INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
DÚVIDA FUNDAMENTADA
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
Ocorrendo, na sequência da contestação apresentada pelo réu, dúvida fundamentada quanto ao titular passivo da relação material controvertida, assiste ao autor o direito de chamar à demanda o terceiro contra quem pretenda dirigir subsidiariamente o pedido, ao abrigo do disposto nos artigos 316º, nº 2, e 39º do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 1920/23.0T8LLE-A.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Loyola Portugal, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação da R. no pagamento à A. da quantia global de € 14.470,00, sendo € 10.000,00 por danos não patrimoniais, e € 4.470,00 por danos patrimoniais, e o custo dos tratamento que ainda tenha que vir a realizar, a liquidar oportunamente, bem como os juros legais a contar da citação.


2. Para tanto, alegou, em síntese, que a R. é uma sociedade comercial dona do restaurante denominado B..., sito na Praia do ..., em Local 1, e que, na qualidade de cliente, a autora sofreu danos corporais quando se encontrava no restaurante, pois, ao dirigir-se à casa de banho, não se percebeu da porta de vidro que dá acesso àquele local [pelo facto de a mesma ser de vidro transparente, não ter qualquer sinal ou marcas de ... no painel de vidro e ser a primeira vez que a A. ali se deslocava], embateu nela, ferindo-se, tendo necessitado de vários tratamentos.


3. Na contestação, a R. alegou a sua ilegitimidade, alegando que não é, nem era, à data do sinistro, dona nem titular da exploração do estabelecimento denominado “B...”, referindo que a sociedade titular da exploração do restaurante denomina-se Investarância, S.A., desde 2019, e que o gerente da ora R. é administrador da sociedade Investarância, SA., sendo a R. e esta sociedade entidades totalmente distintas.


4. Na sequência do alegado na contestação, veio a A. deduzir incidente de intervenção de principal provocada, requerendo o chamamento aos autos, a título subsidiário, da Sociedade Investarância, S.A., invocando desconhecer se os factos alegados na contestação são verdadeiros e haver dúvida sobre o sujeito da relação material controvertida.


A R. deduziu oposição ao incidente de intervenção provocada de terceiros, por considerar que não se está perante uma situação de litisconsórcio passivo, mas de ilegitimidade singular, que constitui uma excepção insuprível.


5. Por despacho de 20/10/2024 (ref.ª Citius 133803979) não se admitiu o incidente de intervenção provocada, com os fundamentos seguintes:

«(…), o próprio autor pode chamar a intervir alguém, seja na posição de autor, seja na posição de réu. E este pode chamar a intervir alguém em posição paralela à sua ou à do autor.

O requerente da intervenção deve alegar e justificar, sem possibilidade de apresentação de prova, a legitimidade do chamando e que ele está, face à causa principal, em alguma das situações previstas no artigo 311º do Código do Processo Civil.

Como a intervenção principal provocada pressupõe que o chamado e a parte, à qual pretende associar-se, tenham interesse igual na causa, não é de admitir a intervenção apenas destinada a prevenir a hipótese de a parte primitiva não ser titular do interesse invocado.

Por outro lado, como refere SALVADOR DA COSTA, “a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio” [Os Incidentes da Instância, Coimbra, 1999, p. 104].

Nos termos do artigo 33.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, o litisconsórcio diz-se necessário quando a lei ou o negócio jurídico exigir a intervenção de todos os interessados na relação material controvertida.

Além dos casos em que o litisconsórcio necessário imposto por lei ou por negócio jurídico existe ainda outra circunstância em que, pela própria natureza da relação jurídica, se torna necessária a intervenção de todos os sujeitos, sob pena de ilegitimidade (artigo 33.º, n.º 2 do Código do Processo Civil). A decisão produz o seu efeito útil normal quando regula definitivamente a situação concreta que foi submetida à apreciação do tribunal. Trata-se por conseguinte das acções em que, não intervindo todos os interessados na relação plural controvertida, a decisão que viesse a ser proferida, a menos que se violasse frontalmente o princípio básico da relatividade do caso julgado que a lei pretende e deve respeitar, não produziria nenhum efeito útil. Estão pois, incluídas no âmbito do litisconsórcio necessário as relações jurídicas indivisíveis por natureza, as quais têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os interessados. A decisão que fosse proferida sem a presença de todos os interessados não produziria um efeito útil normal. Pretende-se evitar que sejam proferidas decisões que venham praticamente a ser inutilizadas por outras proferidas em face dos restantes interessados, o que acontece sempre que, pela natureza da relação jurídica, não possam ser reguladas definitivamente as posições de alguns sem que sejam reguladas as posições de todos.

No caso em apreço, a autora veio propor acção contra a ré por considerar que a mesma é a proprietária e exploradora do Restaurante B..., onde ocorreu o sinistro. Em face dos factos alegados pela ré, vem então requerer o chamamento da Sociedade Investarância, S.A., caso se prove que a primeira ré não é a exploradora do estabelecimento.

Em face do exposto, não se vislumbra como poderá existir uma situação de litisconsórcio entre a actual ré e Investarância, S.A..

Não estão assim verificados os pressupostos para que possa ser admitida a intervenção principal provocada da referida sociedade.

(…)

E ainda que se possa conceber que, por vezes, pode não ser possível à parte identificar correctamente o titular passivo da relação material controvertida, a mesma deve fundamentar a sua dúvida – cabe ao autor, previamente à instauração do processo, desenvolver as diligências necessárias à identificação correcta dos titulares da relação jurídica litigada – “não pode ser feito um uso abusivo desta hipótese de demanda que, como a lei o enuncia, está reservada para os casos em que se manifesta uma dúvida fundamentada, isto é, uma dúvida objectiva que, não podendo ser imediata e seguramente ultrapassada, colida com a definição dos sujeitos da relação material controvertida. Situação bem diversa de uma dúvida meramente subjectiva ou emergente do incumprimento do dever de diligência investigatória que deve preceder a instauração de qualquer acção judicial” [ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado – Volume I, 2.ª edição, Almedina, p. 76].

Verifica-se que a autora estabeleceu contacto com a ré em momento prévio a esta acção (inclusive o seu gerente) – documento 4 junto com a Petição Inicial – mas não se verifica existir qualquer indagação por parte da autora relativamente à empresa que explora o restaurante. Além de não juntar qualquer documentação a respeito com a instauração da acção, não foi solicitado ao tribunal qualquer diligência nesse sentido.

Pelo exposto e tendo em consideração o alegado pela autora e o disposto nos documentos apresentados, não admito a requerida intervenção provocada de INVESTARÂNCIA, S.A..

Custas do incidente pelo autor – artigos 527.º e 539.º do Código de Processo Civil e artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa.»

6. Inconformada interpôs a A. recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida e a admissão da requerida intervenção de terceiros, com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões:

A. A Meritíssima Juiz a quo equivocou-se na interpretação que fez do requerimento de intervenção provocada que a autora, ora recorrente, deduziu, quando diz que a autora pretende a substituição processual da ré por outra entidade, e ao não atentar que a autora considerou, ao lado da possibilidade de uma ou outra das sociedades explorar o restaurante, a possibilidade de ambas o explorarem.

B. A autora com o seu requerimento não pretende uma substituição no lado passivo, mas sim constituir pluralidade subjectiva subsidiária passiva.

C. Não existindo um registo oficial de entidades exploradoras de restaurantes e sendo o facto ou conceito “exploração de um estabelecimento” um conceito mais de facto do que de direito, a sua confirmação está sujeita a prova, que não meramente documental.

D. Perante os elementos a que a autora pôde recorrer antes de propor a acção, em particular o e-mail do Director Geral (General Manager) do restaurante – onde por baixo do carimbo ou marca do restaurante está aposto o nome da ré (Loyola Portugal), e não o da chamada (Investarância) – era verosímil que a sociedade que detinha a exploração fosse a ré.

E. Sendo certo que integrando esse e-mail uma declaração negocial (resposta a reclamação da autora, feita através do seu marido), de que não se podem excluir os elementos informativos constantes do suporte físico da declaração, tem aplicação o art. 236, n.º 1 do Código Civil (sentido normal da declaração). Assim, o impõem o princípio da confiança e os ditames da boa-fé.

F. Perante o referido em D e E, o teor da contestação e os documentos a ela juntos ocorre dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, ou seja sobre quem detinha efectivamente a exploração do restaurante, se uma ou outra das sociedades, ou se ambas.

G. Por isso, a autora requereu a intervenção principal provocada da Investarância, formulando o seguinte pedido: “E a final, deve condenar-se a primitiva ré, a título principal, ou a interveniente, a título subsidiário, ou ambas, a pagar(em) à autora: (…)”

H. No presente caso, está em causa uma situação do litisconsórcio eventual ou subsidiário, situação prevista no art. 316, n.º 2 (2ª parte) do Código de Processo Civil, como afirma o Acórdão da Relação de Coimbra de 19/03/2021 atrás referido.

I. A intervenção do terceiro (Investarância S.A.), a título subsidiário, é permitida pelos artigos 316, n.º 2 (2ª parte) e 39 do Código de Processo Civil.

J. E visa evitar o risco de a acção prosseguir em exclusivo contra alguém que, afinal, poderá não ser o sujeito da relação controvertida, contornando os riscos decorrentes da verificação de uma ilegitimidade singular, e ao mesmo tempo permite dar concretização ao princípio da economia processual, bem como à vontade do legislador de privilegiar a decisão de mérito em detrimento da mera solução formal, afastando-se entraves processuais a dificultar de modo excessivo e desproporcionado a realização da justiça material (como paradigmaticamente se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 18/03/2024, já atrás referido).

K. Houve má interpretação do requerimento de intervenção formulado pela autora, e má interpretação e aplicação do art. 316, n.º 2 do Código de Processo Civil por parte da Meritíssima Juiz a quo.

L. Deve por isso o Despacho de 20/10/2024 ser revogado e substituído por outro que admita a intervenção principal provocada de Investarância S.A., nos termos constantes do requerimento que a autora oportunamente apresentou.


7. Contra-alegou a R., pugnando pela confirmação do despacho recorrido, porquanto entende inexistir litisconsórcio passivo entre a recorrida e a Investarância S.A., mas apenas ilegitimidade singular passiva da apelante, e que, previamente à instauração da acção, devia a A. ter-se assegurado de que indagou suficientemente a correcta identificação do R., sob pena de incumprimento do dever de investigação e diligência que deve preceder a instauração de qualquer acção judicial.


8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se deve ser admitida a requerida intervenção principal da sociedade Investarância, SA..


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais a que se reporta o relato dos autos.


*


B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. Como resulta das conclusões do recurso, a A. discorda do despacho recorrido, pois, entende que ocorre dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida, ou seja sobre quem detinha efectivamente a exploração do restaurante – se uma ou outra das sociedades, ou se ambas –, pelo que está em causa uma situação de litisconsórcio eventual ou subsidiário, devendo ser admitida a requerida intervenção de terceiro, permitida pelos artigos 316º, n.º 2 (2ª parte) e 39º, do Código de Processo Civil.


Vejamos:


2. Nos termos do artigo 316º do Código de Processo Civil (“Intervenção provocada”):


“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.


2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. (…)”


O primeiro caso de intervenção provocada – o previsto no n.º 1 do artigo 316º – cobre a situação de ilegitimidade por preterição de preterição de litisconsórcio necessário passivou ou activo (cfr. artigos 33º e 34º do Código de Processo Civil), permitindo que qualquer das partes primitivas possa requerer o chamamento de terceiro que se associe a si ou à parte contrária, para assegurar a legitimidade.


No n.º 2 daquele preceito, temos duas situações de intervenção principal provocada pelo autor:


«De um lado, promovendo o chamamento de um terceiro litisconsorte do réu inicialmente demandado, isto é, de alguém que é titular passivo da mesma relação jurídica que está na base da demanda do primitivo réu e que, por isso mesmo, poderia ter sido desde logo demandado juntamente com aquele, em regime de litisconsórcio voluntário (art. 32º). De outro lado, visando constituir pluralidade subjectiva subsidiária passiva, nos termos do art. 39º» (Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição actualizada, Almedina, pág. 388).


Conforme acrescentam os mesmos Autores (ob. e loc. cit.): «Embora esta figura seja accionável logo na petição inicial, bem pode suceder – e sucede com mais frequência – que a “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida” apenas se coloque em face do teor da contestação apresentada pelo réu inicialmente demandado. Surgindo tal dúvida, este incidente evita o risco de a acção prosseguir em exclusivo contra alguém que, afinal, poderá não ser o titular da relação controvertida. Deste modo, além de se contornarem os riscos decorrentes da verificação de uma ilegitimidade singular, aproveita-se a acção pendente para fazer valer a mesma pretensão, ainda que subsidiariamente, contra novo demandado».


3. No caso em apreço, é evidente que a requerida intervenção provocada da sociedade Investarância, SA., não tem em vista assegurar a legitimidade da R. Loyola Portugal, Unipessoal, Lda., por preterição do litisconsórcio necessário, no caso, passivo, a que se reporta o n.º 1 do artigo 316º do Código de Processo Civil, mas, sim, fazer intervir na lide terceiro contra o qual o A. pretende dirigir o pedido, ao abrigo do n.º 2 do citado artigo, que permite o chamamento nos termos do artigo 39º do Código de Processo Civil, admitindo “a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida. (sublinhado nosso)


É certo que, como decorre do principio do dispositivo e da auto responsabilidade das partes, deve o autor, previamente à instauração da acção, desenvolver as diligências necessárias à correcta identificação dos titulares da relação jurídica litigada.


Porém, como também salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Ob. cit., pág. 75-76), «[c]ircunstâncias existem que podem justificar uma opção pela pluralidade subjectiva subsidiária que tanto pode respeitar ao titular do direito invocado, como ao sujeito passivo da relação controvertida (cf. STJ 24-1-19, 1668/15, sobre o exercício do direito de defesa, confirmando RL 5-3-18, 1668/15). Tal pode justificar ainda o incidente de intervenção de terceiro (STJ 2-6-15, 505/07). (…)


Tal mecanismo dependerá, contudo, da verificação de uma situação de fundada dúvida sobre o elemento subjectivo, justificando que a pretensão possa ser deduzida em via principal por um autor e em via subsidiária por outro, para a eventualidade de aquele ser considerado parte ilegítima, ou que o autor demande um determinado réu e, precavendo-se quando à sua ilegitimidade, demande subsidiariamente outro réu (assim foi apreciado em RE 7-6-18, 2279/15, num caso de responsabilidade civil decorrente de acidente de caça). Pode envolver mesmo a dedução de um pedido por um autor ou contra um determinado réu e outro pedido subsidiário por autor ou contra réu diverso.


Detectada a indefinição do elemento subjectivo no decurso da acção, designadamente em resultado da contestação apresentada pelo réu inicialmente demandado, o mesmo mecanismo pode ser supervenientemente desencadeado pelo autor através do incidente de intervenção principal provocada previsto no art. 316º, n.º 2, situação que, no entanto, se restringe aos casos em que a “dúvida fundamentada” se verifica relativamente à identificação do sujeito passivo da relação controvertida.»


Neste sentido, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27/06/2024 (proc. n.º 3315/23.6T8BRG.G1), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt:


«…, no caso de dúvida fundada sobre o sujeito da relação material controvertida, pretende-se constituir uma pluralidade subjectiva subsidiária, isto é, o terceiro interveniente (de forma provocada) irá contrariar (tal como o primitivo réu) o pedido (o mesmo e inalterado) já formulado na acção (prevenindo a sua futura e total improcedência, por não ser afinal o dito primitivo réu o real e efectivo titular da relação material controvertida).


Com efeito, no actual CPC o chamamento do terceiro pressupõe que o autor dirija contra ele o mesmo pedido inicialmente formulado, devendo a expressão «dirigir o pedido» do n.º 2 do art.º 316.º do CPC ser objecto de «interpretação literal (o pedido agora dirigido contra o terceiro só pode ser o pedido inicialmente dirigido contra o réu).


O autor tem a possibilidade de escolher o réu contra quem em primeira linha quer dirigir o pedido único: normalmente, manterá como parte principal o réu primitivo e como parte subsidiária o terceiro por ele chamado a intervir; mas está livre de pretender que o pedido único seja apreciado a título principal contra o chamado e só subsidiariamente contra o réu primitivo» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 619). [Neste sentido Ac. da RP, de 30.10.2023, Nélson Fernandes, Processo n.º 437/23.7T8OAZ-A.P1, onde se lê que o «direito processual comum admite a figura da pluralidade subjectiva subsidiária, que visa a satisfação de um único pedido quando haja dúvida fundamentada sobre quem seja o sujeito passivo da relação jurídica em apreciação na acção». Assim, «enquanto a intervenção principal, assentando no litisconsórcio necessário ou voluntário, tem por objectivo o chamamento de uma pessoa para ocupar um lugar de comparte, ao seu par ou ao par da parte contrária, já a pluralidade subjectiva subsidiária, por sua vez, no que à parte passiva na acção diz respeito, permite que possam ser demandados (inicialmente ou mais tarde mediante incidente de intervenção) réus diversos, com vista à satisfação de um único pedido»]


Compreende-se, por isso, que se afirme que «a função reservada a este novo litisconsórcio subsidiário» é a de «obtenção pelas partes de uma sentença que resolva o problema» da dúvida objectiva dos autos sobre contra quem deverá deduzir a sua pretensão, e não de «prevenir situações de ilegitimidade, que raramente ocorrerão, face ao «critério do artigo 30.º n.º 3», do CPC, onde se lê que, na «falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor». «Trata-se, sim, de garantir a possibilidade de “sanação” da eventual improcedência, através da multiplicação das partes (…) contra as quais uma ou mais pretensões podem ser deduzidas» (Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 99)».


4. Esta é precisamente a situação invocada nos autos, em que a A., visando o apuramento da responsabilidade civil em consequência do acidente que sofreu no restaurante “B...”, demandou a R. Loyola Portugal, Unipessoal, Lda., e, verificando que, em face da contestação por esta apresentada – na qual a R. invoca que o dito restaurante é explorado pela sociedade, Investarância, SA., desde 2019, da qual o gerente da R. é administrador –, existe a dúvida fundada quanto ao titular passivo da relação material controvertida, requereu a intervenção subsidiária desta sociedade.


E não vemos que tenha havido por parte da A. negligência no apuramento do titular passivo da relação controvertida em causa, posto que verifica-se que no “grafismo” email junto a fls. 13/14, enviado ao marido da A. em 02/12/2021, e assinado por BB, enquanto “Director Geral” do “B...”, constam as denominações “B...” e “Loyola Portugal”, o que legitima a presunção de que é a sociedade R. a detentora ou a entidade exploradora do dito restaurante. Nada no dito email evidencia que a entidade responsável pela exploração daquele espaço de restauração seja a sociedade Investarância, SA., que a R. aponta na contestação.


Deste modo, e tendo em conta que os documentos juntos pela R., para prova do alegado quanto à alegada titularidade da exploração do restaurante em causa [Alvará de utilização n.º ..., emitido em nome da ..., que titula a autorização de utilização do “apoio de ... sito em Praia do ..., Unidade Balnear ..., “Beach Club”, Alvará de licença especial de ruído n.º ..., em cumprimento de despacho de 19/09/2023; e outros juntos com a resposta ao pedido de intervenção], não eram conhecidos da A., que o acidente em causa ocorreu em 03/10/2021, e que em 02/12/2021, no email de fls. 13/14, ainda constava a denominação da R. Loyola Portugal, conclui-se ser fundamentada a dúvida quanto ao titular passivo da relação material controvertida, assistindo à A. o direito de chamar à demanda o terceiro contra quem pretende dirigir subsidiariamente o pedido, nos termos dos artigos 316º, nº 2, e 39º do Código de Processo Civil.


5. Nestes termos e com tais fundamentos, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, admitindo-se a requerida intervenção provada da Sociedade Investarância, SA., contra a qual a A. pretende deduzir, subsidiariamente o pedido.


Vencida suportará a R./Apelada as custas (cfr. artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil).


*


C) – Sumário […]


*


*


*


IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, admitindo-se a requerida intervenção provada da Sociedade Investarância, SA..


Custas a cargo da Apelada.


*


Évora, 25 de Junho de 2025


Francisco Xavier


Maria Adelaide Domingos


Manuel Bargado


(documento com assinatura electrónica)