Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Sendo a função da comunicação prevista no n.º 9 do artigo 1432º do Código Civil dar a conhecer aos ausentes o conteúdo das deliberações tomadas, que também os vinculam, facilmente se compreende que a comunicação tem que ser acompanhada dos documentos anexos necessários ao entendimento das deliberações a que a acta se reporta.
II. Mas, a falta dos ditos documentos anexos, não invalida as deliberações tomadas, porque o vício não está nas deliberações, mas, sim, na comunicação, constituindo, antes, uma irregularidade desta, tendo como consequência o adiamento do início do prazo para a propositura da acção de impugnação.
III. O serviço de fornecimento de água, sendo de prestação comum a todos os condóminos, por todos tem de ser respeitado e por todos deve ser usufruído igualitariamente, não podendo um condómino proceder à instalação – ainda que no interior da respectiva fracção autónoma – de um elemento – in casu, de uma torneira de segurança , em prejuízo de outro, privando este último de ter acesso ao abastecimento de água da rede comum.
IV. A intervenção nas instalações gerais de água que integram as partes comuns do prédio, com vista a assegurar o restabelecimento do fornecimento de água de uma das fracções, configura uma intervenção de carácter urgente.
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. Cogimol – Construção e Gestão Imobiliária, Lda., intentou a acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Condomínio do Prédio sito na Rua..., representado pelo seu administrador AA, pedindo que, em consequência da procedência da acção, seja declarada:
a. A nulidade de todas as deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos de 12 de Maio de 2023, pela sua ineficácia, atendendo à falta de envio dos anexos mencionados na acta, como sua parte integrante;
b. A anulabilidade de todas as deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos, no que se refere aos Pontos I e II, por falta de apresentação por parte da Administração de pelo menos três orçamentos necessários à aprovação das obras nos Pontos I e II da Assembleia, conforme o artigo 1436, n.º 2 do Código Civil.
c. A anulabilidade de todas as deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos, no que se refere aos Pontos I e II, que careceriam de aprovação por proprietários/condóminos, que representassem pelo menos dois terços do valor total do prédio, por força do disposto do artigo n.º 1425, n.º 1 do Código Civil.
d. A nulidade de todas as deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos, pela falsidade de declarações e informações prestada à Assembleia e aos condóminos.
2. Para tanto, alegou, em síntese, que é condómina do condomínio réu, tendo sido realizada uma Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos no dia 12 de Maio de 2023, na qual não esteve presente, nem votou a favor, e que foi notificada da acta da assembleia, desacompanhada dos anexos nela referidos, o que lhe impossibilita o conhecimento completo das deliberações. Apontou ainda vícios das deliberações propriamente ditas, bem como a não correspondência com a verdade de informações vertidas pelo administrador na dita assembleia.
3. Citado, o réu contestou, em síntese, reputando válidas as deliberações tomadas e concluindo pela improcedência da acção.
4. Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho a fixar o valor da acção, despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, sem reclamações.
5. Teve lugar a audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e em consequência:
a. Declarar a nulidade do ponto um da deliberação da assembleia geral de condóminos do réu reunida em 12 de Maio de 2023 – (onde se mandatou o administrador para implementar todas as acções técnicas necessárias para assegurar o restabelecimento do fornecimento de água à fracção "T", imputando todos os custos ao condómino responsável, bem como a petição judicial de todas as compensações que posam resultar desta situação) – na parte onde determina imputar todos os custos ao condómino responsável.
b. Absolver o réu do demais peticionado.
6. Inconformada, recorreu a A., nos termos e com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões:
1. A Recorrente considera incorrectamente julgado o constante nos pontos A. e B. dos não factos provados, pois o Tribunal a quo não colheu com segurança toda a prova produzida, designadamente as declarações do Representante da Recorrente e das testemunhas BB e CC.
2. Face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, houve da parte do Tribunal a quo, uma má ou incorrecta apreciação da prova, salvo o devido respeito.
3. Deu o Tribunal a quo como não provado que “no referido em 7) os termoacumuladores das fracções autónomas de alguns dos condóminos foram instalados pela administração de condomínio à data em funções, alterando a rede de água fria, quente e retorno, contrariamente ao que estava no projecto inicial.”, assim como “o referido em 8) foi criado pela administração do condomínio em funções em 2012, devido à alteração efectuada na rede de águas, que alterou a rede de águas fria, quente e retorno, obras essas que permitiram à anterior administração fazer uma “puxada” de água da fracção “AD” para a fracção “T”; não tendo o referido em 8) sido causado pela colocação de torneiras de segurança numa das fracções da Autora”.
4. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo através da prova produzida, poderia ter concluído que a causa da fracção “T” ficar sem abastecimento de água, deve-se ao facto da anterior Administração do Recorrido em 2012, ter feito obras ilegais na rede de águas, alterando por completo o fornecimento da água do Edifício, como estava inicialmente aquando da sua construção e conforme o projecto das águas aprovado pela Câmara Municipal de Local 1.
5. Tendo em conta a prova produzida ao logo do processo, bem como, os depoimentos prestados pelo Representante da Recorrente na sessão de 30/04/2024, da audiência final entre as 15h40 e as 16h08 (cfr. depoimento prestado entre o minuto 01:48 a 04:47; entre o minuto 06:25 a 09:49) e pelo depoimento das testemunhas BB, ouvido na sessão de 30/04/2024 da audiência final entre as 15h40 e as 16h08 (cfr. depoimento prestado entre o minuto 02:19 a 05:24) e CC, ouvido na sessão de 30/04/2024 da audiência final entre as 14:41 e as 15h06 (cfr. depoimento prestado entre o minuto 01:16 a 06:26; entre o minuto 07:54 a 11:16 e entre o minuto 14:43 a 21:21), entende a Recorrente que deviam ter sido considerados como provado os pontos A e B, dos factos não provados da douta sentença recorrida.
6. A Mma. Juiz a quo não fez uma valoração correcta da prova, uma vez que em termos objectivos e factuais não se conhecem as verdadeiras razões que resultaram no corte do fornecimento de água da fracção “T”, nem ficou provado, sem qualquer dúvida, que esse corte no fornecimento de água dessa fracção advenha do fecho das torneiras de segurança da fracção “AD”.
7. Contudo, toda a prova produzida em audiência de julgamento, assim como da prova já junta ao processo, só poderia resultar demonstrado que tiveram de ser realizadas obras ilegais em 2012, pela anterior Administração do Recorrido, dado que não foram aprovadas em Assembleia Geral de Condóminos e à revelia de qualquer aprovação na Câmara Municipal de Local 1, já que as mesmas alteravam o projecto inicial de águas do Edifício.
8. Ora conforme o testemunho do Representante da Recorrente, entende-se que no ano de 2012, existiu uma intervenção nas redes de água, ficando apenas a funcionar a rede de água fria, sendo que essa intervenção não foi realizada por ele.
9. Em 2012 os apartamentos da Recorrente, ficaram sem água quente, durante dois anos, conforme aqui abordado pelos depoimentos do Representante da Recorrente e pela testemunha BB, o que prova efectivamente que existiu uma intervenção ilegal na rede de águas, pela qual a Recorrente não é responsável, pois não foi quem realizou tal intervenção, nem a mandou realizar, tendo sido visto o anterior Administrado do Recorrido a supervisionar as referidas obras.
10. Essa alteração na rede de águas, teve como consequência gerar um corte para outras fracções, o que aliás não pode ser considerado como provado que a fracção “T” fica sem água, devido ao fecho das torneiras de segurança da fracção da Recorrente, dado que ainda não houve qualquer inspecção adequada ao local que comprove esta “teoria”.
11. O Tribunal a quo nem questionou como é que o Recorrido sabia que o problema da falta de água na fracção “T” provinha da fracção anterior, ou seja, da fracção do Recorrente, ficando em suspenso como é que o Administrador do Recorrido sabia verdadeiramente que o problema da falta da água, não seria um problema da suposta rede autónoma que deveria existir, como foi projectado aquando da construção do Edifício.
12. Aliás, pelo depoimento do Representante da Recorrente, entende-se que caso não tivesse existido esta intervenção, alterando o projecto inicial de construção (feito pela Recorrente) esta situação não poderia acontecer, ou seja não existiria qualquer corte de água numa das fracções, por causa de torneiras de segurança, colocadas dentro da casa de banho dos apartamentos da Recorrente.
13. Inclusive no depoimento da testemunha CC percebeu-se que teve que existir uma grande alteração na rede de águas, para a água quente deixar de ser fornecida por uma única caldeira e passar a ser fornecida através de termoacumuladores.
14. A maior parte das testemunhas inquiridas, assim como o Representante da Recorrente, têm conhecimentos técnicos sobre a situação, derivados das suas actividades profissionais, e ainda que tenham afirmado que não vistoriaram o Edifício em causa, sabiam que apenas executando uma “puxada” do apartamento da Recorrente (que não foi realizada por ela), ocorreria um corte de abastecimento do fornecimento de água, quando fosse fechada uma torneira de segurança nesse apartamento.
15. Assim, deveria ter sido dado como provado que não foi a Recorrente a causadora do corte de fornecimento de água na fracção “T”, conforme havia alegado em sede de petição inicial, nem tampouco ter que sofrer alterações na sua fracção para que a fracção “T” possa vir novamente a ter água, quando a tal não deu causa.
16. Por esta razão, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado, no que concerne ao facto A, e B, que a razão para tal acontecer, haviam sido as obras ilegais levadas a cabo pela Administração do Recorrido, à data de 2012, dado que este fato não se encontra completo, salvo douta e melhor opinião em contrário.
17. Neste sentido, não compreende a Recorrente como é que o Tribunal a quo não considera como provado, o facto de que foi o Recorrido, na pessoa do seu anterior Administrador, quem alterou a rede de águas do Edifício e que por esse motivo, actualmente a fracção “T” fica sem fornecimento de água, como foi presenciado e relatado por várias testemunhas.
18. Com esta actuação, o Administrador do Recorrido inviabilizou a independência que deverá existir em cada fracção autónoma, sem contar que a Recorrente poderia um dia vir a colocar torneiras de segurança nessa fracção, e que normalmente só fecharia o fornecimento de água nessa fracção, mas que devido a essa obra ilegal (levada a cabo pela anterior Administração do Recorrido), fecharia também o fornecimento de água na fracção seguinte.
19. Além do mais, ainda que não estivesse a ser inquirido como perito, não pode o Tribunal a quo desvalorizar o depoimento da testemunha CC, que trabalhava nessa altura no escritório de Engenharia do seu pai (que foi o autor dos projectos de águas do Edifício), e ainda que não tivesse elaborado os projectos, acompanhou a fase final da conclusão da construção, no que se refere à rede de águas do Edifício, tendo explicado detalhadamente, como funcionava inicialmente a rede de águas.
20. Inclusive essa testemunha, referiu que para a existência de termoacumuladores ser a fonte de aquecimento da água quente, teve que existir uma obra significativa de alteração na rede de águas do Edifício.
21. Entenda-se também que, as torneiras de segurança foram colocadas no apartamento da Recorrente, porque existiam alguns problemas de infiltração e a colocação dessas torneiras de segurança seria a forma de evitar danos no futuro, e sempre que os apartamentos não estivessem a ser utilizados.
22. Além disso, existem mais fracções da Recorrente com torneiras de segurança e as fracções contíguas a essas fracções, não ficam sem fornecimento de água, pelo que só nesta fracção “T” é que existe este problema de corte de fornecimento, sendo que mais nenhum condómino do Edifício relata problemas semelhantes.
23. Quanto ao facto provado em 9., que quando a Recorrente fecha a torneira de segurança da água da sua fracção “AD”, a fracção “T” fica sem fornecimento de água, importa salientar que, não foi feita nenhuma peritagem para atestar o alegado, sendo que nunca o Representante da Recorrente, nem a sua funcionária aqui testemunha, BB, confirmaram no local (dentro da fracção “T”) por nunca lhes ter sido mostrado que essa fracção “T” ficava sem fornecimento de água.
24. Assim, no entender da aqui Recorrente, deveria ter sida dada uma resposta diversa ao facto constante como assente em A. e B., dos factos dados como não provados na douta sentença recorrida.
25. Entende a Recorrente, que devia ter sido considerado que “no referido em 7) os termoacumuladores das fracções autónomas de alguns dos condóminos foram instalados pela administração de condomínio à data em funções, alterando a rede de água fria, quente e retorno, contrariamente ao que estava no projecto inicial.”, assim como “o referido em 8) foi criado pela administração do condomínio em funções em 2012, devido à alteração efectuada na rede de águas, que alterou a rede de águas fria, quente e retorno, obras essas que permitiram à anterior administração fazer uma “puxada” de água da fracção “AD” para a fracção “T”; não tendo o referido em 8) sido causado pela colocação de torneiras de segurança numa das fracções da Recorrente”, pelo que deveria ter sido considerada ilegal a deliberação do ponto I da Assembleia Geral de Condóminos de 12 de Maio de 2023.
26. Também andou mal o Tribunal a quo ao não considerar como relevante a inspecção ao local para averiguação da ocorrência e de toda a situação fática ligada ao Edifício em si, conforme havia sido requerido pela Recorrente, em sede de petição inicial.
27. Não compreende a Recorrente, como pode o Tribunal a quo entender que as declarações das testemunhas apresentadas, assim como das declarações do próprio Representante da Recorrente (que fez a construção do Edifício na sua qualidade profissional de engenheiro civil), não tenham contribuído para o esclarecimento das obras ilegais que foram levadas a cabo pela anterior Administração do Recorrido.
28. O Tribunal a quo desvalorizou a nulidade das deliberações por a acta enviada não ter sido acompanha dos anexos que refere, considerando para o efeito que não seriam as deliberações nulas ou anuláveis.
29. Ora, neste sentido, não pode a Recorrente aceitar, uma vez que segundo o Regime da Propriedade Horizontal, DL n.º 268/94 de 25 de Outubro, artigo 1.º, n.º 2 é obrigatória na acta estar mencionado a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes (ou seja, lista de presenças, caso não indique quais os condóminos presentes e ausentes), os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a acta ter sido lida e aprovada.
30. Não tendo sido enviados os anexos mencionados em acta, uma vez que fazem parte integrante do corpo do texto da acta, não pode a Recorrente ter efectivo e real conhecimento de quem se encontrava presente, representado ou ausente nessa assembleia, ou quem votou favoravelmente, ou contra as deliberações que constam nessa acta.
31. Pelo que, salvo melhor opinião, a Recorrente considera que tal procedimento constitui uma manifesta e profunda violação do disposto no artigo 1.º, n.º 2 do Regime da Propriedade Horizontal, do DL 268/94 de 25 de Outubro, e do artigo 1432.º do Código Civil.
32. A Recorrente apenas tomou conhecimento das deliberações e consequentemente da acta, sem a mesma estar acompanhada de anexos relevantes para atestar a validade ou invalidade das deliberações, na medida em que, a própria acta, coloca quadros a remeter para os anexos, assim como menciona apenas o quórum presente e não menciona quais os condóminos presentes.
33. Considerando a douta sentença recorrida que a falta do envio dos anexos à acta, não poderia inviabilizar as deliberações da Assembleia Geral de Condóminos, não parece, no entendimento da Recorrente, ser uma argumentação correcta, quando efectivamente, o artigo 1432, nº9 do Código Civil, impõe que as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes.
34. E isto porque, só o envio de toda essa documentação é apta a dar efectivo conhecimento sobre o teor e alcance dessas deliberações, ainda mais que foi a Administração do Recorrido, que optou por elaborar uma acta, acompanhada de vários anexos, sendo que apenas com a leitura integral de toda a documentação, se compreenderá o próprio teor dessas deliberações.
35. Porém, decidiu a Administração do Recorrido em enviar a acta da Assembleia Geral de Condóminos (que é a situação mais corrente), em substituição de uma descrição completa dessas deliberações da Assembleia Geral, pelo que terá sempre de vir acompanhada dos anexos a que faz referência, sob pena de não cumprir as formalidades prescritas artigo 1, n.º 2 do Regime da Propriedade Horizontal.
36. De outra forma, não pode a Recorrente ter conhecimento efectivo do conteúdo da acta (das deliberações), o que viola gravemente o direito da Recorrente como condómina a se opor às deliberações que a afectam e que sejam contrárias à lei ou a regulamento anteriormente aprovado, como dispõe o artigo n.º 1433, n.º 1 do Código Civil.
37. Ao não ser enviado o teor completo das deliberações (por falta de envio desses anexos), nunca poderia a Recorrente dar cumprimento ao disposto no artigo 1432, n.º 10 do Código Civil, pois não estaria devidamente habilitada a dar a sua concordância ou discordância com as deliberações em causa porque não teve o devido acesso ao completo teor dessas deliberações.
38. Sucede também que, a actuação da Administração do Recorrido, quando fez uma “puxada” da rede de águas, contrária ao projecto aprovado pela Câmara Municipal de Local 1, e muito possivelmente, através da fracção da Recorrente, sem a sua autorização ou conhecimento, pode subsumir-se numa acção violadora de intervenção em parte comum do Edifício, mormente, nas instalações gerais de água (artigo 1421, nº1, alínea d) do Código Civil).
39. Desta forma, a actuação da Recorrente, não se encontra enquadrada em qualquer situação apontada no artigo 1422 ou artigo 1406, nº1, ambos do Código Civil, pelo que decidir o contrário, é penalizar a Recorrente em detrimento da actuação ilegal da Administração do Recorrido.
40. Além disso, cabe à Recorrente como proprietária, assegurar que o seu imóvel não cause danos a terceiros, nos termos do artigo 493, nº1 do Código Civil, pelo que foi por esse motivo que a Recorrente mandou instalar torneiras de segurança nas suas fracções.
41. Além do mais, não considerou o Tribunal a quo da anulabilidade referente aos Pontos I e II, por falta de apresentação por parte da Administração do Recorrido de pelo menos três orçamentos necessários à aprovação das obras aí indicadas nesses pontos da Ordem de Trabalhos, bem como da falta de quórum para aprovação dessas deliberações, uma vez que teriam decididas com a aprovação de pelo menos dois terços do capital total do prédio.
42. Ora salvo o devido respeito, tais deliberações não se consubstanciam em reparações indispensáveis e urgentes, nos termos do artigo 1427 do Código Civil, uma vez que como ficou sobejamente provado, a alteração na rede de águas terá acontecido em 2012 e a colocação por parte da Recorrente das torneiras de segurança nas suas fracções foi em 2018.
43. Não está a Recorrente neste caso, a usar qualquer coisa comum, mas apenas as suas torneiras de segurança que apenas cortam o seu abastecimento de água dentro dessas fracções, pelo que não será aqui de aplicar o artigo 1406, nº1 do Código Civil, como indicado na douta sentença recorrida.
44. Acresce ainda que, as reparações indispensáveis e urgentes indicadas no artigo 1427 do Código Civil, são apenas em partes comuns e não em fracções autónomas, pelo que estaria sempre vedado ao Administrador, ser mandatado pela Assembleia para tratar de qualquer conflito entre dois proprietários do Edifício.
45. No entanto, a questão em si sempre será de levar a cabo nas instalações gerais do Edifício, dado que as mesmas foram alteradas ilegalmente em 2012, pelo que a ser assim, teria sim aplicação os artigos 1425, nº1 e 1436, nº2 do Código Civil e consequentemente, será então de decidir-se pela anulabilidade de tais deliberações.
46. Pelo supra exposto, a Mma. Juiz a quo deveria ter anulado as deliberações aprovadas nos pontos I, II, e III da convocatória da referida Assembleia de Condóminos.
7. Não se mostram juntas contra-alegações.
8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
i. Da alteração da matéria de facto;
ii. Da nulidade e/ou anulabilidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária (AGE) de 12 de Maio de 2023.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A autora Cogimol – Construção e Gestão Imobiliária, Lda. é condómina do prédio sujeito a regime de propriedade horizontal sito na Rua....
2. O réu Condomínio do Prédio sito na Rua... é administrado por AA.
3. Em 12 de Maio de 2023 foi realizada uma Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto um – Apresentação, apreciação e votação sobre uma intervenção no ramal de abastecimento de água à fracção “T”;
Ponto dois – Discussão, análise e votação sobre a infiltração existente no piso 0 e garagem do edifício, bem como quais as medidas a adoptar para a solucionar;
Ponto três – Apresentação, discussão e votação sobre a aplicação e execução de penalidades aos condóminos que não tenham observado as disposições da lei, as decisões da assembleia ou do administrador.
4. A autora não esteve presente na Assembleia Geral de Condóminos referida em 3), nem aprovou as respectivas deliberações.
5. O administrador de condomínio enviou carta registada, nos 30 dias subsequentes, para a autora, condómina ausente, contendo a acta com todas as deliberações tomadas, sem estar acompanhada dos anexos mencionados na acta.
6. Na acta da assembleia, além do mais, consta o seguinte:
“ (…) Ponto Um – Apresentação, apreciação e votação sobre uma intervenção no ramal de abastecimento de água à fracção “T” (…)
Informou o administrador que o abastecimento de água à fracção “T” foi interrompido, por intermédio da Cogimol Lda., aparentemente através da instalação de uma torneira de seccionamento no ramal contínuo de águas do edifício que passa no interior da fracção “AD” antes de abastecer a fracção “T”.
Informou ainda, que (…) não vê a administração solução outra para sanar este problema, senão em avançar em último recurso, com uma obra de intervenção no ramal de abastecimento de águas à fracção “T” (…).
Posto isto (…) solicitou à assembleia que lhe conceda poderes para, caso não se vislumbre uma solução técnica ou judicial até ao final do mês de Maio, (…) avançar em último recurso, com a devida intervenção no ramal de águas que fornece a fracção “T”, de forma a que seja restabelecido o normal abastecimento de água à respectiva fracção (…).
Terminada a discussão, o presidente colocou a proposta do administrador a votação, tendo votado a favor da mesma, todos os condóminos presentes e representados, (…) a permilagem de 418, tendo a proposta do administrador sido aprovada por unanimidade, ficando assim, mandatado o administrador para implementar todas as acções técnicas necessárias para assegurar o restabelecimento do fornecimento de água à fracção "T", imputando todos os custos ao condómino responsável, bem como a petição judicial de todas as compensações que posam resultar desta situação.
(…) Ponto Dois – Discussão, análise e votação sobre a infiltração existente no piso 0 e garagem do edifício, bem como quais as medidas a adoptar para o solucionar. (…)
Após a discussão e debate desta questão, posta à votação, foi deliberado por unanimidade, (…) mandatar o administrador para avançar com todas as medidas e acções necessárias para por fim à infiltração existente e impor à condómina Cogimol Lda. as devidas obras de reparação e correcção da anomalia em tempo útil, bem como a petição de todas as compensações resultantes destes danos, imputando todos os custos à condómina responsável.
(…) Ponto Três – A «presentação, discussão e votação sobre a aplicação e execução de penalidades aos condóminos que não tenham observado as disposições da lei as decisões, as decisões da assembleia ou do administrador. (…)
Informou ainda o administrador, que tendo em consideração a gravidade dos problemas expostos nos pontos acima discutidos, tanto no corte de abastecimento de água da fracção “T” (…) não vê o administrador outra solução que não a sugestão da aplicação de duas penas pecuniárias adicionais, cada uma no valor de 10% da prestação anual do condomínio da fracção causadora do problema (…)
7. Terminada a discussão, o presidente colocou a proposta do administrador à votação dos presentes, tendo votado a favor todos os condóminos presentes e representados, pelo que foi declarada aprovada por unanimidade a aplicação das referidas penalizações, tendo a administração legitimidade para avançar a execução das penalidades, moratórias e compensatórias aos condóminos referidos nos anos de 2022, bem como a aplicação de 2 penas pecuniárias adicionais à condómina proprietária da fracção “AD” – conforme documento 1 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. No ano de 2012, foram instalados termoacumuladores nas fracções autónomas de alguns condóminos.
9. Actualmente quando a autora fecha a água da torneira de segurança na sua fracção “AD”, a fracção “T” fica também sem fornecimento de água.
10. Até à data referida em 7) e em 10) tal nunca aconteceu.
11. Em 2018 a autora instalou torneiras de segurança nas suas fracções.
12. A administração não apresentou três orçamentos diferentes, para que fossem postos a votação quanto ao Ponto um e dois da ordem de trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária.
13. Na acta consta que estariam presentes ou representados 418 por mil capital total do prédio, quando na realidade estavam presentes ou representados 474 por mil do capital total do prédio.
14. O prédio do condomínio réu foi construído pela autora, ora condómina, em regime da propriedade horizontal, em 1995, mas as redes de água não estavam, nem estão autonomizadas.
15. No edifício em questão só existe um contador e uma rede de água fria para todo o edifício, quer para as zonas comuns, quer para as fracções autónomas.
16. A rede de água do prédio é única.
17. Quanto ao Ponto dois da deliberação, no tecto do piso 0 começaram a aparecer infiltrações.
18. Quanto ao Ponto três da deliberação, em Março de 2016 foi aprovado um sistema sancionatório para os condóminos nos seguintes termos: uma primeira penalidade fixada entre um mínimo de cinco e um máximo de dez por cento do valor anual da prestação anual do condomínio da fracção infractora; sendo possível um posterior agravamento em função da reincidência da mesma infracção – conforme documento 4 junto com a contestação e requerimento de 04.01.2024, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:
A. No referido em 7) os termoacumuladores das fracções autónomas de alguns dos condóminos foram instalados pela administração de condomínio à data em funções, alterando a rede de água fria, quente e retorno, contrariamente ao que estava no projecto inicial.
B. O referido em 8) foi criado pela administração do condomínio em funções em 2012, devido à alteração efectuada na rede de águas, que alterou a rede de águas fria, quente e retorno, obras essas que permitiram à anterior administração fazer uma “puxada” de água da fracção “AD” para a fracção “T”; não tendo o referido em 8) sido causado pela colocação de torneiras de segurança numa das fracções da Autora.
C. A rede de água do prédio encontra-se montada em paralelo para algumas das fracções e em série para outras, de tal forma que, no caso destas últimas a rede principal passa de umas para as outras e por dentro das próprias fracções.
D. Nas fracções que estão em série, o corte da água numa das fracções impede a seguinte de ser alimentada desse produto.
E. Estão em série, no que respeita à rede de água no piso 1, as fracções “AD” e “T,” de tal forma que o corte da água ou a colocação de uma torneira na rede da fracção “AD” faz com que a fracção “T” não seja abastecida de água.
F. No referido em 10) a autora colocou a torneira na conduta da água que passa por dentro da sua fracção “AD” e prossegue para a fracção “T” a jusante de tal forma que quando essa torneira é fechada a fracção T não é abastecida de água.
G. O réu nunca alterou a rede de água.
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B) – Apreciação do Recurso/O Direito
1. Com a acção pretendia a A. obter a declaração de nulidade e/ou anulabilidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos de 12 de Maio de 2023.
Na sentença decidiu-se apenas “[d]eclarar a nulidade do ponto um da deliberação da assembleia geral de condóminos do réu reunida em 12 de Maio de 2023 – (onde se mandatou o administrador para implementar todas as acções técnicas necessárias para assegurar o restabelecimento do fornecimento de água à fracção "T", imputando todos os custos ao condómino responsável, bem como a petição judicial de todas as compensações que posam resultar desta situação) – na parte onde determina imputar todos os custos ao condómino responsável”, tendo-se absolvido o R. (Condomínio) do demais demandado.
A A. recorrente, discorda, começando por impugnar a matéria de facto, no que se reporta aos factos não provados constantes das alíneas A) e B), e o ponto 9 dos factos provados, referenciando as alterações pretendidas e as provas em que funda tais alterações, pelo que se entende que deu cumprimento aos ónus de impugnação previstos nas alíneas do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil.
2. Entende a recorrente que os factos dados como não provados sob as alíneas A) e B) devem se considerados como provados, referindo, em síntese, que andou mal o tribunal ao não considerar como relevante a inspecção ao local, e invocando os depoimentos das testemunhas BB e CC e as declarações do legal representante da A., DD.
Vejamos:
2.1. Sob as alíneas A) e B) deu-se como não provado que:
A. No referido em 7) os termoacumuladores das fracções autónomas de alguns dos condóminos foram instalados pela administração de condomínio à data em funções, alterando a rede de água fria, quente e retorno, contrariamente ao que estava no projecto inicial.
B. O referido em 8) foi criado pela administração do condomínio em funções em 2012, devido à alteração efectuada na rede de águas, que alterou a rede de águas fria, quente e retorno, obras essas que permitiram à anterior administração fazer uma “puxada” de água da fracção “AD” para a fracção “T”; não tendo o referido em 8) sido causado pela colocação de torneiras de segurança numa das fracções da Autora.
[As referências aos pontos 7) e 8) devem ser entendidas aos pontos 8) e 9) dos factos provados, que são as relacionadas com os factos não provados aqui em causa].
2.2. Para alcançar tal conclusão fundamentou-se a decisão recorrida no seguinte:
«No que tange à matéria de facto dada como não provada, o facto A resultou assim porquanto, pese embora a testemunha BB, funcionária da autora, e o legal representante da autora se tenham deparado com as obras no prédio na sequência do que foram instalados termoacumuladores em algumas fracções, certo é que conforme os próprios admitiram, não sabem que obras concretas foram efectuadas, e por não terem conhecimento concreto, não se pode provar que tais equipamentos foram instalados pela, à data, administração do condomínio réu, ou se pela empresa Gasphotel – Exploração Hoteleira, Lda., ou se pelos proprietários, ou ainda terceiros.»
E, no que para o facto da alínea B) interessa, refere que: «… respeitam a características técnicas do sistema de água do prédio do condomínio réu, bem como a intervenções nele efectuadas e as suas repercussões. Destarte, quanto a esta matéria o legal representante da autora aludiu ao que era o seu entendimento, afigurando-se estar ao corrente de vários aspectos na medida em que o prédio foi construído pela sociedade autora. Destarte, quanto a questões técnicas propriamente ditas, apenas foi ouvida a testemunha CC, engenheiro civil que, não obstante os conhecimentos advindos da sua profissão, não conhecia o projecto inicial do sistema de águas do prédio condomínio e sobre eventuais alterações introduzidas nesse sistema também não tinha conhecimento directo (…)»
2.3. Como se verifica das declarações prestadas pelo legal representante da A. – DD –, este refere, efectivamente, a existência de obras no prédio aquando da instalação dos termoacumuladores, aludindo a que foi feita uma alteração na rede de águas, mas disse que não fazia ideia do que é que foi (“… fizeram uma alteração naquela rede, eu não faço ideia o que é que foi porque o Condomínio não reuniu …”), e quando perguntado “quando foram feitas essas obras, portanto a intervenção não sabe o que é que foi, mas foram realizadas uma obras?”, respondeu: “não, foram realizadas várias intervenções, paredes partidas, e redes alteradas que eu não faço ideia como, foi feito isso, durante bastante tempo …”, mas não se apreende destas declarações quais as concretas alterações efectuadas na rede de águas.
E o mesmo se diga da testemunha BB, que referiu que eram pessoas da administração que andavam a fazer as obras e disse que nunca tinham sido informados das obras e tinham que o ser porque iam mexer nas redes de águas, mas nada demonstrou esclarecer quanto às concretas alterações da rede de águas.
Por isso subscrevemos o entendimento do tribunal a quo no sentido de que o declarante e a testemunha não sabem que obras concretas foram efectuadas.
Quanto ao depoimento da testemunha CC, que a recorrente invoca, sabe que foi o escritório do pai que esteve envolvido nos projectos do edifício, mas não foi a testemunha que os elaborou (ainda estava a acabar o curso), mas referiu ter acompanhado a parte final. Mas disse que não se lembra como é que foi construída a rede de águas do edifício, porque não interveio no projecto. Referiu que sendo um aparthotel seria a rede habitual e tradicional nestes empreendimentos, com uma rede única e contador único para o empreendimento, explicando que havia um equipamento único de aquecimento para todo o edifício. Mas quanto às alterações posteriores, o que referiu foi que esteve há cerca de 2 anos no edifício e, pelo que se apercebeu, tinha havido alterações nas redes de águas, porque o aquecimento da água deixou de ser generalizado e passou a ser individualizado, apartamento a apartamento, por termoacumuladores. Referiu também que a colocação de uma torneira de segurança num apartamento não pode resultar no corte de fornecimento a outro, isso só pode resultar de uma intervenção mal feita.
Porém, não tendo sido a testemunha que elaborou nem desenvolveu o projecto da rede de águas do edifício, não adquirimos convicção segura de que terão sido as alterações posteriores que originaram a puxada de água da fracção “AD” para a “T”.
2.4. Importa sublinhar que, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (Remédio Marques, Acção Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641).
Assim, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
E, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 25/01/2016 (processo n.º 05P3460), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt: “(…) VII - O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
VIII - O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. (…)”
Deste modo, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido.
Por outro lado, não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Não se pode, porém, esquecer que nesta sua tarefa a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, pelo que na reapreciação dos depoimentos gravados, a Relação tem apenas uma imediação mitigada, pois a gravação não transmite todos os pormenores que são captáveis pelo julgador e que vão contribuir para a formação da sua convicção.
Assim, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente, o que não ocorre no caso.
2.5. Acresce que, se nos afigura que as alterações factuais em causa são inúteis, porque não teriam a virtualidade de alterar a decisão quanto à deliberação referida no ponto um, pois, na parte em que se imputavam os custos da intervenção ao condómino responsável, a deliberação foi anulada na sentença, e, quanto às acções técnicas a implementar, a que a deliberação se reporta, para assegurar o restabelecimento do fornecimento de água à fracção “T”, sempre a mesma teria que se manter, pois, ainda que se entendesse que foram as alterações posteriores efectuadas à rede de águas, aquando da instalação dos termoacumuladores, que levaram a que, ao ser colocada uma torneira de segurança na fracção “AD”, a fracção “T” fica sem água, é manifesto que a fracção “T” não pode ficar privada do abastecimento de água.
2.6. Quanto ao ponto 9), dos factos provados [9. Actualmente quando a autora fecha a água da torneira de segurança na sua fracção “AD”, a fracção “T” fica também sem fornecimento de água], foi o mesmo dado como provado por resultar “… unívoco dos depoimentos das testemunhas BB e EE, bem como das declarações de parte do legal representante da autora.”
Refere, porém, a recorrente que não ficou provado que o corte de água da fracção “T” provenha do fecho da torneira de segurança da fracção “AD”, pois, não foi feita nenhuma peritagem para atestar o alegado e nunca o representante da Recorrente, nem a sua funcionária aqui testemunha, BB, confirmaram no local (dentro da fracção “T”) que era verdade, pois nunca lhes foi mostrado que essa fracção “T” ficava sem fornecimento de água.
Ora, do facto de alegadamente nunca ter sido mostrado à depoente e ao declarante que o fecho da torneira de segurança na fracção “AD” implicava o corte do fornecimento na fracção “T”, não significa que não soubessem desse facto e que o mesmo não ocorra.
E a recorrente até o admite quanto refere nas alegações que “quanto a ser dado como provado que, quando se fecha as torneiras de segurança da fracção da Recorrente, a fracção “T” fica sem fornecimento de água, tal só pode significar que houve uma alteração da rede de águas, contrária ao projecto inicial”, o que significa que aceita que há corte de fornecimento, embora impute a culpa às alterações efectuada à rede de águas inicial.
Acresce, que, como resulta da motivação da decisão, não se teve apenas em conta o depoimento da testemunha BB e as declarações do legal representante da A., mas também o depoimento da testemunha EE, em relação ao qual a recorrente nada diz.
De resto, para prova deste ponto concreto, ou seja, saber se o fecho da torneira de segurança da fracção “AD” leva ao corte de fornecimento de água à fracção “T” (que, lembramos foi colocada em 2018, já após as intervenções referentes à instalação dos termoacumuladores, que ocorreu em 2012), não vemos que fosse necessária a realização de uma peritagem, e, se a recorrente entendia que era necessária a diligência de inspecção ao local, a que alude nas alegações, que foi indeferida, e se discordava de tal decisão, devia ter interposto o competente recurso autónomo ao abrigo do disposto no artigo 644º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil.
Deste modo, conclui-se também não haver fundamento que imponha a alteração do decidido quanto a este ponto dos factos provados.
2.7. Por conseguinte, improcede o recurso quanto à matéria de facto.
3. Quanto à reapreciação jurídica da causa, entende a recorrente, contrariamente ao decidido, que são nulas todas as deliberações tomadas na AGE de 12 de Maio de 2023, porque não esteve presente na dita assembleia e a acta da reunião lhe foi notificada sem estar acompanhada dos anexos relevantes, necessários à compreensão do próprio teor dessas deliberações.
Não se nos suscitam dúvidas de que, face ao disposto no n.º 9 do artigo 1432º do Código Civil, “[a]s deliberações têm que ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de recepção ou por correio electrónico, aplicando-se, neste caso, o disposto no n.º 2 e 3”.
E, como se sabe, as deliberações das assembleias gerais de condóminos estão sujeitas às regras previstas no Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, tendo que constar em acta (n.º 1), que contenha “um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a acta ter sido lida e aprovada” (n.º 2).
Assim, e sendo a função da comunicação prevista no n.º 9 do artigo 1432º do Código Civil dar a conhecer aos ausentes o conteúdo das deliberações tomadas, que também os vinculam (cfr. n.º 4 do mesmo artigo), facilmente se compreende que a comunicação tem que ser acompanhada dos documentos necessários ao entendimento das deliberações a que a acta se reporta.
Porém, a falta dos ditos documentos anexos, que devam acompanhar a acta da assembleia, não gera a nulidade, nem sequer a anulabilidade das deliberações tomadas, desde logo, porque o vício não está na deliberação, mas, sim, na comunicação, constituindo, antes, uma irregularidade desta, susceptível de afectar a sua eficácia.
Este mesmo entendimento foi o seguido no aresto deste Tribunal da Relação de Évora, de 09/05/2024 (proc. n.º 453/22.6T8LAG.E1), que apreciou irregularidade análoga, no caso, consistente na falta de envio do anexo da lista de presenças, inviabilizado o conhecimento de quais os condóminos que estiveram presentes ou representados em tal assembleia.
Como se diz neste aresto:
«É certo que o envio da acta devia sido acompanhado da entrega da lista de presença. Porém, entende-se que esta irregularidade não tem a densidade suficiente para determinar a nulidade ou, sequer, a anulabilidade das deliberações.
Neste campo, na senda da sentença recorrida e a exemplo da posição expressa por Aragão Seia [Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 173], entendemos que a referida omissão constitui uma violação de uma mera exigência de prova – formalidade ad probationem –, que apenas poderia afectar a respectiva eficácia, não configurando uma formalidade ad substantiam que atinja a validade da própria deliberação.
A consequência da falta de comunicação da acta é o adiamento do início do prazo para a propositura da acção de impugnação [Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 172], mas esta omissão não bule com a validade das decisões da assembleia. Por inferência lógica de regras imanentes, sendo qualitativamente menos grave a omissão de envio dos anexos que a integram nunca se poderá afirmar que a violação desta obrigação acessória pode acarretar uma consequência mais gravosa do que a da falta de comunicação da acta.»
Deste modo, improcede a invocada nulidade das deliberações com este fundamento.
4. E não vemos que a deliberação a que se reporta o ponto um – que mandatou o administrador para implementar todas as acções técnicas necessárias para assegurar o restabelecimento do fornecimento de água à fracção "T", imputando todos os custos ao condómino responsável, bem como a petição judicial de todas as compensações que posam resultar desta situação, com exclusão da parte onde se determina a imputação de todos os custos ao condómino responsável (exclusão esta determinada na sentença) – enferme de qualquer ilegalidade.
Como se dá nota na sentença, idêntica deliberação foi já objecto de apreciação no processo 453/22.6T8LAG, onde foi proferido o acórdão acima referido, onde se entendeu que:
A deliberação que concede ao administrador do R. poderes para implementar todas as acções técnicas, regulamentares, legais e/ou judiciais necessárias para assegurar o restabelecimento do fornecimento de água à fracção autónoma designada pela letra “T”, não viola qualquer direito ou regra relacionada com o regime da propriedade horizontal.
Como se diz neste aresto, que aqui seguimos de perto, o serviço de fornecimento de água, sendo de prestação comum a todos os condóminos, por todos tem de ser respeitado e por todos deve ser usufruído igualitariamente. Não podendo, pois, um condómino proceder à instalação – ainda que no interior da respectiva fracção autónoma – de um elemento – in casu, de uma torneira de segurança – que, em prejuízo de outro, prive este último de ter acesso ao abastecimento de água».
A utilização em causa viola a previsão normativa estabelecida no 1406.º do Código Civil (uso da coisa comum), pois priva os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
E não se argumente que a recorrente ao colocar as torneiras de segurança no interior da sua fracção não está a utilizar “coisa comum”, porquanto está provado que as redes de águas não estavam nem estão autonomizadas e que a rede de água do prédio é única, como resulta dos pontos 14 a 16 dos factos provado, não impugnados, e como se viu, a dita torneira de segurança impede a passagem da água da fracção “AD” para a “T” (cfr. ponto 9 dos factos provado).
5. E também não vemos que as deliberações a que se reportam os pontos I e II da acta da reunião de 12 de Maio de 2023, sejam anuláveis, como refere a recorrente, por falta de apresentação por parte da Administração do Recorrido de pelo menos três orçamentos necessários à aprovação das obras aí indicadas nesses pontos da Ordem de Trabalhos, bem como da falta de quórum para aprovação dessas deliberações, uma vez que teriam que ser decididas com a aprovação de pelo menos dois terços do capital total do prédio.
No que se reporta à deliberação do ponto I, como diz o tribunal recorrido, a situação fática dos autos é enquadrável no artigo 1427.º do Código Civil que, sob a epígrafe “reparações indispensáveis e urgentes”, estatui que “as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino”, norma especial, que prevalece sobre o regime estabelecido para as obras de conservação extraordinária.
Com efeito, a intervenção nas instalações gerais de água que integram as partes comuns do prédio, nos termos do art. 1421.º, n.º 1, al. d) do Código Civil, com vista a assegurar o restabelecimento do fornecimento de água de uma das fracções, a fracção “T”, sem que esteja sujeita às oscilações de o proprietário da fracção contigua manter aberta ou fechada a torneira de segurança, configura, sem sombras de dúvidas, uma intervenção de carácter urgente em vício da parte comum que coloca em risco a utilização da referida fracção “T”.
Na verdade, como também se diz na sentença, é ostensivamente evidente que a falta de acesso ao abastecimento de águas é impeditiva da utilização da própria fracção, impeditiva da habitação pelo proprietário ou de quem o mesmo entenda, situação gravosa e que clama intervenção urgente.
Decorrendo do artigo 1427.º do Código Civil que tais obras podem ser levadas a efeito pelo administrador ou qualquer condómino, não sendo exigível para a sua realização quórum de dois terços, nem a apresentação de três orçamentos para votação, nos termos do art. 1427.º e arts. 1425.º, n.º 1 e 1436.º, n.º 2, ambos, a contrario, do Código Civil.
Contudo, diz a recorrente nas alegações que as reparações indispensáveis e urgentes indicadas no artigo 1427º do Código Civil são apenas nas partes comuns e não em fracções, mas esquece-se a recorrente que, face ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1421º, “as instalações gerais de água” são comuns e resultou provado que as redes de água do edifício não estavam nem estão autonomizadas e é única, pelo que, sendo a rede parte comum, está legitimada a intervenção.
Por conseguinte não enferma do vício de anulabilidade a deliberação em causa.
6. No que respeita à deliberação referente ao ponto II, resulta da respectiva acta, além do mais, o seguinte:
“(…) Ponto Dois – Discussão, análise e votação sobre a infiltração existente no piso 0 e garagem do edifício, bem como quais as medidas a adoptar para o solucionar. (…)
Após a discussão e debate desta questão, posta à votação, foi deliberado por unanimidade, (…) mandatar o administrador para avançar com todas as medidas e acções necessárias para por fim à infiltração existente e impor à condómina Cogimol Lda. as devidas obras de reparação e correcção da anomalia em tempo útil, bem como a petição de todas as compensações resultantes destes danos, imputando todos os custos à condómina responsável”.
Decorre dos artigos 1436.º, n.º 1 alíneas g), i), e 1437.º do Código Civil que compete ao administrador do condomínio realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns; executar as deliberações da assembleia de condóminos que não tenham sido objecto de impugnação; bem como representar o condomínio em juízo.
E, como se diz na sentença, embora a redacção da deliberação, desacompanhada de mais elementos pudesse suscitar dúvidas, ante o teor da acta, interpretada no sentido de um normal declaratário, nos termos do art. 236.º do Código Civil, verifica-se que o administrador foi mandatado para tomar as medidas necessárias a pôr fim às infiltrações mediante acção judicial.
Como tal, a deliberação atribui ao administrador, por maioria da assembleia, poderes para intentar acção judicial, a fim de ver um pretenso direito declarado, como é corolário do direito de acesso aos tribunais e proibição de autodefesa (art. 1.º e 2.º do Código de Processo Civil) e se mostra conforme o artigo 1437.º do Código Civil. Pelo que, não incorrendo a violação de lei ou regulamento, a deliberação não é anulável, ao abrigo do art..1433.º, n.º 1 do Código Civil.
Acresce que, não se mostrando o administrador mandatado para realizar obras concretas de conservação extraordinária, não se pode dizer que aquele estivesse obrigado a apresentar três orçamentos a votação, nem se exigindo a aprovação da deliberação por maioria de dois terços do valor total do prédio, nos termos do art. 1425.º, n.º 1 e 1436.º, n.º 2 do Código Civil.
7. Assim, conclui-se que as deliberações impugnadas, referentes aos pontos I e II, da reunião de 12 de Maio de 2023, não enfermam dos imputados vícios de nulidade e anulabilidade.
Resta referir que a recorrente, embora nas alegações mencione, a final, a anulação também da deliberação tomada sob o ponto III, certo é que nada de específico alegou a esse respeito, nem pediu a anulabilidade da mesma na petição inicial.
8. Nestes termos e com tais fundamentos, improcede a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Vencida, suporta a apelante as custas (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil)
*
C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
(…)
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
*
Évora, 25 de Junho 2025
Francisco Xavier
Filipe César Osório
Susana Isabel Ferrão da Costa Cabral
(documento com assinatura electrónica)