Sumário:
I-O regime da responsabilidade do exequente depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) ter a penhora precedido a citação do executado; b) ter o executado deduzido oposição à execução; c) ter sido a oposição julgada procedente; d) ter a execução causado prejuízos ao executado; e) terem os prejuízos sido causados culposamente; f) não ter o exequente agido com a prudência normal.
II- Na fixação da indemnização por danos morais deve ainda atender-se à situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda e às demais circunstâncias do caso e deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 – Relatório.
AA e BB intentaram a presente acção declarativa contra Clube Albufeira - Gestão Imobiliária e Turística Lda., pedindo que esta seja condenada a pagar a cada um deles a quantia de € 24.500,00, a título de indemnização, por compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegam que, a Ré intentou contra eles acção executiva, bem sabendo que não tinha qualquer título executivo que legitimasse o exercício de direito de acção, o que veio a ser reconhecido na oposição à execução por embargos que deduziram, mas apenas após a efectivação de penhora, o que lhes provocou insónias, ansiedade, angústia, irritabilidade e vergonha.
A Ré contestou, invocando a excepção da caducidade do direito de acção dos Autores e impugnou os factos, pedindo ainda a condenação destes por má-fé e que, nesse âmbito, sejam condenados em multa e no pagamento de uma indemnização no valor de € 3.000,00, alegando que os Autores deturparam a verdade dos factos e fizeram do processo um uso manifestamente reprovável e sem qualquer fundamento legal.
Foi elaborado despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela Ré.
Foi proferida sentença, que julgou a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decidiu-se:
a) Condenar a Ré a pagar ao Autor AA a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescida de juros vincendos, à taxa supletiva legal de 4 % (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal), contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, indo no mais absolvida;
b) Condenar a Ré a pagar à Autora BB a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos, à taxa supletiva legal de 4 % (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal), contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, indo no mais absolvida;
c) Julgar improcedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
Inconformados com a sentença, pelos AA foi interposto recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
«I. Os apelantes entendem que foram incorretamente julgados os factos que constam das alíneas d), e), f) e g) da matéria que o Tribunal a quo considerou não provada, porquanto os depoimentos prestados pelas testemunhas impunham decisão diversa, designadamente CC, de 03:00 a 12:50 e de 13:10 a 15:45 da gravação, DD, de 2:20 a 05:40 e de 08:50 a 10:40 da gravação; e EE, de 01:10 a 07:15 e de 11:45 a 13:00 da gravação.
II. É verdade que o problema de saúde da autora, no que ao quadro depressivo diz respeito, perdura há cerca de 30 anos, mas resultou claro da prova produzida que os seus familiares ficaram muito preocupados com o estado de saúde da autora depois desta tomar conhecimento da execução intentada pela ré e da penhora dos bens.
III. Os filhos da autora explicaram, de forma espontânea, uma maior preocupação com o estado de saúde da sua mãe, pois, apesar do autor ser pessoa muito doente, tentava esconder os seus sentimentos fazendo-se de forte; já a sua mãe, mais velha e com problemas crónicos de depressão, perdeu peso e o seu estado de saúde mental deixou os filhos preocupados.
IV. A próprias autora explicou que ela é que se mostrava mais preocupada e nervosa, e já o marido tentava disfarçar a sua preocupação, fazendo-se forte, que a autora passava dias na cama, chorava, sentia-se angustiada e frustrada, que dormia muito mal, e que o marido autor “emagreceu uns quilitos” e ela 15 quilos– vide de 03:20 a 08:30 da gravação.
V. O autor também prestou declarações sobre os factos em crise, esclarecendo que os problemas da autora ao nível depressivo começaram depois da situação vivida com a ré há cerca de 30 anos, levando o casal a deixar de trabalhar, deixar Lisboa e ir viver para Local 1 na casa dos pais do autor, perdendo o casal capacidade financeira; e que, após ter recebido a carta de penhora, o estado de depressão da autora agravou-se – vide de 13:46 a 15:00 e de 39:20 a 40:10 da gravação; e explicou a vergonha que ele, e a autora, sentiram. relativamente aos vizinhos, de 27:17 a 29:25 da gravação.
VI. É verdade que o autor, quando prestou declarações, revelou ser mais expressivo nos seus sentimentos perante o Tribunal, e a autora mais retraída em os exprimir, mas os seus familiares – marido, filhos e nora – explicaram de forma clara e consistente os danos morais sofridos pela autora, descritos nas alíneas e), f) e g), de uma forma tão ou mais graves do que os sofridos pelo autor.
VII. Face ao exposto, requerem os apelantes que seja revogada a decisão proferida relativamente os referidos factos, e substituída por outra que os julgue provados.
VIII. Os autores impugnam a decisão recorrida na medida em que entendem ser insuficiente a compensação que lhes foi arbitrada, em especial à autora.
IX. Apesar dos bens penhorados pertencerem a herança do autor, resultou da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento que a autora teve um elevado sofrimento ao tomar conhecimento de que corria execução contra o casal e os bens estavam penhorados.
X. O facto de a autora sofrer há cerca de30anos de depressão não significa que não tenha sofrido de angústia e frustração, perda de apetite e sono, e receio de que os vizinhos tomassem conhecimento dessa penhora, pelo que não se compreende que lhe tenha sido arbitrada tão parca compensação.
XI. Sendo, igualmente, parca a compensação arbitrada ao autor, considerando as circunstâncias previstas no artigo 494.º, do Código Civil.
XII. De facto, o grau de culpabilidade da ré é elevado, pois avançou com uma execução sumária, em que a penhora antecede a citação, quando manifestamente não tinha título executivo.
XIII. O Autor tem 71 anos de idade, sofreu um episódio de hematúria macroscópica, padece de insuficiência real crónica, sofre de cardiopatia isquémica, e foi sujeito a dois procedimentos de transplante.
XIV. Em consequência da propositura da ação executiva e do ato de penhora, o Autor sentiu inquietação e ansiedade, sofreu perturbações no apetite, sentiu angústia e frustração ao ver a herança dos seus pais penhorada e sentiu receio que os vizinhos pudessem ter conhecimento que tinha os bens da herança dos seus pais penhorados e, também, sofreu perturbações no sono.
XV. A autora tem 76 anos de idade e, como bem salientou o Tribunal a quo na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sofre de depressão há cerca de 30 anos, sentiu inquietação e ansiedade, bem como angústia e frustração, perturbações no sono e no apetite, e receio e que os vizinhos pudessem ter conhecimento dessa penhora.
XVI. Os Autores auferem uma pensão de velhice não inferior e € 400,00; já a ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto social a promoção, gestão e comercialização de empreendimentos urbanísticos, turísticos e hoteleiros, e de complexos desportivos e de lazer, entre outros.
XVII. Em especial, o valor da compensação fixada à autora, de € 1.500,00, na atualidade, não atinge sequer 2 RMMG, e a fixada ao autor, de € 4.000, é inferior a 5 RMMG; uma compensação inferior a 10 RMMG, na atualidade, não se revela justa e equitativa, nem para compensar os autores lesados, nem para cumprir a função sancionatória da atuação da ré, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto em apreciação, que a prova produzida revelou.
XVIII. Ao decidir diferentemente, violou o Tribunal a quo o disposto no referido artigo 494º, do Código Civil.
Termos em que requerem os apelantes que seja revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que lhes arbitre uma compensação pelo valor da quantia peticionada nos autos.
Como é de Lei e de Justiça!»
Também inconformada com a sentença, veio a R interpôr recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
«1.º - Considerando que o Tribunal a quo, errou, ao condenar a Recorrente nos termos do artº 858º do C.P.C. a pagar uma indemnização aos Recorridos no valor total de € 5.500,00, não se mostrando preenchidos os pressupostos da aplicação do mesmo;
2º A Recorrente agiu, assim com a prudência necessária exigível, sem dolo, ao instaurar a Acção Executiva, porquanto, considera haver título executivo, nos termos do artº 23º do D.L 275/93 de 05/08, para cobrança das prestações periódicas em dívida pelos Recorridos;
3º - O Tribunal a quo, errou igualmente, ao fundamentar a decisão na aplicação do mesmo artigo-858º CPC, sem que tenha sido invocado/alegado pelos Recorridos, limitando assim a contestação da Recorrente, impedindo a discussão da causa nos termos da referida disposição legal e prejudicando a posição desta na lide;
4º O Tribunal a quo, errou, também, ao não considerar com facto provado e relevante para a decisão da causa, a afirmação do Recorrido, em audiência de julgamento, de que gozou férias durante alguns anos no Empreendimento gerido pela Recorrente, pagou prestações periódicas e deixou de pagar as mesmas. Concluindo-se que se considera titular de Direito Real de Gozo de uma semana de férias e tem dívida de prestações periódicas;
5º -O Tribunal a quo, errou igualmente ao considerar provada a ansiedade e inquietação dos Recorridos em consequência da propositura da Acção Executiva e do Auto de penhora, porquanto não apresentaram qualquer relatório médico da situação e a prova testemunhal foi unicamente produzida pelos filhos e nora, com interesse directo na causa, pois como o próprio Recorrido afirmou em audiência de Julgamento: “A indemnização é para os meus filhos”.
6º- Assim como, é relevante o facto, que o Tribunal a quo desvalorizou ao atribuir a indemnização, de que não ocorreram danos materiais derivados do Auto de Penhora, uma vez que foi apenas penhorado o quinhão hereditário do Recorrido, o qual não ficou privado do respectivo uso;
7º - Os Recorridos são titulares da 44ª Semana do Apartamento nº 182-fracção E, do prédio sito em Alpouvar, Lote ..., na freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...12/..., adquirida em 17-11-1990 e têm dívida de prestações periódicas desde 2001, e legalmente a prestação é divida quer utilize a semana ou não. A Recorrente ao instaurar a Acção Executiva mais não fez do que valer o seu Direito ao crédito.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, absolvendo-se a Ré nos termos aduzidos na contestação, fazendo-se assim a Costumada JUSTIÇA!»
Nas contra-alegações, os recorridos AA. concluíram o seguinte (transcrição):
«a) Das alegações de recurso da ré, não constam identificados concretos pontos da matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo, objecto de impugnação.
b) A ré somente transcreve partes de gravações de depoimentos, mas para pretensa demonstração de matéria factual que não constitui tema de prova nestes autos.
c) Relativamente à matéria de facto que o Tribunal a quo julgou provada sobre danos morais sofridos, diz a ré apenas nos artigos 38º a 43º que foi feita uma apreciação incorreta da prova produzida.
d) Porém, a decisão recorrida encontra-se bem sustentada nessa matéria, não bastando à ré a alegação vaga de que as testemunhas “com certeza têm interesse na causa”, nem o seu depoimento perde credibilidade pelo facto de um dos autores, eventualmente, ter a ideia de que a indemnização arbitrada pelo Tribunal terá como destino os seus filhos, o que é natural dada a avançada idade dos autores e o estado debilitado de saúde de ambos.
e) Assim, e perante a falta de impugnação de qualquer concreto ponto da matéria de facto que consta da douta decisão recorrida, ou até mesmo indicação de meio de prova que impunha decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, deverá a impugnação que tinha a pretensão de versar sobre tal matéria, improceder, o que se requer.
f) Relativamente à aplicação do Direito, e ao contrário do alegado pela ré, o Tribunal fez uma correta subsunção dos factos julgados às normas jurídicas aplicáveis.
g) O artigo 858º, do Código de Processo Civil, constitui um afloramento da responsabilidade civil pelo exercício abusivo do direito de ação (no caso, no âmbito de uma ação executiva), embora com regime especial.
h) Acresce que, como é sabido, o Tribunal não está vinculado à aplicação das normas jurídicas invocadas pelas partes nos articulados – artigo 5º, nº 3, do C.P.C..
i) Sobre os pressupostos da aplicação desse artigo 858º, ao contrário do alegado pela apelante, estão todos preenchidos, como consta de forma bem fundamentada da decisão recorrida, que os autores subscrevem na integra a fundamentação do Tribunal a quo, que não merece reparo, atendendo à factualidade que julgou provada, pelo que requere que seja mantida.
Termos em que requerem os autores que a apelação da Ré improceda. Como é de Lei e de Justiça!»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto recursório, cumpre apreciar e decidir.
Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos:
1. O Autor, nascido a ... de ... de 1953, é filho de FF e de GG.
2. A Autora, nascida a ... de ... de 1948, é casada com o Autor.
3. O Autor foi empresário do ramo da construção civil.
4. Em data não concretamente apurada, mas necessariamente antes da assinatura do escrito referido em 5), o Autor foi convidado, enquanto empresário do ramo da construção, para um jantar no Hotel Estoril Sol.
5. O Autor aceitou o convite e ambos os Autores compareceram no referido jantar.
6. Os Autores assinaram um escrito intitulado “contrato promessa de compra e venda - contrato n.º ...”, datado de 17 de Novembro de 1990, no qual figura como primeiro outorgante Rocha Mar - Investimentos Turísticos e Hoteleiros, SARL e como segundo outorgante o Autor, onde se mostra consignado:
“1.º- ROCHA-MAR - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS E HOTELEIROS, SARL, pessoa colectiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa de Lisboa sob o n.º ...44, com o capital social de cinquenta milhões de escudos integralmente realizado, e sede na Av. ..., em Lisboa, como promitente vendedora, e 2.º- AA (…) como promitente comprador,
é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda, que se rege pelas cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
EMPREENDIMENTO TURISTICO
1. A promitente vendedora é dona e legítima possuidor de um aldeamento turístico situado em Alpouvar. freguesia e concelho de Albufeira, aprovado pela Direcção Geral de Turismo em 19/3/90 (Proc. nº ...).
2. O mencionado aldeamento turístico compreende os seguintes equipamentos complementares, desportivos, de animação e de recreio: (…)
3. A construção é financiada com capitais próprios, e sobre o empreendimento não incidem quaisquer ónus ou hipotecas que onerem terreno(s) e/ou prédios, pelo que não se justifica a existência de caução ou seguros na alínea c) do n.º 2 do art. 30º do Decreto lei n.º 130/89, de 18 de Abril.
CLÁUSULA SEGUNDA
1. Do aldeamento turístico referido na cláusula anterior, fazem parte os blocos dos apartamentos designados por “Célula A”, “Célula E”, “Célula G”, “Célula L”. “Célula M” e “Célula Q”, descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob os n.ºs ...02, ...08, ...70, ...71 e ...39 do livro B-16, respectivamente, toda da freguesia de Albufeira. (…)”
CLÁUSULA TERCEIRA
OBJECTO DO PRESENTE CONTRATO
A promitente vendedora promete vender ao promitente comprador, que promete comprar, os direitos de habitação periódica a seguir indicados: Semana 44 da unidade T.1. 182 Sábado a Sábado.
CLÁUSULA QUARTA
PREÇO E FORMA DE PAGAMENTO
1. O preço acordado é quinhentos e oitenta e seis mil quinhentos escudos (586 500$00) a pagar nos seguintes termos: DEPOSITO HOJE DE 100 000$00. RESTANTE DEPOSITO NO VALOR DE 75.950$00 PARA 17/01/01. SALDO DE 410.550$00A PAGAR EM 24 LETRAS DE 25.787$00 COM INÍCIO EM 17/3/91”.
2. O outorgante declara que o empreendimento Club Albufeira é membro efectivo da rede de trocas do RCI - Resorts Condominium International.
3. O preço acordado inclui o custo da inscrição no RCI durante os 3 primeiros anos.
CLÁUSULA QUINTA
CERTIFICADOS PREDIAIS
1. A promitente vendedora entregará ao promitente comprador, após pagamento integral do preço, e logo que estiver constituído e registado o DRHP, a declaração de venda necessária para requerer na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, a emissão dos títulos correspondentes aos direitos objecto do presente contrato.
2. Serão de conta do promitente comprador todas as despesas com a transmissão e registo dos direitos objecto deste contrato, assim como com a requisição e emissão dos títulos prediais correspondentes.
CLÁUSULA SEXTA
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Todos os litígios emergentes do presente contrato serão resolvidos por arbitragem, nos termos da Lei nº 31/86. de 29 de Agosto, e do regulamento da "Arbitral - Sociedade de Arbitragem", com sede na Rua ..., em Albufeira.”
7. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a promoção, gestão e comercialização em qualquer modalidade, designadamente em sistema de multi-proprietário, de empreendimentos urbanísticos, turísticos e hoteleiros, e de complexos desportivos e de lazer; a elaboração de estudos e projetos urbanísticos, turísticos e de construção; a aquisição, construção, promoção e comercialização directa e revenda de imóveis e gestão imobiliária; a prestação de serviços de consultoria para os negócios e a gestão, de contabilidade, fiscalidade e consultoria fiscal; a exploração de restaurantes integrados nas referidas urbanizações, aldeamentos turísticos, unidades ou conjuntos habitacionais ou turísticos; o fornecimento, através de restaurantes integrados nos empreendimentos, de refeições ao domicílio.
8. No dia 21 de Julho de 2021, a Ré instaurou contra os Autores acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumário, a qual correu termos no Juízo Local Cível de Portalegre – Juiz 1 sob o n.º 11461/21.4..., com vista à cobrança coerciva da quantia de € 7.619,33.
9. Apresentou como título executivo os seguintes documentos:
- Um escrito intitulado “título de registo do direito de habitação periódica (certificado predial)”, não datado, nem assinado pelo Conservador do Registo Predial, do qual consta que AA e BB são titulares do período de tempo de uma semana, com início no 44.º Sábado de cada ano, relativamente à fracção E do empreendimento “Clube Albufeira”;
- Um escrito intitulado “declaração de venda”, não datado, assinado por Rocha Mar - Investimentos Turísticos e Hoteleiros, S.A, onde se pode ler: “ROCHA MAR — INVESTIMENTOS TURISTÉCOS E HOTELEIROS, SA", com sede na Avenida ..., em Lisboa, titular do cartão de pessoa colectiva nº ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº ...144a fls 95V do Livro C-89, com o capital social de cinquenta milhões de escudos, declara que vendeu ao Sr. AA e á Sra. BB, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., e estes compraram pelo preço de Quinhentos e Oitenta e Seis Mil e Quinhentos Escudos, a fracção temporal correspondente à semana 44 do apartamento nº ...2, da fracção autónoma designada pela Letra "E", do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...12/..., da freguesia de Albufeira.”
- Um escrito intitulado “contrato promessa de compra e venda - contrato n.º ...”, não datado, onde se mostra consignado: “1.º- ROCHA-MAR - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS E HOTELEIROS, SARL, pessoa colectiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa de Lisboa sob o n.º 36144, com o capital social de cinquenta milhões de escudos integralmente realizado, e sede na Av. ..., em Lisboa, como promitente vendedora, e 2.º- AA (…) como promitente comprador, é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda, que se rege pelas cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
EMPREENDIMENTO TURISTICO
1. A promitente vendedora é dona e legítima possuidor de um aldeamento turístico situado em Alpouvar. freguesia e concelho de Albufeira, aprovado pela Direcção Geral de Turismo em 19/3/90 (Proc. nº ...).
2. O mencionado aldeamento turístico compreende os seguintes equipamentos complementares, desportivos, de animação e de recreio: (…)
CLÁUSULA TERCEIRA
OBJECTO DO PRESENTE CONTRATO
A promitente vendedora promete vender ao promitente comprador, que promete comprar, os direitos de habitação periódica a seguir indicados: Semana 50 da unidade T.I. 171 com início ao Sábado/Domingo.
CLÁUSULA QUARTA
PREÇO E FORMA DE PAGAMENTO
1. O preço acordado é de 1.535.000500 Esc.Um Milhão Quinhentos E Oitenta E Cinco Mil Escudos, a pagar nos seguintes termos: do Anterior Contrato 586.500300 Para Este Novo Contrato Mais 562.625$00 A Serem Pagos Nas Seguintes Formas De 4 Cheques No Valor De 85.000500 Cada Sendo o 1.º Cheque Para Dia 28/04/91 Mais Um Cheque Para Dia 3/6/91 Outro Para Dia 3/7/91 E outro Cheque Para Dia 3/8/91 Mais 222.625500 Duzentos E Vinte E Dois Mll Seiscentos E Vinte E Cinco Escudos. Divididos Em 6 Letras No Valor De 37.104500 Cada Com Inicio Em 3/9/91
2. O outorgante declara que o empreendimento Club Albufeira é membro efectivo da rede de trocas do RCI - Resorts Condominium Internacional.
3. O preço acordado inclui o custo da inscrição no RCI durante os 3 primeiros anos.
CLÁUSULA QUINTA
CERTIFICADOS PREDIAIS
1. A promitente vendedora entregará ao promitente comprador, após pagamento integral do preço, e logo que estiver constituído e registado o DRHP, a declaração de venda necessária para requerer na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, a emissão dos títulos correspondentes aos direitos objecto do presente contrato.
2. Serão de conta do promitente comprador todas as despesas com a transmissão e registo dos direitos objecto deste contrato, assim como com a requisição e emissão dos títulos prediais correspondentes.
CLÁUSULA SEXTA
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Todos os litígios emergentes do presente contrato serão resolvidos por arbitragem, nos termos da Lei nº 31/86. de 29 de Agosto, e do regulamento da "Arbitral - Sociedade de Arbitragem", com sede na Rua ..., em Albufeira.”;
- As Actas n.º 4, n.º 15, n.º 20, n.º 22 e n.º 24 da Assembleia Geral de titulares de direitos de habitação periódica dos apartamentos do empreendimento turístico “Clube de Albufeira”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que foi deliberado o valor da prestação periódica;
10. No requerimento executivo, a Exequente, aqui Ré, alegou o seguinte: “os Demandados são titulares da 44ª Semana do Apartamento nº ...2-fracção E, do prédio sito em Alpouvar, Lote ..., na freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...12/..., conforme se verifica pelo Certificado Predial, ou Contrato de Transmissão do Direito Real de Habitação Periódica, e Contrato- Promessa de Compra e Venda de Direitos Reais de Habitação Periódica, que se juntam como Doc. nº 1. Aos titulares, conforme verificado pelo Doc. nº 1, foi atribuída a semana num Apartamento tipo T1. A Exequente é cessionária da exploração do empreendimento, tendo adquirido os poderes e deveres a ela ligados de Rocha Mar-Investimentos Turísticos e Hoteleiros, S.A., nos termos do art 25º nº 2 do D.L. 275/93 de 05/08- conforme Acta da Assembleia Geral de Titulares de Direitos Reais de Habitação Periódica dos Apartamentos do Empreendimento Turístico do Clube Albufeira que teve lugar no dia 13/05/1998, que se junta como Doc. nº 2..O valor da prestação periódica para 2001 e 2002 foi fixado, para €190,22 e € 198,59, respectivamente. Em Assembleia Geral de Titulares de Direitos Reais de Habitação Periódica dos Apartamentos do Empreendimento Turístico do Clube Albufeira ocorrida em 05-06-2004, o valor da prestação periódica em 2003 e 2004, foi fixada em 205,74 e 212,52, respectivamente- Doc. nº 3. Em 2005 e 2006, os valores foram fixados em €217,63 e €222,63, respectivamente, e em 2007 passou para €235,27 -Doc. nº 4.Em Assembleia Geral de Titulares de Direitos Reais de Habitação Periódica dos Apartamentos do Empreendimento Turístico do Clube Albufeira ocorrida em 08–05-2008, o valor da prestação periódica a cargo dos Demandados foi fixada em €235,27. Em 2009 passou para €241,39 -Doc. nº 5 .Valor que se manteve em 2010-Doc. no 6. Em 2011, foi alterada para €248,82 -Doc. nº 7 ,e em 2012 para €258,15 e 2013 para € 265,38. - Doc. nº 8. O valor em 2014 passou para €266,09 (também em 2015 e 2016) -Doc. nº 9 e Doc. nº 10 e €269,02 para o ano de 2017. -Doc. nº 10. Em Assembleia Geral de 28/09/2017, foi deliberado que a prestação periódica seria de €271,71 para o ano de 2018-Doc. nº11. Em Assembleia Geral ocorrida em 21 de Novembro de 2018, foi deliberado que a prestação periódica para o ano de 2019 seria de €275,24 -Doc. nº 12. Tendo sido deliberado para os anos de 2020 e 2021, a quantia de €290, 60-Doc. nº 13. Os Demandados não pagam as prestações periódicas a que estão obrigados nos termos do art 22º do D.L. 275/93 de 05/08, desde o ano de 2001 a 2021, inclusivé. Ao valor da dívida das prestações periódicas acresce a quantia de €400,00 a título de despesas de contencioso, conforme deliberado em Assembleia de 21 de Novembro de 2018- Doc. nº 12. O valor da dívida dos Demandados para com a Demandante é de €5.560,01, acrescido de juros, na quantia de €2.059,32no total de €7.619,33.”
11. A Sra. Agente de Execução procedeu a pesquisas nas bases de dados, com vista a encontrar bens penhoráveis dos Executados, aqui Autores.
12. Com data de 11 de Novembro de 2022, a Sra. Agente de Execução lavrou auto de penhora que incidiu sobre o direito e acção do Executado, aqui Autor, na herança aberta por óbito de FF e de GG.
13. Os Executados, aqui Autores, foram citados para a acção executiva e notificados do acto de penhora em 15 de Novembro de 2022 para, querendo, pagarem a quantia em dívida, deduzirem oposição à execução através de embargos de executado ou deduzirem oposição à penhora.
14. A 1 de Dezembro de 2022, os Executados, aqui Autores, deduziram oposição à execução mediante embargos de executado, na qual invocaram, além do mais, a inexistência de título executivo.
15. Na sequência da oposição à execução apresentada pelos Executados, aqui Autores, foi proferido, a 8 de Março de 2023, despacho nos autos de execução n.º 11461/21.4..., onde se escreveu: “ao abrigo do disposto nos artigos 726.º, n.º 4 e 5 ex vi 855.º, n.º 2, alínea b), ambos do NCPC, e artigo 23.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 275/93, de 05 de Agosto, sob pena de indeferimento do requerimento executivo, convido a exequente, em 10 dias, a proceder à junção dos seguintes documentos em falta: a) Contrato de transmissão do direito real de habitação periódica; b) Certidão do registo predial; c) Actas e respectivos anexos que contêm os valores das prestações periódicas devidas para os anos de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009. d) Anexos das actas n.º 23, 24 e 25, que contêm os valores das prestações periódicas devidas para os anos de 2019, 2020 e 2021; e) Doc. 1, junto com o requerimento executivo, devidamente assinado; f) Contrato de cessão de exploração do empreendimento a favor da exequente. Notifique.”
16. A Executada, aqui Ré, respondeu ao convite do Tribunal nos seguintes termos:
“Notificada de douto Despacho, vem requerer e expor a Vª Exª, o seguinte:
a)- O Contrato de transmissão, foi oportunamente entregue, junto com o Requerimento Executivo, no entanto, junta-se novamente, como Doc. 1
b)- Os executados não procederam ao registo do Titulo constitutivo do D.R.H.P, pelo que a semana de que são titulares não se encontra inscrita no registo predial;
c) e d)- Cópias da Actas juntas como Doc. 3 e seguintes e) O Doc. nº 1, denominado Título de registo do Direito Real de Habitação Periódica, não carece de assinatura para ser válido, pelo que em nenhuma circunstância os títulos são assinados;
f) Não existe um Contrato de cessão de exploração, os poderes de administração a favor da exequente, foram transferidos por deliberação em Assembleia Geral de titulares de Direitos Reais de Habitação periódica, conforme consta em Acta- Doc. nº 2, junto com o Requerimento Executivo.”
17. A 28 de Março de 2023, foi proferida Sentença, transitada em julgado, nos autos de execução n.º 11461/21.4..., com o seguinte teor:
“No requerimento executivo a exequente começa por declarar o seguinte: «Os Demandados são titulares da 44ª Semana do Apartamento nº ...2-fracção E, do prédio sito em Alpouvar, Lote ..., na freguesia de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...12/..., conforme se verifica pelo Certificado Predial, ou Contrato de Transmissão do Direito Real de Habitação Periódica, e Contrato- Promessa de Compra e Venda de Direitos Reais de Habitação Periódica, que se juntam como Doc. nº 1».
Compulsado o teor do aludido doc. 1 verifica-se que o mesmo é composto pelos seguintes documentos: - Um documento intitulado “Título de Registo do Direito de Habitação Periódica (Certificado Predial)” que não se encontra assinado; - Uma declaração de venda assinada por Rocha Mar – Investimentos Turísticos e Hoteleiros, SA.; - Parte de um contrato-promessa de compra e venda de Direito Real de Habitação Periódica, estando omissa a cláusula segunda.
Por despacho de 8/03/2023, foi a exequente notificada para juntar aos autos, sob pena de indeferimento do requerimento executivo, entre outros documentos: a) Contrato de transmissão do direito real de habitação periódica; b) Certidão do registo predial; e Doc. 1, junto com o requerimento executivo, devidamente assinado.
Nos termos do requerimento de 22/03/2023, a exequente não juntou qualquer outro documento com relevância nesta matéria, argumentando, no que esta parte interessa, o seguinte: «a)- O Contrato de transmissão, foi oportunamente entregue, junto com o Requerimento Executivo, no entanto, junta-se novamente, como Doc. 1 b)- Os executados não procederam ao registo do Titulo constitutivo do D.R.H.P, pelo que a semana de que são titulares não se encontra inscrita no registo predial; (…) e) O Doc. nº 1, denominado Título de registo do Direito Real de Habitação Periódica, não carece de assinatura para ser válido, pelo que em nenhuma circunstância os títulos são assinados;».
O direito real de habitação periódica, como verdadeiro direito real de gozo, corresponde, essencialmente, a um regime de propriedade fraccionada por quotas-partes temporais, vulgar e internacionalmente conhecido por time sharing.
O direito real de habitação periódica foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 355/81 de 31/12, com vista a aumentar a protecção daqueles que investiam nos designados títulos de férias, com apenas protecção legal precária do tipo obrigacionista, vindo tal regime a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 130/89 de 18/04, e este posteriormente revogado pelo artigo 62.° do Decreto-Lei n.º 275/93 de 5/08 (sem prejuízo das regras sobre a aplicação no tempo contidas no artigo 60.º), cuja vigência ainda hoje se mantém, com a última redação dada pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29/01.
Pese embora nenhum dos documentos constantes do doc.1 junto com o requerimento executivo esteja datado, verifica-se pelo teor da cláusula quarta do contrato promessa a menção ao ano de 1991.
Relativamente à aplicação da lei no tempo rege o artigo 60.º do citado Decreto-Lei n.º 275/93 de 5/08 9, que dispõe no seu n.º 1, que «O presente diploma aplica-se aos direitos reais de habitação periódica constituídos, ficando ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que este se destina a regular.», e no seu n.º 2 que «Aos direitos reais de habitação periódica que tenham sido objecto de contratos-promessa de transmissão e não se encontrem constituídos ao tempo da entrada em vigor do presente diploma aplicam-se, quanto à escritura pública, ao registo e à emissão de certificados prediais, as disposições dos artigos 4.º, 5.º e 7.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril.».
Ora, o artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 130/89, de 18 de Abril, estipula claramente que o direito de habitação periódica é constituído por escritura pública, a qual não foi junta pela exequente, nem pode ser substituída por uma declaração unilateralmente assinada pelo alegado proprietário do empreendimento turístico.
Por seu turno, o documento alusivo ao certificado predial encontra-se em branco na linha respeitante à assinatura do Conservador do Registo Predial, sendo assim absolutamente inválido.
É evidente que não tem qualquer fundamento a alegação da exequente que documentos oficiais não são assinados, pois não só têm que ser assinados, como neles tem que ser aposto o selo branco da respectiva conservatória, para serem válidos.
Para além do mais, nenhuma certidão do registo predial foi apresentada, nem sequer a alusiva ao empreendimento turístico em apreço.
Torna-se assim patente que o único contrato junto pela exequente é um contrato promessa, ademais incompleto, o qual não se confunde com o contrato definitivo, o único suscetível de constituir direitos reais de habitação periódica.
Do que acima ficou dito, conclui-se que inexiste por completo título executivo nos presentes autos, atento o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 275/93, de 05 de Agosto.
Ora, prescreve o artigo 726.º, n.º 5 ex vi 855.º, n.º 2, alínea b), ambos do NCPC que «Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo».
Face ao exposto, com fundamento na manifesta falta de título executivo, que persiste após o convite ao aperfeiçoamento formulado nos autos, nos termos do artigo 726.º, n.º 2, alínea a), e n.º 5, do NCPC, indefere-se liminarmente o requerimento executivo, e em consequência, determina-se o imediato levantamento das penhoras efectuadas nos autos, e a devolução dos montantes que eventualmente tenham sido penhorados aos executados.
Custas pela exequente, nos termos do artigo 536.º, n.º 1, e n.º 3, in fine do NCPC.
Valor: 7.619,33€ (cfr. artigo 297.º, n.º 1 do NCPC).
Registe, notifique e dê conhecimento ao Sr.(a) Solicitador(a) de Execução.”
18. A 18 de Maio de 2023, foi proferida Sentença, transitada em julgado, no apenso de embargos de executado, com o seguinte teor: “atento o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos principais, que determinou o indeferimento liminar do requerimento executivo, o imediato levantamento das penhoras efectuadas nos autos, e a devolução dos montantes eventualmente penhorados aos executados, verifica-se que a presente instância deve ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide. Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e) do NCPC, declaro extinta, por inutilidade superveniente da lide, a presente instância”.
19. Em 8 e Março de 2023, a Ilustre Mandatária dos Autores endereçou mensagem de correio electrónico à Ilustre Mandatária da Ré, sob a epígrafe “Processo n.º 555/06.6... – 2.º Juízo – Tribunal Judicial de Portalegre – Acção Ordinária”, onde lhe fez saber: “Exma. Colega Os meus melhores cumprimentos. Em representação dos meus constituintes, Exmos. Senhores AA e BB, executados no processo em epígrafe, venho expor à Exma. Colega o seguinte:
1. Conforme decorre do exposto no requerimento inicial de oposição à execução, o episódio que levou a que os meus clientes, há cerca de 30 anos, entregassem à cliente da Exma. Colega a quantia de 600.000$00, sem que lhes vesse sido transmitido qualquer direito a tulo definitivo, causou àqueles nefastos danos, não apenas de índole patrimonial, mas também, e em especial, de índole não patrimonial.
2. Os meus clientes estão, aliás, convencidos de que toda a ansiedade que sofreram com tal episódio lhe causou ou, pelo menos, agravou, graves problemas de saúde, em especial ao Exmo. Senhor AA, a quem, pouco tempo depois, foi diagnosticada doença renal crónica, tendo, entretanto, recebido em transplante dois rins.
3. Os meus clientes, inclusive, preferiram não reivindicar judicialmente a restituição da quantia que entregaram à cliente da Exma. Colega, por forma a evitar recordarem-se do dito episódio.
4. Quando os meus clientes se aperceberam que, volvidos 30 anos, a cliente da Exma. Colega veio, abusivamente, avançar com uma acção executiva através da qual ficou penhorado o seu direito à herança de familiares, ficaram muito transtornados, ofendidos e indignados.
5. Saliento à cliente da Exma. Colega que os meus clientes já têm idade avançada, tendo ficado extremamente ansiosos com a pendência dessa acção executiva.
6. Aliás, poucos meses após ter do conhecimento da pendência dessa execução, foi diagnosticada ao Exmo. Senhor AA doença cancerígena num dos rins transplantados.
7. Perante o acima relatado, os meus clientes solicitaram que, em sua representação, exigisse da cliente da Exma. Colega um pedido de desculpa formal e por escrito pelo facto de terem, de forma abusiva, avançado com uma execução sem fundamento.
8. Assim, aguardo o prazo de 10 dias para que a cliente da Exma. Colega responda ao referido pedido, findo o qual, tenho instruções dos meus clientes para propor acção de responsabilidade civil tendo em vista o efectivo ressarcimento dos danos causados aos meus clientes, no âmbito da litigância de má fé e abuso do direito de acção (culpa in agendo), mediante pagamento de equitativa indemnização. A Colega, sempre ao dispor.”
20. Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12), os Autores sentiram inquietação e ansiedade.
21. Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12), o Autor sofreu perturbações no apetite.
22. O Autor sentiu angústia e frustração ao ver a herança dos seus pais penhorada.
23. O Autor sentiu receio que os vizinhos pudessem ter conhecimento que tinha os bens da herança dos seus pais penhorados.
24. Em 1998 o Autor sofreu um episódio de hematúria macroscópica.
25. O Autor padece de insuficiência real crónica desde o ano de 2000.
26. Em 2004 foi diagnosticado ao Autor cardiopatia isquémica
27. O Autor foi sujeito a um procedimento de transplante em Julho de 2014 e em 2016.
28. Os Autores auferem uma pensão de velhice não inferior e € 400,00.
29. Os Autores vivem em casa que adveio ao Autor por herança dos seus pais.
E não resultou provado que:
a) No jantar referido em 4) do elenco dos factos provados, os Autores assinaram letras a favor da sociedade Rocha Mar S.A. no valor de cerca de seiscentos mil escudos, tendo em vista a aquisição de uma semana de férias no algarve no "Clube Albufeira".
b) Os Autores procederam ao pagamento das letras no valor de seiscentos mil escudos em virtude de os representantes da sociedade Rocha Mar S.A lhes terem dito que ou pagavam o valor dessas letras ou iriam exigir o pagamento em Tribunal, caso em que "ficariam queimados a nível bancário".
c) O pagamento das letras no valor de seiscentos mil escudos contribuiu para que o Autor desenvolvesse doença no sistema renal a partir de 1998.
d) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, o Autor sofreu perturbações no sono.
e) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, a Autora sentiu angústia e frustração.
f) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, a Autora sofreu perturbações no sono e no apetite.
g) A Autora sentiu receio que os vizinhos pudessem ter conhecimento da penhora referido em 12) do elenco dos factos provados.
2 – Objecto do recurso.
Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso:
Recurso da R.:
1ª Questão – Se a Ré cumpre o Ónus de Impugnação da Matéria de Facto e devem ser alterados os factos 20,21,22 e 23 para não provados e acrescentado o facto: “o A. admitiu ser titular da semana, passou férias várias vezes no Empreendimento gerido pela Recorrente, pagava o condomínio e deixou de pagar inesperadamente.”
2.ª Questão – Se se mostram verificados os pressupostos do art. 858º do CPC.
Recurso dos AA:
1.ª Questão – Se a matéria de facto deve ser alterada, nomeadamente, se os factos que constam das alíneas d), e), f) e g) da matéria não provada, devem passar a provados.
2.ª Questão – Se a quantia atribuída por danos morais deve ser alterada.
3 - Análise do recurso.
Recurso da Ré:
1ª Questão – Se a Ré cumpre o ónus de Impugnação da Matéria de Facto e devem ser alterados os factos 20,21,22 e 23 para não provados e acrescentado o facto: “o A. admitiu ser titular da semana, passou férias várias vezes no Empreendimento gerido pela Recorrente, pagava o condomínio e deixou de pagar inesperadamente.”
A Ré impugna a matéria de facto, (pontos 38 e ss. das alegações de recurso) referindo que “não foi feita uma apreciação correcta da prova” e concluindo que devem ser alterados os factos 20,21,22 e 23 para não provados e acrescentado o facto: “o A. admitiu ser titular da semana, passou férias várias vezes no Empreendimento gerido pela Recorrente, pagava o condomínio e deixou de pagar inesperadamente.”
Os AA. vieram contrapor que, não estão identificados os concretos pontos da matéria de facto e embora sejam transcritas partes de gravações de depoimentos, estas correspondem a matéria factual que não constitui tema de prova nestes autos, concluindo que, há incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto.
Entendemos que, embora o cumprimento do ónus não seja perfeito (a impugnação é vaga), compreende-se a posição da Ré, quanto ao sentido da alteração e o seu fundamento.
Assim, passamos a analisar tal impugnação, adiantando desde já que no nosso entender a recorrente não tem razão:
Quanto aos factos 20,21,22 e 23 provados (20.Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12), os Autores sentiram inquietação e ansiedade.21.Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12), o Autor sofreu perturbações no apetite.22.O Autor sentiu angústia e frustração ao ver a herança dos seus pais penhorada.23.O Autor sentiu receio que os vizinhos pudessem ter conhecimento que tinha os bens da herança dos seus pais penhorados) que a recorrente pretende que sejam considerados não provados.
É a seguinte a fundamentação da sentença recorrida, com a qual concordamos totalmente:
“Relativamente aos factos provados em 20 a 23, a convicção do Tribunal ancorou-se no depoimento da testemunha HH, nora dos Autores e que à data da citação destes para os termos da acção executiva residia com os mesmos, a qual, não obstante a relação familiar que a une aos Autores, descreveu os factos de modo escorreito, sereno e espontâneo, num registo próprio de quem acompanhou a situação de perto, com clara destrinça daquilo que é do seu conhecimento directo e indirecto. Contextualizou os factos, dando pormenores de algumas das ocorrências, sem empolamentos ou efabulações, e foi capaz de reconhecer e proceder à destrinça das emoções vivenciadas por cada um dos Autores, tendo merecido a confiança do Tribunal. Atente-se também que em situações desta natureza a prova testemunhal é muito reduzida, na medida em que as emoções e os sentimentos são exteriorizados em momentos de privacidade familiar e fora de olhares exteriores, resumindo-se as mais das vezes ao depoimento dos familiares
Acresce que o relato da testemunha resultou corroborado pelos depoimentos das testemunhas DD e EE, filhos dos Autores, os quais relataram o abalo e a inquietação sofridos pelos Autores. No entanto, o relato filhos dos Autores a respeito da correlação entre a acção executiva e o estado anímico e a doença da depressão da Autora não mereceu acolhimento, pois que resultou frontalmente infirmado pelas declarações pelo Autor, o qual asseverou, de modo absolutamente espontâneo, que o problema de saúde da esposa, no que ao quadro depressivo, perdura há cerca de 30 anos (alegação de facto não provada e) e f)). A par disso, concorreram as próprias declarações do Autor, das quais emergiram, pelo modo como falou em audiência, a inquietação, a ansiedade, a angústia, a frustração, a vergonha e o sentimento de desrespeito que experienciou em ver a herança dos seus pais ser objecto de uma penhora.”
Ouvida a gravação, constata-se que, tal matéria é totalmente apoiada pelos depoimentos, totalmente credíveis, das testemunhas que acompanharam a situação e que foram peremptórias na explicação dos danos morais, sofridos pelos Autores: HH, nora dos Autores, que há data da citação destes, para os termos da acção executiva, residia com os mesmos; DD e EE, filhos dos Autores, os quais relataram o abalo e a inquietação sofridos pelos Autores e nas próprias declarações do Autor.
Afirma a testemunha EE, filho dos AA., no seu depoimento que, na altura da penhora, os pais estavam de tal maneira preocupados e envergonhados que se deslocou da Bélgica (onde residia) atenta a situação em causa.
Também a filha, DD, explicou ao tribunal a preocupação dos pais e de que forma a situação piorou o seu estado de saúde, referindo que a mãe, antes mais activa, deixou de dormir e só chorava.
Finalmente, a testemunha HH, nora dos Autores, relatou que, estava com o A. quando o mesmo recebeu uma carta e o mesmo disse que tinha recebido uma carta de uma cobrança indevida, na sequência do que o mesmo e a Autora ficaram exaltados, passaram mal, muito constrangidos e preocupados com a possibilidade de ficarem sem casa para morar, referindo ainda que, ambos estão sempre a falar no assunto e a chorar.
E nem se diga, como faz a recorrente, que, o facto de o A. ter referido que, a indemnização seria para os filhos, põe em causa a credibilidade de tais depoimentos, na medida em que, é da experiência comum que, as pessoas de avançada idade, frequentemente, fazem tal afirmação, por se sentirem “no final da vida”.
Por outro lado, também ao contrário do que defende a recorrente, a prova da matéria em causa não exigia um relatório médico, pois estamos perante emoções facilmente constatáveis pelas pessoas que rodeiam os AA.
Discordamos, totalmente, do entendimento, defendido pela recorrente, ao caracterizar tais emoções e a situação em causa como meras bagatelas que o direito não deve proteger. Bem pelo contrário, trata-se da qualidade de vida e da fragilidade da terceira idade, que o direito deve proteger, evitando situações contratuais confusas e pouco rigorosas emergentes do mercado, cada vez mais aproveitador e desinteressado pelo cidadão.
Finalmente, quanto ao aditamento pretendido, afigura-se de todo inútil a sua reponderação, pois não poderia conduzir a nenhuma alteração da solução jurídica.
Como sabemos, não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.
Ora, acontece que como explicaremos de seguida, não está em causa a questão de saber se os autores devem ou não alguma quantia à ré, ou se são ou não titulares do direito real de habitação periódica, que a ré insiste em lhes atribuir, quando os autores o negam.
Em suma: mantêm-se a matéria dada como provada.
2.ª Questão – Se se mostram verificados os pressupostos do art. 858º do CPC.
A Ré defende, no seu recurso que, deveria ter sido absolvida do pedido, pois agiu com a prudência necessária exigível, sem dolo, ao instaurar a Acção Executiva, porquanto, considera haver título executivo, nos termos do artº 23º do D.L 275/93 de 05/08, para cobrança das prestações periódicas em dívida pelos Recorridos.
Considerando que recai sobre os AA. o ónus de alegar e provar os pressupostos do direito que reclamam nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, importa assim saber se a Ré actuou sem a prudência normal, isto é, se omitiu concretos deveres de cuidado e prudência que lhe eram exigíveis e que lhe permitiriam concluir que a execução não tinha fundamento legal.
Vejamos:
O artigo 858.º do Código de Processo Civil estabelece, sob a epígrafe “sanções do exequente”, que «Se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10 % do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.
Este regime consagra a responsabilidade civil pelo exercício abusivo do direito no âmbito de uma ação executiva.
A este propósito, Paula Costa e Silva assinala que, a aplicação do regime da responsabilidade do exequente depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) ter a penhora precedido a citação do executado; b) ter o executado deduzido oposição à execução; c) ter sido a oposição julgada procedente; d) ter a execução causado prejuízos ao executado; e) terem os prejuízos sido causados culposamente; f) não ter o exequente agido com a prudência normal - Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, p. 457). -
Nos termos do n.º 2 do art.º 487.º do Código Civil, “[a] culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.”
A este critério geral se reconduz afinal o art.º 858.º do CPC, ao focar o padrão do juízo de censura da conduta do exequente na “prudência normal” (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 12.01.2012, processo 1472/06.5TVLSB.L1.S1, nota 8; www.dgsi.pt).
A culpa do exequente deve ser apreciada de forma casuística, ou seja, em função das particularidades do caso em concreto, sendo que, o grau de exigência quanto à conduta a observar pelo exequente varia necessariamente e desde logo em função da natureza do título executivo.
No caso dos autos, a culpa do exequente não nos oferece dúvidas.
A Exequente, aqui Ré, ofereceu à execução, entre o mais, um escrito intitulado “título de registo do direito de habitação periódica (certificado predial)” não datado, nem assinado pelo Conservador do Registo Predial, um escrito intitulado “declaração de venda”, não datado, assinado apenas por Rocha Mar - Investimentos Turísticos e Hoteleiros, S.A e um contrato-promessa, também ele, não datado.
Ora, a Ré, enquanto sociedade comercial, que tem por objecto social a promoção, gestão e comercialização de empreendimentos urbanísticos, turísticos e hoteleiros e a aquisição, construção, promoção e comercialização directa e revenda de imóveis e gestão imobiliária, ou seja, matéria relativa á situação em causa, tinha obrigação de saber que um contrato-promessa não tem a virtualidade de conferir os direitos em causa, já que é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obriga a celebrar um novo contrato – o contrato prometido, definitivo -, e que apenas este é susceptível de constituir direitos reais de habitação periódica, dado que qualquer cidadão médio, colocado na posição da Ré, não desconhece que o contrato-promessa se assume um contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, ficando as partes tão-somente obrigadas a celebrarem, no futuro, o contrato definitivo, como a própria designação inculca.
Da mesma forma, a Ré também não podia desconhecer que, uma declaração unilateralmente assinada não pode ser tida como o contrato de transmissão do direito real de habitação periódica, susceptível de atribuir a titularidade do direito real de habitação periódica aos Executados.
Este desconhecimento afigura-se ainda mais relevante e danoso pela agressividade inerente à acção executiva, em termos patrimoniais.
Como refere Olinda Garcia, A Responsabilidade do Exequente e de outros Intervenientes Processuais, p. 15. Trata-se da “penalização do recurso infundado à acção executiva, naquelas hipóteses em que a lei (confiando na existência de fundamento da pretensão executiva) desprotege o executado, não lhe garantindo o direito de defesa até à efectiva apreensão dos bens susceptíveis de penhora, sujeitando-o, portanto, aos riscos inerentes à celeridade dessa tramitação. Efectivamente, neste domínio o executado só é citado depois da apreensão dos seus bens, ou seja, depois de já ter sofrido danos, vindo posteriormente a demonstrar, na oposição à execução, a falta de fundamento dessa acção executiva. Na realidade, a circunstância de a acção executiva ser intentada com base num título executivo não garante, por si só, a existência do crédito de que o exequente se arroga titular. De facto, "o título executivo (judicial ou extrajudicial), sendo indispensável para instaurar a acção executiva, não dá ao tribunal a certeza absoluta da existência do direito, mas tão-somente a probabilidade séria da sua existência". Daí que, se o exequente mover uma acção executiva, sem que exista o direito de crédito correlativo, está a dar lugar a uma execução injusta, porquanto faz "uso de um meio próprio para efectivar o direito subjectivo substancial, quando esse direito já não existe na realidade". O mesmo é dizer que "a execução é injusta quando o exequente pretende conseguir um fim contrário ao direito".
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, in “A Reforma da Acção Executiva”, 2004, p. 30 o exequente deve ser responsabilidade quando “não tiver actuado com a prudência normal”, sendo que o dever de cuidado a cargo do exequente é próximo da prudência exigida ao requerente de uma providência cautelar.
Na verdade, atento o disposto no art. 858º, para que se verifique a responsabilização civil do exequente, basta que este tenha adoptado um comportamento leviano ou actuado com negligência leve, traduzido na inobservância do dever de cuidado, sendo certo que – neste sentido Maria Olinda Garcia, ob. cit., p. 74), a ser apreciado na acepção da norma do artigo 487.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, por comparação com a diligência do bom pai de família.
Ora, in casu, um homem medianamente prudente e cuidadoso não teria intentado a acção executiva, por não dispor de título executivo para o efeito e isso ser inequívoco.
Em suma: Improcede o recurso da Ré.
Recurso dos AA:
1.ª Questão – Se a matéria de facto deve ser alterada, nomeadamente, se os factos que constam das alíneas d), e), f) e g) da matéria não provada, devem passar a provados.
Em causa está a seguinte matéria não provada:
«d) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, o Autor sofreu perturbações no sono.
e) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, a Autora sentiu angústia e frustração.
f) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, a Autora sofreu perturbações no sono e no apetite.
g) A Autora sentiu receio que os vizinhos pudessem ter conhecimento da penhora referido em 12) do elenco dos factos provados.»
É a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:
«... No entanto, o relato filhos dos Autores a respeito da correlação entre a acção executiva e o estado anímico e a doença da depressão da Autora não mereceu acolhimento, pois que resultou frontalmente infirmado pelas declarações pelo Autor, o qual asseverou, de modo absolutamente espontâneo, que o problema de saúde da esposa, no que ao quadro depressivo, perdura há cerca de 30 anos (alegação de facto não provada e) e f)).
(…) Doutra banda, a alegação de facto não provada em c), d) e g) resultaram da ausência de prova que, de alguma forma, a asseverasse. (…)»
Vejamos:
Do confronto da argumentação dos recorrentes, com a motivação de facto da sentença, constatamos que, a divergência assenta na interpretação da prova, ou seja: de acordo com o entendimento expresso na sentença, tal prova é insuficiente para considerar assente a totalidade dos danos morais alegadamente sofridos pelos AA., ao contrário do recurso, que defende a suficiência da prova para a demonstração da matéria em causa.
Como se pode ler (numa síntese que consideramos feliz) no Acórdão do STJ de 27.02.2018, proferido no processo n.º 2672/15.2T8VR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “deve o Tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância, terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada "segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica” cf. Ac. STJ de Proc. n.° 3811/05, da l.ª Secção, citado no Ac. do mesmo Tribunal de 28.05.2009, in www.dgsi.pt., corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.”
Ora, ouvida a gravação e considerando as regras de experiência comum, consideramos que, os recorrentes têm parcialmente razão, na medida em que, ainda que a A. já tivesse um problema de depressão e de fragilidade emocional há 30 anos, cremos que, a situação em causa terá contribuído para o agravamento do quadro.
É isso que resulta, também, do teor dos depoimentos já antes referidos: HH, nora dos Autores, que à data da citação destes, para os termos da acção executiva, residia com os mesmos; DD e EE, filhos dos Autores, os quais relataram o abalo e a inquietação sofridos pelos Autores e nas ainda próprias declarações do Autor.
Afirma a testemunha EE, filho dos AA., no seu depoimento que, na altura da penhora, os pais estavam de tal maneira preocupados e envergonhados que se deslocou da Bélgica (onde residia) atenta a situação em causa.
Também a filha, DD, explicou ao tribunal a preocupação dos pais e de que forma a situação piorou o seu estado de saúde, referindo que a mãe, antes mais activa, deixou de dormir e só chorava.
A testemunha HH, nora dos Autores, relatou que, estava com o A. quando o mesmo recebeu uma carta e o mesmo disse que tinha recebido uma carta de uma cobrança indevida, na sequência do que o mesmo e a Autora ficaram exaltados, passaram mal, muito constrangidos e preocupados com a possibilidade de ficarem sem casa para morar, referindo ainda que, ambos estão sempre a falar no assunto e a chorar.
E a autora explicou que se mostrava mais preocupada e nervosa e o marido tentava disfarçar a sua preocupação, fazendo-se forte; referiu que passava dias na cama, chorava, sentia-se angustiada e frustrada, que dormia muito mal, e que o marido autor “emagreceu uns quilitos” e ela 15 quilos.
Pelo exposto, devem passar a provados os factos constantes das als.:
«d) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, o Autor sofreu perturbações no sono.
e) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, a Autora sentiu angústia e frustração.
f) Em consequência da propositura da acção executiva e do acto de penhora referido em 12) do elenco dos factos provados, a Autora sofreu perturbações no sono e no apetite.
g) A Autora sentiu receio que os vizinhos pudessem ter conhecimento da penhora referido em 12) do elenco dos factos provados.»
2.ª Questão – Se a quantia atribuída por danos morais deve ser alterada.
Com base na alteração dos factos os AA. pedem a alteração do montante de indemnização a pagar a cada um deles a quantia de € 24.500,00, a título de indemnização por compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegam que, auferem uma pensão de velhice não inferior e € 400,00; já a ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto social a promoção, gestão e comercialização de empreendimentos urbanísticos, turísticos e hoteleiros, e de complexos desportivos e de lazer, entre outros. Em especial, o valor da compensação fixada à autora, de € 1.500,00, na atualidade, não atinge sequer 2 RMMG, e a fixada ao autor, de € 4.000, é inferior a 5 RMMG; uma compensação inferior a 10 RMMG, na atualidade, não se revela justa e equitativa, nem para compensar os autores lesados, nem para cumprir a função sancionatória da atuação da ré, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto em apreciação, que a prova produzida revelou.
Vejamos:
Os danos desta natureza traduzem prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens como a vida, a saúde, a liberdade, a beleza, a dor, o afecto, etc.
No âmbito dos danos não patrimoniais, a ressarcibilidade visa proporcionar ao lesado meios económicos que de alguma maneira o compensem da lesão sofrida.
Trata-se, assim, de uma reparação indirecta.
Os danos morais só indirectamente são computados através do cálculo da soma de dinheiro, susceptíveis de proporcionar à vítima satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados. (Inocêncio Galvão Telles in Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra, 1982, página 297; em sentido semelhante, vide João de Matos Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Volume I, 6.ª edição, Coimbra, 1989, página 574)
Por outro lado, “o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável - A este propósito, escreve Antunes Varela (in Ob. cit., página 578): “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”
Deve ainda atender-se à situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda e às demais circunstâncias do caso e deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” Antunes Varela e Pires de Lima in Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, página 501 – cfr. igualmente o art.º 496.º, n.º 3 do Código Civil.
Ora, no caso dos autos, consideramos que o valor atribuído é diminuto face à gravidade inerente aos factos provados.
Estamos perante pessoas idosas, com uma pensão de velhice de cerca de € 400,00; com problemas de saúde, agravados pela situação, que teve repercussões sociais graves já que causou vergonha aos AA, sendo ainda de realçar a relevância da preocupação quanto à possibilidade de perder a sua casa, tudo isto numa idade já avançada, em que tais emoções assumem um impacto muito devastador na sua vida.
Pelo exposto, julga-se adequado e proporcional fixar em € 8.000,00 (oito mil euros) a quantia a pagar pela Ré a cada um dos AA.
Sumário:
(…)
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar:
- Improcedente o recurso da Ré.
- E parcialmente procedente o recurso dos AA., revogando-se a sentença recorrida, quanto ao montante das indemnizações, condenando-se a Ré a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros), acrescida de juros vincendos, à taxa supletiva legal de 4 % (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal), contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, indo no mais absolvida;
Custas dos recursos pelos recorrentes, na proporção do decaimento (artigo 527.º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil).
Évora, 25.06.25
Elisabete Valente
Francisco Xavier
Maria Adelaide Domingos