PERSI
EXECUÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sumário:
I- Numa execução incumbe à exequente demonstrar que não estamos perante “um consumidor” para afastar a aplicação do PERSI.
II- Compete ao Exequente o ónus da prova da verificação dos factos de que depende a exigibilidade e certeza da obrigação exequenda, o que abrange o afastamento da excepção inominada de preterição da integração no regime do PERSI.
III- Se o que a exequente alega corresponde ao que consta do próprio contrato (incluindo ma declaração): «“ao subscrever (…) com objetivos ligados à sua atividade comercial ou profissional (…) não proíbe a utilização do bem financiado para fins mistos», ainda que tal matéria fosse demonstrada, não permitiria concluir se o se há um uso preponderante e outro residual ou o que significa “fins mistos”.
IV- Por isso tal configuração dos autos não permite trilhar o caminho para afastar a aplicação do PERSI.

Texto Integral

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

SANTANDER CONSUMER FINANCE SA-SUCURSAL EM PORTUGAL intentou execução contra AA, com base numa livrança, subscrita pelo executado, destinada a garantir o pagamento de um contrato de mútuo celebrado entre a exequente, instituição de crédito, e o executado, pessoa singular.

A exequente foi notificada para informar o motivo pelo qual não integrou o executado no PERSI, nos termos previstos no DL nº227/2012, de 25/10.

Nessa sequencia, veio declarar que, a livrança, dada à execução no presente processo executivo, foi entregue para garantia do bom cumprimento do contrato de financiamento, para aquisição a crédito com o nº ...301 ao qual não se aplica o regime previsto no DL 227/2012, de 25 de Outubro, porquanto o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) apenas terá aplicação a situações de incumprimento ocorridas nos contratos de crédito que vêm elencados no nº 1 do artº 2º do referido diploma legal, desde que celebrados com clientes bancários, estando o âmbito subjectivo do diploma circunscrito a este universo e que o executado, quando contratou, fê-lo enquanto empresário e não como consumidor e que obteve financiamento para finalidade não profissional, concluindo que o mesmo não é “cliente bancário”, pelo que não está obrigada a dar cumprimento ao PERSI.

Foi proferida decisão que, julgou verificada a excepção inominada de preterição da integração no regime do PERSI e, em consequência, declarou extinta a presente execução.

Inconformado com esta decisão, recorreu o exequente apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Em sede dos autos executivos em sede de apreciação liminar da execução ao abrigo do disposto no art. 726 n.º 2 b) CPC, foi proferida uma decisão de indeferimento da execução, mediante o conhecimento oficioso da excepção dilatória (inominada) da preterição de sujeição do devedor (Executado) ao regime legal do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), aprovado pelo Decreto-lei 227/2012 de 25.10.

2. O Decreto-Lei 227/2012 de 25.10 definiu um conjunto de princípios e regras procedimentais a observar pelas instituições bancárias para a prevenção/regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito dos seus clientes.

3. O âmbito de aplicação objectivo do regime abrange (art.º 2º), entre outros: c) Contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual”.

4. A definição legal de consumidor resultante de um conjunto de disposições e nomeadamente daquela constante da Lei 67/2003 “adoptou um sentido restrito «consumidor» definido este como qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.” (sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/10/2017 proferido no processo 6776/15.3T8ALM.L1-8).

5. O mesmo acórdão clarifica que “O conceito de consumidor foi consagrado na lei 67/2003 adoptou o seu sentido estrito uma vez que surge definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal) e bem assim, a sua determinação é feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos. (Neste sentido, Januário da Costa Gomes, “Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo”, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Porto, 2008, p. 3, João Calvão da Silva, “Responsabilidade Civil do Produtor”, Coimbra, (Reimp.) 2003, p. 58 e Acórdão do STJ de 20/10/ 2011 processo nº 1097/04.0TBLLE.E1.S1/dgsi. § Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.”

6. Mais “o elemento subjectivo de cliente bancário na acepção dada pelo Regime Geral (citado DL nº 227/2012) inclui, por remissão do conceito de consumidor da LDC, em termos lógicos e teóricos, todo aquele, pelo que inclui pessoas físicas ou jurídicas. Facto que também será defensável à luz do Preâmbulo do Regime Geral, uma vez que este se refere a consumidores (no sentido que se coaduna com a LDC) que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos por factos de diversa natureza, o que poderá dar alguma margem para dúvidas na interpretação neste âmbito. No entanto, esta disposição não contraria o elemento subjectivo todo aquele.

O elemento objectivo neste caso não será no sentido amplo da LDC, porque não se trata de fornecimento de bens, prestação de serviços ou transmissão de direitos, trata- se sim de todo aquele que celebra contratos de crédito elencados no nº 1 do art. 2.º do Regime Geral (…).

O elemento teleológico restringe a amplitude do conceito, ao determinar a sua aplicação apenas aos casos de uso não profissional, excluindo do conceito todas as pessoas físicas ou jurídicas que actuam no âmbito de uma actividade profissional. (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/06/2022 proferido no processo 4204/20.1T8MAI-A.P)

7. Sendo que, no âmbito do referido conceito de consumidor caberá ainda aquele “para efeitos de integração no PERSI, por remissão do artigo 3.º, alínea a), do D.-L. 227/2012, é o que adquire o bem ou o serviço exclusivamente para uso privado ou pessoal e também o empresário ou profissional liberal quando adquira o bem ou o serviço fora do específico âmbito da sua atuação produtiva. (sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/03/2022 proferido no processo 62223/19.0T8ENT.E1)

8. No modesto entendimento da Recorrente a sentença a quo ora proferida fez tábua rasa daquilo que possa subsumir no caso concreto a esta definição do conceito de consumidor já que realiza a subsunção errónea à exigência de cumprimento do regime previsto no diploma do DL 227/2012.

9. Dos factos invocados pela Recorrente no requerimento executivo e ainda das alegações / documentação que foi junta aos autos posteriormente – Requerimento de Refª 8680359 de 17/03/2025 – constata-se que o mutuário aquando da celebração do contrato e enquanto empresário em nome individual obteve financiamento para finalidade profissional, ainda que o uso do bem financiado para fins mistos não lhe seja proibido.

10. Essa conclusão que se encontra suportada por declaração negocial inequívoca do próprio, a qual faz prova plena da sua intenção e qualidade e integra o contrato de financiamento celebrado.

11. Cita-se a referida “declaração”:

“DECLARAÇÃO AA, empresário em nome individual/profissional liberal com Morada/Sede em ..., Código Postal 2975 – 276 QUINTA DO CONDE, Bilhete de Identidade/Cartão de Cidadão n.º 0, N.I.F. n.º ..., tendo aderido à proposta de financiamento por parte do Santander Consumer Finance, S.A., Sucursal em Portugal., com sede na ... e C.R.C. de Lisboa n.º ..., subscrevendo um contrato de Financiamento n. ...301 para aquisição de QASHQAI 1.5 DCI TEKNA+, (o “Contrato”) que submete a aprovação, declara que, ao subscrever presente Contrato, ao qual a presente declaração se encontra anexa atua com objetivos ligados à sua atividade comercial ou profissional.

Declara ainda, que foi devidamente informado que a declaração acima:

a) preclude a aplicação, ao Contrato, do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, relativo aos contratos de crédito com os consumidores (i.e. pessoas singulares que nos contratos de crédito, atuam com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional), nomeadamente, o direito de revogação do contrato nos 14 dias seguintes à sua celebração, as obrigações específicas de informação pré-contratual ou de avaliação de solvabilidade dos consumidores;

b) não proíbe a utilização do bem financiado para fins mistos.

Ciente de que a questão da afetação do bem se coloca pelo facto de ser uma pessoa singular, embora agindo como profissional/comerciante, a presente declaração, por corresponder à verdade, vai ser assinada em 16 de Junho de 2023.”

12. A mencionada “declaração” faz parte integrante do contrato celebrado (página 13/13) enquanto anexo, encontra-se totalmente impressa e impõe-se ao cliente aquando da análise para assinatura, não podendo, portanto, ser ignorada pelo intérprete.

13. O mutuário aceitou de forma expressa a vinculação a este pedido de financiamento e fê-lo ciente da sua qualidade declarando que o bem financiado se destinava à sua actividade profissional.

14. Na interpretação de um negócio jurídico e, em especial, de um contrato deve atender- se não só à vontade das partes, tal como foi declarada, mas também a outros elementos, designadamente: o conjunto das cláusulas contratuais; a finalidade prática do negócio; o comportamento das Partes na fase pré-negocial e na execução do negócio jurídico; as circunstâncias de tempo e de lugar da sua celebração e os lugares paralelos com outra(s) relações negociais entre as Partes.

15. De resto no âmbito da interpretação pura do contrato celebrado se destrinça que o mesmo nada refere nos seus dizeres e nomenclatura quanto às normas disciplinadoras do regime dos contratos acometidos ao DL n.º 133/2009 - relativa a contratos de crédito aos consumidores – justamente considerando a instituição financeira que o mesmo é inaplicável ao pedido de financiamento formulado.

16. Tal resulta ainda inclusive da análise de risco de crédito e instrução do processo de obtenção do crédito e da redacção das cláusulas concretamente ajustadas entre as partes e que foram aceites para celebração contrato de financiamento para aquisição a crédito com o nº ...301, uma vez mais, evidenciando que o clausulado não abrange quaisquer garantias destinadas ao consumidor.

17. Face ao supra exposto, é manifesto que o Executado não assumiu a qualidade jurídica de “cliente bancário”, à luz da alínea a) do art.º 3.º do DL 227/2012 pelo que forçoso é concluir que não estavam preenchidos os requisitos para a sua integração no regime PERSI

18. O âmbito de aplicação objectivo do diploma prevê que estejam abrangidos (art.º 2º ), contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009 e o mesmo surgiu historicamente aquando da crise económica e financeira vivida em 2012, evitando de forma leviana o desencadear em massa, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos por parte das instituição de crédito na relação com a denominada “parte mais fraca”.

19. O que não se manifesta no caso concreto, estando patente a assunção da vinculação contratual do cliente de forma profissional, visando a prossecução da s/ atividade económica, no interesse de obtenção de benefícios.

20. A sentença recorrida violou as normas constantes dos artigos 3.º alíneas a) e c) do Decreto-lei 227/2012 de 25.10, os artigos 2º da Lei da Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31/07) 576.º n.º 1 e 2, 578.º do CPCivil e ainda os artigos 236.º n.º 1 e 342.º do CCivil.

21. Devendo assim ser revogada a sentença recorrida, sendo concedido provimento ao presente recurso de Apelação e ordenando-se o prosseguimento da execução.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos de execução com todas as legais consequências.

Assim se fará a Costumada Justiça! »

Não há contra-alegações.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Relevam os factos constantes no relatório supra e ainda:

O executado declarou que, “ao subscrever presente Contrato (ao qual a presente declaração se encontra anexa atua) com objetivos ligados à sua atividade comercial ou profissional.

Declara ainda, que foi devidamente informado que a declaração acima:

a) preclude a aplicação, ao Contrato, do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, relativo aos contratos de crédito com os consumidores (i.e. pessoas singulares que nos contratos de crédito, atuam com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional), nomeadamente, o direito de revogação do contrato nos 14 dias seguintes à sua celebração, as obrigações específicas de informação pré-contratual ou de avaliação de solvabilidade dos consumidores;

b) não proíbe a utilização do bem financiado para fins mistos.

Ciente de que a questão da afetação do bem se coloca pelo facto de ser uma pessoa singular, embora agindo como profissional/comerciante, a presente declaração, por corresponder à verdade, vai ser assinada em 16 de Junho de 2023.”

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é a de saber se quando o bem adquirido pelo executado com o mútuo é ou não o mesmo consumidor para efeitos de integração no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento.

3 - Análise do recurso.

A decisão recorrida considerou que, o executado deveria ter sido integrado no PERSI, por ser “Consumidor” para efeitos de integração no PERSI, por remissão do artigo 3.º, alínea a), do D.L. 227/2012, já que adquiriu o bem fora do específico âmbito da sua atuação produtiva.

A recorrente discorda, argumentando que o DL em causa não se aplica, atenta a declaração efectuada pelo executado, de que o bem se destina à sua actividade profissional pelo que, o crédito é efectuado enquanto empresário e não cliente bancário, atenta a sua declaração.

Vejamos:

O âmbito de aplicação subjetiva do PERSI é exclusivo dos clientes bancários enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo.

Subjacente à aplicação do PERSI, está uma utilização alheia à actividade profissional ou comercial do devedor, já que o objectivo da lei em causa é proteger a parte mais fraca na relação comercial existente, o que não se verifica tratando-se de uma actividade económica.

No preâmbulo do DL nº 227/2012, de 25.10 pode ler-se o seguinte:

«A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades, em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.

A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.»

O artigo 2.º do DL citado (com as alterações do DL n.º 70-B/2021, de 06/08) estabelece o tipo contratual a que se aplica o PERSI estipulando:

«Âmbito

1 - O disposto no presente decreto-lei aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:

a) Contratos de crédito relativos a imóveis abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual;

b) (Revogada.)

c) Contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual;

d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, na sua redação atual;

e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.

2 - O disposto no presente decreto-lei não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março, na sua redação atual.

E o art. 3º nº 1 define o que se entende neste âmbito por cliente bancário:

«Definições

Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:

a) «Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito; (…)

Por sua vez o artigo 2º do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de abril, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de maio de 1999, dispõe:

«1 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.» (Esta noção de consumidor foi introduzida com as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, já que antes era feita por remissão para a Lei de Defesa do Consumidor [cfr. nº 1 do art. 1º]. Por sua vez, a Diretiva define o conceito de consumidor do modo seguinte: «Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional»).

Num sentido amplo/lato, pode-se dizer que consumidor será aquele que “adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer para uso profissional” (Calvão da Silva, A responsabilidade do Produtor, 58).

O conceito surge definido como, aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal), sendo a sua determinação feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos.

Ou seja, o conceito não abrangerá a utilização para necessidades profissionais.

Defendem este entendimento, Januário da Costa Gomes, “Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo”, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Porto, 2008, p. 3 e João Calvão da Silva, “Responsabilidade Civil do Produtor”, Coimbra, 2003, p. 58.

E na jurisprudência, entre outros, os Acs. do STJ de 20.10.2011, proc. 1097/04.0TBLLE.E1.S1, Relator: Moreira Alves, de de 29-05-2014, proc. 1092/10.0TBLSD-G.P1.S1 e de 9/2/17, proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, Relatora: Fernanda Isabel.

Com a entrada em vigor do DL 84/2021, de 18 de outubro, que passou a regular os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais que, por sua vez, revogou o DL 67/2003, de 8 de abril respeitante à venda de bens de consumo, o conceito de consumidor para efeitos de aplicação do regime é ainda mais restringido.

Tal decreto-lei reforça os direitos dos consumidores na compra e venda de bens móveis, de bens imóveis, de conteúdos e serviços digitais, e procede à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva (UE) 2019/771 e da Diretiva (UE) 2019/770.

Pode ler-se na al.g) do seu nº 2:

«Consumidor», uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional».

O sucessivos regimes v~eem reforçando os direitos dos consumidores, impondo nomeadamente a obrigatoriedade, por parte do credor, de avaliar a solvabilidade do consumidor em momento prévio à celebração de contrato.

Note-se que, as normas relativas ao consumo, visam proteger interesses públicos ou sociais relevantes para a organização e o bom funcionamento da sociedade, garantindo a aplicação de princípios fundamentais e a proteção dos direitos e interesses coletivos e por isso são normas imperativas, ou seja que impõem um comando ou proibição de forma absoluta, que prevalecem sobre acordos privados que tentem contrariá-las, não podendo ser afastada pela vontade das partes (ou seja, normas não dispositivas-vide a propósito Anselmo de Castro Dir. Proc. Civil Declaratório ed. 1981 1º -41).

E por isso o regime não pode ser afastado pela declaração em causa nos autos, como pretende o exequente.

Só este entendimento é compatível com um mercado de crédito responsável, no qual há obrigatoriedade, por parte do credor, de avaliar a solvabilidade do consumidor em momento prévio à celebração de contrato.

No caso dos autos estamos perante uma Execução.

Logo, compete ao Exequente o ónus da prova da verificação dos factos de que depende a exigibilidade e certeza da obrigação exequenda, o que abrange o afastamento da excepção inominada de preterição da integração no regime do PERSI.

E por isso, nos termos do art. 342º nº 2 do CPC, incumbia à exequente demonstrar que não estamos perante “um consumidor” para afastar a aplicação do PERSI.

O que a exequente alega corresponde ao que consta do próprio contrato (incluindo ma declaração): «“ao subscrever (…) com objetivos ligados à sua atividade comercial ou profissional (…) não proíbe a utilização do bem financiado para fins mistos».

Assim, ainda que tal matéria fosse demonstrada, não permitiria concluir se o se há um uso preponderante e outro residual ou o que significa “fins mistos”.

Logo, concluímos que a configuração dos autos não permite trilhar o caminho para afastar a aplicação do PERSI, no sentido defendido no Ac. RE de 24-03-2022, proc. nº 2223/19.0T8ENT.E1, Relator: Francisco Matos, onde se pode ler:

«… incumbia à Recorrente demonstrar, se bem vemos, que o mutuário não é consumidor, isto é, que o bem não obstante adquirido com recurso a crédito ao consumo, teve como mutuário um empresário ou profissional liberal que o destinou ao exercício da sua atividade produtiva e que o uso pessoal é meramente marginal, ou seja, incumbia à Recorrente afastar a posição jurídica – consumidor – em que investiu o executado ao demandá-lo como mutuário de um contrato de crédito ao consumo [artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil].

Os autos não permitem trilhar este caminho e, assim, não se vê como dar razão à Recorrente.»

O mesmo se diga no nosso caso:

A situação não está excluída do âmbito de aplicação do regime do PERSI, improcedendo assim o recurso.

Sumário:

(…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto e, em consequência, manter a decisão.

Vencido no recurso, incumbe ao Recorrente o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil).

Évora, 25.06.25

Elisabete Valente


Sónia Moura


Ricardo Miranda Peixoto