Ainda que se entenda que a A. pode fazer prova, por meio de testemunhas, do facto-indiciário do envio das cartas de integração e extinção do PERSI, para tal é insuficiente o depoimento da funcionária da A. que, sem intervenção pessoal na situação em causa, se limita a descrever quais são os procedimentos gerais neste tipo de contratos, limitando-se a consultar o elementos que constam do sistema da própria Autora, ou seja da sua base de dados, sendo por isso uma testemunha meramente “leitora” ou “consultora” do sistema /base de dados.
1 – Relatório.
Por apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa, que lhe move "Cofidis, sucursal da S.A. Francesa", veio AA deduzir os presentes embargos de executado.
Para tanto alega, desconhecer a injunção que contra si foi intentada, invocando ainda a nulidade do alegado contrato de mútuo, atento o facto de não saber ler nem escrever, e ter subscrito o contrato de mútuo na qualidade de fiador e não de devedor principal, atento o facto de que teria sido a sua filha, de nome BB, a contrair tal crédito como devedora principal, para aquisição de um veículo, e a efectuar o pagamento das prestações mensais.
Alega ainda que o contrato nunca lhe foi lido, nem comunicado o conteúdo das cláusulas contratuais nele constantes. Impugna ainda a genuinidade da assinatura que consta no contrato referido, requerendo a suspensão da execução.
A Embargada contestou, alegando que, notificou o embargante da injunção, afirmando ainda nunca ter sido informada de que o mesmo, alegadamente, não saberia ler ou escrever, e que é falso que quem efectuava o pagamento das prestações não era o Embargante, mas a filha do mesmo, considerando o débito directo convencionado, afirmando ter sido o Embargante que assinou o referido contrato. Invoca ainda a inexistência de fundamento para suspender a execução, pedindo a improcedência dos embargos.
Procedeu-se ao julgamento.
Foi proferida sentença que julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável por preterição pela Embargada COFIDIS, SUCURSAL DA SOCIEDADE ANÓNIMA FRANCESA COFIDIS, S.A, de integração do Embargante no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolveu o Embargante JOSÉ MANUEL URBANO DA CRUZ da instância executiva.
Inconformada com tal decisão, veio a exequente interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
«1. A Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 640.°, n.º 1, alínea a), do CPC, impugna especificadamente os pontos 11., 13. e 14. dos Factos Provados e os pontos A) a G) e I) dos Factos Não Provados.
2. Sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 607.°, n.º 5, do CPC, a verdade é que essa livre apreciação, e a formação da convicção do julgador dela decorrente, deve ser feita à luz das regras gerais da experiência, do raciocínio e da lógica, o que no entender da Recorrente, e com o devido respeito, não foi feito.
3. Uma vez que o Recorrido não efectou o pagamento de várias prestações na data do seu vencimento, foi o contrato integrado em PERSI pela Recorrente, nos dias 10-07-2020, 07-10-2020 e 27-09-2021.
4. O PERSI foi extinto, nos dias 29-07-2020, 26-10-2020 e 18-10-2021, visto que o Recorrido não enviou os documentos solicitados pela Recorrente, nem prestou as informações necessárias.
5. As comunicações de integração e extinção do PERSI podem ser efectuadas por via postal simples (conforme a Recorrente efectuou) ou por e-mail, não sendo necessário o envio das mesmas por correio registado com aviso de recepção (nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21-05-2020, processo n.º 715/16.1T8ENT-B.E1, disponível em www.dgsi.pt).
6. As cópias das ditas cartas endereçadas aos Recorridos devem ser consideradas como princípio de prova do seu envio e recepção, podendo-se fazer prova do facto-indiciário do respectivo envio por meio de testemunhas, sendo que provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua recepção pelo Recorrido (nesse sentido, veja-se o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05-01-2021, processo n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt ).
7. Conforme resulta do mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a Recorrente juntado aos autos cópia das comunicações de integração e extinção do PERSI, e tendo provado por meio de testemunha o envio das mesmas, é de presumir a sua recepção pelo Recorrido, sem prejuízo deste ilidir tal presunção, fazendo prova do contrário.
8. Acontece que, o Recorrido não o fez, não tendo impugnado os Docs. 07 a 12 juntos pela Recorrente com a Contestação, nem tendo alegado que não recebeu as comunicações em questão, pelo que entende a Recorrente, com o devido respeito, que não podia o Tribunal a quo, oficiosamente, concluir que não foram enviadas ao Recorrido as comunicações de integração e extinção do PERSI, uma vez que cabia ao Recorrido ilidir a presunção.
9. Ainda que assim não fosse, e sem prescindir, a verdade é que a testemunha CC, gestora de recuperação da Recorrente, no seu depoimento prestado no dia 02-10-2024, confirmou que a Recorrente enviou ao Recorrido as supra referidas comunicações de integração e extinção do PERSI, por via postal simples, e que este não estabeleceu qualquer contacto com a Recorrente na sequência do envio das ditas cartas.
10. Entende a Recorrente ter ficado provado o envio ao Recorrido das supra referidas cartas relativas à integração no PERSI e extinção do PERSI, por via postal simples (não sendo necessário o envio das mesmas por correio registado com aviso de recepção), uma vez que, não só a Recorrente juntou cópias das mesmas aos autos, como o respectivo envio foi corroborado por meio da testemunha CC, sendo, por isso, de presumir a sua recepção pelo Recorrido.
11. Em função do exposto, é forçoso concluir que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, a Recorrente enviou ao Recorrido cartas informando-o da sua integração em PERSI, em 10-07-2020, 07-10-2020 e 27-09-2021, e da extinção do PERSI, em 29-07-2020, 26-10-2020 e 18-10-2021, cumprindo assim, nomeadamente, o disposto nos artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
12. Assim sendo, os factos constantes dos pontos B) a G) e I) dos Factos Não Provados da sentença recorrida deverão deixar de constar dos ditos factos não provados e passar para os factos provados constantes da sentença recorrida.
13. No que concerne ao facto constante do ponto A) dos Factos Não Provados da sentença recorrida, importa dizer que, analisando o requerimento de embargos de executado, em nenhum momento o Recorrido refere expressamente que o contrato nunca lhe foi lido, nem que não lhe foi comunicado o conteúdo das cláusulas contratuais nele constantes, não alegando o Recorrido que existiu qualquer violação dos deveres consagrados nos artigos 5.º e 6.º, ambos do DL 446/85, de 25 de Outubro, nem efectuando, de resto, qualquer pedido de exclusão de cláusulas do contrato, por força do disposto no artigo 8.º, do DL 446/85, de 25 de Outubro.
14. Acresce que, a exclusão de cláusulas ao abrigo do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, não gera necessariamente a nulidade do contrato, tendo em vista o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma, que prevê a manutenção do contrato, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (um regime próximo da regra geral da redução do negócio jurídico prevista no artigo 292.º, do Código Civil).
15. Do exposto resulta que não está em causa nenhuma das situações previstas no artigo n.º 14.º-A, n.º 2, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.
16. Assim sendo, tendo o Recorrido sido notificado pessoalmente, por via postal, do requerimento de injunção (assinou o respectivo aviso de recepção), sendo advertido do efeito cominatório estabelecido no artigo 14.º-A, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, e não tendo deduzido oposição à injunção, ficam, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, por força do disposto no artigo 14.º-A, n.º 1, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, sendo certo que não está em causa nenhuma das situações previstas no artigo n.º 14.º-A, n.º 2, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.
17. Entende, por isso, a Recorrente que o Tribunal a quo não podia conhecer oficiosamente da matéria em questão (contrato ter (ou não ter) sido explicado ao Recorrido), pelo que, ao fazê-lo, violou o disposto no artigo 14.º-A, n.º 1 e n.º 2, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, motivo pelo qual o facto constante do ponto A) dos Factos Não Provados da sentença recorrida deverá deixar de constar dos ditos factos não provados.
18. Ainda que assim não fosse, e sem prescindir, a verdade é que a testemunha DD, vendedor do veículo em questão, referiu expressamente no seu depoimento prestado no dia 02-10-2024 que explicou o conteúdo do contrato ao Recorrido, razão pela qual o facto constante do ponto A) dos Factos Não Provados da sentença recorrida deverá deixar de constar dos ditos factos não provados e passar para os factos provados constantes da sentença recorrida.
19. Resulta, ainda, do depoimento da testemunha DD que, contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, o Recorrido foi parte activa das negociações com o vendedor DD, gerente da empresa EE Automóveis, Unipessoal, Lda., pelo que o facto constante do ponto 11. dos Factos Provados da sentença recorrida deverá deixar de constar dos ditos factos provados e passar para os factos não provados constantes da sentença recorrida.
20. Dito isto, importa referir que caso o Recorrido tivesse alegado, conforme refere o Tribunal a quo, que o contrato nunca lhe foi lido, nem comunicado o conteúdo das cláusulas contratuais nele constantes, tê-lo-ia feito vários anos após a celebração do contrato em questão e depois de pagar várias prestações, sem nunca antes invocar qualquer violação dos deveres de comunicação e de informação.
21. Ora, caso tivesse invocado tais factos (que não invocou), ao fazê-lo vários anos após a celebração do contrato em questão e depois de ter efectuado o pagamento de várias prestações, entende a Recorrente que se verificaria um manifesto abuso de direito por parte do Recorrido, na modalidade de venire contra factum proprium (vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/1/2011, em que é relator António Beça Pereira), pelo que teria de ser julgado improcedente qualquer pedido efectuado pelo Recorrido, com base no disposto no artigo 8.º, do DL 446/85, de 25 de Outubro, de exclusão de cláusulas do contrato.
22. No que concerne aos factos constantes dos pontos 13. e 14. dos Factos Provados, o Tribunal a quo incorre numa clara contradição, uma vez que, por um lado, entende ter ficado provado que o Recorrido reconhece letras com dificuldade (ponto 13. dos Factos Provados) e que não sabe ler (ponto 14. dos Factos Provados), mas por outro entende ter ficado provado que o Recorrido tem o 4.º ano de escolaridade (ponto 19. dos Factos Provados).
23. Acresce que, entende o Tribunal a quo que não ficou provado que o Recorrido tenha apenas frequentado até ao 2.º ano de escolaridade (Ponto J) dos Factos Não Provados) e que apenas consegue ler palavras monossilábicas (Ponto K) dos Factos Não Provados).
24. Ora, se o Recorrido tem o 4.º ano de escolaridade, conforme foi dado como provado, certamente que não tem dificuldade a reconhecer letras, e sabe ler, não constando dos autos qualquer prova de que o Recorrido reconheça letras com dificuldade e que não consiga ler.
25. Assim sendo, os facto constantes dos pontos 13. e 14. dos Factos Provados da sentença recorrida deverão deixar de constar dos ditos factos provados e passar para os factos não provados constantes da sentença recorrida.
26. A decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a acção, determinando, nomeadamente:
A) - que não podia o Tribunal a quo, oficiosamente, concluir que não foram enviadas ao Recorrido as comunicações de integração e extinção do PERSI, uma vez que, provado o envio das mesmas, presume-se que o Recorrido as recebeu, cabendo ao mesmo ilidir a presunção, o que não fez;
- ainda que assim não fosse, e sem prescindir, não se verifica a excepção dilatória inominada de preterição do procedimento do PERSI, conforme resulta das cópias das cartas juntas aos autos e do depoimento da testemunha CC;
B) - que, tendo o Recorrido sido notificado pessoalmente, por via postal, do requerimento de injunção (assinou o respectivo aviso de recepção), sendo advertido do efeito cominatório estabelecido no artigo 14.º-A, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, e não tendo deduzido oposição à injunção, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, por força do disposto no artigo 14.º-A, n.º 1, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, sendo certo que não está em causa nenhuma das situações previstas no artigo n.º 14.º-A, n.º 2, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro (pelo que não podia o Tribunal a quo conhecer oficiosamente da matéria em questão - contrato ter (ou não ter) sido explicado ao Recorrido -, tendo, ao fazê-lo, violado o disposto no artigo 14.º-A, n.º 1 e n.º 2, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro);
- ainda que assim não fosse, e sem prescindir, foi explicado o conteúdo do contrato ao Recorrido, conforme resulta do depoimento da testemunha DD, sendo que, ainda que o Recorrido tivesse alegado (que não alegou) que o contrato nunca lhe foi lido, nem comunicado o conteúdo das cláusulas contratuais nele constantes, tê-lo-ia feito vários anos após a celebração do contrato em questão e depois de pagar várias prestações, sem nunca antes invocar qualquer violação dos deveres de comunicação e de informação por parte da Recorrente, pelo que se verificaria um manifesto abuso de direito por parte do Recorrido, na modalidade de venire contra factum proprium, razão pela qual teria de ser julgado improcedente qualquer pedido efectuado pelo Recorrido de exclusão de cláusulas do contrato, com base no disposto no artigo 8.º, do DL 446/85, de 25 de Outubro;
C) que os factos constantes dos pontos A) a G) e I) dos Factos Não Provados da sentença recorrida deverão deixar de constar dos ditos factos não provados e passar para os factos provados constantes da sentença recorrida;
D) que os factos constantes dos pontos 11., 13. e 14. dos Factos Provados da sentença recorrida deverão deixar de constar dos ditos factos provados e passar para os factos não provados constantes da sentença recorrida.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. SUPRIRÃO:
Deve ser, por V. Exas., concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por Acórdão que contemple as conclusões aqui elaboradas.
Assim se fazendo JUSTIÇA».
Nas contra-alegações o embargante conclui da seguinte forma:
«1. É de manter integralmente a sentença recorrida, clara e exaustivamente bem fundamentada, pelo que se reitera todo o seu teor.
2. Mantendo-se integralmente a meteria de facto dada como provada e como não provada.
3. «In casu, verifica-se que, não obstante a Embargada tenha junto ao processo várias missivas que fazem alusão ao PERSI, e em que consta como destinatário o Embargante, a verdade é que nem através da prova documental nem através da prova testemunhal logrou a Embargada fazer prova da observância e do cumprimento deste procedimento, e acima de tudo do envio pela Embargada e efectiva recepção de tais missivas pelo Embargante (factos B) e I) dos factos não provados). Pelo que, a simples junção aos autos de escritos em forma de carta e a afirmação de que foram enviadas ao Embargante, não constituem, por si só, prova do envio e receção das mesmas pelo cliente bancário. A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.»
4. «E mesmo que se considerasse provadas aquelas comunicações – o que só por mera hipótese se equaciona – sempre se deveria questionar se o escrito datado de 08.10.2018 seria ou não apto a comprovar o cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro. (…) Face do exposto, aderindo, na íntegra, aos fundamentos da citada jurisprudência, a ter sido considerada provada a comunicação de extinção do PERSI ao Embargante, teríamos de a considerar ineficaz, atento o conteúdo da comunicação datada da de 18.10.2021, julgando-se, consequentemente, verificada a excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição do Embargante da instância, nos termos do disposto nos artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do Código de Processo Civil.»
5. Assim, em face do exposto, por a Embargada Recorrente não ter demonstrado o envio e recepção das várias comunicações de integração e de extinção do PERSI ao Embargante Recorrido, terá este de ser absolvido da instância, por verificação de exceção dilatória inominada de preterição de sujeição do Embargante ao PERSI.
6. Não obstante, “sempre seria de concluir pela nulidade do contrato assinado pelo Embargante, e operaria a reposição dos sujeitos envolvidos nessa patologia negocial na situação em que se encontravam antes da celebração desse negócio.”
7. “In casu, é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo claro que, ao actuar como actuou, a entidade financiadora da aquisição, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, e não cuidando para actuação diligente do seu representante, assegurando que o dever de informação teria sido cumprido, infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa fé.”
8. A testemunha DD afirmou reiteradas e sucessivas vezes que só queria era vender o veículo, e que a filha do Embargante é que o queria adquirir só que teria o marido insolvente, precisando do Embargante para o efeito, tendo as negociações ocorrido entre a filha do Embargante, cônjuge e o vendedor, tendo sido esta testemunha que teria recolhido toda a informação necessária para celebração do contrato de mútuo, inclusive junto do Recorrido, mas não mais que isso.
9. A intermediária de crédito CMRF UNIPESSOAL LDA apenas teve intervenção na concessão de crédito e não nas negociações e reuniões havidas para o efeito, pois como DD já tinham tentado obter junto de 3 (três) financeiras aprovação de financiamento, tendo as 3 recusado, este “amigo” de DD fez com que a financeira com quem trabalhava (aqui Embargada) concedesse o crédito. Esta ausência da intervenção da intermediária de crédito nas negociações, bem como na celebração dos referidos contratos, também foi narrada pela testemunha FF, que afirmou só ter recepcionado os papeis assinados.
10. O dever de os negociadores agirem de boa fé, expressamente previsto no artigo 227º, nº1 do Código Civil, vigora tanto para os contratos consensuais como para os contratos formais.
11. Viola esse imperativo a conduta que traduza uma reprovável falta de consideração pelos legítimos interesses da outra parte.
12. O contrato é nulo porque o Recorrido assinou o mesmo sem saber ler nem escrever.
13. O contrato é nulo porque viola, de forma gritante, os ditames da boa-fé negocial.
Nestes termos e nos demais de Direito, que Vs. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente por não provado e, em consequência, deverá ser confirmada a sentença do Tribunal de 1ª instância, com todos os efeitos legais, fazendo-se, assim, a costumada justiça.»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Embargante subscreveu um documento intitulado “Ficha de informação normalizada em matéria de crédito aos consumidores – geral informação pré-contratual”, datado de 18.06.2019, em que figura como instituição de crédito a Embargada, e como intermediário de crédito CMFR UNIPESSOAL, com sede em ..., 7800-316 Beja, onde consta, além do mais, o que se segue:
“(…) x crédito automóvel com reserva de propriedade e outros: usados (…)
Montante total de crédito: 13.806,35 euros
Montante do crédito solicitado pelo consumidor: 12975,00 euros
Encargos financiados: 831,35 euros
(…)
5.2 Regime de prestações: constantes do valor fixo de 209,17 euros, à excepção da primeira prestação (ou da segunda, de acordo com o referido no ponto 5.3), que poderá sofrer ajustamentos dos juros em função da data do financiamento e será informada no 1º extrato mensal e da ultima por causa de eventuais ajustes.
5.3 Montante da prestação: 209,17 euros.
(…)
5.4 Número de prestações: 96
5.5 Periodicidade das prestações: mensal (…)”.
2. Subscreveu ainda documento intitulado “Contrato Crédito Automóvel – CONDIÇÕES PARTICULARES”, datado de 28.06.2019, onde consta o Embargante identificado na qualidade de interveniente como primeiro titular, identificada como intermediária de crédito e fornecedora do bem/serviço CMRF UNIPESSOAL LDA, com sede da ..., 7800-316 Beja, e como identificação do bem adquirido um veículo Ligeiro de Passageiros, marca VOLKSWAGEN, modelo GOLF VI VARIANT DIESEL, matrícula ..-MH-.., PVP 12975,00.
3. O Embargante subscreveu ainda documento intitulado “AUTORIZAÇÃO DE PAGAMENTO AO FORNECEDOR”, onde consta, entre o mais, o que se segue:
“Nos termos das Condições Gerais do Contrato de Crédito Automóvel n.º ..., de que esta Autorização é parte integrante, o (s) Titular (es) DESTE Contrato solicitam à IC que, por conta daquele (s), o montante total do crédito, deduzido no montante do crédito para pagamento dos encargos financiados (se aplicável), relativo ao veículo melhor identificado nas Condições Particulares do Contrato acima referido, num total de 12975,00 seja pago ao Fornecedor do mesmo (abaixo identificado), em cheque ou por transferência bancária, a efectuar para o IBAN indicado pelo Fornecedor (…)”.
4. Tendo ainda subscrito documento intitulado “Requerimento de Registo Automóvel”, onde consta o Embargante identificado como Sujeito Activo (comprador/adquirente/requerente/exequente/Locador), inexistindo identificação do Sujeito Passivo.
5. À luz dos documentos identificados em 1) e 2), o valor em dívida teria de ser reembolsado à Embargada em 96 (noventa e seis) prestações mensais, postecipadas e sucessivas, com vencimento ao dia 01 (um) de cada mês, no valor de € 209,17 (duzentos e nove euros e dezassete cêntimos), cada uma, vencendo-se a primeira em 25/07/2019.
6. Em 01.07.2019 foi efectuada transferência do valor de 12.975,00 euros da conta ... para a conta ... constando como titular desta última a empresa CMRF LDA.
7. O requerimento de injunção n.º 76788/22.2... apresentado como título executivo na execução a que respeitam estes embargos, foi entregue pela Embargada/Exequente no Balcão Nacional de Injunções em 29-08-2022 e no mesmo foi aposta força executiva em 24-10-2022.
8. No procedimento de injunção o Embargante foi notificado pessoalmente por via postal, tendo assinado o respectivo aviso de recepção.
9. A obtenção de crédito identificado em 2) visava a aquisição de veículo Ligeiro de Passageiros, marca VOLKSWAGEN, modelo GOLF VI VARIANT DIESEL, matrícula ..-MH-...
10. O Embargante assinou os documentos descritos em 1) a 4) convicto que estava a assinar tais documentos na qualidade de responsável subsidiário, e que constaria como devedora principal a sua filha BB.
11. As negociações atinentes à compra e venda do veículo identificado em 2) foram realizadas apenas entre o vendedor DD, gerente da empresa EE Automóveis Unipessoal Lda, e BB e respectivo marido.
12. O Embargante sabe assinar o seu próprio nome.
13. Reconhece letras com dificuldade.
14. Não sabe ler nem escrever.
15. A Embargada nunca foi informada do descrito em 13) e 14) pelo intermediário de crédito.
16. O Embargante apenas teve conhecimento de que constava como devedor principal no contrato identificado em 2) após ter sido informado pelo seu filho GG da situação de que várias prestações não teriam sido pagas.
17. O filho do Embargante, GG, pediu à sua irmã BB para entregar de imediato o veículo, de forma a tentar resolver consensualmente o problema, com a entrega do veículo à Embargada.
18. O Embargante não é detentor de carta de condução.
19. Tem o 4.º ano de escolaridade.
20. A filha do Embargante, aproveitando-se da situação da iliteracia e simplicidade do Executado, pediu-lhe para assinar os documentos, convencendo-o que seria apenas na qualidade de fiador.
21. O Embargante apresentou queixa-crime contra a sua filha BB, tendo dado origem ao processo n.º 166/22.9..., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Almodôvar, que findou com o arquivamento dos autos uma vez que, no entender do Ministério Público, a questão a dirimir é de natureza cível.
22. No âmbito do contrato identificado em 2) foram pagas apenas 26 (vinte e seis) prestações, tendo o último pagamento ocorrido em Maio de 2022.
23. Por força dos documentos identificados em 1), 2 ), e 3) apenas foram efectuados três débitos directos da conta bancária do Embargante com o IBAN ...:
21.1 em 25.07.2019, no valor de 198,31 euros;
21.2 em 30.08.2019 no valor de 221,86 euros;
21.3 em 09.09.2019 no valor de 209,17 euros;
24. Entre 01.10.2019 e 30.05.2022 foram efectuados pagamentos à Embargada de 23 prestações, no valor total de 5 218,35, através de ATM.
25. As prestações referidas em 23) foram pagas pela filha do Embargante BB.
26. Em 31.05.2022 o valor do capital em dívida ascendia a € 11.865,06 (onze mil oitocentos e sessenta e cinco euros e seis cêntimos).
27. A Embargada remeteu uma missiva datada de 13.05.2022 ao Embargante, com o seguinte teor:
“(…) Contrato nº: ... Matricula: ..-MH-..
Assunto: Interpelação de pagamento
Caro AA,
Tendo em conta que já fizemos todos os esforços possíveis para encontrar uma solução e não verificamos qualquer interesse da sua parte, somos obrigados a exigir a regularização da totalidade do atraso.
Assim, dispõe de um prazo adicional de 15 dias para proceder ao pagamento, após o qual se encontrarão reunidas as condições para procedermos à resolução do seu contrato, sem necessidade de qualquer outra comunicação ou interpelação para esse efeito, nos termos do contrato celebrado e do artigo 20.º do DL n.º 133/2009, de 02 de Junho, para os contratos celebrados ao abrigo deste diploma.
Mais informamos que, em caso de resolução contratual acrescerão à totalidade do valor em dívida as comissões e encargos relativos ao incumprimento definitivo do contrato. Após a referida resolução será intentada a competente ação judicial que poderá culminar com uma penhora de rendimentos e outros bens (…)”.
E não provados os seguintes:
A. Ao Embargante tivesse sido lido e explicado todo o conteúdo dos documentos identificados em 1) a 4) dos factos provados.
B. A Embargada tivesse remetido uma missiva datada de 10.07.2020 ao Embargante, com o seguinte teor:
“ (…) Dossier nº: ...
Exmo. (s) Sr. (s): AA
Informamos que o contrato acima identificado foi integrado em PERSI na data de emissão da presente carta, por se verificar mora no cumprimento das obrigações, nos termos da lei.
Informamos ainda, ao abrigo do DL 227/2012 e Aviso nº 17/2012 do Banco de Portugal, que:
a) As prestações total ou parcialmente em atraso são as que se venceram, no dia 1 ou no dia útil seguinte, de cada mês, desde Maio de 2020;
b) O Montante total em atraso, na data de geração da carta, é de € 224,28 que corresponde a € 211,50 de capital, €0,00 de juros remuneratórios, € 0,28 de juros de mora, € 12,00 de comissões por atraso no pagamento e € 0,50 de outros encargos (fiscais, seguros, se aplicável, outras comissões e despesas cobrança postal);
c) Para obter informações adicionais e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas, ligue para o número de telefone acima indicado, envie um e-mail para ... ou vá a www.... à zona “Prevenção e Gestão do Incumprimento”.
Enviamos em anexo um documento informativo e explicativo sobre o PERSI e os direitos e deveres do cliente bancário.
Para bem avaliarmos a sua capacidade financeira solicitamos que nos envie, no prazo máximo de 12 dias a contar da data desta carta, uma exposição escrita da mesma, acompanhada dos seguintes documentos atualizados:
- Ultima declaração de IRS do (s) titular (es) do contrato;
- Últimos 3 recibos de vencimento ou comprovativos de outros rendimentos do (s) titular (es) do contrato; - Declaração a confirmar que os dados fornecidos são verdadeiros e atualizados.
O não envio destes documentos no prazo de 12 dias extinguirá o PERSI por falta de colaboração do Cliente com possível resolução do contrato e demais consequências legais (…)”.
C. A Embargada tivesse remetido uma missiva datada de 07.10.2020 ao Embargante, com o seguinte teor:
“(…) Dossier nº: ...
Exmo. (s) Sr. (s): AA
Informamos que o contrato acima identificado foi integrado em PERSI na data de emissão da presente carta, por se verificar mora no cumprimento das obrigações, nos termos da lei.
Informamos ainda, ao abrigo do DL 227/2012 e Aviso nº 17/2012 do Banco de Portugal, que:
a) As prestações total ou parcialmente em atraso são as que se venceram, no dia 1 ou no dia útil seguinte, de cada mês, desde Outubro de 2020;
b) O Montante total em atraso, na data de geração da carta, é de € 214,66 que corresponde a € 115,32 de capital, €93,42 de juros remuneratórios, € 1,57 de juros de mora, € 0,00 de comissões por atraso no pagamento e € 4,35 de outros encargos (fiscais, seguros, se aplicável, outras comissões e despesas cobrança postal);
c) Para obter informações adicionais e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas, ligue para o número de telefone acima indicado, envie um e-mail para ... ou vá a www.... à zona “Prevenção e Gestão do Incumprimento”.
Enviamos em anexo um documento informativo e explicativo sobre o PERSI e os direitos e deveres do cliente bancário.
Para bem avaliarmos a sua capacidade financeira solicitamos que nos envie, no prazo máximo de 12 dias a contar da data desta carta, uma exposição escrita da mesma, acompanhada dos seguintes documentos atualizados:
- Ultima declaração de IRS do (s) titular (es) do contrato;
- Últimos 3 recibos de vencimento ou comprovativos de outros rendimentos do (s) titular (es) do contrato; - Declaração a confirmar que os dados fornecidos são verdadeiros e atualizados.
O não envio destes documentos no prazo de 12 dias extinguirá o PERSI por falta de colaboração do Cliente com possível resolução do contrato e demais consequências legais.(…)”
D. A Embargada tivesse remetido uma missiva datada de 27.09.2021 ao Embargante, com o seguinte teor:
“(…) Dossier nº: ...
Exmo. (s) Sr. (s): AA
Informamos que o contrato acima identificado foi integrado em PERSI na data de emissão da presente carta, por se verificar mora no cumprimento das obrigações, nos termos da lei.
Informamos ainda, ao abrigo do DL 227/2012 e Aviso nº 17/2012 do Banco de Portugal, que:
a) As prestações total ou parcialmente em atraso são as que se venceram, no dia 1 ou no dia útil seguinte, de cada mês, desde ...;
b) O Montante total em atraso, na data de geração da carta, é de € 273,67 que corresponde a € 166,49 de capital, €84,06 de juros remuneratórios, € 2,33 de juros de mora, € 12,00 de comissões por atraso no pagamento e € 8,79 de outros encargos (fiscais, seguros, se aplicável, outras comissões e despesas cobrança postal);
c) Para obter informações adicionais e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas, ligue para o número de telefone abaixo indicado, envie um e-mail para ... ou vá a www.... à zona “Prevenção e Gestão do Incumprimento”.
Enviamos em anexo um documento informativo e explicativo sobre o PERSI e os direitos e deveres do cliente bancário.
Para bem avaliarmos a sua capacidade financeira solicitamos que nos envie, no prazo máximo de 12 dias a contar da data desta carta, uma exposição escrita da mesma, acompanhada dos seguintes documentos atualizados:
- Ultima declaração de IRS do (s) titular (es) do contrato;
- Últimos 3 recibos de vencimento ou comprovativos de outros rendimentos do (s) titular (es) do contrato; - Declaração a confirmar que os dados fornecidos são verdadeiros e atualizados.
O não envio destes documentos no prazo de 12 dias extinguirá o PERSI por falta de colaboração do Cliente com possível resolução do contrato e demais consequências legais. (…)”.
E. A Embargada tivesse remetido uma missiva datada de 29.07.2020 ao Embargante, com o seguinte teor:
“ (…) Contrato nº: ... Matrícula: ..-MH-..
Assunto: Extinção PERSI
Caro/a(s) AA,
Informamos que o PERSI relativo ao contrato acima identificado, foi extinto na data da presente carta, uma vez que, não obstante as tentativas efetuadas pela Cofidis, não nos enviou os documentos solicitados, nem prestou as informações necessárias para que fosse possível a análise da sua situação financeira, assim como de uma proposta de acordo.
Relembramos que, a falta de pagamento das prestações, verificadas as condições legal e contratualmente previstas, pode implicar a resolução do contrato de crédito por incumprimento, com as consequências previstas nas Condições Gerais do mesmo.
A Cofidis mantém-se disponível para avaliar novas propostas que permitam resolver a situação em que se encontra o seu contrato, de forma amigável e sem necessidade de recurso à via judicial. (…)”.
F. A Embargada tivesse remetido uma missiva datada de 29.10.2020 ao Embargante, com o seguinte teor:
“(…) Contrato nº: ... Matricula: ..-MH-..
Assunto: Extinção PERSI
Caro/a(s) AA,
Informamos que o PERSI relativo ao contrato acima identificado, foi extinto na data da presente carta, uma vez que, não obstante as tentativas efetuadas pela Cofidis, não nos enviou os documentos solicitados, nem prestou as informações necessárias para que fosse possível a análise da sua situação financeira, assim como de uma proposta de acordo.
Relembramos que, a falta de pagamento das prestações, verificadas as condições legal e contratualmente previstas, pode implicar a resolução do contrato de crédito por incumprimento, com as consequências previstas nas Condições Gerais do mesmo.
A Cofidis mantém-se disponível para avaliar novas propostas que permitam resolver a situação em que se encontra o seu contrato, de forma amigável e sem necessidade de recurso à via judicial (…)”.
G. A Embargada tivesse remetido uma missiva datada de 18.10.2021 ao Embargante, com o seguinte teor:
“(…) Contrato nº: ... Matricula: ..-MH-..
Assunto: Extinção PERSI
Caro/a(s) AA,
Informamos que o PERSI relativo ao contrato acima identificado, foi extinto na data da presente carta, uma vez que, não obstante as tentativas efetuadas pela Cofidis, não nos enviou os documentos solicitados, nem prestou as informações necessárias para que fosse possível a análise da sua situação financeira, assim como de uma proposta de acordo.
Relembramos que, a falta de pagamento das prestações, verificadas as condições legal e contratualmente previstas, pode implicar a resolução do contrato de crédito por incumprimento, com as consequências previstas nas Condições Gerais do mesmo.
A Cofidis mantém-se disponível para avaliar novas propostas que permitam resolver a situação em que se encontra o seu contrato, de forma amigável e sem necessidade de recurso à via judicial (…)”
H. A Embargada tivesse remetido uma missiva datada de 01.06.2022 ao Embargante, com o seguinte teor:
“(…) Contrato n.º: ... Matrícula: ..-MH-..
Assunto: Resolução Contrato
Caro AA,
Informamos que procedemos nesta data à resolução do contrato acima indicado, uma vez que não foi feito o pagamento dos valores em atraso, apesar dos esforços da Cofidis, nesse sentido.
Com a resolução do contrato por incumprimento definitivo, a Cofidis mantém o direito de exigir o capital e juros remuneratórios, em dívida à data da resolução e os demais impostos, seguros, comissões (incluindo uma comissão por incumprimento definitivo caso esteja prevista nas condições gerais do contrato) e despesas que estejam em dívida, bem como os juros remuneratórios, a taxa igual à taxa do contrato e até efetivo pagamento, incidentes sobre o capital que estiver em dívida à data da resolução, acrescidos da sobretaxa de juros moratórios Tendo em conta o descrito, o valor total em dívida é o indicado abaixo.
A partir desta data o seu contrato passa assim a ser gerido pelo Serviço de Contencioso da Cofidis, pelo que deverá efetuar o pagamento do montante total da dívida, abaixo indicado, no prazo máximo de 8 dias úteis.
Caso não proceda ao pagamento do valor indicado abaixo no prazo proposto, iremos recorrer a uma empresa externa especializada na recuperação de créditos e intentar a competente ação judicial, que poderá culminar com uma penhora de rendimentos e outros bens (…)”.
I. O procedimento atinente ao PERSI tenha sido encerrado, por se terem frustrado as negociações.
J. O Embargante tenha apenas frequentado até ao 2.º ano de escolaridade.
K. O Embargante apenas consiga ler palavras monossilábicas.
L. Todas as cartas recepcionadas pelo Embargante fossem entregues à filha BB.
2 – Objecto do recurso.
Questões a decidir por ordem lógica, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC:
1ª Questão – Se devem ser alterados os pontos 11., 13. e 14. dos Factos Provados e os pontos A) a G) e I) dos Factos Não Provados.
2ª Questão – Se está demonstrada a válida integração da ré no PERSI e, em caso negativo, se há lugar à sua absolvição da instância pela verificação da exceção dilatória inominada em que se traduz aquela falta de integração.
3ª Questão - Se não tendo deduzido oposição à injunção, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados.
Subsidiariamente:
4ª Questão – Se existiria abuso de direito por parte do Recorrido ao invocar a exclusão de cláusulas do contrato, com base no disposto no artigo 8.º, do DL 446/85, de 25 de Outubro;
3 - Análise do recurso.
1ª Questão – Se devem ser alterados os pontos 11., 13. e 14. dos Factos Provados e os pontos A) a G) e I) dos Factos Não Provados.
O recorrente defende que, os factos provados 11,13 e 14 devem passar a não provados («11.As negociações atinentes à compra e venda do veículo identificado em 2) foram realizadas apenas entre o vendedor DD, gerente da empresa EE Automóveis Unipessoal Lda, e BB e respectivo marido. 13.Reconhece letras com dificuldade. 14. Não sabe ler nem escrever.):
Quanto ao facto 11º, fundamenta essa conclusão, referindo que, resulta do depoimento da testemunha DD (contrariamente ao entendimento do tribunal a quo) que o Recorrido foi parte activa das negociações com o vendedor DD, gerente da empresaEE Automóveis, Unipessoal, Lda.
Entendemos que o recorrente não tem razão.
É a seguinte a fundamentação da sentença:
«tal facto foi dado como provado atento o depoimento das testemunhas DD (vendedor do veículo), GG (filho do Embargante) e HH (nora do Embargante), que prestaram os seus depoimentos de modo escorreito, objectivo, com narrativas coincidentes, e que por isso mereceram total credibilidade ao tribunal. De facto, a testemunha DD afirmou reiteradas e sucessivas vezes que só queria era vender o veículo, e que a filha do Embargante é que o queria adquirir só que teria o marido insolvente, precisando do Embargante para o efeito, tendo as negociações ocorrido entre a filha do Embargante, cônjuge e o vendedor, tendo sido esta testemunha que teria recolhido toda a informação necessária para celebração do contrato de mútuo. No mais, e de suma relevância, revela o facto de que a intermediária de crédito CMRF UNIPESSOAL LDA, com sede da ... 7800-316 Beja, na pessoa do gerente FF, apenas teve intervenção na concessão de crédito e não nas negociações e reuniões havidas para o efeito, pois como DD já tinham tentado obter junto de 3 (três) financeiras aprovação de financiamento, tendo as 3 recusado, este “amigo” de DD fez com que a financeira com quem trabalhava (aqui Embargada) concedesse o crédito. Esta ausência da intervenção da intermediária de crédito nas negociações, bem como na celebração dos referidos contratos, também foi narrada pela testemunha FF, que afirmou só ter recepcionado os papeis assinados (Ficha de informação normalizada em matéria de crédito aos consumidores, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 2; Contrato crédito automóvel, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 2; Autorização de débito direto sepa, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 2; Autorização de pagamento ao fornecedor, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 2; Requerimento de registo automóvel, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 2) e documentação respectiva (documentos juntos aos autos: Doc. intitulado “consultas de NIB/IBAN/Titulares de conta”, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 3; Cópia de cartão de cidadão, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 4; Factura Iberdrola, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 5 e Declaração ISS, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 6) das mãos de DD, e ter submetido os papeis à Cofidis (aqui Embargada), sem mais, sem se preocupar em aferir se tinha sido cumprido o dever de informação contratual e pré contratual a que estava obrigado por ser entidade intermediária de crédito, bem como as demais obrigações que sobre si impediam. Aliás, esta testemunha chega mesmo a referir que não conhece o aqui Embargante nem a filha do mesmo.
Por sua vez, as testemunhas GG e HH, filho e nora do Embargante, de uma maneira espontânea, escorreita, e objectiva, e que por isso mereceu total credibilidade do tribunal, afirmaram terem apenas intervindo quanto a este assunto respeita, na fase do incumprimento das prestações, e na qual o Embargante se vê confrontado com penhoras sem perceber o porquê, atento a que estava convicto que tinha tido intervenção no referido contrato como fiador, e na sua maneira de vez as coisas, a devedora principal deveria ser a primeira pessoa sobre quem a Embargada deveria assacar responsabilidade por qualquer incumprimento. Estas testemunhas, porque sabem ler e escrever, ao contrário do Embargante (tal como as mesmas confirmaram), tentaram obter informações junto do Banco, tendo aferido toda a factualidade e só após obtida tal informação lograram explicar ao Embargante que afinal este constaria como devedor principal no referido contrato. Refira-se ainda que a própria testemunha DD afirmou ter ficado com a percepção que o Embargante tinha ideia que estava a assinar na qualidade de fiador, contudo afirmou não lhe ter explicado o contrato, pois só tinha como objectivo vender o carro e obter a assinatura dos documentos. »
Ouvido o depoimento em causa, não se extrai do mesmo a conclusão pretendida pela recorrente, pois a testemunha, vendedor, refere que as negociações ocorreram com a filha do Embargante e o cônjuge; que ao Embargante só foi pedido para assinar o contrato, tendo demorado “(…) meia hora se tanto a recolher as assinaturas (…)”, tendo ainda afirmado não ter lido o contrato “(…) são muitas páginas para ler (…)”, nem se recordando de ter facultado cópia do mesmo ao Embargante ou à filha do mesmo.”
Tal não significa que, se possa concluir que o Recorrido foi parte activa das negociações, pelo contrário.
Quanto aos factos 13º e 14º defende o recorrente que, o tribunal é contraditório, ao consagrar como provado que o Recorrido reconhece letras com dificuldade (ponto 13. dos Factos Provados) e que não sabe ler (ponto 14. dos Factos Provados), mas por outro, entende ter ficado provado que o Recorrido tem o 4.º ano de escolaridade (ponto 19. dos Factos Provados) argumentando para tal, que, se o Recorrido tem o 4.º ano de escolaridade, conforme foi dado como provado, certamente que não tem dificuldade a reconhecer letras, e sabe ler, não constando dos autos qualquer prova de que o Recorrido reconheça letras com dificuldade e que não consiga ler.
É a seguinte a fundamentação da sentença quanto a tais factos:
« Atento o vertido nos últimos dois parágrafos, aliada às declarações do Embargante que são coincidentes com os relatos feitos, e à prova documental junta, a saber, Informação DGESTE, ref.ª citius 2650265, Informação IMT, ref.ª citius 2854769 e Informação DGESTE, ref.ª citius 2866175, deu o tribunal como provados os factos constantes dos pontos 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20)e 25) dos factos provados. Refira-se ainda que o tribunal confrontou o Embargante com texto onde constava o seu nome, e pediu que lê-se o mesmo, tendo sido claro que o mesmo empenhou os seus melhores esforço a tentar ler, conseguindo com facilidade identificar o seu próprio nome no referido texto, e identificar letras, e já com mais dificuldade procedeu à junção de letras e formou algumas palavas, tendo sido claro para todos os presentes que o mesmo não consegue ler frases completas e apreender o sentido das mesmas, não detendo competências para compreender o significado de frases e textos e detendo a fluidez para decifrar um texto. Por outro lado, o facto de o Embargante saber assinar o nome sem mais, não permite ao tribunal afirmar que o mesmo sabe ler e escrever, tendo, alias, sido produzida prova em sentido contrário.»
É fundamental nesta matéria a imediação do julgador da 1ª instância, que confrontou o Embargante com texto onde constava o seu nome, pedindo-lhe que procedesse à leitura do mesmo e dessa prova extraiu as conclusões em causa.
Por outro lado, basta a experiência comum para concluir que é possível que alguém que tem o 4.º ano de escolaridade, não sabe obrigatoriamente ler e escrever e pode reconhecer letras com dificuldade.
Tanto basta para improceder nesta parte o recurso.
Vejamos agora os factos não provados, que foram impugnados, matéria correspondente à explicação ao Embargante de todo o conteúdo dos documentos identificados em 1) a 4) dos factos provados e remessa pela embargada das missivas de integração e extinção do PERSI.
Ao contrário do que defende a recorrente, não cremos que tenha sido demonstrada esta matéria.
É a seguinte a fundamentação da sentença:
«No que respeita aos pontos A) a F) dos factos não provados, resultaram os mesmos da ausência de produção de prova nesse sentido, ora a produção de prova em sentido contrário.
De facto, e no que concerne à não prova do facto constante do ponto A) dos factos não provados, assim deu o tribunal tal facto atenta a prova produzida em sentido contrário. O próprio intermediário de crédito, a quem competia ler e explicar o conteúdo do contrato assinado pelo Embargante, nada fez, tendo referido expressamente nem reconhecer o Embargante nem a filha do mesmo. Por outro lado, e relativamente ao vendedor do veículo, testemunha DD, afirmou reiteradas e sucessivas vezes que ao Embargante só pediu para assinar o contrato, tendo demorado “(…) meia hora se tanto a recolher as assinaturas (…)”, tendo ainda afirmado não ter lido o contrato atentas a que nas suas palavras “(…) são muitas páginas para ler (…)”, nem se recordando de ter facultado cópia do mesmo ao Embargante ou à filha do mesmo.
Por sua vez, os factos constantes dos pontos B) a I) dos factos não provados assim o foram atento a que dos autos apenas constam cópias de alegadas cartas em que figura como destinatário o Embargante (Missiva datada de 10.07.2020, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 7; Missiva datada de 07.10.2020, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 8; Missiva datada de 27.09.2021, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 9; Missiva datada de 29.07.2020, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 10; Missiva datada de 26.10.2020, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 11; Missiva datada de 18.10.2021, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 12; Missiva datada de 01.06.2022, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 14 e Missiva de 15.03.2023 Satander, ref.ª citius 2449124, doc. n.º 16). De tais documentos não se consegue aferir e dar como provado o efectivo envio das mesmas ao Embargante, bem como a recepção por este das mesmas. De facto, as mesmas não foram acompanhadas de registo e de aviso de recepção, nem o depoimento da testemunha CC foi bastante para confirmar o seu envio.
De ressalvar o facto de se ter dado como não provada a factualidade atinente às comunicações de integração do Embargante no PERSI e extinção do mesmo procedimento (factos não provados constantes das alíneas B) a I), na medida em que os escritos juntos, desacompanhados dos respetivos registos postais e avisos de receção, bem assim como de outra prova complementar, não foram suficientes para que o Tribunal ficasse convicto de que tais escritos, em forma de carta, foram efetivamente enviados ao Embargante.
Quanto à escolaridade do Embargante, atenta a prova produzida em sentido diverso, deu o tribunal como não provado o facto constante do ponto J) dos factos não provados.
Por sua vez, o facto constante do ponto K) foi dado como não provado atenta a prova produzida em audiência de julgamento em sentido contrário, de que o Embargante não sabe ler.
Por fim, quanto à factualidade descrita no ponto L), atento a que não só a filha do Embargante tinha acesso a tal caixa de correio, mas também o Embargante e a sua companheira, deu o tribunal tal facto como não provado.
Relativamente às testemunhas II e JJ, em nada o testemunho das mesmas contribuiu para o apuramento da factualidade constante dos autos.»
Contrapõe a recorrente que, o facto constante do ponto A) dos Factos Não Provados, da sentença recorrida, deverá deixar de constar dos ditos factos não provados, porque o Tribunal a quo não podia conhecer, oficiosamente, da matéria em questão (explicação do contrato) e mesmo que assim não fosse, e sem prescindir, a verdade é que, a testemunha DD, vendedor do veículo em questão, referiu expressamente no seu depoimento prestado no dia 02-10-2024 que explicou o conteúdo do contrato ao Recorrido, razão pela qual, o facto constante do ponto A) dos Factos Não Provados, da sentença recorrida, deverá deixar de constar dos ditos factos não provados e passar para os factos provados.
Ora, a possibilidade de conhecimento oficioso é matéria jurídica, pelo que, não pode consubstanciar um motivo para alteração do sentido da prova, improcedendo assim a impugnação em causa.
Finalmente, parece-nos evidente que, o facto de o embargante reconhecer letras com dificuldade e não saber ler, nem escrever, impede a conclusão de que lhe foi explicado o conteúdo do contrato.
Finalmente, no que diz respeito à remessa pela embargada das missivas de integração e extinção do PERSI, importa dizer o seguinte:
A sentença recorrida considerou que tal envio não ficou demonstrado, não obstante a Embargada ter junto ao processo várias missivas, que fazem alusão ao PERSI, e em que consta como destinatário o Embargante, nem através da prova documental, nem através da prova testemunhal, pois a simples junção aos autos de escritos em forma de carta e a afirmação de que foram enviadas ao Embargante, não constituem, por si só, prova do envio e receção das mesmas pelo cliente bancário.
Para tal conclusão, entendeu-se que a prova complementar apresentada correspondente ao depoimento da testemunha CC não foi bastante para que o Tribunal ficasse convicto de que tais escritos, em forma de carta, foram efetivamente enviados ao Embargante.
Ouvida a gravação do depoimento em causa, concordamos com esse entendimento.
Com efeito, ainda que se entenda que, a A. pode fazer prova, por meio de testemunhas, do facto-indiciário do envio das cartas juntas aos autos, para tal não podemos considerar suficiente o depoimento da funcionária da A. – no caso, gestora de recuperação de créditos -que, sem intervenção pessoal na situação em causa, se limita a descrever quais são os procedimentos gerais neste tipo de contratos (referindo ao longo do depoimento: “nestes casos…”), limitando-se a consultar o elementos que constam do sistema da própria Autora, ou seja da sua base de dados (referindo: “neste caso existe um registo…”; “não tenho mais nenhum registo…” e “Se fosse ficava registado…”).
No fundo, estamos perante uma testemunha que é meramente “leitora” ou “consultora” da base de dados da Cofidis.
Assim, a mesma afirmou que é do sistema que resulta o envio das cartas: “Não tratou disso pessoalmente… “nós enviamos a carta… as cartas são geradas automaticamente pelo sistema”.
Pelo exposto, entendemos que tal depoimento é manifestamente insuficiente para a prova em causa, concluindo que. a A. não demonstrou o envio das comunicações referentes ao procedimento de PERSI donde se extrai a presunção da sua recepção.
Em suma: Improcede assim totalmente a impugnação da matéria de facto.
2ª Questão – Se está demonstrada a válida integração da ré no PERSI e, em caso negativo, se há lugar à sua absolvição da instância, pela verificação da exceção dilatória inominada em que se traduz aquela falta de integração.
O PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – tem por objectivo, de acordo com o preâmbulo do DL 227/2012, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06-08: “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”
Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito, abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigo 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial.
A lei estipula que a informação deve ser comunicada através de «suporte duradouro», cuja noção consta do artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, ao estipular: «h) «Suporte duradouro» qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.».
Em causa está o cumprimento da obrigação de comunicação, resultante dos artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012 (quer a integração no PERSI, quer a extinção do referido procedimento têm de ser obrigatoriamente comunicadas aos clientes bancários).
O Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 estabelece que, a instituição de crédito deve informar o cliente/consumidor que integrou o cliente em PERSI através de suporte duradouro que contenha os seguintes elementos: identificação do contrato de crédito, a data de vencimento das obrigações em mora, o montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos ao capital, juros e encargos associados à mora, a data de integração no PERSI e elementos do contato da instituição de crédito para informação adicional e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas (artigos 7.º).
Impondo, igualmente, no artigo 8.º, aquando da comunicação da extinção do PERSI, a obrigação de informação, mormente a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal, bem como as consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos.
O modo de provar as ditas comunicações envolve alguma polémica jurisprudencial e a esse propósito o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 13-04-2021, Proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Relatora: Graça Amaral, disponível em www.dgsi.pt pronunciando-se nos seguintes termos:
«I – A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
II – Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC.
III – Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada.
IV – A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.»
Desde logo, resulta do Acórdão citado e cremos que se encontra pacificada, a possibilidade do conhecimento oficioso desta excepção.
Por outro lado, seguimos esta posição do STJ e da jurisprudência que cremos ser maioritária, no sentido de que, as cartas simples ou e-mails endereçados ao devedor para as moradas que constam do contrato celebrado, correspondem a um facto-indiciário, a um princípio de prova, podendo o mesmo ser complementado por outro meio de prova, mormente testemunhal, realçando que a lei não exige uma formalidade específica para prova do envio e receção das ditas comunicações, mormente uma carta com aviso de receção ou sequer registos postais, bastando para cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre as partes, devendo essa documentação constar do referido suporte duradouro a que se reporta a lei e que se tivesse sido intenção do legislador exigir que a prova do envio e receção das comunicações fosse feita através de um meio prova como seja o registo postal ou o aviso de receção, decerto tê-lo-ia consagrado expressamente (sendo que o intérprete se encontra sujeito às regras da interpretação do artigo 9.º do Código Civil, não podendo ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso).
A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada deve ser considerada como princípio de prova da sua remessa. Ou, por outras palavras, a exigência “ad probationem” apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal.
Assim, entendemos que a instituição credora pode fazer a prova do envio e receção das comunicações, mediante a junção de cartas simples, enviadas para a morada contratualmente convencionada, ou mesmo comunicação eletrónica se tal procedimento tiver sido estipulado sendo essa junção complementada por outro meio de prova para demonstração do efectivo “Envio”.
Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou, oficiosamente, verificada a excepção dilatória inominada insanável e concluiu que, a instituição de crédito, credora mutuante, por falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, estava impedida intentar a execução, absolvendo assim o executado da instância.
A sentença recorrida considerou que, não obstante a Embargada ter junto ao processo várias missivas, que fazem alusão ao PERSI, e em que consta como destinatário o Embargante, nem através da prova documental, nem através da prova testemunhal, logrou fazer prova da observância e do cumprimento deste procedimento, e acima de tudo não fez prova do envio pela Embargada e efectiva recepção de tais missivas pelo Embargante (factos B) e I) dos factos não provados), pois a simples junção aos autos de escritos em forma de carta e a afirmação de que foram enviadas ao Embargante, não constituem, por si só, prova do envio e receção das mesmas pelo cliente bancário.
E concluiu que instituição de crédito, credora mutuante, por falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, estava impedida intentar a execução, absolvendo o executado da instância.
Argumenta-se na sentença, que a matéria relativa ao cumprimento do persi permanece controvertida nos autos (apesar da junção das missivas atinentes ao alegado cumprimento de tal procedimento e o facto do Embargante não ter invocado nos seus embargos o incumprimento do PERSI), atento o facto de estarmos no âmbito do processo executivo, em que o silêncio do exequente e executado não tem necessariamente o valor de admissão, sendo que no âmbito do processo executivo o efeito cominatório não tem a extensão prevista para o processo declarativo e o Embargante manifesta um oposição clara à posição defendida pela Embargada.
O recorrente discorda, argumentando que, cumpriu da obrigação prevista nos arts. 14º nº 4 e 17º nº 3 do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro, com a junção dos escritos relativos ao PERSI e a alegação de que os enviou ao executado, através de carta simples, para a morada contratual.
Ora, como já vimos esse “envio” não está provado, face à improcedência da impugnação da matéria de facto.
Logo, devemos concluir que, o exequente não deu cumprimento às formalidades impostas por lei, quanto à integração e extinção da devedora em sede de PERSI, o que nos leva a confirmar a sentença recorrida.
Tanto basta para a improcedência total do recurso.
Sumário:
(…)
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente -artigo 527.º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil.
Évora, 25.06.2025
Elisabete Valente
Maria João Sousa e Faro
José António Moita