Sumário:
1. Dado que o documento dado à execução denominado de “PARTILHA PARCIAL DE BENS” não diz que o executado fica adstrito a pagar à exequente determinada quantia e dele não resulta sequer que quantia é afinal devida e por quem, não pode constituir título executivo.
2. A suficiência do título pressupõe que dele conste a obrigação exequenda sendo a sua existência por ele presumida, o que significa que o mesmo tem de constituir instrumento probatório suficiente da existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
3. Não dispondo o credor de um título executivo terá de previamente propor uma acção declarativa tendente a obter o reconhecimento da existência do seu direito de crédito e a condenação do devedor a satisfazê-la.
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
1. AA, embargante nos autos à margem identificados, nos quais figura como embargada BB veio recorrer da decisão de indeferimento da suspensão da execução e do despacho saneador-sentença que, julgando os embargos improcedentes, determinou o prosseguimento da execução.
2. Formulou na sua apelação as seguintes conclusões:
• Do Recurso do Despacho de Indeferimento da suspensão da execução
1. Vem o presente recurso interposto do despacho que se encontra inserto imediatamente antes da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de execução de Silves – Juiz 2), aliás mui douta, notificado ao aqui ora Recorrente, no qual, salvaguardado o devido respeito, se faz incorreta decisão quanto à não procedência da suspensão da execução até junção aos autos pela aqui Recorrida ou pelo Banco Santander Totta dos extratos bancários referentes aos anos de 2017 e 2018 que comprovam os valores que foram subtraídos por aquele (Recorrente) por esta (Recorrida), com vista ao reconhecimento judicial de um contracrédito do Recorrente sobre a Recorrida, o que culminou, com o prosseguimento da execução e com a procedência do pedido intentado pela Exequente;
2. O aqui ora Recorrente pugna, assim, pela não manutenção do aludido despacho ora posto em crise, aliás douto, porquanto o mesmo enferma de erro de apreciação/julgamento e por ser gerador de grande injustiça;
3. Salvado o devido respeito, não andou, bem o tribunal “a quo”, devendo, por isso, o presente recurso, interposto do douto despacho (aqui em ora crise) proceder, fazendo-se, desta forma, jus e dignificando a tão almejada Justiça;
4. O tribunal “a quo”, no despacho ora em crise, indeferiu a requerida suspensão da instância executiva por não se verificarem os respetivos pressupostos, designadamente por os fundamentos se cingir, no essencial, à invocação da exceção da compensação de créditos, mas sem fundamento, o que não se concorda;
5. É que efetivamente existe um contracrédito do Recorrente sobre a Recorrida que resultaria comprovado, com a mera junção dos estratos bancários que seriam juntos aos autos, mas que também resulta do teor dos documentos juntos aos autos com os Embargos de Executado;
6. O Recorrente fez chegar aos autos que possui um contracrédito sobre a Recorrida no valor de, pelo menos, 13.584,29€ (treze mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos);
7. Para além dos documentos juntos com a petição de Embargo, os documentos cuja junção o Recorrente pretendia, vislumbrar-se-ia, com notoriedade, que os embargos teriam sucesso por via da invocada compensação;
8. Existia, pois, fundamento para a requerida suspensão do prosseguimento da execução, sem prestação de caução, fosse determinada;
9. Ao assim não ter assim decidido, o tribunal “a quo” errou, pois mostra-se possível, na opinião do Recorrente, suspender a execução nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, por se verificarem os respetivos pressupostos;
10. Mas se assim não se entender, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe, se deveria de ter suspendido o presente incidente por verificação de uma causa que seguramente iria prejudicar a execução, até que ficasse esclarecida a situação do acerto de crédito a compensar.
11. O que, ao não ocorrer, errou o tribunal “a quo”.
• Do Recurso da sentença proferida em sede de despacho saneador
12. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em sede de despacho saneador proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro, aliás douta, notificada ao Recorrente, em 26 de março de 2025, na qual, salvaguardando o mais elevado e devido respeito, se faz incorreta decisão quanto ao apuramento da matéria de facto dada como assente, por terem sido cometidos lapsos na apreciação da prova, bem como incorreta interpretação e aplicação do direito;
13. O Recorrente pugna pela não manutenção da decisão em causa ora posta em crise, aliás douta, designadamente na parte que ora se recorre, porquanto a mesma enferma de erro de julgamento de facto e de direito, o que conduziu a que o tribunal “a quo” tivesse julgado totalmente improcedente as pretensões formuladas no requerimento de Embargos de Executado;
14. Salvado o devido respeito, que é muito elevado, não andou, assim, bem o tribunal “a quo”;
15. Deve, por isso, o presente recurso, interposto da douta sentença (proferida em sede de despacho saneador) do tribunal “a quo”, proceder, fazendo-se, desta forma, jus e dignificando a tão almejada Justiça.
• DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
16. A decisão ora em crise, concretamente apresenta-se errar o decisório, ora em recurso, onde se faz, em parte, incorreta decisão quanto ao apuramento da matéria de facto dada como assente (provada), porquanto cometeu alguns erros na apreciação mormente da prova levada aos autos pelo aqui Recorrente;
17. Ou seja, e encurtando razões, relativamente à matéria de facto que o tribunal “a quo” deu como não assente, errou;
18. Para além dos factos que o tribunal “a quo” apurou, soube que o Recorrente alegou na sua petição de Embargos de Executado que em 21.12.2018, descobriu que a aqui Recorrida, durante o ano de 2017 e 2018, procedeu, sem o seu conhecimento e consentimento, à creditação numa conta bancária só por si titulada, aberta no Banco Santander Totta, com o n.º ...2020, de vários montantes monetários pertencentes ao casal, tendo o saldo desta conta chegado, ao que se apurou, ao valor de 27.168,58€ (vinte e sete mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), conforme Doc. n.º 1 que se juntou com a petição de Embargos;
19. E que, os valores monetários que a Recorrida ia transferindo para a conta bancária só por si titulada eram valores do casal, pelo que, pelo menos, metade do valor mencionado pertencia ao Embargante, tendo a aqui Recorrida, sem qualquer autorização, anuência ou consentimento daquele, feito sua toda a quantia monetária depositada naquela conta bancária (só por si titulada);
20. Soube o tribunal “a quo” que a aqui Recorrida fez também sua a quantia que pertencia do Embargante, apoderando-se, apropriando-se de pelo menos, 13.584,29€ (treze mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos) que eram do aqui Recorrente;
21. Sendo que, este valor (13.584,29€) só por si chegava e até sobrava para cobrir o valor que a Recorrida diz ser credora do Recorrente nos autos executivos;
22. Soube também o tribunal “a quo” que a Recorrida, durante o ano de 2017 e 2018, ia depositando valores monetários, alguns em numerário, todos pertencentes ao casal, na conta bancária do filho de ambos, CC, sediada no Banco Santander Totta, com o n.º ...9020, sendo que era a Recorrida quem fazia uso destes valores, sendo também desta forma que ela depauperava e prejudicava o aqui Recorrente. Desconhecendo-se, no entanto, em concreto quais os valores que, também com este esquema maquiavélico preconizado pela aqui Recorrida, foi prejudicando o Recorrente, mas sabe-se, e soube o tribunal “a quo” que em 27.12.2017, o valor depositado foi de 2.200,00€ (dois mil e duzentos euros), conforme Doc. n.º 2 que foi junto com a petição de Embargos;
23. Significando isto que, só quanto a este valor, o aqui Recorrente ficou prejudicado no montante de 1.100,00€ (mil e cem euros);
24. Assim, na opinião do aqui Recorrente, prova existe para que o tribunal “a quo” tivesse dado como provado também os seguintes factos:
• A Embargada, durante o ano de 2017 e 2018, creditou numa conta bancária só por si titulada, aberta no Banco Santander Totta, com o n.º ...2020, de vários montantes monetários pertencentes ao casal, tendo o saldo desta conta chegado, ao que se apurou, ao valor de 27.168,58€ (vinte e sete mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), fazendo sua a quantia que pertencia do Embargante, no montante de 13.584,29€ (treze mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos).
• A Embargada, em 27.12.2017, depositou o valor de 2.200,00€ (dois mil e duzentos euros), pertencente ao casal, na conta bancária do filho de ambos, CC, sediada no Banco Santander Totta, com o n.º ...9020, por ela usada, sendo que o montante de 1.100,00€ (mil e cem euros) pertencia ao Embargante.
25. O tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, errou relativamente à matéria de facto que deu como provada e omitiu factos com relevo para uma boa decisão nos presentes autos.
• DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
26. Atento os erros de julgamento concernente à matéria de facto, conforme se deixou comprovado no capítulo anterior da presente peça processual, importa só por si que se considere incorreta a interpretação e a subsunção jurídica efetuada pela sentença proferida em sede de despacho saneador sob recurso, devendo, pois, prevalecer os argumentos que infra se destacarão onde o aqui Recorrente assaca também erros de julgamento de direito;
27. Assim, salvado o devido respeito, o tribunal “a quo” fez também incorreta interpretação e aplicação do direito (o tribunal “a quo” violou entre outros, que Vossas Excelências doutamente suprirão, as disposições do nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil);
28. Atento os erros no apuramento da matéria de facto o tribunal “a quo” deveria de ter julgado, procedente os Embargos de Executado intentados pelo aqui Recorrente, designadamente quanto à compensação verificada;
29. Pretendia o aqui Recorrente, nos seus Embargos de Executado, extinguir o crédito exequendo através da sua compensação com um contracrédito de valor superior, cujos factos constitutivos alegou nos embargos, tendo o tribunal “a quo” na sua sentença proferida em sede de despacho saneador, aliás douta, na sua fundamentação de direito, após referir que não se provou o alegado contracrédito, sem que tenha incluído na lista dos factos não provados aqueles que haviam sido alegados nos embargos e de onde resultava a constituição do contracrédito, alegando que não era possível, em embargos de executado, obter a compensação judicial do crédito exequendo, se o contracrédito não tivesse natureza de certo, seguro e exigível, ou seja, se não estivesse dotado de força executiva;
30. Assumiu assim o tribunal “a quo”, em nome de uma suposta celeridade processual executiva, que a compensação, como forma de extinção do crédito exequendo só pode ser realizada se o contracrédito invocado estivesse documentado em título com força executiva;
31. É atualmente comummente aceite que é possível a invocação, como fundamento de embargos de executado à execução, da existência de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter-se a compensação de créditos, mesmo que esse contracrédito não tenha suporte em título com força executiva, mas assim não entendeu o tribunal “a quo” na sua sentença proferida em sede de despacho saneador, tendo julgado improcedente a compensação invocada que deixou de subsistir, tendo assim ficado prejudicada uma apreciação de mérito sobre a existência do contracrédito invocado pelo Recorrente e a sua compensabilidade;
32. Assim sendo, e com o devido respeito, mal andou o Tribunal “a quo” ao ter decidido os presentes autos em sede de despacho saneador, sem que tivesse dado a oportunidade ao aqui Recorrente de fazer valer o seus direitos, designadamente de comprovar a efetiva existência do seu contracrédito, que, em última instância, podia ser conseguido através do incidente de levantamento do sigilo bancário, no caso de falta de obtenção de autorização da Recorrida para o efeito;
33. Andou, assim, mal o tribunal “a quo”, com o devido respeito, porquanto interpretou erradamente o artigo 847.º do Código Civil e a alínea h) do artigo 729.º do atual Código de Processo Civil no que respeita à figura da compensação, dizendo-nos literalmente esta última que é admissível «o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos», encontrando-se, por isso, a sentença ora em crise em total contradição com a jurisprudência atualmente dominante que defende maioritária e inequivocamente não ser necessária a existência de título executivo que declare a existência do crédito a invocar em sede de compensação;
34. O tribunal “a quo” violou, por errada interpretação, o disposto nos artigos 847.º do Código Civil e alínea h) do artigo do artigo 729.º do novo Código de Processo Civil.
• DA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
35. Nos presentes autos serve de título executivo um documento onde o aqui Recorrente declara reconhecer, por documento particular autenticado, que a partilha parcial dos bens comuns do casal devesse ser feita de determinada forma;
36. O que, naquela data, o aqui Recorrente aceitou que assim fosse, por desconhecimento do seu contracrédito;
37. No documento que serve de título executivo nos presentes autos, não se encontra, em nenhum momento, expresso o valor que a Recorrida alega ser-lhe devido pelo aqui Recorrente;
38. Não é a comunicação escrita, datada de 24 de abril de 2023 (junta com o requerimento executivo), remetida ao aqui Recorrente por email, que lhe impõe um valor de dívida no montante de 9.681,70€ (nove mil, seiscentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), que poderá servir como título executivo;
39. Na opinião do aqui ora Recorrente, a comunicação escrita em causa deveria de ter sido sujeita à mesma forma solene, ou seja, deveria de ter sido sujeita a assinatura de ambas as partes e devidamente autenticado, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que só assim importaria a constituição ou reconhecimento daquela especificada obrigação;
40. O título executivo sendo a base de qualquer execução, por ele tem de se determinar o fim e os limites da execução (cfr. artigo 10º do Código de Processo Civil), a legitimidade ativa e passiva (cfr. artigo 53º do mesmo Código) e se sabe se a obrigação é certa, líquida e exigível (cfr. artigo 713º também do mesmo Código) e isso não acontece com o documento assinado pelo aqui Recorrente;
41. A certeza da obrigação, enquanto requisito da exequibilidade intrínseca da pretensão, constitui um dos pressupostos da exequibilidade do título, e pressupõe uma prestação que se encontra, qualitativamente determinada no momento da sua constituição. E isso não se encontra no documento assinado pelo aqui Recorrente; 42. Deste modo, deveria o tribunal “a quo” ter declarado a falta de título executivo; sendo que a inexistência de título executivo constitui uma nulidade processual;
43. A inexistência de título executivo é uma questão de conhecimento oficioso;
44. Por isso, na opinião do aqui Recorrente, andou, uma vez mais, mal o Tribunal “a quo”, com o devido respeito, ao ter dado como válido o documento assinado pelo Recorrente como título bastante para o prosseguimento da execução.
V
Termos em que,
I - Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho em crise e, em consequência, que os presentes autos baixem à primeira instância para que proceda à anulação do despacho em causa, o qual deve ser substituído por outro que determine a suspensão da instância no presente processo executivo ou o presente incidente (suspensão do incidente de oposição à execução mediante embargos de executado) por verificação de uma causa que seguramente iria prejudicar a execução, até que fique esclarecida a situação do acerto de crédito a compensar.
II – Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença em crise, proferida pelo tribunal “a quo”, aliás douta, e considerar-se ter o Recorrente direito ao reconhecimento do contracrédito invocado.
Desta forma e como sempre, farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA”.
3. Não houve contra-alegações.
4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à apreciação das seguintes questões por uma ordem lógica:
1. Se o documento dado à execução não constitui título executivo;
2. Se a alegada existência de um contra-crédito do embargante sobre a embargada é susceptível de constituir fundamento de embargos;
3. Se era inviável o conhecimento do mérito dos embargos no saneador e, por consequência, necessário o apuramento de determinados factos alegados pelo embargante.
4. Se a execução poderia ter sido suspensa com a dedução dos embargos;
II. FUNDAMENTAÇÃO
5. É o seguinte o teor da decisão atinente à suspensão da execução:
“Requer o Embargante a suspensão dos presentes autos executivos, até junção aos autos pela Exequente ou pelo Banco Santander Totta dos estratos bancários referentes aos anos de 2017 e 2018 que comprovam os valores que foram subtraídos ao Embargante, com vista ao reconhecimento judicial de um crédito do Embargante sobre a Exequente.
A este respeito, pronunciou-se a Embargada no sentido de que não se verifica qualquer um dos fundamentos constantes das alíneas do artigo 733º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Nos termos do referido Artigo 733.º, nº 1, do Código de Processo Civil
“O recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
d) A oposição tiver por fundamento qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º”.
No caso concreto, a fundamentação apresentada pelo Embargante cinge-se, no essencial, à invocação da excepção da compensação de créditos.
Ora, não obstante invocar um contracrédito sobre a Embargada, teria de resultar, desde logo, do teor dos elementos já constantes do processo que essa invocação tinha forte probabilidade de sucesso e que, com forte probabilidade, os embargos de executado procederiam.
Tal não sucede, não resultando da análise dos elementos constantes do processo nem se vislumbrando que dos documentos cuja junção o Embargante pretende, que os embargos venham a ter sucesso por via da invocada compensação.
Por conseguinte, não existe fundamento para a requerida suspensão do prosseguimento da execução, sem prestação de caução, que, assim, vai indeferida.”.
6. Na sentença deu-se como assente o seguinte quadro fáctico:
1. Foi dado à execução o documento intitulado de “PARTILHA PARCIAL DE BENS” datado de 02.06.2022, outorgado entre AA e BB, conforme documento junto com o requerimento executivo cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
2. Do plano de reforma da Swisslife, a Exequente receberá a quantia de 21.822,15 francos Suíços que corresponde a € 22.265,42 (vinte e dois mil duzentos e sessenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos).
3. A Exequente ficou ainda com a quantia de € 4.104,74, correspondente ao seu plano de reforma, bem como com a quantia de € 9.645,00 correspondente ao crédito da Autoridade Tributária referente ao imposto do veículo automóvel.
4. O Executado foi interpelado via e-mail para proceder ao pagamento, no dia 24 de Abril de 2023, conforme comunicação junta como Doc. nº 3, não tendo até à presente data realizado qualquer pagamento.
7. Do mérito do recurso
1. Da (in) existência de título executivo
Refere agora o apelante que o documento dado à execução não serve como título executivo na medida em que nele “não se encontra, em nenhum momento, expresso o valor que a Recorrida alega ser-lhe devido pelo aqui Recorrente” e que não pode a “comunicação escrita, datada de 24 de abril de 2023 (junta com o requerimento executivo), remetida ao aqui Recorrente por email, que lhe impõe um valor de dívida no montante de 9.681,70€ (nove mil, seiscentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos) servir como título executivo.
Na verdade, a falta de título executivo constitui fundamento para rejeição oficiosa da execução – artigo 734º, nº 1, do CPC – e conquanto só suscitada em fase de recurso, tal questão pode ser agora apreciada ( por se tratar de questão de conhecimento oficioso) o que se passa a fazer.
Analisemos, então, o título dado à execução.
Trata-se de um documento denominado de “PARTILHA PARCIAL DE BENS” datado de 02.06.2022, outorgado entre AA e BB nos termos do qual os mesmos acordaram em proceder à “ partilha parcial” dos seguintes “bens comuns”, a saber: um plano de reforma existente na Swisslife em nome do embargante no valor correspondente a € 77.614,44; outro plano de reforma existente na Rendita em nome da embargada no valor correspondente a € 3.901,87 e € 9645,00 a receber da AT relativo à devolução do imposto automóvel.
Convencionaram que cada um teria direito a metade de cada uma das citadas verbas, cujo valor totaliza € 91.161, 27, ou seja, que cada um teria direito a receber em resultado da partilha desses bens, € 45.580,64.
Mais declararam que: “(…)
3 – As partes aceitam e autorizam, reciprocamente, que cada uma delas solicite directamente à Swisslife e à Rendita (do Grupo Credit Suisse), a transferência de um valor pecuniário, correspondente a metade do valor total que existir, à data, em cada um dos planos supra identificados.
4 – Mais acordam as partes, caso as entidades Suíças não venham, por qualquer motivo, a transferir um montante pecuniário correspondente a metade dos valores totais, que a parte beneficiada deverá, no prazo de 10 dias, após a interpelação da parte prejudicada, proceder ao pagamento a esta do valor remanescente para preenchimento do quinhão igualitário da outra parte, a fim de garantir que cada uma das partes fica com um valor exatamente igual à outra. (…)”
Nos termos do disposto no art.º 703º, nº1 do C.PC: [À] execução apenas podem servir de base: (…) b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
Por conseguinte, a questão que se coloca é se o documento em apreço (autenticado por advogado) importa a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação (pecuniária) a cargo do embargante.
Cremos que não.
Na verdade, nele não se diz que o embargante fica adstrito a pagar à embargada determinada quantia. Aliás, nos termos do mesmo acordo, qualquer das partes se pode constituir devedor da outra.
É certo que sendo o embargante o titular do plano de reforma mais vultuoso seria em abstrato devedor da embargada cujo plano de reforma é substancialmente inferior.
Porém, no acordo se consagra, como vimos, que cada um dos outorgantes possa pedir à seguradora do outro metade do valor do plano de reforma, o que, só por si, gera controvérsia acerca da (in) existência de qualquer dívida do embargante à embargada e, bem assim, do seu valor.
O documento particular, para valer como título executivo deverá revelar-se suficiente para demonstrar a obrigação exequenda, i.e. sem carecer de outra indagação ou demonstração complementar para além das diligências liminares contempladas nos artigos 713º a 716º do CPC.
“O título executivo contém em si, com o grau de segurança suficiente, o acertamento do direito, de tal modo que, por princípio, a coberto desse título e sem necessidade de outras indagações, haverá de ser desenvolvida a actividade processual adequada a obter o pagamento da quantia exequenda (…)1”
Efectivamente, a suficiência do título pressupõe que dele conste a obrigação exequenda sendo a sua existência por ele presumida, o que significa que o mesmo tem de constituir instrumento probatório suficiente da existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
No caso, tal não sucede, como é notório, desconhecendo-se que quantia é afinal devida e por quem.
O título executivo é uma condição necessária à instauração de uma execução.
O que significa que não dispondo o credor de um título executivo terá de previamente propor uma acção declarativa tendente a obter o reconhecimento da existência do seu direito de crédito e a condenação do devedor a satisfazê-la.
Uma vez que o documento junto ao requerimento inicial da execução não constitui título executivo relativamente à quantia exequenda, isto significa que ocorre a inexistência do título impeditiva do prosseguimento da execução.
Por conseguinte, nada mais resta do que, face à constatação da inexequibilidade do documento dado à execução, julgar procedentes os embargos (art.729º, al. a), ex vi do art.731º, ambos do CPC) e, por consequência, extinta a execução, o que se decide.
Fica naturalmente prejudicada a apreciação das demais questões colocadas no recurso.
III. DECISÃO
Por todo o exposto, na procedência do recurso interposto da sentença proferida nos embargos, acorda-se em julgar extinta a execução para pagamento de quantia certa movida por BB contra AA face à inexequibilidade do título.
Custas pela apelada.
Évora, 25 de Junho de 2015
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Ana Pessoa
Manuel Bargado
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1. Assim, A.Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. Sousa in CPC , anotado, Vol.II, 2ª ed., pag.15.↩︎