ACÇÃO SUB-ROGATÓRIA
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
PROCESSO COMUM
ACÇÃO EXECUTIVA
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
A acção sub-rogatória de aceitação de herança, prevista no artigo 1041º do Código de Processo Civil, e destinada ao exercício da faculdade consagrada no artigo 2067º do Código Civil, é uma acção declarativa, que deve seguir a forma de processo comum, não tendo que ser instaurada por apenso à acção executiva pendente.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 1112/24.0T8FAR.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Sotavento Algarvio, Crl., intentou contra AA e BB acção declarativa, sob a forma de processo comum, na qual peticionou que:

a. A autora seja declarada a aceitante das heranças abertas por óbitos de CC, ocorrido a .../.../2014, de DD, ocorrido a .../.../2018, e de EE, ocorrido a .../.../2020, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA, nos termos do disposto nos art.ºs 2067º e 606º do Código Civil;

b. Os réus sejam condenados a reconhecer que AA deve à autora o montante total de 168.386,05€;

c. Os réus sejam condenados a reconhecer a autora como aceitante das heranças abertas pelos óbitos de CC, DD e EE, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA e o direito da autora de ver satisfeito o seu direito de crédito à custa dos bens que compõem os quinhões hereditários.

2. Para tanto, alegou, em síntese, as vicissitudes ocorridas no âmbito da acção executiva que instaurou contra os aqui RR., e Berna & Boston, Construções, Lda., e FF, invocando, no que para o caso interessa, serem os executados devedores da quantia de € 168.386,05, que em relação à sociedade a probabilidade de recuperação de qualquer quantia é nula, dado que se encontra insolvente e o processo ter sido encerrado em virtude de não ter sido apresentado qualquer bem para integrar a massa insolvente, sendo que, em relação ao executado FF, o valor que vier a ser obtido pela venda do quinhão hereditário penhorado será exíguo, face ao valor da dívida, não se conhecendo outros bens, pelo que se mostra necessária a presente acção para aceitação, por sub-rogação, do quinhão hereditário do executado AA, na herança aberta por óbito de CC, de DD e de EE, que o executado, aqui R., repudiou, convocando o disposto nos artigos 2067º e 606º do Código Civil, e 1041º do Código de Processo Civil.


3. Por despacho ref.ª 131806614, foi indeferida liminarmente a petição inicial, por incompetência material do Juízo Central Cível onde foi proposta a acção, para conhecer do pedido formulado, com os fundamentos seguintes:

«(…) Verifica-se a incompetência material deste Tribunal para conhecer da causa.

Efectivamente, face aos pedidos formulados nos autos, resulta que a autora pretende ser declarada aceitante das heranças de CC, de DD e de EE, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA, do qual é credora, com direito a ver satisfeito o seu crédito à custa dos bens que compõem os quinhões hereditários.

Conforme a autora reconhecesse no articulado inicial (artºs 59.º e 66.º da petição inicial), face aos pedidos formulados, encontra-se em causa uma acção sub-rogatória, a qual segue a forma de processo de jurisdição voluntária, prevista nos artºs 1041.º e seguintes do Código de Processo Civil, que se insere no âmbito dos processos especiais, previstos nos artºs 878.º e ss do citado diploma.

Este Juízo Central Cível apenas possui competência para a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000,00 (art.º 117.º, n.º1, al.a) da Lei n.º 62/2013, de 26.08, alterada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22.12- Lei da Organização do Sistema Judiciário- LOSJ).

Assim sendo, nos termos do disposto nos artºs 117.º e 130.º da citada Lei da Organização do Sistema Judiciário- LOSJ, por se tratar de processo especial a competência para a sua tramitação caberá ao Juízo Local Cível.

Pelo exposto, declaro este Juízo Central Cível de Faro materialmente incompetente para conhecer da presente acção sub-rogatória (artºs 64.º, 65.º, 96.º, al. a), 97.º, 98.º, 99.º e 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, artºs 40.º, 80.º, 117.º e 188.º da LOSJ e mapas anexos ao DL 86/2016, de 27.12 que regulamenta a LOSJ).

E ao abrigo dos citados preceitos legais, indefiro liminarmente a petição inicial, por este Juízo Central Cível ser materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado.»

4. Inconformada, recorreu a A., pedindo a revogação do despacho recorrido e o prosseguimento dos autos, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das respectivas conclusões do recurso]:


45. A Recorrente intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro, uma acção sub-rogatória ao abrigo dos artigos 1041º do CPC e 2067º e 606º do CC, peticionando que os Réus fossem condenados a reconhecer o crédito que a mesma detém sobre AA no montante de 168.386,05€, bem como que os réus fossem condenados a reconhecer a autora como aceitante das heranças abertas pelos óbitos de CC, DD e EE, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA e o direito da autora de ver satisfeito o seu direito de crédito à custa dos bens que compõem os quinhões hereditários.


46. A referida acção foi intentada no Juízo Central Cível de Faro, dado que segue a forma de processo comum e tem um valor superior a 50.000,00€ (neste caso, de 168.386,05€).


47. Por sentença emanada a 03/04/2024, a Mma. Juiz indeferiu liminarmente a petição inicial, por considerar que o Juízo Central Cível é materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado.


48. A Mma. Juiz determinou que, como estamos perante uma acção sub-rogatória, esta deveria seguir a forma de processo especial, por a mesma se encontrar prevista no capítulo atinente aos processos de jurisdição voluntária (art. 1041º do CPC), pertencendo a competência material, nesse caso, ao Juízo Local Cível, ao abrigo dos artigos 117º e 130º da LOSJ.


49. Todavia, embora o art. 1041º do CPC, normativo no qual a Recorrente se baseou para efectuar o pedido, se insira no capítulo dedicado aos processos de jurisdição voluntária, a verdade é que é o próprio preceito que determina que a acção deve seguir a forma comum.


50. Sendo certo que o legislador apenas colocou o referido preceito no capítulo da “Herança Jacente”, inserta nos processos de jurisdição voluntária, porque a temática é (aparentemente) similar, dado também se tratar de uma aceitação da herança.


Vejamos,


51. O artigo 1041º, nº 1 do CPC prescreve que «A aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio».


52. Repare-se que ao passo que os pedidos baseados nos artigos 1039º e 1040º do CPC, respeitantes à declaração de aceitação ou repúdio da herança jacente por parte dos herdeiros, seguem, de facto, a forma de processo de jurisdição voluntária, os pedidos baseados no art. 1041º (como é o do caso dos presentes autos) não.


53. O legislador, para afastar a aplicação da forma de processo de jurisdição voluntária nas acções sub-rogatórias (previstas no art. 1041º), introduziu expressamente no normativo que a acção deve ser intentada através dos “meios próprios”.


54. Assim, a intenção do legislador foi manifestamente clarificar que a acção sub-rogatória segue a forma de processo comum, pois, caso contrário, a expressão “pelos meios próprios” seria desnecessária ou dispensável.


55. Nesse sentido, como (de certa forma) são temas relacionados, o legislador inseriu também o art. 1041º concernente à acção sub-rogatória naquele capítulo, mas fazendo a ressalva de que a mesma deve ser intentada pelos meios próprios (forma de processo comum), contrariamente ao outro normativo.


56. Com a expressão “pelos meios próprios”, o legislador também nos remete para a forma de processo que se aplica às acções de sub-rogação previstas nos artigos 606º e ss. do Código Civil (as ditas “típicas” acções de sub-rogação), as quais seguem a forma de processo comum.


57. O próprio artigo 2067º, nº 1 do Código Civil prescreve que “os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos artigos 606º e seguintes”, fazendo uma clara remissão para o regime geral da sub-rogação.


58. Assim, não faria sentido que a acção sub-rogatória prevista no artigo 2067º do CC (que nos remete para o regime geral) seguisse uma forma de processo completamente distinta das acções sub-rogatórias previstas nos artigos 606º e ss. do CC.


59. Ainda para mais quando, na verdade, ambas as acções têm os mesmos pressupostos de procedência, isto é, o sucesso das mesmas encontra-se dependente das mesmas condições, são elas a prova da existência do crédito e de que a sub-rogação se afigura indispensável à satisfação do direito do credor.


60. A única diferença é que na acção sub-rogatória (do art. 1041º do CPC) apenas tem de se acrescentar a existência de um repúdio efectuado pelo herdeiro.


61. De modo que é absurdo cogitar que estes 2 tipos de acções sub-rogatórias (que assentam nos exactos mesmos pressupostos) deveriam seguir formas de processo completamente díspares.


62. Ainda por cima, encontra-se em causa a forma de processo de jurisdição voluntária que, como sabemos, segue regras processuais muito específicas, previstas nos artigos 986 e ss. do CPC, designadamente o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, apenas sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (sobrepondo-se o princípio do inquisitório ao princípio do dispositivo), prevalência da equidade sobre a legalidade estrita (ou seja, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna), a não obrigatoriedade de constituição de advogado, entre outras.


63. Ora, seria completamente incompreensível que a acção sub-rogatória intentada pela Recorrente (em tudo semelhante às acções sub-rogatórias ditas “vulgares”) seguisse estas directrizes.


64. Não faz qualquer sentido que o Mm. Juiz, na presente acção, se possa guiar por princípios de equidade, afastando o direito que seria aplicável aos factos alegados.


65. Assim que a única solução plausível é que o legislador pretendeu que a acção sub-rogatória prevista no art. 1041º do CPC e inserida no capítulo dos processos de jurisdição voluntária, seguisse a forma de processo comum, tal como acontece com todas as restantes acções de sub-rogação.


66. Para o efeito, o legislador introduziu no normativo em causa a expressão “pelos meios próprios”, para que não sobejasse qualquer dúvida.


67. Por outro lado, se incerteza ainda houvesse (o que não se aceita), o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt) , datado de 24/04/2007, com o nº de processo 48/2007-4, cujo relator é José Ferreira, dissipou toda e qualquer dúvida que restasse.


68. O supra-referido acórdão debruçou-se directamente sobre a questão da forma de processo da acção sub-rogatória em causa.


69. Vejamos o excerto relevante:


«Ora, muito embora o mencionado art. 1469º do Cod. Proc. Civil se mostre inserido nas normas atinentes ao processo especial de jurisdição voluntária relativo à herança jacente, a chamada acção sub-rogatória de aceitação de herança aí prevista, não segue, propriamente, os trâmites dos processos de jurisdição voluntária, mas insere-se nos trâmites da acção a que ali se faz referência, a qual, naturalmente, seguirá os termos do processo comum. É o que resulta do n.º 1 daquele preceito.»


70. Como se pode verificar, o Douto Tribunal declarou inequivocamente que a acção sub-rogatória (prevista no art. 1469º do CPC anterior a 2013, que corresponde ao art. 1041º do CPC actual) segue a forma de processo comum, não obstante se encontrar inserida no capítulo dos processos de jurisdição voluntária.


71. Além disso, após uma profunda pesquisa de jurisprudência, a Recorrente aferiu que os pedidos baseados no art. 1041º do CPC se têm efectuado todos ao abrigo de processos sob a forma comum, invocando-se os seguintes:


1) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (dgsi.pt), datado de 11/01/2006, relativo ao processo nº 2365/05-1, cuja relatora é Rosa Tching;


2) Acórdão do Tribunal da Relação do Tribunal da Relação do Porto, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (dgsi.pt), datado de 17/06/2013, relativo ao processo nº 441/11.8TBOAZ.P1, cujo relator é Luís Lameiras;


3) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (dgsi.pt) , datado de 14/03/2019, relativo ao processo nº 2059/17.2T8VCT.G1, cujo relatora é Maria Purificação Carvalho;


4) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21/05/2019, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (dgsi.pt), relativo ao processo nº 324/18.0T8LMG.C1, cujo relator é Emídio Santos;


5) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 24/03/2022, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (mj.pt), relativo ao processo nº 80/20.2T8ALJ.G1, cujo relator é José Cravo;


6) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14/03/2023, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (dgsi.pt), relativo ao processo nº 746/21.0T8GRD.C1, cuja relatora é Helena Melo;


7) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14/03/2024, disponível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt), relativo ao processo nº 249/19.2T8FTR.E1.S1, cujo relator é Afonso Henrique.


72. Ora, como se pôde aferir através dos acórdãos supramencionados, a acção-sub-rogatória prevista no art. 1041 do CPC tem sido intentada invariavelmente sob a forma de processo comum.


73. Inclusivamente, no último acórdão, a acção foi intentada por um Dig. Magistrado do Ministério Público como processo especial, porém o douto Tribunal converteu-o em processo sob a forma comum.


74. Além de que, no último acórdão evocado, podemos apreciar um caso em que é abordada a questão da competência material do Tribunal e em que o Mm. Juiz converte a acção intentada sob a forma de processo especial em processo sob a forma comum, ao abrigo dos artigos 212º, 1º e 546.º, nº 1, “a contrario”, ambos do CPC, remetendo os autos para o competente Juízo Central.


75. Todos estes acórdãos conferem razão à Recorrente.


76. Afigura-se absolutamente unânime na jurisprudência que a acção sub-rogatória prevista no art. 1041º do CPC segue a forma de processo comum.


77. Acresce que, no próprio site oficial do Diário da República, disponível em Acção sub-rogatória (processo civil) | DR (diariodarepublica.pt), sob o título “Acção sub-rogatória” encontra-se estipulado o seguinte:


(…)


80. Concluindo, a acção sub-rogatória prevista no artigo 1041º do CPC segue a forma de processo comum, pelo que, como, neste caso, tem um valor superior a 50.000,00€, o tribunal competente para a conhecer é, sem dúvida, o Juízo Central Cível, ao abrigo do artigo 117º, nº 1, alínea a) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).


81. A sentença recorrida viola as disposições normativas previstas no art. 548º do CPC e o art. 117º, nº 1, alínea a) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), devendo, por isso, ser revogada.


5. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, tendo sido dado cumprimento ao disposto no nº 7 do artigo 641º do Código de Processo Civil.


6. Citados os RR., apresentaram contra-alegações, sustentando a declaração de incompetência do Tribunal a quo, mas por entenderem que a acção devia ter sido instaurada por apenso à acção executiva a que a A. alude na petição inicial.


Por despacho do relator, foi determinado o cumprimento do contraditório quanto a esta questão.


7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, a questão essencial a decidir consiste em aferir da competência material do tribunal para conhecer dos pedidos formulados pela A., no âmbito da acção sub-rogatória prevista no artigo 1041º do Código de Processo Civil.


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


Com interesse para a decisão do recurso releva a factualidade que emerge das ocorrências processuais a que se reporta o relato dos autos.


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B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. No caso em apreço, a A., enquanto credora do repudiante, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro, uma acção declarativa, com processo comum, peticionando que os RR. fossem condenados a reconhecer o crédito que a mesma detém sobre AA no montante de 168.386,05€, e a reconhecer a A. como aceitante das heranças abertas pelos óbitos de CC, DD e EE, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA, e o direito da A. de ver satisfeito o seu direito de crédito à custa dos bens que compõem os quinhões hereditários.


O direito de sub-rogação invocado funda-se na norma do artigo 2067º do Código Civil, que, sob a epígrafe “Sub-rogação dos credores”, prevê:


«1. Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos artigos 606.º e seguintes.


2. A aceitação deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio.


3. Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a este, mas aos herdeiros imediatos.»


E a acção sub-rogatória de aceitação da herança encontra-se prevista e regulada no artigo 1041º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “[a]aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio.” (n.º 1), acrescentando-se no n.º 2, que “[o]btida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança”.


Na sentença entendeu-se que esta acção seguia os termos do processo especial, e não o processo comum, não sendo competente para a apreciar o juízo Central Cível, mas sim o Juízo Local Cível, em face do disposto nos artigos 117º e 130º da LOSJ.


Em apreciação no recurso, em face das conclusões que o delimitam, está, pois, a questão de saber se a acção sub-rogatória prevista no artigo 1041º do Código de Processo Civil segue os termos do processo comum declarativo ou a forma de processo de processo especial (dada a sua integração sistemática nos processos de jurisdição voluntária, inseridos no âmbito dos processos especiais), o que é determinante para aferição da competência material do tribunal.


2. A questão não é nova, como dá nota a recorrente, referindo a propósito os arestos que indica na conclusão 71., os quais, embora não tivessem por objecto a questão em apreço, recaíram sobre acções com processo declarativo comum, e, bem assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/04/2007 (proc. n.º 48/2007-4), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt, onde se entendeu, com referência ao então artigo 1669º do Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 1041º do actual código, que:


«…, muito embora o mencionado art. 1469º do Cod. Proc. Civil se mostre inserido nas normas atinentes ao processo especial de jurisdição voluntária relativo à herança jacente, a chamada acção sub-rogatória de aceitação de herança aí prevista, não segue, propriamente, os trâmites dos processos de jurisdição voluntária, mas insere-se nos trâmites da acção a que ali se faz referência, a qual, naturalmente, seguirá os termos do processo comum. É o que resulta do n.º 1 daquele preceito.


Na verdade, o que, efectivamente, se infere daquele normativo legal, é que o legislador permite que o credor do repudiante da herança, pretendendo salvaguardar, tanto quanto possível, a garantia de satisfação dos seus créditos, deduza contra este, pelos meios próprios, uma acção em que formule o pedido dos seus créditos e, do mesmo passo, nela formule a aceitação da herança por aquele repudiada, de forma que a sentença a obter constitua título executivo também contra a herança por ele rejeitada. Com efeito, o que se pretende com aquele normativo, é criar um título executivo que possa ser pago também através dos bens que, porventura, integrem a herança repudiada e que sejam necessários à satisfação do crédito judicialmente reconhecido e declarado.»


E idêntico entendimento quanto à forma do processo foi adoptado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/05/2024 (proc. n.º 2199/22.6T8LRS-A.L1-7), no qual se conclui que:


«I - A acção sub-rogatória de aceitação de herança, prevista no art.º 1041º do Código de Processo Civil e destinada ao exercício da faculdade consagrada no art.º 2067º do Código Civil é uma acção declarativa que deve seguir a forma de processo comum de declaração.»


3. Pronunciando-se sobre a matéria da acção sub-rogatória em causa, ainda à luz da anterior norma do Código de Processo Civil, sustentou Carvalho Fernandes (Da aceitação da herança pelos credores do repudiante, Quid Juris, 2010, pp. 85-86.4) que: “a) se tratar de crédito beneficiário de direito real de garantia sobre bens já penhorados, o meio próprio para o exercer é a acção executiva movida por credores da herança repudiada ou dos herdeiros subsequentes (…); b) se tiver havido declaração de insolvência do repudiante, o meio próprio para invocar o crédito é o processo de insolvência (…); c) se, entretanto, o repudiante tiver falecido e estiver em curso inventário relativo à sua herança, é este o meio próprio para os credores reclamarem os seus créditos(…)


Não ocorrendo qualquer destes casos, ou outros com meios processuais específicos, a acção declarativa de condenação apresenta-se como meio próprio.”


E, em anotação ao citado artigo 1041º do Código de Processo Civil, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina 2020, pág. 484):


“1. Este preceito adjectiva o art.º 2067º do CC, segundo o qual os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome do repudiante, nos termos dos arts. 606º e ss. do CC. Permite-se, assim, uma intromissão anómala dos credores no sucessório, prevendo-se uma sub-rogação do repudiante no direito de aceitação da herança até ao limite dos seus créditos. (…)


2. Apesar de o nº 1 deste art.º 1041º fazer uma remissão genérica para os termos próprios a que os credores do repudiante devem recorrer, а асеitação da herança deve ser feita em acção declarativa de condenação em processo comum (cf. Carvalho Fernandes, Da Aceitação da Herança pelos Credores do Repudiante, pp. 82-88.”


4. Deste modo, à semelhança do decidido nos citados arestos, entende-se que, a acção sub-rogatória de aceitação de herança, prevista no artigo 1041º do Código de Processo Civil, e destinada ao exercício da faculdade consagrada no artigo 2067º do Código Civil, é uma acção declarativa que deve seguir a forma de processo comum de declaração.


Porém, os recorridos, nas contra-alegações, suscitaram a questão de a incompetência do Juízo Central Cível resultar do facto de a acção sub-rogatória prevista no artigo 1041º do Código de Processo Civil, quando intentada no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa, ser da competência dos juízos de execução, por via da extensão de competência prevista no artigo 91º, n.º 1, do Código de Processo Civil [“O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”], invocando o decidido quanto a esta questão no já citado aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/05/2024.


De facto, neste aresto concluiu-se que:«[n]a pendência de acção executiva, tendo o executado renunciado a uma herança, pode o exequente deduzir acção de sub-rogação contra os herdeiros, por apenso aos autos de execução», e que «[n]as circunstâncias referidas …, o Juízo de Execução é competente, em razão da matéria, para tramitar e julgar a acção sub-rogatória – arts. 91º do CPC e 129º, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário», invocando-se a este respeito:

«… como bem aponta Isabel Alexandre [Acção sub-rogatória (artigos 606.º a 609.º do Código Civil), in “Código Civil - Livro do cinquentenário”, vol. I, Almedina, 2019, pp. 695-730.cial pp. 712-719], quando intentada no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa (por apenso à mesma) a acção de sub-rogação prevista no art.º 1041º do CPC constitui um verdadeiro incidente da acção executiva.

Ora, dispõe o art.º 91º, nº 1 do CPC que “O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”.

Este preceito opera, assim, uma extensão da competência.

Do referido preceito decorre, pois, que quando intentada por apenso a acção executiva, nos termos atrás descritos por Isabel Alexandre, haverá que conclui que o juízo de execução é competente para apreciar e julgar a acção sub-rogatória, nos termos conjugados dos arts. 91º do CPC e 129º, nº 1 da LOSJ.

Em sentido aproximado, admitindo a propositura de acção declarativa de sub-rogação de herança por apenso a execução para pagamento de quantia certa, embora sem se pronunciarem expressamente sobre a questão da competência material, vd. acs. RE 06-10-2005 (Maria Alexandra Santos), p. 44/05-3; RG 13-02-2020 (Paulo Reis), p. 9/03.2TBAVVD-D.G1»

5. Sucede, porém, que a situação em análise no citado aresto, não é igual à aqui em apreciação, pois, embora em ambos os processos a acção sub-rogatória tenha sido instaurada na pendência de acção executiva, no caso em apreço, a acção sub-rogatória não foi instaurada por apenso à execução, pelo que não se coloca aqui a questão de saber se, instaurada por apenso, o tribunal da execução é, ou não, competente para apreciação da acção sub-rogatória.


Acresce que, no citado aresto, também não se decidiu que a acção sub-rogatória, deduzida na pendência de acção executiva, tem que ser intentada por apenso ao processo executivo, mas, sim, que na pendência da acção executiva, pode o exequente deduzir acção sub-rogatória, por apenso à execução, sendo, então, competente para a apreciar o Juízo de execução, por via da extensão de competência prevista no citado n.º 1, do artigo 91º do Código de Processo Civil.


Ou seja, trata-se de “competência por extensão”, prevista para o caso de estarem em apreciação questões incidentais.


Porém, salvo o devido respeito, não se nos afigura que a acção sub-rogatória, prevista no artigo 1041º do Código de Processo Civil, como verdadeira acção declarativa, com processo comum, que é, possa ser tida como incidente da acção executiva pendente, a demandar a obrigatoriedade de ser instaurada por apenso ao processo executivo.


Assim, e não havendo norma expressa que tal imponha, e sendo o valor da causa superior a € 50.000,00, a competência para a apreciação da mesma está deferida ao Juízo Central Cível, onde foi instaurada a acção (cfr. artigo 117.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário- LOSJ).


6. Deste modo, procede a apelação, com a consequente revogação do despacho de indeferimento liminar, e o prosseguimento da acção.


As custas ficam a cargo dos apelados, nos termos do artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.


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C) – Sumário […]


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido.


Custas a cargo dos Apelados.


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Évora, 25 de Junho de 2025


Francisco Xavier


José António Moita


Maria Adelaide Domingos


(documento com assinatura electrónica)