii. Sobre o facto de o PDM e as cartas de condicionantes fazerem referência aos baldios, importa referir que o artigo em questão prescreve que estão sujeitos ao regime florestal parcial os baldios do concelho de Rio Maior localizados nas freguesias de Rio Maior e Alcobertas, remetendo a sua identificação para carta de condicionantes anexa, que não faz alusão a baldios nenhuns.

xlix. Vem o Recorrente invocar, originariamente, a má-fé do aqui Recorrido, pedindo a sua condenação como litigante de má-fé, contudo, para além de infundamentado e incompleto, o pedido do MP é extemporâne.

l. Apenas nas alegações de recurso, vem o MP levantar a questão da litigância de má-fé, alegando factos que, como tal, carecem de prova. No entanto, nenhum dos factos apontados pelo Recorrente ao Recorrido aconteceu após o último ato processual ou intervenção das Partes, nomeadamente do Recorrente, que terá sido a última sessão de audiência de julgamento.

li. Apesar de a lei processual civil não estabelecer um momento preclusivo para o requerimento de litigância de má-fé, não nos parece que ele possa acontecer para além da intervenção, do requerente, seguinte à ocorrência dos factos que o fundamentariam, sob pena se ser (mais) um facto causador de entropia processual, atenta a produção de prova que é necessária para que o tribunal possa aferir sobre a procedência do pedido, o que, nos tribunais superiores, é manifestamente reduzida.

lii. Claudica esta tese do MP, de forma frontal e comprovada, quando nos presentes autos, após tentar sucessivamente e ao arrepio das normas processuais, juntar documentos, viu a sua pretensão ser, sucessivamente rejeitada, quer pelo Tribunal a quo, quer por este Venerando Tribunal, em diversos Acórdãos, permitindo-nos citar uma passagem do último deles sobre a negligência processual do MP:

liii. DA AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ÂMBITO DO RECURSO: Caso seja julgada procedente a alegação da Recorrente, e sejam eliminados da matéria dada como provada os factos ali elencados de 1 a 7, no que não concedemos pelas razões acima expostas, vem o Recorrido, subsidiariamente, requerer a ampliação do objeto do recurso a determinados pontos de facto, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 636.º do Código de Processo Civil.

liv. E, nesse sentido, vem o Recorrido, requerer a ampliação subsidiária do âmbito do recurso, estendendo-o, em caso de procedência do Recurso Inicial, sobre os pontos n.º 1 a 7 dos factos dados como provados,

lv. Entende o Recorrido que, e apenas no caso de proceder a impugnação de facto do Recorrente e serem eliminados dos factos dados como provados os pontos 1 a 7, devem, em sua substituição ser dados como provados, por aditamento aos factos dados como Provados na Sentença, e por alteração à mesma (no Ponto III – Fundamentação | A – Factos Provados), os seguintes:

1. Desde tempos imemoriais, mas pelo menos desde a década de 1940, e sem interrupção, que a Câmara Municipal de Rio Maior amanha os terrenos, corta os eucaliptos, construiu condutas de água, administrou e realizou manutenções, retirou frutos que vendeu, vendeu parcelas de terreno, arrendou terrenos a quem os procurava independentemente da naturalidade ou residência dos arrendatários, relativamente aos prédios rústicos artigos:

- 1 da secção D-D4;

- 17 da secção AI;

- 18 da secção N;

- 22 da secção N;

- 73 da secção O (actualmente artigos 81 e 82 da secção O); - 7 da secção D4 (actualmente artigos 8 e 10 da secção D) (artigo 22.º, 23.º e 55.º da Contestação do Município de Rio Maior);

2. Os atos praticados pela Câmara Municipal de Rio Maior, mencionados no ponto 1. foram do conhecimento de todos os cidadãos da freguesia de Rio Maior, nomeadamente os mais idosos, e de qualquer outra e nunca tiveram oposição de quem quer que fosse (artigos 24.º e 25.º da Contestação do Município de Rio Maior).

3. Os cidadãos da freguesia de Rio Maior reconheciam a Câmara Municipal de Rio Maior como proprietária dos terrenos mencionados em 1. e dirigiam-se a ela para solicitar autorizações de utilização e arrendamentos (artigo 25.º da Contestação do Município de Rio Maior).

4. Desde tempos imemoriais, mas pelo menos desde a década de 1940, que não existiu nos terrenos mencionados em 1. qualquer utilização coletiva e comunitária, como apascentação de gado, recolha de matos e lenhas ou outras fruições de natureza agrícola, silvícola ou apícola (artigos 26.º e 48.º da Contestação do Município de Rio Maior).

5. Os cidadãos que fizeram aproveitamento de parcelas de terreno inseridas nos prédios identificados em 1., através de contratos de arrendamento, faziam uma utilização privada e autónoma em proveito próprio e sem qualquer reflexo comunitário (artigo 27.º da Contestação do Município de Rio Maior).

6. A Câmara Municipal de Rio Maior sempre agiu como proprietária. (artigo 32.° (parte), da Contestação do Município de Rio Maior)

Estes factos consideram-se como provados, através dos seguintes meios de prova: contratos de arrendamento de prédios sitos na freguesia de Rio Maior, na Serra de Aires e Candeeiros – docs. 1 a 8 da Contestação.

lvi. Adicionalmente, considera o Recorrido que devem ser eliminados dois pontos dos factos dados como provados – Pontos 12 e 13.

lvii. Adicionalmente, considera o Recorrido que devem ser eliminados dois pontos dos factos dados como provados – Pontos 12 e 13.

lviii. Na verdade, tais cartas não foram destinadas ao Autor, nem ele é o seu remetente. Trata-se de correspondência entre duas entidades, de carater privado e não público.

lix. Trata-se de prova proibida, e logo, nula, pelo que devem estes artigos, sem mais, ser retirados do elenco dos factos dados como provados.

lx. Em decorrência do exposto, deve manter-se a decisão, que considera improcedente a ação e absolve os Réus do Pedido.

lxi. Por todo o exposto, deve o presente Recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

lxii. Caso se entenda pela procedência da impugnação dos artigos 1 a 7 dos factos provados, deve ser admitida a ampliação do recurso e, em consequência, ser aditada a matéria de facto requerida (6 pontos), como provada e eliminados os artigos 12 e 13 do mesmo elenco,


fazendo-se justiça.”


*


As Rés IBERWIND II – Produção Sociedade Unipessoal, LDA. e PESM – Parque Eólico da Serra das Meadas, S.A., apresentaram, por seu turno, a seguinte síntese conclusiva:

I. O presente Recurso foi interposto pelo A. (adiante também abreviadamente designado por “Recorrente” ou “MP”), da douta Sentença de 22.03.2024, que decidiu julgar a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu os RR. do pedido – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das alegações;

II. A título de enquadramento não se pode deixar de referir – sem prejuízo do devido respeito pelo A., nomeadamente da Ilustre subscritora das Alegações -, que o A. começou por intentar a presente ação “em representação de uma autodesignada “Associação de Compartes dos Baldios da Serra dos Candeeiros, freguesia de Rio Maior” (v. introito da P.I.), constituída “Ad hoc”, por pouco mais de 10 pessoas, que correspondiam sensivelmente aos membros titulares dos alegados órgãos da mesma, como resulta da ata da primeira Assembleia, de 2012, correspondente àquele Doc. 11 da P.I., sendo que, apenas após os aqui RRs terem suscitado a exceção da inadmissibilidade dessa representação, o A. veio dizer que, afinal, intentava a ação em nome próprio – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das alegações;

III. Também a título de enquadramento, da prova produzida, nomeadamente documentos juntos pelo A. e testemunhas arroladas pelo mesmo, resultou que o que está subjacente à presente ação nada tem que ver com utilização ou gestão de terrenos por comunidades locais, mas sim com interesses políticos locais, seja na relação entre juntas de freguesia e município, seja no quadro de forças políticas, ou não, que atualmente não terão representação autárquica, enveredando pela via de supostas associações, para conseguir algum poder a nível local. – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das alegações;

IV. Também não se pode deixar de sublinhar, a título de nota prévia, que são absolutamente incompreensíveis (e lamentáveis) as referências no ponto 4 (págs. 42 e 43) das Alegações do A., em que acusa as aqui RRs de suposta má fé, por não terem assumido uma postura passiva no presente processo…, quando o mesmo visa causar-lhes extensíssimos prejuízos – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das alegações;

V. Feito este enquadramento, cumpre referir que o Recurso do A. suscita diversas questões previas que não se podem deixar de invocar – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

VI. Com efeito, o A. baseia o seu Recurso em questões novas, não invocadas na P.I. e, consequentemente, não foram apreciadas pelo Tribunal recorrido, o que não é processualmente admissível – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

VII. Em primeiro lugar, nas págs 14, 16 e 34 e nas Conclusões 5.ª 8.ª, 31.ª, 85.ª, 90.ª das Alegações do A., o mesmo invoca que “as escrituras de justificação encontram-se elas próprias destituídas de factos (…) determinando, também por aí a sua invalidade”, o que constitui matéria não invocada pelo A. na P.I. ou em qualquer momento no Tribunal a quo, sendo, assim, processualmente inadmissível a sua invocação neste momento – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

VIII. Em segundo lugar, o A. centra quase todo o seu Recurso na tese (improcedente) de que os terrenos teriam sido submetidos ao regime florestal e, como tal, são baldios – ora, além da improcedência desse tese (conforme resulta do art. 2.º/a)ii do da Lei 75/2017, de 17.08, e dos diplomas que a precederam, a sujeição a esse regime não determina automaticamente a classificação como baldio), nada nesse sentido o A. invocou na P.I., o mesmo se verificando quanto ao PDM de Rio Maior que o A. invoca agora nas Alegações – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

IX. Com efeito, o A. assentou a P.I. na factualidade que invocava nos respetivos arts. 2.º a 9.º, que nada tem que ver com alegação de que os terrenos em causa estariam submetidos ao regime florestal (e, muito menos, que tal determina que são baldios), ou com o PDM – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

X. Em terceiro lugar, consciente de que o 1.º R. provou no processo atos de posse sobre os terrenos, desde há muito, o A. vem agora afirmar no seu Recurso que se tratava de posse precária e que os mesmos teriam sido realizados em nome de terceiro, o que, além de totalmente improcedente, também não foi invocado na P.I. – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

XI. Veja-se, aliás, que a invocação desta argumentação neste momento, quando já se realizou a produção de prova, impede, nomeadamente, que fosse agora carreada prova para o processo para contradizer o invocado pelo A. (isto independentemente de, no caso em apreço, esta argumentação do A. já improceder face à prova produzida) – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

XII. Face ao exposto, o Recurso do A. baseia-se em questões novas, cuja invocação nesta fase não é processualmente admissível – cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das alegações;

XIII. A título de questão prévia coloca-se também a legitimidade ou interesse em agir do A., face à via por que envereda no Recurso (contrária à da P.I.), sendo que aquele pressuposto processual de conhecimento oficioso, podendo ser apreciado a todo o tempo (v. art. 578.º do CPC; cfr. Ac. STJ de 09.05.2018, Proc. 673/13.4TTLSB.L1.S1) – cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das alegações;

XIV. Com efeito, o A. tem legitimidade para impugnar “atos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objeto terrenos baldios” (v. art. 4.º/1 e 2/b da Lei 68/93, de 04.09, em vigor à data da instauração da ação) e assim estava construída a P.I. – cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das alegações;

XV. Mas já não dispõe de legitimidade / interesse em agir para impugnar autonomamente as escrituras de justificação (sem aquele pressuposto de os terrenos serem baldios), como pretende fazer, inovatoriamente, no presente Recurso – cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das alegações;

XVI. Com efeito, a legitimidade / interesse em agir do A. deriva da lei (Estatutos do Ministério Público), carecendo o mesmo de tal legitimidade / interesse em agir para impugnar autonomamente escritura de justificação (i.e. dissociada da alegação, demonstração e prova de que se trataria de terreno baldio), como o A. procura fazer no presente Recurso – cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das alegações;

XVII. Sem prejuízo do acima referido em sede de questões prévias, o presente Recurso sempre seria improcedente – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das alegações;

XVIII. Para que terrenos sejam considerados baldios é necessário que sejam “possuídos e geridos por comunidades locais” ou, por outras palavras, serem possuídos e administrados por essas comunidades, compreendendo estas os habitantes que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso, fruição e administração (v. art. 82.º/4/b da CRP; cfr. art. 1.º da Lei 68/93, de 04.09, e 1.º e 2.º da Lei 75/2017, de 17.08) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das alegações;

XIX. De resto, como já resultava dos arts. 388.º e segs. do Código Administrativo de 1940, para que terrenos fossem considerados baldios era necessário que nos mesmos apenas fosse “permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos residentes em certa circunscrição administrativa ou parte dela” (sublinhado nosso) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das alegações;

XX. Nomeadamente e sem conceder que seja o caso, terrenos sem dono conhecido não são baldios (v. art. 1345.º do C. Civil), terrenos incultos ou sem culturas ou construções, frequentemente designados na aceção popular como “baldios” não são juridicamente baldios, parques naturais (como é o caso do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros) não correspondem a terrenos baldios – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das alegações;

XXI. Aliás, como é sabido, nas zonas rurais é (era) frequente pastores pastarem o seu gado por terrenos de terceiros ou de dono desconhecido, não é isso que os torna baldios. Também nas zonas rurais é frequente pessoas irem buscar lenhas, pinhas ou ervas aromáticas ao campo, mas não é isso que torna os terrenos baldios (os próprios parques naturais, como a Serra de Sintra ou a Serra da Estrela, são utilizados pelas populações (e ainda eram mais no passado), não é isso que os torna terrenos baldios – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das alegações;

XXII. Face ao exposto, mesmo se fosse considerado provado o que consta daquelas Conclusões 13.ª e 14.ª das Alegações do A., sem se conceder minimamente que se encontre provado (como vimos supra), o presente Recurso e, consequentemente, a ação sempre improcederia, pois o que consta daquelas Conclusões não permitiria que se concluísse que os terrenos em causa fossem considerados baldios (o mesmo se verificando relativamente aos artigos da P.I. indicados nas Conclusões 16.ª, 29.ª e 81.ª das Alegações do A., sem se conceder minimamente que se encontram provados, como vimos supra) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das alegações;

XXIII. Conforme acima demonstrado, improcede o alegado, nomeadamente, nas Conclusões 1.ª a 12.ª, 29.ª, 82.ª e 83.ª das Alegações do A., quanto à matéria constante dos n.ºs 1 a 7 dos factos provados ser conclusiva e dever ser considerada não escrita – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das alegações;

XXIV. Conforme também acima demonstrado, nas Conclusões 12.ª a 84.ª (e no texto das Alegações), o A. não cumpre o ónus imposto pelo art. 640.º do CPC, para a impugnação da decisão da matéria de facto, devendo o recurso ser rejeitado nessa parte – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das alegações;

XXV. De qualquer forma, sem prejuízo de tudo o acima exposto, sempre seria totalmente improcedente o invocado, nomeadamente, nas Conclusões 3.ª a 6.ª e 17.ª a 27.ª, do A., em que pretenderá impugnar a decisão da matéria de facto, relativamente à verificação dos pressupostos para a usucapião do 1.º R., não enfermando a douta Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento – cfr. n.ºs 34 e segs. do texto das alegações;

XXVI. Conforme acima demonstrado, os pressupostos para a usucapião pelo 1.º R. resultam, desde logo, dos documentos juntos pelo mesmo aos autos, bem como pelo próprio A. (nomeadamente, Escritura de Justificação celebrada em 1987 – Doc. 7 P.I.; Escritura de arrendamento de 1949, pelo 1.º R. a WW, de parcela de terreno situada no Alto da Serra, trazida pela testemunha XX, com referência aos terrenos em causa (v. passagens 00:17:21.440 a 00:15:42.290 da gravação do respetivo depoimento), junta aos autos na sessão de 25.05.2022, tendo sido posteriormente junta certidão pelo 1.º R., em 06.06.2022 (com a referência citius 8770206), em cumprimento do determinado pelo Tribunal; alvarás do 1.º R., de 1959, 1960, 1962 e 1969, juntos com o Requerimento do A. de 20.06.2017, e com a Contestação do 1.º R., os quais, como consta do mesmo, foram elaborados “com observância das formalidades prescritas no artigo 358.º e seu § 1” do Código Administrativo, o qual, conforme acima referido, era relativo a deliberações que “envolvam a alienação de bens próprios imobiliários” (e não de quaisquer 3.ºs, nomeadamente baldios) – cfr. n.ºs 34 e segs. do texto das alegações;

XXVII. Note-se que, contrariamente ao que é (apenas) agora invocado pelo A., nomeadamente nas Conclusões 8.ª, 31.ª, 32.ª, 68.ª, 72.ª , 73.ª, 85.ª e 90.ª, de que se trataria de uma posse precária / meros poderes de administração, e que seria necessária a inversão do título da posse, os documentos acima referidos provam exatamente o contrário - conforme resulta dos documentos acima referidos, tratou-se de atos praticados em nome próprio pelo R., sem qualquer referência a baldios, relativos a “bens próprios imobiliários” do 1.ª R. – cfr. n.ºs 34 e segs. do texto das alegações;

XXVIII. Conforme também acima demonstrado, do depoimento das testemunhas também resulta inquestionável o preenchimento dos pressupostos para a usucapião pelo 1.º R. (v. excertos identificados no n.º 38 supra) – cfr. n.ºs 34 e segs. do texto das alegações;

XXIX. Sem prejuízo de tudo o acima invocado, é também totalmente improcedente o invocado, nomeadamente, nas Conclusões 13.ª a 30.ª e 81ª, em que o A. pretenderá impugnar a decisão da matéria de facto, em concreto factos considerados não provados na douta Sentença recorrida, que o A. pretende que sejam considerados provados, relativos a alegados baldios – cfr. n.ºs 40 e segs. do texto das alegações;

XXX. Conforme resulta das págs. 32 e 33 da douta Sentença recorrida, não é verdade o invocado pelo A., na Conclusão 30.ª das suas Alegações, quanto à Sentença ser omissa relativamente “às razões que levaram a não valorizar os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo A.” – cfr. n.ºs 40 e segs. do texto das alegações;

XXXI. Vários documentos que o A. invoca nas Alegações foram mandados desentranhar por decisões transitadas em julgado, desse douto Tribunal – cfr. n.ºs 40 e segs. do texto das alegações;

XXXII. Os documentos juntos aos autos não provam a verificação dos pressupostos para os terrenos serem considerados baldios, conforme acima demonstrado nos n.ºs 45 a 50 – cfr. n.ºs 40 e segs. do texto das alegações;

XXXIII. O depoimento escrito da testemunha arrolada pelo A., TT (junto a fls 679-681 dos autos, de 22.02.2022 refª Citius 8463941), ex Presidente da Junta de Freguesia de Rio Maior e da respetiva Câmara Municipal, é particularmente esclarecedor e consentâneo com a demais prova testemunhal e documental – cfr. n.ºs 40 e segs. do texto das alegações;

XXXIV. Conforme também acima demonstrado, os depoimentos das testemunhas também não provam a verificação dos pressupostos para os terrenos serem considerados baldios, antes pelo contrário (v. excertos identificados no n.º 50 acima, relativos a depoimentos de testemunhas arroladas pelo próprio A. e pelo 1.º R.) – cfr. n.ºs 40 e segs. do texto das alegações;

XXXV. É também improcedente o invocado nas Conclusões 34.ª a 53.ª das Alegações do A. - ciente que os factos alegados na P.I. não se encontram provados, por não verdadeiros -, quanto à classificação dos terrenos em causa como baldios decorrer de diplomas legais ou regulamentos administrativos relativos à submissão de terrenos ao regime florestal – cfr. n.ºs 53 e segs. do texto das alegações;

XXXVI. Em primeiro lugar, conforme acima referido em sede de questões prévias, trata-se de matéria não invocada na P.I., nomeadamente a alegação (nova) de que os terrenos estariam submetidos ao regime florestal, pelo DL de 44343, de 12.05.1962, ou pelo PDM – cfr. n.ºs 40 e segs. do texto das alegações;

XXXVII. Em segundo lugar, sublinhe-se que como resulta da Lei 75/2017, de 17.08, e resultava da Lei 68/93, de 17.08 (designadas de Lei dos Baldios), e das leis que os antecederam, a classificação de terrenos como baldios não é efetuada por decreto, mas sim quando se verificam os respetivos pressupostos previstos na lei – cfr. n.ºs 53 e segs. do texto das alegações;

XXXVIII. Aliás, no que respeita aos terrenos submetidos ao regime florestal, que agora o A. tanto invoca, nos termos do art. 2.º/a)/ii) da referida Lei 75/2017, claramente resulta da Lei, que, contrariamente ao que parece ser o entendimento do A., a submissão ao regime florestal não determina que o terreno seja baldio, é necessário que sejam possuídos e geridos por comunidade local e que anteriormente tenham sido usados e fruídos como baldios – cfr. n.ºs 53 e segs. do texto das alegações;

XXXIX. O DL de 44343, de 12.05.1962, visava submeter terrenos ao regime florestal e não classificá-los como baldios, sendo que, além de não identificar os terrenos aqui em causa, totalmente falsa e infundada a afirmação no final da pág. 25 das Alegações do A. (e na Conclusão 38.ª), de que “dentro da área do Perímetro Florestal tudo o que não é propriedade privada legitimamente reconhecida é baldio”, pelo que, as várias plantas feitas por entidades públicas a pedido do A., juntas aos autos, com referência ao perímetro florestal, claramente não determinam a classificação dos terrenos como baldios – cfr. n.ºs 53 e segs. do texto das alegações;

XL. Sublinhe-se, ainda, que, contrariamente ao referido em vários pontos das Alegações do A., o mapa elaborado para o A. pela Direção Geral do Território, a fls. 606 dos autos, junto na sessão da audiência de julgamento de 23.11.2021, não faz referência à carta de condicionantes do PDM, mas sim à Planta de Condicionantes do Plano de Ordenamento do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, conforme, aliás, consta da transcrição feita pelo A. na Conclusão 50.ª – cfr. n.ºs 53 e segs. do texto das alegações;

XLI. Cumpre ainda referir que, mesmo que, alguma vez, os terrenos em causa tivessem sido baldios - o que não se concede minimamente - apenas a partir de 1976, com o DL 39/76, de 19/01, os terrenos baldios passaram a ser imprescritíveis ou insuscetíveis de usucapião, já tendo então há muito decorrido o prazo de usucapião, nomeadamente o prazo de então previsto no art. 395.º do Código Administrativo (cfr. art. 399.º do mesmo Código) – cfr. n.ºs 59 e segs. do texto das alegações;

- Da ampliação do recurso

XLII. Para o caso de se considerar algum dos pontos do Recurso do A. procedente, o que não se concede minimamente, os aqui RRs vêm, a título subsidiário, ampliar o Recurso, nos termos do art. 636.º/2 do CPC – cfr. n.ºs 62 e segs. do texto das alegações;

- Dos factos:

XLIII. A primeira parte do facto 24 da douta Sentença recorrida (“A freguesia de Rio Maior constituiu”), deve ser eliminada, ficando a constar “A Assembleia de Compartes foi constituída em 30.01.2012, de que existe cópia a fls. 97-100” – cfr. n.º 63 do texto das alegações;

XLIV. A este respeito refira-se que que o próprio A. nas págs. 19 e 20 do seu Recurso e Conclusão 84.ª refere também que aquela Assembleia não foi constituída pela Junta de Freguesia (não se aceitando o demais referido naquelas págs. / Conclusão), sendo que, como também resulta do Doc. 11 da P.I. a Assembleia foi constituída “Ad hoc” (quanto às iniciativas da Junta de Freguesia, as mesmas estão bem esclarecidas no depoimento escrito da testemunha arrolada pelo A., TT (junto a fls 679-681 dos autos, de 22.02.2022 refª Citius 8463941), anterior Presidente da Junta: num primeiro momento houve essa ideia, mas depois desistiram por não se encontrar nada que o demonstrasse) – cfr. n.º 63 do texto das alegações;

XLV. Encontrando-se as 2.ª e 3.ª RRs de boa fé (factos n.ºs 14 a 22 e 25 a 28), e tendo o Contrato de Arrendamento sido registado no registo predial, sempre seria improcedente o pedido de declaração de nulidade do Contrato de Arrendamento entre o 1.º R. e as 2.ª e 3.ª RR., conforme art. 17.º do C. Reg. Predial – cfr. n.ºs 64 e segs. do texto das alegações;

XLVI. Por mera cautela e dever de patrocínio, caso o recurso seja julgado procedente na primeira parte em que o MP entende que os factos dados como provados na sentença nos artigos 1 a 9 são conclusivos – o que não se concede -, então desde já se requer que sejam aditados aos factos dados como provados os seguintes factos:

1. Pelo menos, desde 1949, a Câmara Municipal de Rio Maior fez arrendamentos, vendas e autorizações de utilização de terrenos na Serra dos Candeeiros na freguesia de Rio Maior;

2. A Câmara Municipal de Rio Maior cuidava desde então da manutenção dos terrenos da Serra dos Candeeiros na freguesia de Rio Maior, nomeadamente corte de eucaliptos, redes de água e caminhos;

3. A Câmara Municipal de Rio Maior praticou os atos descritos nos pontos anteriores com o conhecimento e à vista de população em geral, sem qualquer oposição;

– cfr. n.º 64 do texto das alegações;

XLVII. Quanto ao 1º facto cujo aditamento se requer:

Que, pelo menos desde 1949, a Câmara de Rio Maior fez arrendamentos e vendas de prédios existentes na Serra dos Candeeiros na freguesia de Rio Maior.

(i) Conforme acima demonstrado no n.º64, os pressupostos para a usucapião pelo 1.º R. resultam, desde logo, dos documentos juntos pelo mesmo aos autos, bem como pelo próprio A. (nomeadamente: Escritura de arrendamento de 1949, pelo 1.º R. a WW, de parcela de terreno situada no Alto da Serra, trazida pela testemunha XX, com referência aos terrenos em causa (v. passagens 00:17:21.440 a 00:15:42.290 da gravação do respetivo depoimento), junta aos autos na sessão de 25.05.2022, tendo sido posteriormente junta certidão pelo 1.º R., em 06.06.2022 (com a referência citius 8770206), em cumprimento do determinado pelo Tribunal; alvarás do 1.º R., de 1959, 1960, 1962 e 1969, juntos com o Requerimento do A. de 20.06.2017, e com a Contestação do 1.º R., os quais, como consta do mesmo, foram elaborados “com observância das formalidades prescritas no artigo 358.º e seu § 1” do Código Administrativo, o qual, conforme acima referido, era relativo a deliberações que “envolvam a alienação de bens próprios imobiliários” (e não de quaisquer 3.ºs, nomeadamente baldios) – cfr. n.ºs 34 e segs. do texto das alegações;

i. E, ainda, de acordo com os depoimentos das seguintes testemunhas que a seguir se indicam

Do depoimento de UU - prestado a 25.05.2022 e excertos registados no sistema Habilus nº 00:01:43:760 a 00:27:00:820 conforme ata da sessão de julgamento respetiva e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso.

Do depoimento de PP - prestado a 25.05.22 e excertos registados no programa Habilus nº 00:05:18:090 a 00:24:23:390, conforme respetiva ata da audiência de julgamento, e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso.

Do depoimento de OO - prestado a 04.05.2022 excertos registados no sistema Habilus nº 00:04:06:500 a 00:00:17:46:170 conforme ata da sessão de julgamento respetiva e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso.

– cfr. n.º 64.1 do texto das alegações;

XLVIII. Quanto ao 2º facto cujo aditamento se requer:

A Câmara Municipal de Rio Maior cuidava da manutenção da Serra dos Candeeiros na freguesia de Rio Maior, nomeadamente corte de eucaliptos, redes de água e caminhos.

Tal facto deve ser dado como provado tendo em conta os depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas:

Do depoimento de PP - prestado a 25.05.22 e excertos registados no programa Habilus nº 00:09:16:170 a 00:22:10:960, conforme respetiva ata da audiência de julgamento e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso.

Do depoimento de UU - prestado a 25.05.2022, excertos registados no sistema Habilus nº 00:02:41:560 a 00:27:00:820 conforme ata da sessão de julgamento respetiva e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso.

Do depoimento de VV - prestado a 04.05.2022 e excertos registados no sistema Habilus a 00:03:23:430 a 00:19:05:640, conforme ata da sessão de julgamento respetiva e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso.

Do depoimento de OO - prestado a 04.05.2022 e excertos registados no sistema Habilus nº 00:09:40:790 a 00:10:51:240, conforme ata da sessão de julgamento respetiva e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso

– cfr. n.º 64.2 do texto das alegações;

XLIX. Quanto ao 3º facto cujo aditamento se requer:

A Camara praticou os atos descritos nos factos anteriores com o conhecimento e à vista de população em geral, sem qualquer oposição

Tal facto deve ser dado como provado tendo em conta os depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas:

Do depoimento de OO - prestado a 04.05.2022 e excertos registados no sistema Habilus nº 00:05:57:080 a 00:08:35:210 conforme ata da sessão de julgamento respetiva e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso.

Do depoimento de VV - prestado a 04.05.2022 e excertos registados no sistema Habilus a 00:05:21:350 a 00:19:05:640 conforme ata da sessão de julgamento respetiva e em particular os excertos transcritos no corpo das alegações do presente recurso

– cfr. n.º 64.3 do texto das alegações;

L. Independentemente dos referidos factos, velicam-se ainda as seguintes questões jurídicas:

LI. Encontrando-se as 2.ª e 3.ª RRs de boa fé (factos n.ºs 14 a 22 e 25 a 28), e tendo o Contrato de Arrendamento sido registado no registo predial, sempre seria improcedente o pedido de declaração de nulidade do Contrato de Arrendamento entre o 1.º R. e as 2.ª e 3.ª RR., conforme art. 17.º do C. Reg. Predial – cfr. n.ºs 64 e segs. do texto das alegações;

LII. Mesmo que os terrenos em causa fossem baldios - o que não se concede minimamente - sempre seria improcedente o pedido da A. de declaração de nulidade “do contrato de arrendamento relativo ao prédio ao prédio rústico ao art. 1.º da secção D-D4”, ou seja do Contrato entre o 1.º R. e a ora 3.ª R., dado que o mesmo seria admissível à luz da Lei dos Baldios, então em vigor – cfr. n.ºs 67 e segs. do texto das alegações;

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o Recurso da A. ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a douta Sentença recorrida

caso assim não se entenda, o que não se concede,

requer-se a apreciação da ampliação do Recurso,

Como é de Lei e de Justiça!

*


O Autor respondeu, concluindo que:


1°-- a questão da legitimidade do Ministério Público para instauração da acção foi devidamente sanada por despacho proferido na data de 28.09.2017, transitado em julgado e com o qual as Rés se conformaram, pelo que é despiciendo, inútil e extemporânea qualquer referência ao lapso já assumido e reparado.


2°- As rés vêm pugnando por uma condição de vitimização que claramente não lhes assiste mas que lhes tem sido muito conveniente, aliando a essa vitimização uma série de afirmações de carácter subjectivo e pejorativo, com as quais visam impedir o apuramento da verdade.


3°- Neste processo não é peticionado nenhum cêntimo e a acusação de que existem movimentos políticos interessados na reivindicação dos baldios da serra dos candeeiros é totalmente alheia ao Ministério Público, bem como lhe é totalmente indiferente, sendo que o Ministério Público apenas teve conhecimento dos contornos políticos da actuação da SP Presidente de Junta e mais tarde Presidente da Cãmara TT no decurso do julgamento, sem que tal determine a alteração da posição do Autor, que se baseia exclusivamente em critérios de legalidade.


4°- Não devem ser acrescentados os factos pretendidos pelos Réus/ Recorridos, na sua “ampliação” pois que a prova que os suporta já foi totalmente considerada na sentença produzida e os mesmos não traduzem a posse e animus necessários à aquisição por usucapião por parte do Réu Município, pelo que mesmo que tal aditamento fosse permitido, no que não se concede, seriam inúteis e sempre o recurso principal teria de proceder.


5°- São questões a resolver neste processo: a)- saber se os terrenos que correspondem às descrições matriciais indicadas são baldios; b)- saber se o Réu Município de Rio Maior os adquiriu por usucapião; c)-saber se as Rés se encontravam de boa fé ao momento da celebração do contrato de arrendamento e seu aditamento.


6°- Estas questões foram fixadas em audiência prévia, não se mostram minimamente alteradas e continuam a ser aquelas a que o Tribunal tem de responder, não contendendo nem com a prova apresentada pelo Ministério Público a convite do Tribunal, designadamente a introduzida com o requerimento de 07.12.2017, nem pelos mapas admitidos e juntos a fls. 605 e 606, os quais não constituem matéria nova ou ampliação do pedido pois são apenas meios de prova, já pacificamente admitidos e juntos aos autos.


7°- Também a legislação citada de onde resulta a existência e delimitação dos baldios de Rio Maior- Decreto Lei n° 44343, de 12.05.1962, Dec. Lei 41157, de 20 de Agosto de 1966 e Dec. Lei 47887, de 01.09.1967, art° 11º do Plano Director Municipal de Rio Maior publicado no DR lá Série B, n° 114 de 1995,com as alterações já mencionadas nos autos - , bem como a gestão administrativa exercida pelo município (Cod. Admn. de 1940), não constituem matéria nova ou ampliação do pedido mas sim matéria de Direito que compete ao julgador aplicar, independentemente do momento da sua alegação e ainda que não tenha sido, sequer, alegada.


8°- A explanação de Direito não é novidade para os Réus pois que no decurso da audiência, em oposição a documento tardio cuja junção foi requerida pelas Rés na audiência de 23.11.2021, já o Autor havia expresso as razões pelos quais são irrelevantes os contratos de arrendamento juntos pelo Réu Município porquanto os mesmos, para além de manifestamente insuficientes para a prova da usucapião existem por força de actos de gestão do Município de Rio Maior, enquanto administrador dos Baldios- cfr. requerimentos entrados na data de 08.06.2022, devidamente notificado aos Réus na própria data de 08.06.2022. - cfr ainda documento 7 junto com o requerimento de 07.12.2017 e mapas de fls. 605 e 606, admitidos em audiência.


9°- Estes “recursos subsidiários” com a ampliação agora peticionada nada de novo trazem aos autos pois não se mostra descreditada a prova testemunhal invocada em sede de alegações de recurso, para além de que toda a legislação que se deixou invocada ao longo do processo, reproduzida em sede de alegações de recurso, aliada à documentação junta e, designadamente, aos mapas elaborados nos termos da planta de condicionantes para a qual remete o art° 11 do PDM de Rio Maior, designadamente os que fazem fls.605/606 dos autos, tornam de cristalina evidência a inutilidade do aditamento peticionado.


10°- Tudo conjugado conclui-se, de forma inabalável, pela existência e delimitação dos Baldios de Rio Maior em conformidade com a planta de condicionantes que faz fls. 605 e 606 dos autos, aliás como o próprio Réu Município assim definiu no seu Plano Director Municipal- art° 11°- , publicado no DR 1‘ Série B, n° 114 de 1995,com as alterações já mencionadas nos autos e também em sede de recurso e se encontra previsto no Decreto Lei n° 44343, de 12.05.1962, Dec. Lei 41157, de 20 de Agosto de 1966 e Dec. Lei 47887, de 01.09.1967, que submete ao regime florestal parcial os baldios dos Concelhos de Rio Maior e Alcobaça.


11°- Assim, tal como já pugnado em sede de recurso, devem ser dados como provados os factos elencados como não provados sob os art° lº a 33º da sentença. que correspondem aos artigos lº a 8º, 10º a 13º, parte final do 17°, 28º, 30º, 31° e 33º da petição inicial, devendo estes ser dados como provados, e consequentemente, por inutilidade, deve ser rejeitado o recurso subsidiário agora apresentado.


12°- Ou seja, tal como peticionado em sede de recurso interposto pelo Autor. devem ser dados como provados os factos elencados nos artigos lº a 8O, 10º a 130, parte final do 17º, 28º, 30º, 31º e 330 da sua petição inicial, com base na prova testemunhal que indicou e por referência às gravações mencionadas, bem como da prova documental admitida e legislação aplicável.


13°- Os factos cujo aditamento se pretende são exíguos e não permitem a aquisição por usucapião pelo Réu Município, assentando apenas em meros contratos de arrendamentos que só por si não permitem a prova da usucapião e nada acrescentam em termos de prova quer da posse, quer do animus do Réu Municipio, pois, como se referiu e decorre da legislação vigente, no período indicado o Réu Município exerceu sobre aqueles imoveis actos de mera administração, só revelando intuito de apropriação ao momento da celebração das escrituras.


14º -O peticionado pelo Autor e fixado em audiência prévia, designadamente saber se os terrenos que correspondem às descrições matriciais indicadas são baldios, se o Réu Município de Rio Maior os adquiriu por usucapião e se as Rés se encontravam de boa fé ao momento da celebração do contrato de arrendamento e seu aditamento mantém-se válido e não há nenhum alargamento deste pedido, sendo a questão da documentação entretanto junta e as referências a diplomas legais meras questões de prova e de Direito, que me nada contendem ou alteram o pedido inicial.


15°- O Tribunal da Relação, em douta decisão proferida no Apenso C delimitou com clareza o relevante para a acção ao referir, relativamente aos documentos rejeitados, que “Não temos dúvidas a documentação em causa é assaz relevante para a justa decisão da causa, em função do objecto processual em litigio, em que importa definir claramente quais os são os limites geográficos do parque natural das Serras de Aires, Candeeiros e da Mendiga e apurar se os terrenos referidos na escritura em discussão correspondem a baldios.”


16°- Apesar de ser nosso entendimento a oficiosidade do inquisitório, com a consequente desnecessidade de requerimento para junção de documentos tardios mas pertinentes, que na verdade, nunca foram apreciados em primeira instância, temos por outro lado que não pode o julgador demarcar-se da aplicação de diplomas legais que definem os limites e natureza dos imoveis, com o fundamento de que a legislação foi invocada em “momento tardio”.


17°- Perante a evidência da prova que decorre, designadamente, dos mapas de fls. 605/606, elaborados de acordo com a Planta de Condicionantes para a qual remete o Plano Director Municipal de Rio Maior, identificando os seus baldios, bem como a demais legislação aplicável, não pode ser outra a decisão senão no sentido da procedência da acção, vistos agora os autos na sua globalidade e não por meras certidões apensas.


Termos em que fazendo improceder a requerida ampliação de recurso, por nada acrescentar de relevante aos factos insertos em sentença, e fazendo proceder o recurso interposto pelo Autor, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”


*


Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, por despacho de 14.04.2025 foi determinada a audição das partes, ao abrigo do disposto no artigo 665º, ns. 2 e 3 do Código de Processo Civil, sobre a possibilidade de ser considerada a ineficácia das escrituras de justificação notarial em causa nos autos, em virtude de as mesmas serem omissas quanto aos factos concretos relativos à causa de aquisição da posse pelo justificante, bem como quanto àqueles em que tal posse se terá traduzido, “conforme se entendeu designadamente nos Acórdãos do STJ de 09.07.2015 (processo n.º 448/09.5TCFUN.L1.S1), e no Acórdão desta Relação de 14.02.2008 (processo n.º 2367/07-2) (cf. artigos 116 e seguintes do Código de Registo Predial, 89º do atual Código do Notariado e 100º e seguintes do anterior)”.


Os Réus pronunciaram-se por requerimentos de 05.05 e de 07.05., o Autor por requerimento de 06.05.


*


II. QUESTÕES A DECIDIR.


Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir:


- se procede a impugnação da matéria de facto;


- se os terrenos que correspondem às descrições matriciais indicadas são baldios, se o Réu Município de Rio Maior os adquiriu por usucapião e no caso de resposta afirmativa, se as Rés se encontravam de boa fé ao momento da celebração do contrato de arrendamento e seu aditamento.


*


III. FUNDAMENTAÇÃO.


III.1. Na decisão recorrida foram considerados com interesse para a decisão da questão em apreço, provados os seguintes factos:


1 - Pelo menos desde 1945 que a Câmara Municipal de Rio Maior exerceu relativamente aos prédios rústicos artigos:


- 1 da secção D-D4;


- 17 da secção AI;


- 18 da secção N;


- 22 da secção N;


- 73 da secção O (actualmente artigos 81 e 82 da secção O);


- 7 da secção D4 (actualmente artigos 8 e 10 da secção D);


atos próprios da sua qualidade de proprietária tais como: a posse pacífica e de boa-fé, com o conhecimento de toda a gente e sem qualquer interrupção ou oposição de quem quer que fosse. (artigos 22.º, 47º e 52º, da contestação do Município de Rio Maior)


2 - A Câmara Municipal de Rio Maior, na qualidade de órgão executivo do Município de Rio Maior, amanhou os terrenos, deles retirou frutos, que vendeu, realizou outras manutenções, arrendou os terrenos a quem os procurava independentemente da naturalidade ou residência dos arrendatários, vendeu parcelas de terreno, e outros atos próprios de um proprietário. (artigos 23.º e 55º, da contestação do Município de Rio Maior)


3 - Os actos da Câmara Municipal de Rio Maior são do conhecimento dos cidadãos mais idosos da freguesia onde se situam os terrenos. (artigo 24.º, da contestação do Município de Rio Maior)


4 - A posse de boa-fé e sem oposição sempre foi reconhecida por toda a população da citada freguesia e de outros lugares, que procuravam arrendar os aludidos terrenos, procurando a Câmara Municipal de Rio Maior por lhe reconhecerem a propriedade dos mesmos. (artigo 25.º, da contestação do Município de Rio Maior)


5 - Pelo pelo menos desde 1945, que não existiu qualquer utilização coletiva e comunitária dos aludidos terrenos. (artigo 26.º, da contestação do Município de Rio Maior)


6 - A fruição dos terrenos foi com base em título de posse que foi conferida pelo Município de Rio Maior, bem sabendo aqueles que fruíram dos terrenos que era o Município de Rio Maior o seu proprietário e que a utilização que faziam dos terrenos era privada e autónoma, em proveito próprio e sem qualquer reflexo comunitário. (artigo 27.º, da contestação do Município de Rio Maior)


7 - A Câmara Municipal de Rio Maior sempre agiu como proprietária. (artigo 32.º (parte), da contestação do Município de Rio Maior)


8 - Nunca a Junta de Freguesia de Rio Maior praticou quaisquer actos de gestão pública sobre os imóveis em causa. (artigos 32.º (parte) e 58.º, da contestação do Município de Rio Maior)


9 - Até 31.12.1977 existiram vários contratos de arrendamento, que perduraram após o ano de 1978, e era paga uma renda à Câmara Municipal de Rio Maior. (artigos 12.º (parte), da petição inicial, 20.º e 21.º, da contestação do Município de Rio Maior)


10 – Por escritura pública outorgada no dia 27 de agosto de 1987, no Cartório privativo da Câmara Municipal de Rio Maior, perante o notário privativo da edilidade, de que existe cópia a fls. 39-46, o Município de Rio Maior declarou-se dono e legítimo possuidor, entre outros, do seguinte prédio:


(…)


Quarto


Prédio rústico sito na Serra dos Candeeiros, freguesia de Rio Maior, composto de terra inculta, com mato, pinheiros e eucaliptos, a confrontar com freguesia de Alcobertas, sul com AA e outros, nascente com YY e poente com CC, inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de Rio Maior, sob o artigo zero zero zero um, da secções D, D um, D dois, D três, D quatro, com a área de três milhões, seiscentos e noventa e um mil e cem metros quadrados;


Pelo primeiro outorgante (Município de Rio Maior) foi dito que, necessitando de requerer na Conservatória competente registo de transmissão do imóvel, registo para o qual não possui documentos, vem confirmar que tem posse sobre o mesmo prédio, pelo menos no decurso dos últimos trinta anos, presumindo-se até que desde tempos imemoriais, posse essa, que sempre se caracterizou como sendo em nome do Município de Rio Maior e de boa fé, com o conhecimento de toda a gente e sem a menor interrupção e oposição de quem quer que fosse e, por conseguinte, duma forma pública, contínua e pacífica, pelo que afirma que a Câmara Municipal de Rio Maior adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o imóvel atrás referido.” (artigo 15º da petição inicial)


11 - Por escritura pública outorgada no dia 27 de maio de 1993, no Cartório privativo da Câmara Municipal de Rio Maior, perante o notário privativo da edilidade, de que existe cópia a fls. 53-65, a Câmara Municipal de Rio Maior declarou-se dona e legítima possuidora, entre outros, dos seguintes prédios:


(…)


Sétimo


Prédio rústico, sito em Bulheiras, freguesia de Rio Maior, composto de cultura mato, estéril e moinhos, com a área de 97.680 m2, a confrontar do norte com Serra, do sul com Serra, nascente Serra e poente Serra, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Rio Maior sob o número 17 da Secção AI;


(…)


Pelo primeiro outorgante (Município de Rio Maior) foi dito que, necessitando de requerer na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior o competente registo de transmissão do imóvel, registo para o qual não possui documentos, vem confirmar que tem posse sobre o mesmo prédio, pelo menos no decurso dos últimos trinta anos, presumindo-se até que desde tempos imemoriais, posse essa, que sempre se caracterizou como sendo em nome do Município de Rio Maior e de boa fé, com o conhecimento de toda a gente e sem a menor interrupção e oposição de quem quer que fosse e, por conseguinte, duma forma pública, contínua e pacífica, pelo que afirma que a Câmara Municipal de Rio Maior adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o imóvel atrás referido.” (artigo 16º da petição inicial)”


12 - A Câmara Municipal de Rio Maior enviou à Telecom de Portugal, a carta datada de 09.02.1994, de que existe cópia a fls. 35, na qual consta:


“Na sequência dos vários pedidos formulados por V. Exª, no sentido de regularizar a situação relativa ao terreno onde se encontra a estação digital do Alto da Serra, cumpre-me informar o seguinte:


O terreno em causa faz parte do artigo rústico número 0001 da secção D que o terreno onde se encontrava a estação digital do Alto da Serra “…faz parte do artigo rústico nº 0001 da Secção D, da freguesia de Rio Maior, com a área de 55,50050 Ha;


O mesmo consta da relação de baldios existentes no concelho de Rio Maior;


Pelo DL 44343 de 12.05.62 foi submetido ao regime florestal a cargo da Direção Geral dos Serviços Florestais;


Atualmente faz parte integrante do Parque Natural da Serra de Aires e Candeeiros;


Pelo exposto, chamo a atenção de V. Exª. para o Parecer da Procuradoria Geral da República, publicada na II Série, de 10.11.1978 e para as alíneas a) e b) do artº 9º, do D.L. 39/76, de 19.01, e mais recentemente, a Lei 69/93, de 04.09.” (artigo 13º (parte), da petição inicial)


13 - A Portugal Telecom, S.A. remeteu ao Presidente da Câmara Municipal de Rio Maior a carta datada de 09.11.1999, de que existe cópia a fls. 36, na qual consta:


“Desde 1985 que tem vindo a ser negociada com esse Município a cedência do terreno onde se encontra implantada a estação de telecomunicações da Portugal Telecom, na localidade do Alto da Serra, freguesia e concelho de Rio Maior.


Em face do esclarecimento prestado na vossa carta de 09.02.1994, contactámos a Direcção Geral de Florestas e, posteriormente, a Direcção Geral de Agricultura do Ribatejo Oeste, tendo-nos siso informado, por um lado, o não conhecimento da existência de Assembleia de Compartes legalmente constituída na freguesia de Rio Maior e, por outro lado, que não haveria inconveniente na desafectação do regime florestal da parcela de terreno onde se encontra edificada a Estação de telecomunicações da Portugal Telecom (em anexo)


(…)” (artigo 14º da petição inicial)


14 - Com data de 04.12.2002, a R. PESM – Parque Eólico da Serra das Meadas, Lda., celebrou com a Câmara Municipal de Rio Maior, o “Contrato de Arrendamento de Prédios Rústicos para Instalação e Exploração de Parque Eólico”, de que existe cópia a fls. 133-138, no qual a R. Câmara Municipal de Rio Maior se declara proprietária e possuidora de prédios rústicos sitos nas freguesias de Alcobertas e Rio Maior, que não identifica, mas que posteriormente identifica (cfr. documento a fls. 146) como sendo os seguintes prédios:


- artigo 1 da secção A-A10, da freguesia de Alcobertas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o nº 115/181287, sito na Serra dos Candeeiros, com a área de 7.987.680 m2; e


- artigo matricial rústico da freguesia de Rio Maior, nº 1 da secção D a D4, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o nº 663/1987 121887, com a área total de 3.691.100 m2, também sito na Serra dos Candeeiros. (artigos 25º da petição inicial, 41.º, da contestação do Município de Rio Maior e 65.º da contestação das RR. Iberwind, Lda., e PESM, Lda.)


15 - Em 11 de junho de 2003, foi celebrado um Aditamento àquele Contrato, entre as 2.ª e o 1.º RR., de que existe cópia a fls. 141 (artigo 66.º, da contestação das RR. PESM, Lda., e Iberwind, Lda.)


16 – No dia 3 de maio de 2004, a 2ª R. PESM celebrou com a CERSC - Companhia das Energias Renováveis da Serra de Candeeiros, Lda., um contrato de cessão de posição contratual (referido no Segundo Aditamento ao Contrato de Arrendamento, junto a fls. 128), através do qual cede a sua posição contratual no contrato de arrendamento celebrado com o Município de Rio Maior, vindo a CERSC a extinguir-se no dia 31.12.2011 por fusão por transferência global do seu património para a sociedade 3ª R., Iberwind II, Produção, Sociedade Unipessoal, Lda. (artigos 26.º da petição inicial, 41.º da contestação do Município de Rio Maior e 68.º da contestação das RR. Iberwind, Lda., e PESM, Lda.)


17 - Nos referidos Contratos o 1.º R., Município de Rio Maior, afirma expressamente que é proprietário do terreno (v. cls. 1.ª do Contrato de Arrendamento). (artigo 69.º, da contestação das RR. PESM, Lda., e Iberwind, Lda.)


18 - No âmbito da celebração dos mesmos, nunca foi referido às aqui RR. que alguém alegava que o terreno em causa seria baldio. (artigo 70.º, da contestação das RR. PESM, Lda., e Iberwind, Lda.)


19 - O referido terreno estava e está inscrito na matriz como sendo propriedade do Município de Rio Maior (documento junto a fls. 294-296). (artigo 71.º, da contestação das RR. PESM, Lda., e Iberwind, Lda.)


20 - O referido terreno estava e está registado na Conservatório do Registo Predial de Rio Maior a favor do Município de Rio Maior (documento junto a fls. 298 verso-299). (artigo 72.º, da contestação das RR. PESM, Lda., e Iberwind, Lda.)


21 - O Parque Eólico está em funcionamento desde setembro de 2006, na sequência do licenciamento por todas as entidades competentes. (artigo 80.º, da contestação das RR. PESM, Lda., e Iberwind, Lda.)


22 - Sem que alguma vez tenha sido invocado algum impedimento ou que os terrenos em causa eram baldios. (artigo 81.º, da contestação das RR. PESM, Lda., e Iberwind, Lda.)


23 - Por escritura de doação outorgada em 07.03.2006 no Cartório privativo da Câmara Municipal de Rio Maior, perante o notário privativo da edilidade, de que existe cópia a fls. 66-75, o Município de Rio Maior doou à Freguesia de Alcobertas, os prédios, elencados de um a vinte e cinco, livres de ónus ou encargos, com excepção do direito de superfície a favor dos prédios elencados em dezassete e dezanove. (artigo 18.º, da petição inicial


24 - A freguesia de Rio Maior constituiu a Assembleia da Compartes em 30.01.2012, de que existe cópia a fls. 97-100. (artº 19º da petição inicial)


25 – No dia 30 de setembro de 2015, o R. Município de Rio Maior e a R. Iberwind, Lda., celebram entre si um segundo aditamento ao contrato celebrado em 04.12.2002, de que existe cópia a fls. 128-131, e identificam o prédio rústico ao qual se reporta o arrendamento que, nos termos da cláusula segunda deste aditamento, corresponde ao prédio inscrito na matriz predial da referida freguesia de Rio Maior sob o artº 1º da Secção D a D4, descrito na Conservatória do Registo predial de Rio Maior sob o nº 663/19871218 da freguesia de Rio Maior. (artigos 27.º da petição inicial, 41.º da contestação do Município de Rio Maior e 67.º da contestação das RR. Iberwind, Lda., e PESM, Lda.)


26 - O Parque Eólico da 3.ª R. está instalado no terreno inscrito na matriz sob o art. 1.º da Secção D a D4 da freguesia de Rio Maior (ou seja, um dos indicados no art. 1.º da P.I.), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior, sob o n.º 663/19871218, da freguesia de Rio Maior. (artigos 28.º (parte), da petição inicial e 63.º da contestação das RR. Iberwind, Lda., e PESM, Lda.)


27 - O Parque Eólico encontra-se no topo da Serra em terreno que não está vedado. (artigo 42.º, da contestação das RR. Iberwind, Lda., e PESM, Lda.)


28 - Os seguintes artigos matriciais: o antigo artº 73 da secção O (fls. 293), atualmente artº 81 da secção N, 82 da secção N, artº 7 da Secção D-D4 (fls. 297), atualmente artº 10º da secção D e artigos 18º da secção N (fls. 291) e 22º da secção N (fls. 292), todos da freguesia de Rio Maior, encontram-se fiscalmente tituladas em nome da 1ª R. Câmara Municipal de Rio Maior. (artigos 29.º e 43.º, da contestação do Município de Rio Maior)


29 - Existem construções privadas no local. (artigo 33.º, da petição inicial)


*


III.2. Na decisão recorrida consideraram-se, com interesse para a boa decisão da causa, não provados os seguintes factos:


Da petição inicial


1º Os prédios rústicos com a localização, área, delimitação e confrontações que a seguir se descrevem e que correspondem às inscrições 18 e 22 da secção N, artº 81º e 82º, ambos da Secção N (anterior artº 73 da secção O), artº 10º da secção D (anterior 1 e 7 da secção D-D4) e 17 da secção Al, todos da freguesia de Rio Maior são, desde tempos imemoriais, bens comunitários afectos à satisfação de necessidades primárias dos habitantes da serra dos Candeeiros, freguesia de Rio Maior:


a) - Artº 18º secção N:


Composição: Rústico, sito em Capa Rota, freguesia e concelho de Rio Maior, composto de Mato, com a área de 15 760,00 m/2, a confrontar a Norte com estrada e herdeiros de ZZ, sul com estrada, Sociedade Panificadora Costa & Ferreira, ldª, Município de Rio Maior e herdeiros de AAA, nascente com BBB e herdeiros de AAA e poente com Sociedade Panificadora Costa & Ferreira, Ldª, inscrito na respetiva matriz sob o artº 18 da secção N, da citada freguesia, cujo artigo anterior se desconhece- doc. nº 1.a.


b) Artº 22 N Secção N:


Composição: Rústico, sito em Capa Rota, freguesia e concelho de Rio Maior, composto de mato, com a área de 680,00 m/2, a confrontar de norte e poente com CCC e DDD, sul e nascente com EEE, inscrito na respetiva matriz sob o artº 22 da secção N, da citada freguesia, cujo artigo anterior se desconhece- doc. nº 2.a.


c) Anterior Artº 73º secção O, atual artº 81º e 82º da secção O:


Composição: Rústico, sito em Alto da Serra, freguesia e concelho de Rio Maior, composto de mato, com a área de 6 960,00 m/2, a confrontar de norte e poente com estrada pública, sul com herdeiros de FFF e nascente com Município de Rio Maior, inscrito na respetiva matriz sob o artº 73 da secção O, da citada freguesia, cujo artigo anterior se desconhece. - doc. nº 3.a.


Nesta data a matriz do artº 73º da secção O foi eliminada, encontrando-se ainda em nome da R. Municipio os artº 81 e 82º, ambos da secção O.


d) Artº 1º da secção D-D4:


Composição: Prédio rústico composto de terra inculta, com mato, pinheiros, eucaliptos, construção urbana a confrontar do norte com freguesia de Alcobertas, sul com AA e outros, nascente com YY e Poente com CC, inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de Rio Maior sob o artº 1 das secções D- D4, com a área de 3 691 100,00 m/2- doc. nº 4.a.


e) Anterior artº 7º da secção D4, atual artº 8º e 10º da secção D:


Este artº foi eliminado, sofreu várias apropriações e deu origem a dois novos artigos 8 e 9 da secção D da freguesia de Rio Maior, sendo que o artº 9 já foi eliminado e deu origem ao artº 10 da secção D e o artº 8º da secção D encontra-se em nome de VV.


Quanto ao artº 10 da secção D, está titulado em nome do município de Rio Maior e tem a seguinte composição:


Composição: Rústico, sito em Alto da Serra, freguesia e concelho de Rio Maior, composto de terreno estéril, mato e construção rural, com a área de 26 540 m/2, a confrontar de norte com VV, Município de Rio maior, estrada e GGG, sul com HHH e herdeiros de FFF, nascente com Sociedade Agrícola João Teodósio Matos Barbosa e Filhos, Lda., e III e Município de Rio Maior, e poente com estrada nacional e Município de Rio Maior- doc. nº 5.a.


f) Artº 17 da secção Al:


Composição: prédio rústico sito em Bulheiras, composto por mato e estéril, a confrontar de norte, sul, nascente e poente com serra, que foi justificado com a área de 97.680m/2 mas que consta descrito com a área de 90090m/2, na Conservatória do registo Predial de Rio Maior sob o nº 3316/19940228 -doc. nº 6.a.


g) A totalidade destas encontra-se descrita conforme doc. que se junta sob o nº 7.a) sendo que o doc. 8.a reporta o limite do parque natural das Serras de Aires e Candeeiros.


h) As atualizações matriciais supra referidas encontram-se documentadas cfr. docs. 9.a a 14.a.


2º Na verdade, desde tempos imemoriais que os habitantes das localidades circundantes à serra dos Candeeiros, freguesia de Rio Maior, nomeadamente Casal das Fisgas, Casal Alexandre, Casalinho, Mata de Baixo, Alto da Serra, Senhora da Luz, Local 2, Marinhas do Sal, Pé de Serra e Vale Laranja utilizam os terrenos identificados em 1º como apoio às economias domésticas, para fornecimento de pastagens e forragens, lenhas para carvão, ervas aromáticas, estrumes, pedra, caça, romarias e produção de alimentos.


3º Sempre a população circunvizinha dali viveu ou mesmo, nalguns casos, sobreviveu, à custa do que estes bens comunitários puderam dar, considerando que dali as lenhas que retiraram constituíram o seu aquecimento e a pastorícia que fizeram constituiu o seu alimento.


4º Pese embora ao longo dos anos os hábitos se tenham alterado, a serra foi e continua a ser uma mais valia para as populações locais e vizinhas dela mesma, que de si se apossaram desde sempre e a têm usado e usam para as mais diversas circunstâncias dali retirando os bens que carecem e que a serra lhes pode dar.


5º Tal utilização vem ocorrendo de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e os autores de tal utilização fazem-no com exclusão de outrem e na certeza de que esses prédios são explorados por todos os habitantes da mesma freguesia.


6º Esta posse, uso, fruição e administração sempre se deveu à falta de outro proprietário vizinho, que não a comunidade.


7º Para melhor se entender, sempre os rebanhos da comunidade foram pastorear esta serra, e nunca alguém se opôs, fosse criando demarcações ou marcações, obstáculos ou confusões.


8º E sempre foi do conhecimento de todo o pastor daquelas localidades supra que pastorear ali lhes era permitido, que esta terra era de todos eles e que nenhuma pessoa se lhes poderia opor à sua ocupação ou criar-lhe obstáculos.


10º A R. Câmara Municipal de Rio Maior sempre foi conhecedora dos factos alegados nos artº 1º a 9º, reconhecendo publicamente a natureza de baldios desses terrenos designadamente nas reuniões da Assembleia Municipal ocorridas nos dias 30 de Maio de 1995, 25 de fevereiro de 2002 e 23 de fevereiro de 2006 - docs. nº 1 e 2.


11º Os prédios em questão integram a relação de baldios existentes no concelho de Rio Maior, relação que existe nos arquivos da 1ª R.- docs. 3.


12º (parte)


(…) conhecida por “renda dos baldios”, cuja cobrança foi suspensa em 01.01.1978, com a entrada em vigor do DL 39/76, de 19.01, que devolveu os baldios às comunidades locais- doc. nº 4.


13º (1ª parte)


Nunca, designadamente até ao ano de 2002, a 1ª R. Câmara Municipal de Rio Maior praticou naqueles terrenos qualquer acto próprio de um proprietário.


17º A serra dos candeeiros é só uma, toda ela baldio, espalhada por vários artigos do concelho de Rio Maior e distribuída por duas freguesias – Rio Maior e Alcobertas, sendo que as escrituras supra referidas serviram para titular a posse da 1ª R. relativamente as artº 1 secção D-D4 e 17 da secção Al mas também a mesma posse de baldios da freguesia de Alcobertas- docs. 7 e 8.


28º (parte) Este prédio rústico referido no contrato constitui, como supra referido, um baldio pertencente à população local, que nunca poderia ter sido adquirido pela 1ª R. por usucapião e cujo arrendamento não poderia ter sido contratado pela 1ª R., por configurar disposição de coisa alheia.


30º Até à data de entrada em vigor do DL 39/76, nunca a 1ª R. C.M. de Rio Maior se arrogou proprietária dos terrenos nem o poderia ter feito pois neles não praticou quaisquer actos reveladores de posse ou propriedade.


33º (parte)


(…) sem licenciamento camarário.


Da contestação do R. Município de Rio Maior:


28.º Em algumas das parcelas que compõem os terrenos em causa, o Município de Rio Maior construiu muros e vedações.


*


A restante matéria alegada pelas partes não foi considerada por não ter relevância para os autos, por ser conclusiva ou se tratar de matéria de direito.

*

III.3. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.


O Apelante Ministério Público discorda do juízo probatório relativo aos factos que o Tribunal Recorrido considerou provados sob os pontos 1 a 7 e não provados, correspondentes aos artigos 1º a 8º, 10º a 13º, parte final do 17º, 28º, 30º, 31º e 33º da petição inicial, bem como os instrumentais apurados em julgamento, pretendendo que os mesmos sejam considerados provados.


Por se encontrarem, no caso dos autos, preenchidos com rigor os pressupostos do artigo 640.º do Código de Processo Civil nas alegações de recurso do Recorrente, importa proceder à apreciação da referida impugnação.


O que impõe que se proceda à prévia indicação, ainda que genérica, dos contornos das pretensões formulados pelo Autor nos autos e que são essencialmente as seguintes:


- a impugnação das escrituras de justificação notarial de posse celebradas no Cartório Notarial Privativo do Município de Rio Maior, ora Réu, nas datas de 27 de Agosto de 1987 e 27 de Maio de 1993, declaração de que o Réu Município não é proprietário dos prédios em causa nos autos e consequente declaração de nulidade do contrato de arrendamento relativo ao prédio rústico referente ao artigo 1 da Secção D-D4;


- o reconhecimento da natureza de baldio dos imóveis identificados no artigo 1º da petição inicial.


Vejamos então.


*


O pedido formulado não configura um pedido típico de reivindicação; antes enquadra-se, no âmbito do que pode designar-se uma “tutela negatória”, através da qual o titular, ou no caso, o Ministério Público, no seu interesse, “reage à desconformidade entre a ordem fática (que perturba o direito afetando o seu exercício) e a ordem jurídica (que lho atribui), para lhe pôs termo: fazendo cessar a sua perturbação presente por parte de alguém, mas também removendo a possibilidade da sua perturbação futura. Restaurando assim a correspondência da realidade com a ordem jurídica, ou evitando que a desconformidade da primeira com esta venha a surgir”2.


O primeiro dos assinalados pontos assenta na invalidade das escrituras de justificação notarial lavradas em 1987 e 1993.


Como decorre do artigo 116º, nº1, do Código do Registo Predial (CRP), a escritura de justificação notarial constitui um mecanismo apto a obter a primeira inscrição registral de um prédio que alguém diz ser seu.


A justificação para obter o trato sucessivo, isto é, para se obter a primeira inscrição (art. 89º do Código do Notariado) consiste numa declaração feita pelo interessado em que este se afirma, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.


Resulta dos citados preceitos, como resultava já do artigo 100º do anterior Código do Notariado, que o adquirente que não disponha de documento para prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação ali previsto, que consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrém, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais», sendo que, «quando for alegada usucapião, baseada em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião, sob pena de ineficácia da mesma, como se decidiu no Acórdão desta Relação de 14.02.2008, proferido no processo n.º 2367/07 e no Acórdão da Relação de Lisboa de 2019-10-24, proferido no processo nº 512/17.7T8SCR.L13.


Efetivamente, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015, proferido no processo n.º 448/09.5TVFUN.L1.S1, “em caso de invocação de aquisição por usucapião, o justificante tem de provar as características da posse imprescindíveis à verificação daquele modo de aquisição originária do direito de propriedade, devendo indicar, logo na escritura, as circunstâncias de facto que determinam o seu início e que consubstanciam e caracterizam essa posse, não sendo suficiente a mera alusão a conceitos jurídicos abstractos para atribui à posse as qualidades para usucapir.”


O artigo 96º, n.º1 do mesmo Codigo do Notariado que preceitua que, «As declarações prestadas pelo justificante são confirmadas por três declarantes».


Como pode ler-se no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2008, de 31 de março, «a escritura de justificação notarial não oferece cabais garantias de segurança e de correspondência com a realidade, potenciando, mesmo, a sua utilização fraudulenta e permitindo que o justificante dela se sirva para titular direitos que não possui, com lesão de direitos de terceiros.


Efetivamente, trata-se de uma forma especial de titular direitos sobre imóveis, para efeito de descrição na Conservatória do Registo Predial, baseada em declarações dos próprios interessados, embora confirmadas por três declarantes, em que a fraude é possível e simples de executar».


O notário não reconhece a validade da usucapião, nem emite qualquer juízo sobre a pertinência de invocação da mesma, limitando-se a dar forma legal às afirmações dos interessados e de três declarantes que, com ele, subscrevem a escritura, a que a lei atribui determinados efeitos4.


Tal simplicidade de procedimento está na génese da possibilidade de, a todo o tempo, os titulares de interesses que possam ser afetados pela justificação notarial poderem confrontar judicialmente o justificante, impugnando em juízo os factos invocados na escritura de justificação para fundamentarem a usucapião, configurando esta uma ação de simples apreciação negativa, nos termos do disposto no artigo 10º nº 3 al. a) do CPC, com a consequência inerente do justificante ficar onerado com a prova dos factos justificativos da usucapião, à semelhança do que ocorreria numa ação de reconhecimento do direito real pela mesma via5, pacífico como é, desde o acima referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, que «na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel (…), incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito (…)».


Mas, nessa situação, os réus não podem beneficiar da presunção derivada do registo do prédio a que procederam a seu favor, na conservatória, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, segundo a qual o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, pois que o registo foi feito exatamente com base na escritura de justificação impugnada.


A impugnação da escritura de justificação significa a impugnação dos factos com base nos quais foi celebrado o registo, e faz, como se referiu, faz recair sobre o justificante, na qualidade de réu, o ónus da prova da aquisição do direito de propriedade e da validade desse direito nos termos do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil


*


Atentemos no segundo segmento em que o Autor funda a sua pretensão.


A palavra “baldio” designa um imóvel que é objecto de um regime jurídico específico, sendo, por vezes, é usada também para designar o regime jurídico e/ou a comunidade dos compartes.


O direito de baldio é um direito real que se caracteriza por proporcionar a um conjunto de pessoas a posse e a fruição de bens, de acordo com usos e costumes ou de acordo com deliberações tomadas entre os titulares desse direito.


Como refere Maria Raquel Rei6, “a posse e a fruição do bem são exercidas (i.e., o bem é gozado) individualmente, para satisfação de necessidades individuais e particulares (relativas, as mais das vezes, a um modelo económico-social agrário ou silvo-pastoril) e não em moldes colectivos. A assembleia de compartes não é uma estrutura colectiva de fruição do bem (por exemplo, explorando as suas utilidades e repartidos os proventos dessa exploração, como qualquer pessoa colectiva), mas, apenas, uma estrutura organizativa ou disciplinadora da posse e fruição (individual) pelos compartes (…) estamos, sempre, no âmbito da protecção colectiva de um direito que é exercido individualmente e não “em modo colectivo”, para usar a sugestiva expressão de António Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, Almedina, Coimbra, vol. IV, 2017, 4.ª ed., p. 603).”


E mais à frente, “a lei prevê a possibilidade de arrendamento e de cessão de exploração, total ou parcial, do baldio (artigo 10.º). Tradicionalmente, partes do baldio eram com frequência arrendadas anualmente a compartes, que nelas cultivavam, por exemplo, cereais. Hoje há baldios que, além destes negócios tradicionais, arrendam ou cedem parcelas, inclusivamente a terceiros, para utilizações não ditadas pelos usos e costumes (por exemplo, para colocação de ventoinhas eólicas, de painéis solares, estabelecimento de pequenos estabelecimentos comerciais, etc.). Trata-se de uma forma de exploração que, apesar de não tradicional, é permitida pela lei.”7


A fruição do baldio é, pois, exercida através da utilização do bem por cada comparte, sem exclusão da utilização pelos outros compartes. I.e., sem apropriação.

Com interesse para a decisão do caso, importa referir que, como bem refere o Apelante, o Decreto lei nº 44343, de 12 de Maio de 1962, no seu artº 1º, submete ao regime florestal parcial os baldios municipais dos concelhos de Rio Maior e Alcobaça, cuja área é de cerca de 1600 hectares, situados na serra dos Candeeiros e seus contrafortes.

Na verdade, tal diploma dispõe, expressamente que:

“Foram considerados como próprios para a execução da Lei 1971, de 15 de Junho de 1938, os terrenos baldios do concelho de Rio Maior, distrito de Santarém, cuja área é de cerca de 1600 ha, situados nas freguesias de Rio Maior e Alcobertas, e do concelho de Alcobaça, distrito de Leiria, com a área aproximada de 2000 ha, situados nas freguesias de Benedita, Turquel, Évora, Prazeres e S. Vicente.

Cumpridas as formalidades prescritas nas bases V, VII, IX e XI da citada lei; Atendendo ao parecer favorável do Conselho Técnico dos Serviços Florestais; Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo 1.º São submetidas ao regime florestal parcial os baldios municipais dos concelhos de Rio Maior e Alcobaça, cuja área é de cerca de 3600 ha, situados na serra dos Candeeiros e seus contrafortes.

Art. 2.º A arborização dos baldios, a exploração e conservação dos povoamentos florestais e a construção das diversas obras complementares efectuar-se-á por conta do Estado e a partilha dos lucros líquidos entre este e os corpos administrativos será feita proporcionalmente às despesas custeadas pelo Estado e ao valor atribuído ao terreno, o qual foi arbitrado em 850$00 por hectare.

§ 1.º O rendimento anual a atribuir às Câmaras Municipais de Rio Maior e Alcobaça será de 30000$00 e 1000$00, respectivamente, valores correspondentes à renda média auferida nos últimos anos.

§ 2.º As Câmaras Municipais de Alcobaça e Rio Maior não poderão, nos baldios a que se refere este diploma e dentro da área do perímetro, explorar ou consentir na exploração de pedreiras ou saibreiras sem prévio acordo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

Art. 3.º Aos povos limítrofes são reconhecidas, dentro da área do perímetro, sem prejuízo dos trabalhos de arborização, as seguintes regalias:

a. Apascentação de gados;

b. ​ Roçagem de mato, bem como o aproveitamento dos despojos das primeiras limpezas, no todo ou em parte, conforme as necessidades locais;

c. Recolha de lenhas secas até 0,06 m de diâmetro;

d. Aproveitamento das águas para o respectivo abastecimento, sem prejuízo das necessidades dos serviços florestais;

e. Pesquisa e exploração de minérios, nos termos da legislação vigente;

f. ​ Serventias indispensáveis para o trânsito de pessoas, veículos e gados, cujo traçado poderá, no entanto, ser alterado conforme se julgar conveniente.

Art. 4.º Serão reconhecidos os legítimos direitos de propriedade sobre terrenos encravados ou árvores vegetando nos baldios.

§ único. Com vista a dar continuidade ao perímetro e a rectificação das suas estremas, deverão os serviços florestais promover a eliminação das prédios encravados particulares que naquele existam, podendo para o efeito:

a. Propor às Câmaras Municipais de Alcobaça e Rio Maior a sua troca, que se realizará com dispensa das formalidades prescritas no Código Administrativo por terrenos baldios do mesmo perímetro situados na periferia, com área e valor idênticos;

b. Adquiri-los por compra ou por expropriação, só podendo esta efectuar-se quando não seja possível chegar a acordo quanto à sua aquisição por compra ou troca.

Art. 5.º Estes baldios ficam a constituir três núcleos:

Rio Maior, que abrange os baldios situados nas freguesias de Rio Maior e Alcobertas, do concelho de Rio Maior;

Benedita e Turquel, que inclui os baldios das freguesias de Turquel e Benedita; Alcobaça, que engloba os baldios das freguesias de S. Vicente, Prazeres e Évora,

do concelho de Alcobaça, que constituem o perímetro florestal da serra dos Candeeiros.

Art. 6.º A arborização será levada a efeito pelo Estado em conformidade com o preceituado na Lei 1971, de 15 de Junho de 1938.

Publique-se e cumpra-se como nele se contém.”

Tal diploma enquadra-se na Lei 1971, de 1938, bem como reporta-se aos baldios oficialmente reconhecidos, pelo que importa considerar que esta Lei n.º 1971 – Lei do povoamento florestal – publicada no Diário do Governo n.º 136, I série, de 15 de Junho de 1938, que determina que “Os terrenos baldios, definitivamente reconhecidos pelos serviços do Ministério da Agricultura (negrito nosso) como mais próprios para a cultura florestal do que para qualquer outra, serão arborizados pelos corpos administrativos ou pelo Estado segundo planos gerais e projectos devidamente aprovados” (Base I) e, de acordo com a Base VI, “Os terrenos baldios, depois de submetidos ao regime florestal, entram na posse dos serviços à medida que forem arborizados ou a contar da respectiva notificação.”

Este reconhecimento dos baldios, a que alude a Lei nº 1971, teve efectivamente lugar através do levantamento dos terrenos Baldios do Continente que foi realizado pela Junta de Colonização Interna, extinto órgão do Ministério da Agricultura, criada pelo artº 171º do Decreto 27:207, de 16.11.1936, cujo regime legal foi estabelecido pela Lei 2014, de 1946 e regulamentado pelo decreto Lei 36706, de 1948 sendo que por força do parag. 4º do artº 173º do citado Decreto Lei 27:207, de 16.11, competiu à então Junta de Colonização interna, mais tarde extinta pelo Dec. Lei 539/74, de 12.10, efectuar, para além do mais, o reconhecimento e estabelecer a reserva dos terrenos baldios do Estado.

Por outro lado, até à publicação do dec. Lei 39/76, de 19.01, os Baldios eram geridos e administrados pelas Juntas de Freguesia ou pelas Câmaras Municipais, consoante fossem paroquiais ou municipais pois antes da entrada em vigor do citado Dec. Lei 39/76 aplicava-se aos baldios o regime previsto no Código Administrativo de 1940, ou seja, por força do disposto nos artº 44º nº 1, 45º nº 1, 2 e 3, 51º nº 4 e 6, todos ex vi artº 394º deste Código Administrativo, era atribuída às Câmaras Municipais a administração dos baldios municipais (a administração dos baldios paroquiais competia às Juntas de Freguesia).8

Decidiu-se no já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2005, que aqui seguimos de perto, que:

“Os baldios não fazem parte do domínio privado das autarquias locais, nem do domínio público do Estado, integrando-se antes no sector comunitário.

É a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas, que é titular da propriedade dos baldios e não A ou a Câmara Municipal (Ac. S.T.J. de 20-1-99, Col. Ac. S.T.J. , Ano VII, tomo 1º, 53; Ac. S.T.J. de 20-6-00, Col. Ac. S.T.J., Ano VIII, tomo 2, 120; Ac. S.T.J. de 16-6-92, Bol. 418-760).

Como é sabido, até à publicação do dec-lei 39/76, de 19 de Janeiro, os baldios eram geridos e administrados pelas Juntas de Freguesia ou pelas Câmaras Municipais, consoante fossem paroquiais ou municipais.

Era o próprio Código Administrativo que definia o conjunto de atribuições e competências de gestão e administração destes corpos administrativos ou autárquicos - arts 44, nº1, 45, nºs 1, 2 e 3, 51, nºs 4 e 6 , 253, nºs 3, 4 e 5 por força do art. 394.

O Código Administrativo de 1940 veio consagrar expressamente, no parágrafo único do seu art. 388, a prescritibilidade dos baldios, em termos que configuram uma verdadeira interpretação autêntica do direito anterior, considerando-se, por isso, de aplicação retroactiva, nos termos do art. 8 do Código Civil de Seabra (Jaime Gralheiro, Comentário às Leis das Baldios, 56),

A jurisprudência tem decidido uniformemente pela prescritibilidade dos baldios, desde o Cód. de Seabra até ao início da vigência do citado dec-lei 39/76 e pela sua imprescritibilidade a partir da entrada em vigor desse diploma (Ac. S.T.J. de 20-1-99, Col. Ac. S.T.J., Ano VII, tomo 1º, 53, entre outros ).

Tendo sido considerado provado que os ajuizados prédios vêm sendo, ao longo de décadas, aproveitados pelas populações locais, podendo qualquer pessoa ali apascentar gado, recolher lenhas, cortar matos, colher ervas, tirar pedra, mas tão só para o seu próprio consumo e satisfação da suas necessidades pessoais, ao que a ré A nunca obstou, e que tal actuação tem perdurado desde tempos imemoriais, não podem restar dúvidas de que se apurou estarmos perante baldios.

De resto, a própria A reconhece, na impugnada escritura de justificação notarial de 9-2-98, que os terrenos eram baldios.

Só que a A arroga-se, agora, o direito de propriedade sobre eles, por entender que adquiriu tal direito de propriedade por usucapião.

As instâncias decidiram que a ré A não logrou demonstrar actos inequívocos de posse, susceptíveis de fazer operar a aquisição do direito de propriedade dos imóveis, por usucapião.

E com razão, por a ré não ter provado a inversão do titulo da posse, como tão proficiente e doutamente já ficou explicitado na sentença da 1ª instância.

Com efeito, a recorrente não logrou provar factos bastantes no sentido de que, a partir de certo momento, deixou de praticar actos de gestão nos ajuizados terrenos (baldios) que detinha, para passar a exercer posse em nome próprio.

Dito de outro modo, não provou, de forma inequívoca, que deixou de ser possuidora precária dos baldios, para passar a praticar actos materiais em nome próprio, como se fosse titular do direito real, sendo que o tempo necessário para a usucapião só começaria a correr desde a verificação dessa mutação psicológica no animus da recorrente - art. 510 do Código de Seabra.

A posse conducente à usucapião pressupõe o "corpus" e o "animus possidendi".

Mas quem tem a administração de certa coisa alheia não exerce verdadeiros actos de posse.

Os actos que se provaram terem sido praticados pela recorrente, "por direito próprio", mais não representam do que o exercício das competências de gestão e administração, que estavam expressamente conferidas por lei às Juntas de Freguesia e de que estas só foram afastadas pelo dec-lei 39/76, de 19 de Janeiro.

Por isso, não querem dizer que a recorrente actuasse, inequivocamente, com animus possidendi, donde emerge o elemento psicológico da posse.

Assim, as vendas de parcelas de terrenos, pedra, matos, lenhas e pinhas, bem como os arrendamentos, as concessões, os aforamentos e a publicação de posturas não relevam, para efeito de posse, por serem meros actos jurídicos.

Mesmo que se qualifiquem tais actos como o exercício de um poder de facto sobre uma coisa, eles só podem revelar uma posse causal, que tem na lei a sua causa ou título.

Ora, é sabido que só da posse formal podem resultar certos efeitos jurídicos, como a usucapião (Orlando Carvalho, Introdução à Posse, R.L.J. Ano 122- 105).

Daí que as instâncias tenham decidido acertadamente, ao julgar a recorrente mera detentora ou possuidora in alieno nomine.”

*

Do que acaba de expor-se resulta inequívoca a existência de baldios municipais de Rio Maior, reconhecidos oficialmente, que foram submetidos ao Regime Florestal parcial e que as populações mantém a serventia nos termos indicados nos citados diplomas e, consequentemente, que a submissão ao Regime Florestal não retira a natureza de baldio a esses terrenos que, consequentemente, se mantém apesar da submissão dos imoveis baldios a esse regime.

Há ainda a considerar que por força do regime decorrente do Decreto lei 36/76, os baldios não podem ser objecto de usucapião desde a entrada em vigor desse diploma, podendo sê-lo na vigência do Código Administrativo de 1940, por privados, não pelo Município, a menos que tivesse existido inversão do título de posse.

De resto, encontra-se nos autos extensa documentação, entre a qual avultam os mapas elaborados pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas e Direção Geral do Território, a fls. 448 (com o requerimento datado de 05.12.2017) e a fls. 606 (junto em audiência), sendo que neste último se referem os artigos matriciais em causa nos autos, e que foi elaborado com recurso à carta de condicionantes a que se refere o artº 11º do Plano Director Municipal de Rio Maior.

Conforme pode ler-se no ofício que remete este último mapa (folhas 605), explicitando as fontes utilizadas para elaboração desse mapa: “A delimitação do perímetro florestal da Serra dos Candeeiros foi extraída da Planta de Condicionantes da 1ª Revisão do Plano de Ordenamento do Parque Nacional das Serras de Aires e Candeeiros- Resolução do Conselho de Ministros nº 57/2010 de 12 de agosto” e “A delimitação dos prédios rústicos da freguesia de Rio Maior identificados no mapa foi extraída das secções cadastrais do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica do concelho de Rio Maior cuja entrada em vigor ocorreu a 30/09/1986, conforme D.R. nº 208 da 10/09/1986, II Série”.

Ora, tendo em consideração tais diplomas e documentos, e bem assim que as escrituras de justificação notarial em causa nos autos não descrevem factos concretos relativos à causa de aquisição da posse pelo justificante, ou quaisquer factos em que tal posse se terá traduzido, não se retira da motivação da matéria de facto a razão pela qual o Tribunal Recorrido considerou provado que o Réu Município praticou atos “próprios da sua qualidade de proprietária” e que este sempre agiu como proprietário, designadamente, com a convicção de assim ser.

Note-se que detendo o Município poderes de administração, pelo menos até à entrada em vigor do diploma de 1976 citado, e até poderes de gestão pública, os atos em causa são suscetíveis de consubstanciar a exteriorização do exercício de tal administração, sendo necessário esclarecer a razão pela qual, sem inversão do título de posse (que não se encontra descrita em qualquer das escrituras de justificação), se entendeu considerar que se demonstrou, não uma simples posse precária, mas antes a posse em termos de direito de propriedade.

Tanto mais que se encontra junto aos autos ofício emitido pela Câmara Municipal de Rio Maior e dirigido à Telecom de Portugal, datado de 09.02.1994, não impugnado pelo seu emitente, o Réu Município de Rio Maior, no qual consta, para além do mais, que “O terreno em causa faz parte do artigo rústico número 0001 da secção D (…) O mesmo consta da relação de baldios existentes no concelho de Rio Maior; Pelo DL 44343 de 12.05.62 foi submetido ao regime florestal a cargo da Direção Geral dos Serviços Florestais; Atualmente faz parte integrante do Parque Natural da Serra de Aires e Candeeiros; (…)” e que o terreno que a Portugal Telecom pretendia regularizar integra o imóvel que corresponde ao artigo rústico da secção D e consta da relação de baldios existentes no concelho de Rio Maior”, sendo que imóvel que corresponde ao artigo rústico nº 0001 da Secção D é um dos que o Autor peticiona que seja declarado baldio.

Importa ainda atender a que o Tribunal deu como provado sob o ponto 24 que em 30.01.2012 foi constituída a Assembleia de Compartes na freguesia de Rio Maior.

Se bem compreendemos a motivação do Tribunal no que respeita aos factos provados e não provados objeto de impugnação, para além da referência a depoimentos de testemunhas que referindo atos de utilização, ou oneração, se podem enquadrar numa posse precária, relativa a administração ou numa posse em termos de direito de propriedade, deparou-se o Tribunal Recorrido com dificuldades relativas a localização e identificação dos terrenos com a natureza de baldio existentes no local.

Tais dificuldades, porém, não podem considerar-se inultrapassadas sem recurso a produção de meios de prova que permitam tal localização, por forma a que nenhuma dúvida reste quanto à natureza dos terrenos em causa nos autos, atenta a importância dos mesmos para as populações.

O que, por isso, poderá impor a necessidade de determinar oficiosamente a realização de exame pericial, nos termos do disposto nos artigos 467º e seguintes do Código de Processo Civil, destinado a concretizar a localização dos terrenos em causa entre os baldios oficialmente reconhecidos, como referido supra.

Ora, dispõe o artigo 154º do Código de Processo Civil, no seu nº1 que “[a]s decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”, esclarecendo o seu nº 2 que esta não pode consistir numa simples “adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na decisão”.

Este dever geral de fundamentação dos despachos e decisões (sentenças) proferidos no processo, decorre de exigência constitucional, prevista no artigo 205 nº1 da Constituição da República Portuguesa, que exige que as decisões do tribunal, que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, de molde a assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo.

O dever de fundamentação, no que respeita à sentença e à decisão de facto, impõe a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme dispõe o artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil.

Na fundamentação da sentença, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, devendo ainda tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, sempre de acordo com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil).

É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, salvaguardando as garantias das partes e possibilitando a sua cabal reação, em caso de discordância em relação a esta convicção, bem como assegurando que o tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para a apreensão e reapreciação da matéria fáctica.

Importa não esquecer que o julgamento da matéria de facto se assume como o principal objetivo do processo civil declaratório, pois dele depende o resultado da ação.

Nos termos do artigo 615º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. E é ainda nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al c) do mesmo preceito).

Esta nulidade, por se traduzir na inobservância das regras de elaboração da sentença, é um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.

Questão diferente da falta (absoluta) de fundamentação é a existência de uma insuficiente fundamentação da resposta à matéria de facto e que leve a deficiências no entendimento do raciocínio lógico que levou aos factos provados e não provados.

Nesse caso, nos termos do artigo 662º, nº 2, al. d) do Código de Processo Civil, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, deve a Relação determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. Ou seja, quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada deve o processo baixar para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova.

Da mesma forma, os vícios de deficiência, obscuridade, contradição ou excesso da factualidade enunciada na sentença poderão ser arguidos como fundamento do recurso de apelação ou conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior, nas condições previstas no artigo 662, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil.

Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 718 “[t]anto na enunciação dos factos provados como dos não provados, dentro dos limites dos temas da prova que foram enunciados ou que porventura foram adicionados posteriormente, o juiz deve sinalizar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, de forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito e evitar que, em sede de recurso de apelação, seja sentida a necessidade de anulação da audiência final para ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº 2, al. c) in fine)”, sendo [e]m tal enunciação cabe necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda”.

Conclui-se, do acima exposto, que existe uma ausência/insuficiência da fundamentação de facto, por falta de especificação dos fundamentos pelos quais se afastou a versão dos factos relativa à posse e à natureza dos prédios em causa nos autos apresentada pelo Autor, em confronto com os diplomas e documentos referidos, o que se traduz numa omissão de apreciação crítica da referida prova produzida, designadamente a documental impedindo, assim, a sua sindicância.

No caso dos autos, o suprimento da aludida omissão por este Tribunal da Relação, significaria a diminuição de um grau de jurisdição na apreciação e julgamento da matéria de facto, tanto mais grave quanto, como é sabido, o Tribunal da Relação poderá, no caso, ser a última instância de recurso, sendo que, como se referiu, tal suprimento poderá implicar a realização de prova, designadamente pericial (cf. artigo 662º, n.º 1, al. b) do CPC).

A fundamentação da sentença recorrida, apenas pode, pois, ser colmatada pelo Tribunal Recorrido.

Em conclusão, impõe-se a anulação da sentença recorrida, devendo os autos baixar à 1ª instância, a fim de que aí sejam motivados os factos referidos, objeto de impugnação pelo Autor, ponderada a necessidade de realização de perícia, com prolação de nova sentença.

Assim sendo, e por se mostrar inviabilizada reapreciação da matéria de facto aqui sob impugnação, e ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, al. d), do CPC, determina-se a anulação da decisão da matéria de facto proferida relativamente aos pontos aqui sob impugnação do Autor – a fim de que o tribunal fundamente devidamente a decisão por si proferida relativamente a tais pontos da matéria de facto, procedendo à apreciação crítica da prova, nos termos expostos, se necessário, com realização de prova pericial.

A anulação aqui decretada prejudica, por ora, o conhecimento das restantes questões suscitadas na presente apelação e não prejudica as diligências de prova realizadas.

*

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam em anular a sentença proferida em 1ª instância, a fim de o Tribunal fundamentar devidamente a decisão por si proferida relativamente aos pontos da factualidade objeto de impugnação pelo ora Autor, a que se fez referência, que se prendem com a caracterização da posse do Réu sobre os terrenos e sobre a natureza dos prédios, em face dos meios de prova gravados e registados nos autos, e documentais, ou outros que se entendam necessários, designadamente pericial, ao abrigo e nos termos previstos no artigo 662º, nº 2, als. b), c) e d) e nº 3, do CPC.

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Custas pelos Recorridos – artigos 527º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

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Évora,

Ana Pessoa

José António Moita

Maria João Sousa e Faro

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1. Da exclusiva responsabilidade da relatora↩︎

2. Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A Tríplice Tutela dos Direitos Subjetivos- “Quando os Lobos Uivam”…, a Propósito de um AcórdãoSobre Baldios e Eólicas”, Cadernos de Direito Privado, 84, outubro – dezembro de 2023, ponto 5.↩︎

3. Cf. Mouteira Gurerreiro, “Atuais e Dissonantes Temas de Registo Predial”, Almedina, 2021, pgs 86 e 87.↩︎

4. Cfr Ac STJ 25.06.2015↩︎

5. In “Do Carácter Não Usucapível do Direito de Baldio (Anotação a Uma Escritura de Justificação)”, Revista de Direito Civil, Ano II (2017), número 4, pg. 827.↩︎

6. Autora, obra citada e local citados↩︎

7. Cf. neste sentido, para além do mais, João Carlos Gralheiro, “Dos Baldios Até à Lei 75/2017, de 17.08”, (Edição Revista atualizada e ampliada) 4ª edição, Edições Esgotadas, 2025, p. 238, Ac. STJ de 18.03.2021, proc. 109/14.3 e Ac. STJ de 25.10.2005, e Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 24.06.1999, publicado a 24.11.1999.↩︎