ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
Sumário

Sumário (elaborado pela relatora):
I- O direito a alimentos entre ex-cônjuges assenta num princípio de solidariedade, é alheio a qualquer juízo de culpa e a determinação da sua existência e medida requer uma resposta proporcionada às necessidades de quem os recebe e às possibilidades de quem os presta, no pressuposto de que quem os recebe não pode prover à sua própria subsistência.

II- Se a falta de meios do alimentante faz cessar a obrigação de alimentos, esta, no entanto, só em relação a ele termina, podendo o alimentando exigi-los a outro que esteja vinculado a prestá-los (artigos 2013.º, n.º 2 e 2009.º do Código Civil).

Texto Integral

Recurso de apelação n.º 570/12.0TMSTB-A.E1

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Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


1. No Tribunal Judicial da Comarca de Cidade 1, Juízo de Família e Menores de Cidade 1 – Juiz 1, AA, identificado nos autos, instaurou a presente ação especial para alteração/cessação de alimentos contra BB, também identificada nos autos.


Alegou, para o efeito, que, aquando da dissolução do seu casamento com a ré por divórcio, ficou fixada uma pensão de alimentos a seu cargo e a favor da última. Acontece que o autor reside no Brasil e encontra-se em situação de desemprego de longa duração, sem auferir qualquer rendimento e subsistindo com a ajuda de familiares, que lhe enviam dinheiro, incluindo a sua irmã CC. Pretende, assim, ver cessada tal obrigação, pois não tem possibilidade de a cumprir, beneficiando a ré presentemente de uma pensão da segurança social que lhe permite assegurar o seu sustento, não carecendo de alimentos.


Terminou formulando o pedido de que seja suspensa a obrigação de prestar alimentos à ex-cônjuge BB e que seja oficiado ao Centro Nacional de Pensões para que a pensão com o número de beneficiário ..., deixe de ser paga à ré e passe a ser paga ao autor.


Arrolou testemunhas, pediu lhe fossem tomadas declarações e juntou documentos.


Realizou-se a conferência a que alude o artigo 936.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (doravante, CPC) e, não tendo os interessados chegado a acordo, veio a ré BB contestar o pedido, impugnando os fundamentos da pretensão do autor e invocando ser uma pessoa doente e incapaz de exercer qualquer atividade profissional, não sendo a pensão que aufere suficiente para assegurar a sua subsistência, pelo que deve manter-se a obrigação alimentícia.


Arrolou testemunhas, pediu lhe fossem tomadas declarações e juntou documentos.


Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, seguido da identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.


Após, teve lugar a audiência final e foi proferida sentença em que a 1.ª instância julgou a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, declarou cessada a obrigação de o autor AA prestar alimentos à ré BB, sua ex-cônjuge, e determinou que seja oficiado ao Centro Nacional de Pensões para que a pensão do autor, com o número de beneficiário ..., deixe de ser paga à ex-cônjuge e passe a ser paga ao autor.


2. Inconformada com o decidido, a ré BB interpôs recurso de apelação em que, no termo das respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (transcrição):


“a) Não obstante a profundidade e excelência do acórdão proferido na forma como aplicou o direito aos factos, discorda o ora recorrente da forma como foi fixada parte da matéria de facto provada nos autos.


b) Pelo que devem ser reapreciadas as seguintes faixas com as declarações de parte da Requerida e o depoimento da testemunha:


10:02 a 10:09 – Declarações de Parte da Requerida;


10:20 a 10:27 – Depoimento da Testemunha DD;


c) A Requerida de 76 anos de idade, com várias doenças, falou de uma forma clara e honesta, sem qualquer colocar em causa nenhuma vez a credibilidade do seu depoimento.


d) A Requerida vive sozinha em umas águas furtadas, sem qualquer tipo de luxo, apenas com o básico para a sua subsistência.


e) Em nenhum dos factos provados o Tribunal a quo, referiu que a Requerida teve um AVC, que necessita de usar fraldas pela sua incontinência. Bem como pelo facto de ser asmática e necessitar de uma bomba pelo menos por mês.


f) Derivado a estes problemas de saúde, a Requerida necessita de despender de 300,00€ por mês que estão documentados nos autos.


g) O tribunal a quo não dá estes factos como provados, e mais grave, alguns, nem como não provados, não parecendo assistir ao mesmo julgamento que decorreu nos presentes autos.


h) A testemunha comprovou as dificuldades e situação em que vive a Requerida, bem como o estado de saúde da mesma, situação que o Tribunal a quo ignorou por completo.


i) O Tribunal a quo, deveria ter analisado e alterado a matéria de facto que deu como assente mediante as declarações de parte da Requerida, suportada pelas declarações da testemunha DD


j) O Tribunal a quo não parece ter ouvido em toda a sua plenitude o depoimento de todas as testemunhas e da Requerida, focando-se apenas em pequenos excertos para fundamentar a improcedência da acção, contudo não foi essa apenas a prova produzida em sede de audiência de julgamento.


k) Para além de que existe factos que deveriam ter sido dado como provados, pois o foram na audiência de discussão e julgamento e não foram colocados na Sentença nem em provados nem em não provados.


m) Não podemos deixar de concluir que a prova foi mal apreciada e valorada pelo Tribunal a quo e de que foi feita prova do que foi alegado pela Autora, e que deveria a presente acção ter sido julgada totalmente procedente.


n) Não nos podemos esquecer que os factos dados como provados e essenciais para a Sentença no sentido que lhe foi dado pelo Tribunal a quo, foi com base na prova das declarações do Autor, suportadas pelas testemunhas CC e EE, ou seja sua irmã e o seu cunhado.


o) O Tribunal a quo, nunca pode suportar as declarações das partes com testemunhas que são familiares directas o Autor, que naturalmente são tendenciosas. Ainda para mais, a ser verdade, que tem interesse directo na causa.


p) Estas testemunhas, para além do mais, nunca foram ao Brasil, na verdade não sabem se o que o Autor lhes refere é verdade ou não.


q) Não estamos a falar de o Autor necessitar de ajuda, estamos a falar de se ajudar três pessoas em detrimento de uma que ficou sem condições face a factos praticados única exclusivamente pelo Autor.


r) Nos termos do n.º 1 do artigo 205º, da atual versão da Constituição Portuguesa as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.


s) Estabelecidos os factos, entra em cena a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, isto é, o comando do artigo 607º do Código de Processo Civil.


t) O que com o devido e merecido respeito ao tribunal “a quo”, não nos parece ter feito.


u) A sentença recorrida resvalou para um terreno pantanoso, agarrando-se a um conceptualismo formal, ficando muito aquém da apreciação profunda, que o caso sub judice impunha.


Termos em que, se deve conceder provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, se fará, com o douto suprimento, a acostumada JUSTIÇA!!!”.


3. O recorrido AA apresentou contra-alegações em que formulou as seguintes conclusões (transcrição):


“1. A decisão recorrida foi proferida com base numa correcta apreciação da prova, cumprindo os requisitos do artigo 607.º, n.º 4 do CPC.


2. O recurso não cumpre os requisitos do artigo 640.º do CPC, pois não demonstra de forma concreta qualquer erro na valoração da prova.


3. Não há qualquer fundamento jurídico válido para a alteração da decisão recorrida, sendo o recurso uma mera discordância subjectiva da parte vencida.


4. O Tribunal apurou que o Requerente não dispõe de rendimentos que lhe permitam assegurar a própria subsistência, quanto mais a da Ré. Tal situação é juridicamente relevante, pois:


5. • O artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que “os alimentos serão fixados de modo que o alimentado possa sustentar-se condignamente, mas sem excesso relativamente às possibilidades do obrigado”.


6. • A jurisprudência tem reiterado que o dever de alimentos não pode colocar o obrigado numa situação de desespero financeiro ou de indigência (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 10/11/2021, Processo n.º 981/20.5T8GDM.P1).


7. A Recorrente pretende, no seu recurso, inverter o ónus da prova ao alegar que, não obstante a insuficiência económica do Requerente, este deveria suportar os alimentos. No entanto, essa pretensão é contrária ao disposto no artigo 342.º do Código Civil, que impõe à Requerida ora Recorrente o dever de provar os pressupostos do seu direito, nomeadamente a possibilidade do Requerente de prestar alimentos, o que não foi demonstrado.


8. Além disso, o Tribunal a quo apreciou correctamente a prova produzida, tendo valorado os elementos disponíveis de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5, do CPC).


9. A jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora reforça a necessidade de respeitar decisões devidamente fundamentadas, salvo erro evidente, o que não se verifica no presente caso.


10. Diante da ausência de fundamentos jurídicos sólidos, requer-se que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.


Nestes termos, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida”.


4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II – Objeto do Recurso


O objeto do recurso é definido pelas conclusões formuladas nas alegações, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, para além das que forem de conhecimento oficioso, ressalva feita àquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).


Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a decidir:


- Se a sentença recorrida é nula por falta de indicação de factos provados e/ou não provados [artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC].


- Se a sentença é nula por falta de fundamentação de direito [artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC].


- Se a decisão proferida sobre a matéria de facto provada e não provada deve ser modificada.


- Se estão verificados os pressupostos que fundamentam a cessação da obrigação de o autor prestar alimentos à ré.


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III – Fundamentação


Fundamentação de facto.


3.1. Na sentença proferida pela 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):


Da discussão da causa resultaram provados, com relevância para a decisão de mérito, os seguintes factos:


1. Por sentença de 26.11.2012, transitada em julgado no dia 15.01.2013 e proferida no processo principal de divórcio por mútuo consentimento n.º 570/12.0..., que resultou da convolação de processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, foi decretada a dissolução, por divórcio, do casamento que havia sido celebrado entre as partes e foi homologado o acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge mulher, celebrado nesses autos entre as partes, por efeito do qual ficou estabelecido o seguinte: “A título de prestação de alimentos o cônjuge marido contribuirá com a importância mensal de € 1.016,63 (mil e dezasseis euros e sessenta e três cêntimos), que será prestada da seguinte forma:


a) Mediante o envio da quantia de € 516,63 (quinhentos e dezasseis euros e sessenta e três cêntimos), que corresponde à sua pensão por velhice, a qual deverá ser remetida mensalmente ao cônjuge mulher pelo Instituto da Segurança Social – Centro Nacional de Pensões, por vale postal para a sua morada ;


b) E mediante o envio mensal da quantia de € 500,00 (quinhentos euros), por transferência bancária para a conta da Caixa Geral de Depósitos, de Setúbal, abaixo identificada:


NIB : ...


IBAN : ...


BIC/SWIFT- CGDIPT”


c) A quantia referida na al. b) destina-se ao pagamento das rendas referentes ao contrato de locação financeira celebrado com o Banco Comercial Português, S.A. - Sociedade Aberta, com sede na Praça D. João I, 28, Porto, que tem por objeto o imóvel sito na Rua 1..., em Cidade 1, que constitui a casa de morada de família.”


2. O autor está a viver no Brasil desde 2011.


3. No Brasil, o autor reside com a sua actual companheira, FF, e a sua enteada GG.


4. O autor é engenheiro civil de profissão.


5. O autor não conseguiu que o seu curso fosse homologado no Brasil.


6. No Brasil, o autor encontra-se em situação de desemprego de longa duração e aufere, como único rendimento, uma prestação social, no valor de cerca de 600 BRL (seiscentos Reais), no equivalente a cerca de € 100,00 (cem euros).


7. O autor tem subsistido no Brasil com o auxílio financeiro de familiares, que lhe enviam dinheiro para esse país, incluindo a sua irmã CC, a qual, pelo menos desde Dezembro de 2018, lhe tem enviado quantias mensais variáveis, nos valores de € 100,00, € 150,00, € 200,00, € 250,00, € 300,00, € 500,00 e € 1.000,00.


8. Por efeito do acordo mencionado em 1), a ré passou a receber o valor relativo à pensão de reforma do autor, incluindo os valores referentes a subsídio de férias e de Natal.


9. Essa pensão do autor, em 06.12.2023, ascendia ao valor mensal de € 555,96 (quinhentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos).


10. A ré recebe presentemente uma pensão da Segurança Social.


11. Em Maio de 2022, a pensão de reforma que a ré aufere ascendia ao valor mensal de € 421,72 (quatrocentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos).


12. A ré, com 76 anos de idade, padece das seguintes patologias: diabetes tipo II sob insulinoterapia; HTA grau II; DPOC com bronquictasias; bócio multinodular; síndrome do colon irritável; perturbação depressiva major.


13. O quadro clínico da ré é incapacitante e impeditivo do exercício de qualquer tipo de actividade profissional.


14. A ré tem mensalmente as seguintes despesas:


a. Renda ----------------------------- € 300,00


b. Medicação ------------------------ € 131,22


c. Telemóvel ------------------------- € 20,90


d. Lentes de contacto --------------- € 10,00”.


3.2. Por sua vez, na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos (transcrição):


15. Desde 30 de Outubro de 2018 que o autor tem o seu curso reconhecido no Brasil.


16. Além de estar a trabalhar e a exercer a sua profissão de engenheiro, o autor também explora uma Sorveteria e Lanchonete, com a designação de Ge....


17. A ré tem mensalmente as seguintes despesas:


a. Água ------------------------------------------- € 20,00


b. Luz --------------------------------------------- € 35,00


c. Internet ---------------------------------------- € 39,95


d. Bomba para Bronquite ---- € 12,50 x 2 = € 25,00


e. Alimentação --------------------------------- € 300,00”.


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4. Fundamentação de direito.


4.1. 1.ª questão: Se a sentença recorrida é nula por falta de indicação de factos provados e/ou não provados [artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC].


Diz a apelante que há factos que deviam ter sido dados como provados, pois assim resultaram da audiência de julgamento, só que não foram considerados na sentença recorrida, nem no elenco da matéria provada, nem no da não provada.


Neste contexto, a apelante sustenta que vive sozinha numas águas furtadas, sem qualquer tipo de luxo, apenas com o básico para a sua subsistência. Em nenhum dos factos provados o tribunal a quo referiu que a ré teve um AVC, que necessita de usar fraldas pela sua incontinência, que é asmática e necessita de, pelo menos, uma bomba por mês. Devido a estes problemas de saúde, a ré necessita de despender 300,00€ por mês, conforme está documentado no processo.


O tribunal a quo não dá estes factos como provados e, mais grave, quanto a alguns, nem como não provados, não parecendo ter assistido ao mesmo julgamento que decorreu nos presentes autos.


Pois bem.


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Tanto quanto se depreende do que assim foi alegado na motivação recursória, a apelante procura suscitar a falta de especificação de fundamentos de facto na sentença recorrida, no sentido de que a 1.ª instância omitiu a indicação, no elenco provado e não provado, de determinados factos que se inscrevem no âmbito do objeto do litígio e fazem parte dos temas da prova, sobre os quais foi alegadamente produzida prova na audiência final (cf. artigo 607.º, n.os 3 e 4 do CPC).


Omissão que, ainda que se confirmasse, seria neste caso insuscetível de conduzir à nulidade da sentença recorrida, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, porquanto não está em causa uma falta absoluta de fundamentação, sendo que só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão, poderia determinar a invalidade referida.1


A fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora possa justificar a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível, com base na insuficiência dos factos especificados para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, por se tratar de uma fundamentação factual que se mostra medíocre e, portanto, é passível de um juízo de mérito negativo, a obter em sede recursória.


De todo o modo, o que, in casu, se verifica é que a sentença recorrida se mostra devidamente fundamentada, apresentando, no que agora releva, a descrição fáctica considerada pertinente para o objeto do litígio, temas da prova e correspondente subsunção jurídica, dando rigoroso cumprimento às exigências ditadas pelo artigo 607.º, n.os 3 e 4 do CPC.


Com efeito, tendo em conta que o que está em causa nesta ação é a cessação da obrigação de prestar alimentos com o fundamento de que, quem os presta, alega não poder continuar a fazê-lo [artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil], cabendo, pois, ao autor a alegação e a prova dos factos que consubstanciam a invocada impossibilidade de continuar a prestar alimentos à ré, verifica-se que os factos que esta alegou na contestação e que, em rigor, nem dizem respeito à situação do alimentante, antes se referem às necessidades da alimentada, foram, ainda assim, considerados, sem exceção, na sentença recorrida.


Em concreto, a matéria alegada nos artigos 13.º, 14.º e 17.º da contestação – a ré é uma pessoa de 73 anos de idades e bastante doente (artigo 13.º), sofre de diversas patologias, conforme documento 3 que se anexa e se dá por integralmente reproduzido, o que se torna incapacitante e impeditivo de exercer qualquer tipo de atividade profissional (artigo 15.º), e tem mensalmente despesas de 300,00€ em renda, 130,00€ em medicação 20,00€ em água, 35,00€ em luz, 39,95€ em internet, 20,95€ em telemóvel, 10,00€ em lentes de contacto, 25,00€ em bomba para a bronquite, e 300,00€ em alimentação, num total de 889,90€ (artigo 17.º) –, foi apreciada na sentença recorrida, na qual o tribunal a quo julgou provado, nos pontos 12 a 14, que a ré, com 76 anos de idade, padece das patologias de diabetes tipo II sob insulinoterapia, HTA grau II, DPOC com bronquictasias, bócio multinodular, síndrome do colon irritável e perturbação depressiva major (ponto 12), que o seu quadro clínico é incapacitante e impeditivo do exercício de qualquer tipo de atividade profissional (ponto 13) e tem mensalmente as seguintes despesas: renda 300,00€, medicação 131,22€, telemóvel 20,90€ e lentes de contacto 10,00€ (ponto 14). Julgando, por outro lado, não provado nos pontos 17 da sentença recorrida que a ré tem mensalmente despesas de 20,00€ em água, 35,00€ em luz, 39,95€ em internet, 25,00€ em bomba para bronquite e 300,00€ em alimentação.


Devendo, assim, improceder a pretensão que a este respeito foi formulada pela recorrente.


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4.2. 2.ª questão: Se a sentença é nula por falta de fundamentação de direito [artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC].


A recorrente, fazendo apelo ao disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei, vem dizer que, estabelecidos os factos, entra em cena a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, em obediência ao comando do artigo 607.º do CPC.


O que, segundo sustenta, o tribunal a quo não parece ter feito, uma vez que a sentença recorrida resvalou para um terreno pantanoso, agarrando-se a um conceptualismo formal e ficando muito aquém da apreciação profunda que o caso sub judice impunha.


A apelante não concretiza quais os aspetos da indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas em que o tribunal a quo alegadamente incorreu em falta de fundamentação determinante de nulidade da sentença que proferiu, depreendendo-se da posição assumida no recurso que a razão do assim invocado se prende sobretudo com o inconformismo relativamente ao decidido pela 1.ª instância quanto à questão de mérito e por ter concluído no sentido de uma solução jurídica que é desfavorável à ré alimentada, discordando, assim, do resultado da lide.


Isto para além de que, na senda do que foi dito em 4.1., com base na jurisprudência vertida no Acórdão do STJ, de 2 de junho de 2016, “não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade (…) como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, p. 670/672), ao escreverem «Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito». Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada”.


Seja como for, perscrutada a fundamentação de direito que levou à sentença recorrida, verifica-se que, para além de um enquadramento inicial dedicado ao instituto dos alimentos, em que descreveu o regime jurídico, nos seus aspetos principais, como a noção de alimentos e os critérios de fixação da sua medida, apresentando ainda todas as dimensões relevantes do regime especial em matéria de alimentos no caso de dissolução do casamento por divórcio (bem como de separação judicial de pessoas e bens), o tribunal a quo debruçou-se sobre o objeto da presente lide, que analisou em detalhe, expondo as razões factuais e jurídicas que o levaram a concluir que foi alegada e ficou provada a ocorrência de circunstâncias posteriores à decisão e imprevistas nas próprias vidas das partes, que determinam a modificação da obrigação de alimentos que o autor vem cumprindo há mais de 12 anos, impondo que se julgue procedente a ação e se determine a cessação da obrigação alimentar estabelecida a cargo do autor e a favor da ré.


Perante o exposto, é forçoso concluir que a falta de fundamentação jurídica também imputada à sentença recorrida não merece acolhimento e deve, assim, improceder.


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4.3. 3.ª questão: Se a decisão proferida sobre a matéria de facto provada e não provada deve ser modificada, nos termos pretendidos pela apelante.


Como é sabido, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, prevista no artigo 640.º do CPC, o impugnante invoca razões de ordem probatória que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da que a 1.ª instância proferiu relativamente aos pontos de facto que vem questionar.


A sindicância requerida tem por base a reapreciação, pelo tribunal ad quem, dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, dentro dos limites resultantes do que foi fornecido pelo recorrente, em cumprimento do ónus de especificação plasmado na norma referida.


Assim, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto compete exclusivamente a quem a deduz, especificar, sob pena de rejeição, os elementos previstos nas alíneas a) a c) n.º 1 do artigo 640.º do CPC, ou seja:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


Por outro lado, quando as provas tenham sido gravadas, a especificação deve ser feita por indicação exata das passagens em que se funda a impugnação, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [cf. artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC].


Vejamos.


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No recurso que interpôs, a ré BB vem dizer que não se conforma com a convicção do tribunal a quo baseada nas declarações de parte que prestou e no depoimento da testemunha DD, que pretende ver reapreciados nos segmentos gravados que identifica e transcreve.


Seguidamente, discorre sobre a credibilidade das declarações que prestou e que nada se duvida do que por ela foi dito em audiência de julgamento, as quais terão sido sido corroboradas pelos depoimentos das testemunhas, com base no que afirma que a pensão em causa foi fixada porque ficou provado que dela carecia, com a agravante que agora padece das doenças que lhe foram surgindo e das quais também fez prova, sendo que para fazer face a tais problemas de saúde, necessita de despender de 300,00€ por mês, que estão documentados nos autos. Alegando ainda a apelante que não tem condições para trabalhar e poder auferir outros rendimentos, pelo que privá-la da questionada pensão resulta numa situação em que de renda de casa paga 320,80€, de reforma recebe 420,00€, ao que lhe resta a quantia de 100,00€.


Mais refere que o autor foi para o Brasil antes do divórcio, vive com uma companheira em idade de trabalhar e com uma enteada já maior de idade. Tudo vive com a pensão do autor, sacrificando-se uma pessoa idosa e doente em detrimento de pessoas saudáveis e em idade de trabalhar, não parecendo que com isso se tenha feito Justiça.


Passando, depois, ao depoimento de DD, a apelante dá nota de que esta testemunha referiu factos importantes de forma clara e isenta e, no entanto, o tribunal a quo dela não se valeu para nenhuma prova.


Concluindo a apelante a este respeito que o tribunal a quo deveria ter analisado e alterado a matéria de facto que deu como assente mediante as suas declarações de parte, suportadas pelo depoimento da testemunha DD


Todavia, neste passo da motivação recursória não especifica os factos sobre os quais incide o seu inconformismo e pretende fazer uso da prova que transcreveu, mediante a sua reapreciação judicial.


Seguidamente, debruçou-se sobre aspetos da fundamentação jurídica levada à sentença recorrida, discordando do entendimento firmado pelo tribunal a quo de que existem razões para modificar os alimentos fixados.


Depois, em relação à convicção formada pelo tribunal a quo, baseada na conjugação dos documentos junto aos autos com as declarações e depoimentos produzidos em audiência, numa apreciação à luz das regras da experiência e normalidade, tendo presente o regime da distribuição do ónus da prova, a apelante vem dizer que não pode deixar de manifestar o seu desagrado pela forma como foi analisada a prova. Recordando a este respeito que os factos dados como provados e essenciais para a sentença recorrida, no sentido atribuído pelo tribunal a quo, tiveram por base as declarações do autor, suportadas pelos depoimento de CC e EE, ou seja, a sua irmã e o seu cunhado, pelo que o julgador nunca poderia ter considerado suportadas as declarações das partes por testemunhos de familiares diretos do autor, que naturalmente são tendenciosos e têm interesse direto na causa. Testemunhas que, para além do mais, nunca foram ao Brasil e não sabem se o que o autor lhes refere é verdade ou não.


Para a apelante o tribunal a quo não podia, pois, fundamentar a prova dos factos e concluir que as indicadas testemunhas são inegavelmente pessoas que mantêm um vínculo de proximidade com o autor, fundado em laços familiares e de cariz afetivo, não se apresentando, por isso e naturalmente, como absolutamente desinteressadas e equidistantes face ao conflito que antagoniza as partes nestes autos. Mas são natural e habitualmente essas pessoas, que mantêm uma ligação familiar ou de amizade com as partes e a sua família, quem se encontra em condições de adquirir algum concreto conhecimento sobre situações de natureza similar àquela sobre a qual nos detemos, bem como de nelas ter alguma participação, e ainda mais quando nos reportamos a eventos que se perpetuam ao longo dos anos.


Para a apelante, o tribunal a quo andou muito mal pois decidiu com base em declarações que são claramente tendenciosas, pelo vínculo e afetividade que lhes está implícito, em função do que conclui aquela no recurso que o julgador deveria ter dado os factos 6 e 7 como não provados.


Por outro lado, em relação à matéria dada como não provada nos pontos 15 e 16 da sentença recorrida, a apelante vem dizer que o julgador decidiu nesse sentido sem qualquer justificação lógica, transcrevendo para a motivação recursória o segmento da sentença recorrida no qual consta exarada a motivação da convicção formada quanto ao não apuramento referida matéria de facto, no qual, entre outros aspetos, o julgador explica que impendia sobre a ré o ónus de a demonstrar e não foi produzida prova bastante e apta a corroborá-la com a segurança e o rigor que se impunham, não tendo tais factos sido objeto de confissão pelo autor, que seria a parte desfavorecida pela admissão da sua realidade, nem foram corroborados com direto conhecimento, precisão e isenção por parte das testemunhas inquiridas, nem as declarações da ré se revelaram suficientes para sustentar a realidade do apontado quadro factual que alegou, porquanto desprovidas de suporte noutras provas capazes de as consolidar, nem defluindo a sua realidade da prova documental constante dos autos.


A apelante termina alegando que não tinha necessidade de mentir sobre os factos descritos nos citados pontos 15 e 16, não contestados pelo autor, e se existissem dúvidas sobre a sua veracidade, caberia ao tribunal a quo ultrapassá-las. Sustentando, assim, no recurso que o julgador fundamentou as declarações do autor com os depoimentos de testemunhas que são seus familiares diretos e não quis fundamentar as declarações da ré com a prova documental.


Pois bem.


*


Com a pretensão que assim deduziu a apelante parece pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos previstos no artigo 640.º do CPC, a que acima fizemos referência descrevendo os seus aspetos essenciais.


Como também já se disse, trata-se de uma sindicância que tem por base a reapreciação, pela Relação, dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, dentro dos limites resultantes do que foi fornecido pelo recorrente, em cumprimento do ónus de especificação plasmado na norma do indicado artigo 640.º, cabendo, por conseguinte, exclusivamente ao impugnante especificar, sob pena de rejeição, os seguintes elementos previstos nas alíneas a) a c) n.º 1 do artigo 640.º do CPC, ou seja:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC; e


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC.


Isto para além da exigida indicação exata das passagens em que se funda a impugnação com base em prova gravada, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [cf. artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC].


*


Neste contexto, a apelante invoca os pontos provados 6 e 7 e os pontos não provados 15, 16 e 17.


Começando pelos pontos provados 6 e 7:


6. No Brasil, o autor encontra-se em situação de desemprego de longa duração e aufere, como único rendimento, uma prestação social, no valor de cerca de 600 BRL (seiscentos Reais), no equivalente a cerca de € 100,00 (cem euros).


7. O autor tem subsistido no Brasil com o auxílio financeiro de familiares, que lhe enviam dinheiro para esse país, incluindo a sua irmã CC, a qual, pelo menos desde Dezembro de 2018, lhe tem enviado quantias mensais variáveis, nos valores de € 100,00, € 150,00, € 200,00, € 250,00, € 300,00, € 500,00 e € 1.000,00.


Quanto à necessária indicação de prova com base na qual entende que esta matéria foi incorretamente julgada provada e deve ser dada como não provada, a apelante alude aos “documentos juntos aos autos que o tribunal a quo ignorou que representam o inverso do que ficou assente, nomeadamente que o autor tem uma gelataria e que tem o seu curso reconhecido no Brasil”.


Por outro lado, invoca as declarações prestadas pelo autor e os depoimentos das testemunhas CC e EE e a valoração que o tribunal a quo fez desta prova, tal como se encontra descrita na fundamentação quanto à convicção formada, vertida na sentença recorrida.


A este respeito, a apelante não efetuou qualquer indicação de passagens do registo gravado das referidas declarações e depoimentos, nem procedeu à transcrição de excertos que considerasse relevantes [cf. artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC].


Não observou, pois, quanto a tais meios de prova, o ónus de especificação, tal como exige o artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, sendo, deste modo, de considerar prejudicada a sua reapreciação, mediante a audição do respetivo registo gravado.


Resta, assim, sindicar a decidida demostração da matéria dos pontos 6 e 7 à luz dos fundamentos de motivação da convicção formada que o tribunal a quo levou à sentença recorrida e da prova documental dos autos que, conforme sustenta a impugnante, representam o inverso do que ficou assente.


Isto tendo sempre presente que o recurso consiste num remédio jurídico destinado a corrigir erros ou sanar vícios do julgamento realizado na 1.ª instância e que para a procedência da impugnação e consequente modificação da decisão de facto não basta que a prova produzida permita uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo, sendo necessário que tal prova imponha decisão diversa – artigos 640.º, n.º 1, alínea b), e 662.º, n.º 1, ambos do CPC.


Vejamos.


*


Segundo expôs na fundamentação da sentença recorrida, o julgador formou a sua convicção quanto à referida matéria, com base nas seguintes razões:


“A factualidade que ficou demonstrada sob 6. e 7. adveio, essencialmente, da ponderação das declarações do autor AA, valoradas conjugadamente com os depoimentos com aquelas essencialmente concordantes e sinceros das testemunhas CC e EE, que são, respetivamente, a irmã e o cunhado do autor, os quais complementaram e corroboraram tais declarações, tendo essas mesmas declarações e os depoimentos das indicadas testemunhas sido valorados em conjugação com os documentos n.º 1 a n.º 24, apresentados com o requerimento de 04.12.2023, referência 7658440 (47320621), cuja autenticidade e exatidão não foram impugnadas e ante os quais inexistem quaisquer elementos objetivos que permitam questioná-las, descrevendo todos, de forma coincidente, com relativo pormenor e lógica, a situação pessoal, familiar e socioeconómica do autor, explicando a sua prolongada situação de desemprego e a inerente carência de rendimentos, bem como o auxílio financeiro que, por causa da sua debilidade financeira, lhe tem sido prestado pela irmão, tendo sido o autor quem reconheceu receber o apoio social que veio a ficar evidenciado.


O relato feito pelo autor e pelas indicadas testemunhas foi complementado e consistentemente corroborado pelo teor dos indicados documentos n.º 1 a n.º 24, oferecidos com o requerimento de 04.12.2023, referência 7658440 (47320621), que contribuíram para revelar a proveniência, destino e valor das quantias que foram enviadas ao autor pela sua irmã ao longo dos anos, em consonância com as declarações e depoimentos enunciados.


As testemunhas inquiridas são inegavelmente pessoas que mantêm um vínculo de proximidade com o autor, fundado em laços familiares e de cariz afetivo, não se apresentando, por isso e naturalmente, como absolutamente desinteressadas e equidistantes face ao conflito que antagoniza as partes nestes autos.


Mas são natural e habitualmente essas pessoas, que mantêm uma ligação familiar ou de amizade com as partes e a sua família, quem se encontra em condições de adquirir algum concreto conhecimento sobre situações de natureza similar àquela sobre a qual nos detemos, bem como de nelas ter alguma participação, e ainda mais quando nos reportamos a eventos que se perpetuam ao longo dos anos.


Neste contexto assim delineado, no qual decorreu a produção de prova, o tribunal deu prevalência à prova por declarações do autor e à prova testemunhal e documental que sustentou a versão por si apresentada, por se revelar a única que, neste concreto segmento e quanto a esses precisos factos julgados provados, se revelou crível e lógica face ao que nos ditam as regras da experiência comum, as quais nos reconduzem por padrões de lógica, racionalidade, normalidade e habitualidade.


Termos em que ficou o tribunal plenamente persuadido da realidade do factualismo vertido sob 6. e 7., em razão do que o declarou provado”.


Do teor da motivação acima transcrita não resulta qualquer elemento que leve esta Relação a concluir que, na valoração que fez das declarações de parte prestadas pelo autor, o tribunal a quo tenha contrariado os critérios de racionalidade e lógica ou as regras da experiência comum, mostrando-se, assim, a sua avaliação conforme aos parâmetros da prudente convicção a que obedece a livre apreciação, nos termos gerais previstos no artigo 607.º, n.º 5 do CPC, também especificamente consagrados para este meio de prova no artigo 466.º, n.º 3 do mesmo diploma.


Aliás, ao expor a referida motivação da convicção formada o julgador começou por assinalar que as declarações prestadas pelo autor e pela ré foram valoradas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, em consonância com o disposto no artigo 466.º, n.º 3 do CPC, mas sendo, logicamente, sopesado que as declarações prestadas pelas partes não são naturalmente desinteressadas, isentas e imparciais, antes apresentando as mesmas um inequívoco, relevante e direto interesse no desfecho da ação, sendo, por isso, valoradas com particular exigência e rigor, entendendo o julgador que terão de ter algum suporte na restante prova oferecida nos autos ou terão de ser concordantes com as declarações da parte contrária, quando também esta as preste, dado tratar-se de um meio de prova dotado de destacada fragilidade, por inevitavelmente desprovidas as partes de neutralidade e equidistância face ao conflito que as opõe e que as próprias delinearam nos autos, ante o qual ambas pretendem obter vencimento.


Por outro lado, quanto aos depoimentos das testemunhas CC e EE, respetivamente, irmã e cunhado do autor, com a função complementar e corroborante das suas declarações, também não há nada a apontar à valoração exposta na sentença recorrida e a todo o sentido consonante com a livre apreciação, que a mesma apresenta.


Acresce que da análise da prova documental considerada pelo tribunal a quo, consubstanciada nos 24 documentos comprovativos de transferências que CC realizou para o autor, apresentados com o requerimento que este submeteu aos autos, em 04-12-2023, sob a referência Citius 7658440 [47320621], resulta confirmado o sentido probatório que converge no sentido da demonstração da matéria descrita no ponto 7.


Destaque também para os documentos oferecidos com o requerimento do autor com a referência Citius 7292410 [45760120] e, em concreto, para os documentos laborais que revelam que, já no Brasil, o autor trabalhou como gerente de produção de obra, no período compreendido entre 23 de junho de 2014 e 26 de setembro de 2017, ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado com a entidade empregadora OC, Lda., de Cidade 2, Sergipe, a qual na referida data de 2017 o despediu sem justa causa, sendo ainda de assinalar as declarações anuais de rendimentos para efeitos de imposto sobre a renda de pessoa física (equivalente ao IRS do sistema nacional), relativas ao autor, sua companheira e filha desta, sendo que o teor do citado documento fiscal que se refere a AA, espelha que (os únicos) rendimentos que o titular recebeu foram de pessoa física e do exterior e cifraram-se em 13 200 reais (ano de 2021). Merece ainda menção a folha resumo de cadastro familiar único, da qual resulta que a família constituída pelo autor, sua companheira e a filha desta, nascida a 24 de junho de 1998, tem uma renda per capita de 500,00 reais, valor que, tendo em conta as equivalências indicadas no ponto provado 6, não chega a 100,00 euros.


Ora, o teor destes documentos suporta igualmente a demonstração da matéria constante do ponto 7, bem como a do ponto 6.


Este acervo probatório que converge em abono do que o tribunal a quo decidiu relativamente à factualidade dos pontos 6 e 7 contrasta com a ausência da prova documental que, segundo a apelante, consta dos autos e suporta um sentido inverso do que ficou assente nos citados pontos.


No entanto, na impugnação que deduziu a apelante não só não especificou qual a prova em que assenta essa sua pretensão, como da análise dos documentos cuja junção foi admitida ao processo não se divisa existir qualquer elemento apto a infirmar o que toda a referida prova permitiu demostrar, em termos de considerar que o autor observou o ónus que sobre ele recai de fazer prova dos factos que fundamentam a cessação da obrigação de prestar alimentos à sua ex-cônjuge.


*


Por sua vez, a apelante também não logrou convencer que o tribunal a quo errou ao julgar não provados factos descritos nos pontos 15 e 16:


15. Desde 30 de Outubro de 2018 que o autor tem o seu curso reconhecido no Brasil.


16. Além de estar a trabalhar e a exercer a sua profissão de engenheiro, o autor também explora uma Sorveteria e Lanchonete, com a designação de Ge....


Quanto à necessária indicação de prova com base na qual entende que esta matéria foi incorretamente julgada provada e deve ser dada como não provada, a apelante alude aos “documentos juntos aos autos que o tribunal a quo ignorou que representam o inverso do que ficou assente, nomeadamente que o autor tem uma gelataria e que tem o seu curso reconhecido no Brasil”.


Alude também a que não tinha necessidade de mentir sobre os factos apresentados nos pontos 15 e 16 e, se existissem dúvidas sobre a veracidade dos mesmos, que não foram contestadas pelo autor, cabia ao tribunal a quo retirar essas dúvidas, sendo que não houve provas documentais inventadas ou produzidas pela apelante.


Ora, em primeiro lugar, cumpre referir que, à semelhança do que se verificou em relação à impugnada matéria dos pontos provados 6 e 7, a apelante, quando se reportou especificamente aos presentes pontos 15 e 16, não efetuou qualquer indicação de passagens do registo gravado das suas declarações ou de depoimentos de testemunhas, nem procedeu à transcrição de excertos que considerasse relevantes [cf. artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC].


Não observou, pois, quanto a estes meios de prova, o ónus de especificação, tal como exige o artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, sendo, deste modo, de considerar prejudicada a sua reapreciação, mediante a audição do respetivo registo gravado.


Resta, assim, sindicar a decidida demostração da matéria dos pontos 15 e 16 à luz dos fundamentos de motivação da convicção formada que o tribunal a quo levou à sentença recorrida e da prova documental dos autos, que, conforme sustenta a impugnante, representam o inverso do que ficou assente representam o inverso do que ficou assente, nomeadamente que o autor tem uma gelataria e que tem o seu curso reconhecido no Brasil.


Pois bem.


*


Segundo expôs o tribunal a quo na fundamentação de facto que levou à sentença recorrida, era sobre a ré que impedia o ónus de demonstrar a referida matéria dos pontos 15 e 16 (bem como a que integra o ponto 17), sendo que a sua não demonstração ficou a dever-se à circunstância de não ter sido produzida prova bastante e apta a corroborá-la com a segurança e o rigor que se impunham, não tendo os correspondentes factos sido objeto de confissão pelo autor, que seria a parte desfavorecida pela admissão da sua realidade, nem foram os eventos em causa corroborados com direto conhecimento, precisão e isenção por banda das testemunhas inquiridas, nem as declarações da ré se revelaram suficientes para sustentar a realidade desse quadro factual por si alegado, porquanto desprovidas de suporte noutras provas capazes de as consolidar, nem defluindo a sua realidade da prova documental constante dos autos, não tendo, portanto, sobre aqueles factos incidido prova segura e adequada a evidenciar a sua realidade, em função do que foram considerados como não provados.


Concretizando, o julgador explicou ainda que, no que concerne à matéria do ponto 15, provou-se a realidade inversa que consta do facto plasmado no ponto 5, para a qual relevou o teor do ofício de 11-01-2024, com a referência 7730692, sobre cuja exatidão e autenticidade inexistem quaisquer elementos que permitam refutá-las, constituindo o apontado documento meio de prova bastante e adequado para sustentar a realidade descrita no referido ponto em que foi dado como provado que o autor não conseguiu que o seu curso fosse homologado no Brasil. Acresce não se pode considerar que a exatidão e autenticidade do ofício de 11-01-2024 (referência 7730692) possa ser infirmada pela mera declaração publicada nas redes sociais que integra o documento n.º 8 da contestação de 04-07-2022, com a referência 6608903 (42767404).


De igual modo, em relação à matéria do ponto 16, o tribunal a quo justificou que a estrita declaração publicada nas redes sociais, que também integra o documento n.º 8 da contestação de 04-07-2022, com a referência 6608903 [42767404], não possui aptidão para consolidar de forma bastante a realidade descrita no referido ponto, tanto mais que mencionada declaração remonta ao ano de 2018, quando é certo que a presente ação teve o seu início em 2022.


Vejamos.


*


A prova documental considerada pelo julgador consiste no teor do apontado ofício de 11-02-2024, com a referência Citius 7730692, remetido pela presidência do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de Sergipe, Brasil – CREA/SE, em resposta à solicitação que lhe foi dirigida pelo tribunal, tendo aquela instituição vindo informar que, da pesquisa efetuada no sistema de registo, o nome “AA” não foi encontrado, nem na base de dados do sistema CREA/SE, nem no Sistema Nacional de Profissionais – SIC, podendo, desta forma, afirmar que o referido profissional não possui registo no Sistema Confea/CREA/Mútua.


Ora, da análise da referida prova documental resulta consistentemente suportado que o autor não conseguiu que o seu curso fosse homologado no Brasil.


Aliás, é também o sentido que resulta do teor dos documentos juntos com o requerimento do autor de 08-02-2024, com a referência Citius 7799899 [47927296], consubstanciados na correspondência eletrónica trocada entre o autor e a Ordem dos Engenheiros de Portugal e entre o autor e o CREA/SE, bem como na cópia de Protocolo celebrado entre a Ordem dos Engenheiros de Portugal e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Norte, Brasil que, no entanto, não corresponde ao Estado onde o autor (este reside no Estado de Sergipe).


Perante o assim demonstrado, bem compreende a Relação e confirma o acerto da análise crítica que o tribunal a quo fez do mencionado documento n.º 8 junto com a contestação de 04-07-2022, com a referência 6608903 [42767404], que consiste numa declaração publicada nas redes sociais, datada de 30 de outubro de 2018, atribuída a AA, com o seguinte texto: “Depois de 07 (sete) anos no Brasil, recebi hoje, a mando do Bastonário da Ordem dos Engenheiros Técnicos, o acordo com o CREA e assim poder exercer legalmente a minha profissão” , sendo, pois, fundada a conclusão a que chegou o julgador, no sentido de que não existe fundamento para considerar que a exatidão e autenticidade do considerado ofício do CREA/SE possam ser infirmadas pela mera declaração publicada nas redes sociais, nos termos acima descritos.


De resto, a correspondência eletrónica trocada entre o autor e a Ordem dos Engenheiros de Portugal e entre o autor e o CREA/SE, a que acima fizemos referência, confirma também que o acordo com o CREA a que alude a publicação nas redes sociais, corresponde ao já mencionado Protocolo celebrado entre a Ordem dos Engenheiros de Portugal e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Norte, do qual se extrai que, pelas razões acima expostas, o registo profissional do autor no Estado de Sergipe e no Brasil, em geral, não resultou viabilizado.


Por outro lado, é também fundada a análise crítica do tribunal a quo a outra publicação nas redes sociais que faz igualmente parte do documento n.º 8 junto com a contestação de 04-07-2022, com a referência 6608903 [42767404], na qual constam as seguintes declarações atribuídas a AA: “Abrimos a sorveteria na av. Principal do Sol Nascente, em 22 de dezembro de 2017 com produtos da Yolito. Agora temos sorvetes e picolés da MONIERE. Avenida ..., Cidade 2, Brazil ...” e “Meus amigos. Já estamos funcionando mas a partir da próxima semana vamos dispor de mesas e cadeiras para se deliciarem com uma diversidade de sabores de sorvetes a quilo. Neste momento podem provar os saborosos sabores da fruta, ao leite recheado em picolé da Yolito, potes de sorvete da fikafrio…..sejam bem-vindos”.


Revelando-se acertada a conclusão a que chegou o julgador, no sentido de que tais declarações publicadas nas redes sociais não possuem aptidão para consolidar de forma bastante a realidade descrita no referido ponto 16. É que, como se disse na sentença recorrida, a publicação remonta a 14 de janeiro de 2018 e a presente ação teve o seu início em 2022, na qual se discute uma situação superveniente que tem por referência marcos temporais posteriores àquela data (cf. pontos provados 6 e 7).


Neste contexto, é ainda de fazer menção ao teor dos documentos oferecidos com o requerimento do autor com a referência Citius 7292410 [45760120] e, em concreto, para o comprovativo de inscrição no “Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica da República Federativa do Brasil” e o “Certificado da Condição de Mircoempreendedor Individual”, os quais se reportam a 20 de dezembro de 2018 e deles resulta que a gelataria em causa pertence à filha da companheira do autor, GG, elementos que são, pois, consentâneos com o desfecho de não demonstração da matéria do ponto 15, acolhido pelo tribunal a quo.


*


Em suma, face ao exposto, conclui-se que dos meios de prova indicados no recurso nada se retira no sentido de contrariar a decisão que 1.ª instância proferiu quanto aos factos dos pontos provados 6 e 7 e dos pontos não provados 15 e 16.


Estando, pois, justificada a opção tomada pela 1.ª instância em relação aos referidos pontos de facto impugnados, não se verificando qualquer erro de julgamento que imponha a sua modificação, a conclusão não poderia ser outra senão a de que a impugnação deduzida pela apelante deve quanto a eles improceder, mantendo-se a correspondente matéria nos precisos termos em que se mostra formulada na sentença recorrida.


*


Fundamentação de direito.


3.4. 4.ª questão: se estão verificados os pressupostos que fundamentam a cessação da obrigação de prestar alimentos à ré, a cargo do autor.


Na sentença recorrida, o tribunal a quo decidiu julgar procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, declarou cessada a obrigação de o autor AA prestar alimentos à ré, sua ex-cônjuge BB.


Para fundamentar o assim decidido, o tribunal a quo justificou, com acerto, que ocorrendo a dissolução do casamento por divórcio ou a separação de bens do casal, o artigo 2016.º do Código Civil consagra o seguinte regime em matéria de alimentos:


“1 - Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.


2 - Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.


3 - Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.


4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.”


A redação desta norma é fruto da reforma operada pela Lei n.º 61/2008, de 30 de outubro, com a qual se pôs termo ao divórcio fundado em causas subjetivas e da declaração de culpa como pressuposto e critério determinante dos seus efeitos, assumindo-se em pleno o modelo do divórcio-constatação da rutura do casamento, que passou a ser considerado como o que melhor se adequa a servir o modelo de família atual.


Do ponto de vista dos alimentos, os efeitos da reforma foram significativos pois com a referida alteração de paradigma, à culpa que, no regime anterior a 2008, se apresentava como critério fundamental na determinação deste efeito do divórcio, deixou de estar reservado qualquer papel.


Daí que, no regime atual, qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (artigo 2016.º, n.º 2), não se procedendo agora à distinção subjetiva que, anteriormente a 2008, era feita em função da declaração de culpa.2


Distinção que, todavia, continua a existir no regime aplicável aos alimentos no contexto de separação de facto, pois conforme dispõe o n.º 3 do artigo 1675.º do Código Civil, também referido na sentença recorrida, nesta sede continua a atribuir-se o encargo alimentar ao cônjuge “único ou principal culpado” pela separação de facto, embora o tribunal possa excecionalmente, por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal. Trata-se, como reconhece a doutrina, de “um corpo estranho num sistema que aboliu a culpa enquanto pressuposto na obtenção do divórcio”3, e que, na literalidade da norma, aponta para realização de um juízo de culpa em matéria de concessão dos alimentos na constância do casamento, quando a situação for a de separação de facto, justificando, pois, como defendem alguns, que se sujeite o preceito a uma interpretação ab-rogante4.


Seja como for, importa aqui clarificar que, ao contrário do que a apelante sustenta no recurso, a disciplina prevista no artigo 1675.º, n.º 3 do Código Civil destina-se à separação de facto, o que não é o caso de autor e ré, não havendo, portanto, qualquer fundamento para considerar que o tribunal a quo “esqueceu” que o referido artigo tem o número três e que este se aplica na íntegra à concreta situação dos autos, tendo sido feita prova bastante para tais factos, sendo que, mais uma vez, a ré está a ser sancionada por uma situação a que não deu azo, pois não tem qualquer responsabilidade por ela, nada se provou que lhe seja imputável e constitua fundamento para a modificação da obrigação de alimentos, o que, no entanto, o julgador parece não entender.


Repete-se: o artigo 1675.º, n.º 3 do Código Civil não é aplicável ao caso sub judice. O casamento de autor e ré foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento que resultou da convolação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, decretado por sentença proferida em 26 de novembro de 2012 e transitada em julgado no dia 15 de janeiro de 2013, a qual homologou o acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge mulher, celebrado entre as partes no respetivo processo (cf. ponto provado 1).


O regime do direito a alimentos consagrado no artigo 2016.º do Código Civil é, desde 2008, totalmente alheio à modalidade de divórcio, à causa e a qualquer consideração do papel da culpa, abandonando-se, assim, a ideia de que a obrigação de alimentos pós-divórcio constitui um encargo a impor ao cônjuge culpado ou principal culpado, responsável pela dissolução do casamento, o qual era chamado a responder perante o cônjuge inocente pela rutura conjugal e pela extinção do dever conjugal de assistência. O alimentando e o alimentante despem, deste modo, as vestes de inocente e culpado e assumem a simples qualidade de necessitado e de habilitado a prover, nos termos gerais. Por isso se diz que o regime da obrigação alimentícia pós-divórcio e se ancora hoje num quadro de pressupostos que, pelo menos matricialmente, comunga com a obrigação alimentar comum – o binómio constituído pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do obrigado –, em que a situação de “necessidade” do alimentando assume um significado diferente que justifica e desencadeia o recurso ao mecanismo alimentar que só se efetivará se o chamado tiver “possibilidades” de lhe corresponder. A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges tem, pois, como finalidade suprir uma carência e assume, por isso, natureza alimentar, fundada na ideia base de solidariedade que tradicionalmente tem caracterizado o instituto.5


Aqui chegados.


Na sentença recorrida, o tribunal a quo fez referência à modificação da obrigação alimentícia e ao disposto no 2012.º do Código Civil que dispõe que “se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los”.


Seguiu-se a referência ao artigo 2013.º do Código Civil que, sob a epígrafe “cessação da obrigação alimentar”, estabelece o seguinte:


“1. A obrigação de prestar alimentos cessa:


a) Pela morte do obrigado ou do alimentado;


b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles;


c) Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.


2. A morte do obrigado ou a impossibilidade de este continuar a prestar alimentos não priva o alimentado de exercer o seu direito em relação a outros, igual ou sucessivamente onerados.”


Preceituando, por outro lado, o artigo 2019.º do Código Civil que em todos os casos referidos nos artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral.


Perante o quadro legal assim descrito, o julgador concluiu com acerto que dele deflui com destacada clareza que a obrigação de alimentos tem natureza excecional, modificável e transitória, pressupondo a possibilidade de os prestar por parte do obrigado e a necessidade de quem deles beneficia.


Passando, depois, à análise do caso concreto, verifica-se que a 1.ª instância decidiu corretamente ao entender que foi alegada e ficou provada a ocorrência de circunstâncias posteriores à decisão, imprevistas nas próprias vidas das partes, que determinam a modificação da obrigação de alimentos que o autor vem cumprindo há mais de 12 anos.


O que fundamentou do seguinte modo:


“Com efeito, apurou-se, desde logo, que, por sentença de 26.11.2012, transitada em julgado no dia 15.01.2013 e proferida no processo principal de divórcio por mútuo consentimento n.º 570/12.0..., o autor ficou obrigado a pagar à ré, a título de prestação de alimentos a importância mensal de € 1.016,63 (mil e dezasseis euros e sessenta e três cêntimos), mediante o envio da quantia de € 516,63 (quinhentos e dezasseis euros e sessenta e três cêntimos), correspondente à sua pensão por velhice, a ser mensalmente remetida à ré pelo Instituto da Segurança Social – Centro Nacional de Pensões, por vale postal, e ainda mediante o envio mensal da quantia de € 500,00 (quinhentos euros), por transferência bancária para a conta bancária da ré, sendo esta última para pagamento de “rendas” referentes ao contrato de locação financeira celebrado com o Banco Comercial Português, S.A., que tinha por objeto o imóvel que constituiu a casa de morada de família.


Mais se evidencia que o autor vive no Brasil desde 2011, com a companheira e a sua enteada, sendo aquele engenheiro civil de profissão, mas não tendo conseguido, até ao presente, que o seu curso fosse homologado no Brasil, pelo que aí se encontra em situação de desemprego de longa duração e aufere, como único rendimento, uma prestação social, no valor de cerca de 600 BRL (seiscentos Reais), no equivalente a cerca de € 100,00 (cem euros), tendo subsistido no Brasil com o auxílio financeiro de familiares, que lhe enviam dinheiro, incluindo a sua irmã CC, a qual, pelo menos desde Dezembro de 2018, lhe tem enviado quantias mensais variáveis, nos valores de € 100,00, € 150,00, € 200,00, € 250,00, € 300,00, € 500,00 e € 1.000,00.


Ainda se demonstrou que, por efeito do referido acordo, a ré passou a receber o valor relativo à pensão de reforma do autor, incluindo os valores referentes a subsídio de férias e de Natal, sendo que essa pensão do autor, em 06.12.2023, ascendia ao valor mensal de € 555,96 (quinhentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos).


Por outro lado, ficou provado que a ré recebe presentemente uma pensão de reforma, da Segurança Social, no valor mensal de € 421,72 (quatrocentos e vinte e um euros e setenta e dois cêntimos) e que, com 76 anos de idade, padece de Diabetes tipo II sob insulinoterapia, de HTA grau II, de DPOC com bronquictasias, de bócio multinodular, de síndrome do colon irritável e de perturbação depressiva major, quadro clínico esse que é incapacitante e impeditivo do exercício de qualquer tipo de actividade profissional, tendo a ré mensalmente despesas com renda, no valor de € 300,00; medicação, no valor de € 131,22; telemóvel, no valor de € 20,90 e lentes de contacto, no valor de € 10,00.


Teremos que concluir, pois, que se invocou e ficou demonstrado que os rendimentos das partes sofreram uma alteração significativa, por efeito da situação de desemprego prolongada do autor no Brasil e por a ré auferir presentemente uma pensão de reforma, a qual culminou numa situação em que são muito aproximados os rendimentos de ambos, dado que o autor não aufere já rendimentos que lhe permitam suportar a pensão alimentos na importância mensal de € 1.016,63, que ficou ajustada, e se constata que a ré passou a receber uma pensão de reforma que se aproxima do valor da pensão por velhice do autor, sendo uma de € 555,96 e a outra de € 421,72 (ambas em valores reduzidos, diga-se).


Existem, por isso, aspectos diversos face ao circunstancialismo que se encontrou subjacente à decisão que se pretende alterar, susceptíveis de fundar a modificação do que está estabelecido, pois, embora a ré tenha uma situação económica deficitária e possa carecer de alimentos (os quais pode obter junto de outros obrigados), dado que não tem possibilidade de auferir outros rendimentos e a sua reforma cobre sofrivelmente as despesas com a sua subsistência, também se verifica que o autor se encontra sem meios de subsistência, beneficiando de uma prestação social ínfima e subsistindo com a boa vontade e auxílio financeiro da sua irmã, não podendo, por isso e por clara falta de meios, continuar a prestar alimentos à ré, o que justifica a cessação da obrigação de alimentos a cargo do autor, à luz do disposto no art.º 2013, n.º 1, alínea b), do Código Civil”.


A Relação está de acordo com as razões de facto e de direito com que o tribunal a quo fundamentou a decisão tomada, a qual foi, pois, proferida com acerto e adequação e, como tal, deve ser confirmada.


Importa, ainda assim, fazer notar que, tal como foi afirmado na sentença recorrida, estamos cientes de que a ré tem uma situação económica deficitária e a carecer de alimentos, dado que não tem possibilidade de auferir outros rendimentos e a sua reforma cobre sofrivelmente as despesas com a sua subsistência. Contudo, como ficou patente em toda a fundamentação acima exposta, o direito a alimentos entre ex-cônjuges assenta num princípio de solidariedade, é alheio a qualquer juízo de culpa, o qual, como vimos, desde 2008 que não faz parte do regime jurídico do divórcio, assentando a sua existência e medida no critério fundamental de que a resposta deve ser proporcionada às necessidades de quem os recebe e às possibilidades de quem os presta, no pressuposto de que quem os recebe não pode prover à sua própria subsistência. Ora, se a falta de meios do alimentante implica a cessação da obrigação de alimentos, esta, no entanto, só em relação a ele termina, podendo o alimentando exigi-los a outro que, segundo a lei, esteja vinculado a prestá-los (cf. artigos 2013.º, n.º 2 e 2009.º do Código Civil).6


Isto sendo certo que a cessação da obrigação de alimentos por falta de meios do alimentante, assim como pelo desaparecimento da necessidade do alimentando, está sujeita à cláusula rebus sic stantibus e, como tal, o ressurgimento da necessidade do alimentando ou a aquisição de meios pelo alimentante podem fazer renascer a obrigação de alimentos.7


Termos em que deve confirmar-se a sentença que julgou a ação julgada procedente e decretou a cessação da obrigação alimentar estabelecida a cargo do autor e a favor da ré, nos termos acima descritos, mais se determinando que seja oficiado ao Centro Nacional de Pensões, para que a pensão do autor deixe de ser processada a favor da ré e passe a ser paga à pessoa daquele.


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IV – Decisão


Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pela ré BB e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


Custas pela apelante (artigo 527.º, n.os 1 e 2 do CPC).


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Évora, 25 de junho de 2025


Helena Bolieiro – relatora


Rosa Barroso – 1.ª adjunta


Maria Gomes Bernardo Perquilhas – 2.ª adjunta

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1. Cf. Acórdão do STJ, de 2 de junho de 2016, proferido no processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira), disponível na Internet em .↩︎

2. Cf. Maria Clara Sottomayor (org.), Código Civil Anotado - Livro IV - Direito da Família - 2.ª ed. (anotações de Paula Távora Vítor ao artigo 1676.º), Almedina, 2022, págs. 221 e 222.↩︎

3. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 5.ª ed., Almedina, 2016, apud Maria Clara Sotomayor (org.), op. cit., pág. 222.↩︎

4. Cf. Paula Távora Vítor, Crédito compensatório e alimentos pós-divórcio: contributo para a compreensão de um sistema bimodal (tese de doutoramento), Coimbra, 2017, pág. 427, nota 1748, disponível na Internet em <https://hdl.handle.net/10316/29189> [consultado em 12 de junho de 2025].↩︎

5. Cf. Paula Távora Vítor, “Os alimentos pós-divórcio – entre a solidariedade e a responsabilidade”, em JULGAR, n.º 40, 2020, págs. 183 e 184.↩︎

6. Cf. Maria Clara Sottomayor (org.), op. cit. (anotações de Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé ao artigo 2013.º), pág. 1103.↩︎

7. Ibid. Cf. ainda Acórdão da Relação de Lisboa, de 15 de maio de 2025, proferido no processo n.º 759/09.0TMFUN-C.L1-8 (relatora Maria Teresa Lopes Catrola), disponível na Internet em .↩︎