REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
PERÍCIA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
REIVINDICAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
NÃO USO
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos, não tendo o registo a finalidade de garantir os elementos de identificação do prédio, o mesmo sucedendo com as inscrições matriciais, especialmente quando não assentes no cadastro geométrico.
II. As plantas cadastrais ou geométricas, porque levantadas pelas autoridades públicas, garantem mais fiabilidade no que toca aos acidentes naturais e humanos introduzidos na geografia da paisagem, sendo por isso um meio privilegiado de localização e relacionação dos prédios entre si, mas podem não dispensar outros meios probatórios quanto a áreas e localizações.
III. A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação dos factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais de que os julgadores não disponham, e a força probatória das respostas por eles dada é fixada livremente pelo tribunal.
IV. Apesar da sua liberdade de julgamento, traduzida na livre apreciação das provas, incluindo a pericial, o julgador não pode, sem fundamentos suficientemente sólidos, como erro de raciocínio ou uso de critério legalmente inadmissível, afastar-se do resultado das peritagens.
V. Na acção de reivindicação, provada a propriedade do autor sobre a coisa reivindicada está o réu obrigado a proceder à sua entrega, a não ser que detenha título que legitime a detenção da mesma.
VI. Provando-se que a faixa de terreno reivindicada na acção integra o prédio pertença do autor, e que a mesma foi abusivamente ocupada pelo réu, está este obrigado a proceder à sua restituição.
VII. Ainda que se entenda que a privação injustificada de uso e fruição de um imóvel, ou parte deste, é susceptível, em si mesma, de poder constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, o impedirá do exercício dos direitos inerentes ao domínio, violando o direito de propriedade, podem configurar-se situações em que o titular não tem interesse em usar a coisa, não pretende retirar dela as utilidades ou vantagens que a coisa lhe poderia proporcionar ou, pura e simplesmente, não usa a coisa.
VIII. Se o titular não aproveita das utilidades que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, nem demonstra sequer que o pretendia fazer, também não existirá prejuízo ou dano decorrente da privação ilícita do uso, porque, na circunstância, não existe uso e, não havendo dano, não há obrigação de indemnizar.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 85/22.9T8PTG.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. Quinta Fonte de Água - Campismo Rural, Lda., propôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo que, pela procedência da acção, seja declarado o direito da Autora, Quinta Fonte de Água - Campismo Rural, Lda., como legítima proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob a ficha n.º 685, da freguesia de S..., condenando-se, consequentemente, os Réus AA e BB:

a) No reconhecimento do direito de propriedade plena da Autora sobre o prédio descrito na ficha 685, da freguesia de S..., nomeadamente na parte ocupada pelos Réus e que compõe o artigo matricial rústico 45.º, secção B, da referida freguesia, e a abster-se da prática de actos lesivos do direito de propriedade da Autora sobre a totalidade da área do mesmo, conforme consta daquela descrição predial e respectiva inscrição matricial; e

b) Na restituição imediata à Autora, da parte do prédio supra, que foi por eles indevidamente apropriada, sujeita a sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 829.º-A, n.º 1, do CC, em montante a determinar doutamente pelo Tribunal, até efectivo cumprimento.

Pediu ainda a condenação solidária dos Réus – a título de indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual e na medida dos prejuízos que o Réu-marido provocou à Autora –, a:

i) pagar à Autora uma indemnização pela privação ilícita do uso e fruição plena do prédio, designadamente quanto à parte que constitui o artigo matricial 45.º, secção B, pela privação directa entre 16.02.2019 e até à data entrega efectiva do prédio, tudo a liquidar em execução de Sentença;

ii) a suportar o custo da reconstituição natural, a título de indemnização correspondente aos danos patrimoniais decorrentes da conduta ilícita por ela adoptada, a liquidar em execução de sentença, designadamente, a reconstruir o muro de pedra divisório de propriedades e derrubado pelo R. marido, no local em que originalmente se encontrava e na extensão necessária à ligação das partes ainda existentes entre cada uma das estremas, num comprimento aproximado de 100 metros e com um mínimo de um metro de altura;

iii) subsidiariamente ao pedido deduzido na alínea ii), no pagamento à Autora dos custos correspondentes ao valor actual da referida reconstrução, caso não reponham por si a situação no prazo que, por Sentença, lhes for fixado para o efeito, na quantia que vier a ser apurada em execução de Sentença, bem como nos juros de mora calculados à taxa legal supletiva aplicável, desde a data do respectivo vencimento da obrigação e até efectivo e integral pagamento da dívida.

iv) a pagar à Autora uma indemnização por danos patrimoniais, correspondente à soma dos custos por ela suportados com o pedido de levantamento topográfico, no valor de 995,32€ (novecentos e noventa e cinco euros e trinta e dois cêntimos), efectuado em consequência da apropriação do prédio por parte dos Réus.

2. Para tanto, alegou, em síntese, que: adquiriu por compra, em 18/05/2018, o prédio misto, inscrito sob os artigos rústicos 27 e 45, ambos da secção B (27-B e 45-B), e urbanos 504 e 652, e desde essa data têm sido os possuidores daqueles prédios. Os Réus são casados entre si sob o regime de comunhão de adquiridos e são os únicos sócios da Sociedade Agrícola da CC, Lda. Esta sociedade agrícola é proprietária do prédio inscrito sob o artigo 29, secção B (29-B) e que confina com o prédio da A., na parte que constitui o artigo 45-B pelo lado nordeste. Em 2009 os RR. adquiriram por compra, já no estado de casados, um outro prédio, também contíguo ao da Autora pelo lado sudeste, inscrito sob o artigo 31, secção B (31-B), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 247, da freguesia de S....


Mais alegou que, no início de 2019, o R. marido ocupou parte da propriedade pertencente à A., que confina com o artigo 31-B pertencente aos RR. O R. começou por vedar parte da propriedade da A., numa extensão de cerca de 100 metros. De seguida, o R. marido destruiu o muro de pedra que delimitava as propriedades da A. e dos RR., numa extensão de aproximadamente 100 metros. Em 26 de Agosto desse mesmo ano o R. marido derrubou a cancela metálica que vedava uma abertura de acesso à propriedade da A. e existente na estrema do prédio da A., sendo que após a sua reposição voltou a derrubá-la, destruindo também parte da vedação que a ladeava e das fundações dos postes que a sustentavam. Já no início do ano de 2021, apareceram dois sobreiros cortados. Até à presente data os RR. não procuraram repor a situação originária. O R. marido apropriou-se, a seu favor e do seu cônjuge, também proprietária do prédio confinante (31-B), de parte de bem imóvel pertencente à A. (45-B), invadiu a propriedade desta, abrindo passagens onde não existiam e em terreno que não lhe pertencia e lhe estava vedado, quando tem caminhos disponíveis pelo seu prédio (29-B), pelo caminho público existente e por outros prédios que lhe pertencem, que confinam com este 29-B e que têm ligação directa à EN-246, i.e., sem qualquer necessidade de passagem pelo prédio da A.


3. Os RR, regularmente citados, contestaram, invocando que são parte ilegítima para a acção, sendo que os prédios 28-B e 29-B são propriedade da Sociedade Agrícola da CC, Lda, tendo sido em representação e no interesse dessa sociedade que foi derrubada a cancela e construída a represa.


Defenderam-se ainda por impugnação, alegando, em síntese, que os prédios em causa têm, a separá-los, um caminho público, sendo que do lado direito desse caminho existe entre ele e um muro de pedra solta dentro do prédio dos Réus uma faixa de terra pela qual corre um ribeiro, sendo essa faixa parte integrante do art.º 31-B, pertencente aos Réus.


O actual artigo 45-B fazia parte do artigo 30-B, sendo que em 1991 foi dividido resultando os artigos 45-B e 46-B, o que sucedeu em virtude do caminho ser público, o que permite concluir que a faixa de terra, aqui em causa, é parte integrante do art.º 31-B pertencente aos Réus. A Autora e as pessoas a quem comprou o prédio nunca praticaram qualquer acto de posse relativamente àquela faixa de terra, ao contrário dos Réus. Em 2017, colocaram junto à margem do ribeiro uma rede e passaram a apascentar nela o gado, sem oposição de ninguém. Já os anteriores proprietários do art.º 45-B colocaram uma rede entre o prédio e o caminho e DD colocou no lado exterior dessa rede marcos de cimento, querendo assim que a rede funcionasse como estrema do prédio. O muro existente no prédio dos Réus não foi construído para servir de extrema, mas sim de contenção. Quanto à indemnização pelo muro demolido, a mesma não é devida, e caso se venha a entender que era um muro meeiro a sua reconstrução é demasiado onerosa. No que concerne ao corte dos sobreiros, tal ocorreu por acção de terceiro. Quanto aos danos nas cancelas e vedação, o Réu derrubou essa cancela para aceder ao prédio 28-B, pois que tal prédio não tem acesso à via pública sendo que se acedia ao mesmo através de uma azinhaga, sendo depois por dentro do prédio com o art.º 45-B, e nunca os anteriores proprietários do art.º 45-B fecharam a entrada ou impediram a passagem. Mesmo que se entenda que aquele leito não é público, existe direito de servidão sobre o art.º 45-B de acesso ao art.º 28-B. Carece a Autora de legitimidade activa, por não ser dona do leito e ter dado causa à actuação do Réu, e este não é obrigado a indemnizar.


Terminam pedindo a improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos, sem prejuízo de, quanto aos danos das cancelas e ao corte da água se entender que é caso de absolvição da instância.


4. A Autora respondeu à excepção de ilegitimidade e suscitou, a título de questão prévia, a correcção de lapso, no que concerne ao pedido, passando do mesmo a constar, nas alíneas ii) e iii), o seguinte:


ii) a suportar o custo da reconstituição natural, a título de indemnização correspondente aos danos patrimoniais decorrentes da conduta ilícita por ele adoptada, a liquidar a execução de sentença, designadamente:


1) a reconstruir o muro de pedra divisório de propriedades e derrubado pelo Réu marido, no local em que originalmente se encontrava e na extensão necessária à ligação das partes ainda existentes entre cada uma das extremas, num comprimento aproximado de 100 m e com o mínimo de 1 m de altura;


2) a substituir as cancelas vedações e pilares destruídos, no local em que originalmente se encontravam e na extensão necessária à reposição da situação pré-existente;


3) a pagar à Autora uma indemnização correspondente à soma do valor dos dois sobreiros abatidos na propriedade da Autora e também a ela pertencentes, e aos lucros cessantes correspondentes aos respectivos descortiçamentos, tudo conforme vier a ser quantificado no decurso da acção;


iii) subsidiariamente aos pedidos deduzidos na alínea ii), subalíneas 1) e 2), no pagamento à Autora dos custos correspondente ao valor actual da referida reconstrução, caso não reponham por si a situação no prazo que, por Sentença, lhes for fixado para o efeito, na quantia que vier a ser apurada em execução de Sentença, e quanto a estes dois pedidos e ao formulado na subalínea 3), condenando-os ainda no pagamento dos juros de mora calculados à taxa legal supletiva aplicável, desde a data do respectivo vencimento obrigação até efectivo e integral pagamento da dívida.


5. Por despacho, transitado em julgado, foi admitida a correcção do pedido formulado pela Autora.


Na audiência prévia decidiu-se julgar improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos Réus e foi proferido despacho saneador, nos termos do qual se definiu o objecto do litígio, identificaram-se os temas da prova e admitiram-se os meios de prova.


Após a realização da perícia, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença, na qual se decidiu:


«Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

a. Declara-se a Autora, Quinta Fonte de Água - Campismo Rural, Lda., como legítima proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob a ficha n.º 685, da freguesia de S...;

b. Condenam-se os Réus AA e BB a reconhecer esse direito de propriedade plena da Autora sobre o prédio descrito na ficha 685, da freguesia de S..., nomeadamente na parte ocupada pelos Réus e que compõe o artigo matricial rústico 45.º, secção B, da referida freguesia, e a abster-se da prática de actos lesivos do direito de propriedade da Autora sobre a totalidade da área do mesmo, conforme consta daquela descrição predial e respectiva inscrição matricial;

c. Condenam-se os Réus a restituir à Autora da parte do prédio supra, que foi por eles apropriada;

d. Condenam-se os Réus, solidariamente, no pagamento à Autora, de uma indemnização pela privação ilícita do uso e fruição plena do prédio que constitui o artigo matricial 45.º, secção B, pela privação directa entre 16.02.2019 e até à data da entrega efectiva da faixa de terreno ocupada, tudo a liquidar em execução de sentença;

e. Condena-se o Réu AA a substituir as cancelas vedações e pilares destruídos, no local em que originalmente se encontravam e na extensão necessária à reposição da situação pré-existente, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença;

f. Condenam-se os Réus no pagamento à Autora do montante de 922,50€, acrescido de juros legais, desde a citação;

g. Absolvem-se os Réus do demais peticionado; (…)»


6. Inconformados interpuseram os RR. o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que condensaram nas seguintes conclusões:


1- Decidiu a Meritíssima Juiz, na douta sentença de que se recorre, que a faixa de terreno objecto do litígio é parte integrante do prédio da Autora; e condenou os Réus a restituí-la e a indemnizar a Autora pela ocupação, que considerou ilícita e culposa, a liquidar em execução de sentença. Mais decidiu condenar o Réu AA a “substituir as cancelas, vedações e pilares destruídos”. Finalmente, decidiu condenar os Réus a pagar à Autora o montante de €922,50, acrescido de juros legais a contar da citação, correspondente ao custo de um levantamento topográfico.


2- São estas as quatro questões – pertença da faixa de terreno, dever de indemnizar, substituição das cancelas, vedações e pilares e sua destruição, e pagamento do custo do levantamento topográfico – que são objecto do recurso dos Recorrentes.


3- No que se refere à faixa de terreno, entendem os Recorrentes, com o devido respeito, que houve uma errada apreciação da prova; que a prova produzida – documentos, perícia e prova gravada - conduz a conclusão diferente, conduz à conclusão de que a faixa de terreno é parte integrante do prédio dos Recorrentes.


4- Essa questão prende-se com um caminho e com a sua relação com o prédio da Autora e com o prédio dos Réus e com a sua situação e natureza e sentido dos objectos que o marginam. Para melhor se perceber, a signatária apresenta, no final, como complemento da alegação, para melhor entendimento dela, um desenho que não é rigoroso, mas se assegura que não atraiçoa o que está à vista no local. Pede-se que, com a reserva de não ser rigoroso, o tribunal o considere.


5- Alegou a Autora na petição inicial que a confinância entre o seu prédio 45-B e o prédio 31-B dos Réus se faz na zona onde se situa um muro de pedra, que entende ser propriedade dos dois prédios (artigos 6º, 7º, 11º e 12º).


6- Alegaram, por sua vez, os Réus na contestação que os dois prédios têm antes a separá-los um caminho público, que acompanha, pela nascente, o artigo 45-B, sendo com esse caminho, mais concretamente com a sua berma poente que aquele prédio confina e que, por isso, a faixa de terreno em causa é parte integrante do artigo 31-B pertencente aos Réus (artigos 15º e 31º da contestação).


7- Mais alegaram os Réus, nos artigos 16 a 26, 31 a 36, 38º, 43º, 44º, 46º, 50º e 53º da contestação, que há vários factores que concorrem para a demonstração de que é sua a faixa em causa, a saber: esse caminho existe e é público; no registo predial o prédio confina com caminho público; esse caminho aparece, no mapa cadastral assinalado como tal, isto é, como caminho público, desde a Estrada Nacional até ao pontão e volta a aparecer, também como público, a partir do ponto onde corre a estrema entre o prédio do artigo 31-B, dos Réus, e o prédio do artigo 46-B, com que confina a norte; a Autora nunca praticou na faixa de terreno qualquer acto de posse, fosse de intervenção na terra ou mesmo de fruição de pastagem; existe uma vedação de rede entre o prédio do artigo 45-B da Autora e o caminho; existem do lado exterior da rede, mas a ela colado, marcos de estrema; o muro pertence apenas ao prédio dos Réus; as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.


8- Ao contrário do decidido na douta sentença, estes vários factores, que os Recorrentes consideram dever ter-se como provados nos autos e, em conjunto com outros que se vieram a apurar em julgamento, concorrem para a demonstração de que é deles Recorrentes a faixa em causa.


9- Para justificar que a faixa de terreno é da Autora e, assim, condenar os Réus a pagar uma indemnização pela consequente ocupação ilegal, baseou-se a Meritíssima Juiz no relatório pericial, conjugado com o depoimento da testemunha EE, topógrafo autor do levantamento topográfico - que, ao contrário do que se diz na douta sentença, se basearam ambos apenas no cadastro geométrico, que não presume a propriedade -, e com o depoimento das testemunhas FF e GG, que não contrariou a evidência da restante prova produzida.


10- Desvalorizou totalmente o depoimento das testemunhas dos Réus, testemunhas que disseram que a estrema se faz pelo caminho público, apesar de ter admitido na sentença que:


“Como o Tribunal teve oportunidade de aferir, na diligência de inspecção ao local, quem olha para a configuração actual do local, com o caminho arranjado, ladeado de vedações, com a existência de marcos, junto à vedação do lado esquerdo, é levado a pensar que estrema dos prédios se faz pelo caminho.”


11- No que se refere ao caminho, deve ter-se como provado que ele existe e que é público, porque se destina ao público em geral, por ele é utilizado; é assumido como tal pela Câmara Municipal de Local 1 e pela Junta de Freguesia de S..., que assegura a sua conservação; há sinais no terreno que revelam que tem essa natureza de público.


12- Essa prova foi feita através:

- dos depoimentos da testemunha HH (ouvida na audiência de julgamento de dia 07-03-2024, entre as 14:30 horas e as 15:26), do Presidente da Junta de Freguesia de S..., II (depoimento prestado na audiência de julgamento de dia 08-03-2024, entre as 09:37 horas e as 10:06), que afirmaram expressamente que o caminho é público (com depoimentos transcritos na alegação a fls. 7 e 8 que se dão por reproduzidos);

- do depoimento do Perito na audiência de julgamento de dia 07-03-2024, entre as 09:45 e as 10:04, que disse ao minuto 16:54: “cada um dos proprietários excluiu o caminho da sua propriedade”.

- da certidão da Câmara Municipal de Local 1 que atesta “(…) que existe um caminho público (…)”;

- do relatório pericial, a folhas 35, junto aos autos em 26-10-2023, com a referência 2399147, no qual se diz que: “por avaliação directa no local existem ali de facto actualmente sinais e elementos no território que fazem parecer com que o caminho se revista de uma natureza diferente (i.e. pública): Existem vedações que individualizam ambos os prédios de um e de outro lado do caminho; Existem marcos de propriedade com as características oficiais no lado poente do caminho; Existem infra-estruturas de serviço público ao longo do caminho; E de facto o caminho está excluído dos prédios cadastrados, ainda que a sul e a norte deste troço em discussão.”

- de confissão da Autora no artigo 11º da Petição Inicial - diz que o Réu vedou parte da propriedade junto ao caminho público – e por junção de certidões de registo predial nas quais consta que os prédios confrontam com caminho público.

13- Deve também ter-se como provado, à luz do registo, que o prédio da Autora e o dos Réus confinam ambos com o caminho público.


14- Das descrições do registo, a nº 247 do prédio 31-B dos Réus, junta pela Autora na PI, e a antiga descrição nº53/19861003, do prédio da Autora, junta pelos Réus na contestação, resulta que é o caminho público que separa os prédios.


15- Ao contrário do que se diz na douta sentença, a folhas 20 e 21, a prova que aqui se invoca, decorrente das confrontações registais, não assenta na presunção do registo, mas na confissão da parte a quem prejudicam – a do registo do prédio dos Réus porque consta de documento que a Autora apresentou, a do registo do prédio da Autora porque vem de informação levada por proprietários do seu prédio ao registo.


16- Também à luz do cadastro geométrico resulta que o caminho público é a estrema dos prédios.


17- O mapa cadastral actual não reflecte bem a realidade quanto à natureza do caminho e que este é, em toda a sua extensão, efectivamente público.


18- A Autora não alegou que vem possuindo, por si e através de anteriores proprietários, a faixa de terreno.


19- Como resulta do relatório pericial e do depoimento da testemunha JJ, ouvida na audiência de julgamento de dia 08-03-2024, entre 10:29 e as 10:48, a Autora nunca praticou actos de posse nessa faixa de terreno, nem podia, porque a faixa de terreno se destina a pastagem de gado e a Recorrida dedica-se exclusivamente à actividade de caravanismo no prédio (pontos 1 e 2 da sentença).


20- Resulta também da prova produzida que existem sinais no terreno que permitem concluir que a estrema dos prédios se faz pelo caminho, a saber: postes públicos de energia eléctrica e de telecomunicações colocados nas duas bermas do caminho; vedações colocadas no prédio da Autora na berma do caminho; marcos de estrema com características oficiais colocados junto às vedações do prédio da Autora.


21- Resulta do relatório pericial, a folhas 35 e 37, que existem infra-estruturas de serviço público ao longo do caminho.


22- No ponto 21 da matéria de facto ficou provado que: “DD colocou do lado exterior da rede, mas a ela colado, marcos do cimento, com pintura, a preto, no topo, de uma seta no sentido da rede (longitudinal);”, e, por confissão da Autora, pela perícia e também através da inspecção ao local feita pela Meritíssima Juiz, resulta que existe uma vedação de rede entre o prédio do artigo 45-B e o caminho e que existem, do lado exterior da rede, mas a ela colado, marcos de cimento, com pintura, a preto, no topo, de uma seta no sentido da rede (longitudinal) e com as letras AJ (iniciais de DD, anterior proprietário, a quem a Autora adquiriu o prédio), com as características oficiais de marcos de estrema.


23- Para encontrar razão para os marcos e os desvalorizar a Meritíssima Juiz invoca o depoimento de uma testemunha GG, promotor imobiliário, prestado em audiência de julgamento de dia 15-04-2024, entre as 14:00 e as 14:37 (com depoimento transcrito na alegação a fls. 14, que se dá por reproduzido)


24- O depoimento desta testemunha, que vem relatar o que ela acha que o anterior proprietário do prédio da Autora, DD, pretenderia com a colocação dos marcos, é prova “por ouvir dizer”, um depoimento indirecto, que não foi confirmado pela pessoa a quem se atribui o comportamento, o DD, nem por documento; e que, perante a inequívoca existência de marcos com características oficiais de marcos de estrema, junto ao caminho público, não pode prevalecer.


25- A única versão que resulta dos autos e que faz sentido é que o anterior proprietário do prédio da Autora, DD, colocou marcos com as características oficiais para demarcar a estrema de prédio, deixando de fora o caminho e a parcela em causa nos autos, por saber que não pertencem ao prédio.


26- Está provado, no ponto 11, que o muro pertence apenas ao prédio dos Réus.


27- Estando provado que o muro não é dos dois prédios, mas antes do prédio dos Recorrentes, não pode presumir-se que ele serve para delimitar a estrema entre os dois prédios, tornando-se irrelevante, ao contrário do que se diz na douta sentença, a folhas 13, se ele é de contenção de terras ou não.


28- É exclusivamente no cadastro predial que a Autora assenta a prova da propriedade da faixa de terreno.


29- O Senhor Perito, KK, concluiu que a faixa de terreno pertence ao prédio da Autora porque é isso que resulta do mapa cadastral. Disse-o, por escrito, no relatório pericial e reiterou-o no depoimento que prestou em audiência de julgamento de dia 07-03-2024, entre as 09:45 e as 10:04. O topografo EE disse o mesmo, em audiência de dia 07-03-2024, entre as 14:13 e as 14:29 (com depoimentos transcritos na alegação a fls. 18, que se dão por reproduzidos).


30- E, na certidão da Câmara Municipal de Local 1, o mesmo se diz.


31- As “inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade” (artigo 157º, §2º, do Cod. da Cont. Predial, publicado pelo Decreto-Lei nº 45.104, de 1-7-1963 e o artigo 12º, nº5 do código do IMI e 1rtigo 16º do Decreto-Lei nº72/2023, de 23 de Agosto). Essa presunção não pode, pois, ser bastante para, sem mais, fundar o direito de propriedade.


32- Mas mesmo que se considerasse que se podia presumir, através da planta cadastral, que a faixa de terreno é da Recorrida, há elementos nos autos, como acima se referiu, que ilidem essa presunção, pois provam que a planta está incorrecta.


33- E, ao contrário do que se diz na douta sentença, nem o argumento do Senhor Perito, a folhas 31 e 33 do relatório, de que, retirando a área em litigio da área que o prédio da Recorrida tem no registo e acrescentando essa área à área que o prédio dos Recorrentes tem também no registo, “a divergência de áreas no prédio dos Autores era então 3 vezes maior, e no prédio dos Réus, a divergência de áreas seria então quase 30 vezes maior.” afasta essa incorrecção.


34- Este argumento está assente em factos errados, pois a área que o Senhor Perito teve em conta, neste seu exercício de simulação, é uma área de 4672m2, que integra não só a faixa de terreno, mas também o caminho público.


35- Para que a argumentação do Senhor Perito quanto à divergência de áreas pudesse ser considerada um factor de prova de que a faixa de terreno é da Recorrida, teria o Senhor Perito de ter retirado e acrescentado das áreas dos dois prédios a área da faixa de terreno de 763m2, área que ela tem, como ficou provado através do relatório pericial, a folhas 45 “A área actualmente encerrada no interior do prédio dos Réus, (por intermédio de vedações), que de acordo com o Cadastro Predial será pertença do prédio 458, (dos Autores), é de aproximadamente 763m2 .


36- Se isso tivesse feito, teria concluído que a divergência de áreas seria, no prédio da Recorrida, de 0,3% (a área sobrante seria de 251487m2) e, no prédio dos Recorrentes, de 2,22% (a área passaria a ser de 35013 m2), inferior aos 5% que o Senhor Perito refere ser a margem de erro na lei (artigo 28-A do Registo Predial) e, por isso, perfeitamente plausível.


37- Cai, assim, a argumentação da douta sentença baseada na divergência que resultaria se a estrema dos prédios fosse o caminho e não o muro de pedra.


38- Em resumo, a douta sentença incorreu em erro na apreciação da prova, pois a prova produzida conduz à conclusão de que a faixa de terreno é parte integrante do prédio dos Recorrentes, uma vez que:


Existe um caminho, que é público; o prédio do artigo 45-B da Autora confronta a poente com o caminho público; o mapa cadastral actual não reflecte a realidade quanto à natureza do caminho e este é, em toda a sua extensão, efectivamente, público; a Autora nunca praticou na faixa de terreno qualquer acto de posse, fosse de intervenção na terra ou mesmo de fruição de pastagem ou de caravanismo; existem infra-estruturas de serviço público ao longo do caminho, há vedações colocadas no prédio da Autora na berma do caminho e há marcos de estrema, com características oficiais, colocados junto às vedações do prédio da Autora; o muro, que a Recorrida diz que delimita a estrema entre os prédios, pertence apenas ao prédio dos Recorrentes; só há presunção dos elementos de uma planta cadastral para efeitos fiscais, e, por isso, com base neles não se pode presumir, para efeitos da presente acção, que a faixa de terreno é da Recorrida, mas que mesmo que se pudesse presumir há elementos probatórios nos autos que ilidem essa presunção, pois provam que a planta está incorrecta.


39- Deve, por isso, alterar-se o elenco da matéria de facto provada, cortando, modificando e acrescentando os seguintes:


a) Cortando:

- o facto do ponto 6 porque a fixação da estrema é questão que é objecto da acção, é questão de direito, e não facto material não discutido;

- o facto do ponto 17 porque atribui aos Réus o conhecimento de facto que eles próprios recusam.

b) Alterando:

O facto 8, para passar a ter a seguinte redacção: A faixa de terreno, entre o muro de pedra e o referido caminho, com aproximadamente 6 metros de largura por 75 metros de extensão de área, tem aproximadamente a área de 763m2 (só nessa parte é aceite a redacção dada ao facto porque não houve ocupação e a estrema não é no muro; adita-se a área por, face ao relatório pericial, deve ela ser tido como acolhida).

O facto 10, para passar a ter a seguinte redacção: No dia 16.02.2019 e mediante o uso de uma máquina pesada, o R. marido destruiu o muro de pedra, de altura não concretamente apurada, numa extensão de aproximadamente 100 metros, removendo-o por completo e não deixando vestígios visíveis do mesmo (não se aceita a alusão à delimitação das propriedades porque a própria sentença situa o muro dentro do prédio dos Réus).

O facto 11, para passar a ter a seguinte redacção: Tal muro encontrava-se erigido dentro do prédio pertença dos Réus (é equivoca a expressão lado interior da estrema e a douta sentença já deu como assente que o muro fica dentro do prédio dos Réus).

O facto 14, para passar a ter a seguinte redacção: Já no início do ano de 2021, em data não concretamente apurada, na faixa de terreno, entre o muro de pedra e o referido caminho, apareceram dois sobreiros cortados, sem conhecimento prévio ou autorização da Autora para o efeito, ou do ICNF, a quem a Autora, não pediu autorização para corte de árvores nem tem conhecimento de o mesmo ter sido pedido ou autorizado (não se aceita que nele se aluda a zona ocupada nem a legitima proprietária do espaço, nem a lei assim o exigir porque tudo são questões de direito).

c) Aditando os seguintes factos, dando-os como provados:

- Os que a Meritíssima Juiz deu como não provados nas alíneas h), j), n) e o).

- Que a rede e os marcos referidos no ponto 21 se situa junto da berma poente do caminho público.

- Que o local de implantação dessa rede e desses marcos é o limite físico do prédio da Autora 45-B.

- Existem infra-estruturas de serviço público ao longo do caminho.

- A Autora nunca praticou na faixa de terreno qualquer acto de posse, fosse de intervenção na terra ou mesmo de fruição de pastagem.

40- Provado que fica, portanto, que a faixa de terreno em causa nos autos é pertença do prédio dos Recorrente, devem os Recorrentes ser absolvidos dos pedidos das alíneas a) e b).


41- E devem, também, ser absolvidos do pedido de indemnização, peticionado na alínea i., porque a faixa é pertença do prédio dos Recorrentes.


42- Mas mesmo que assim se não entendesse, nunca deveriam eles ter sido condenados a pagar uma indemnização, pois a actuação deles, de ocupação da faixa de terreno, nem foi ilícita, nem foi culposa. Os Recorrentes actuaram convencidos, legitimamente, que a parcela de terreno lhes pertencia, pois como a própria Meritíssima Juiz que “quem olha para a configuração actual do local, com o caminho arranjado, ladeado de vedações, com a existência de marcos, junto à vedação do lado esquerdo, é levado a pensar que estrema dos prédios se faz pelo caminho.”


43- A par disso, não há dano.


44- A Recorrida não alegou tê-los. Não tendo sido alegados nenhuns danos, como e para quê remeter a fixação para execução de sentença? Para permitir a Autora imaginar que danos quer ver ressarcidos?


45- Qualquer prestação em que o tribunal condene tem de ter objecto determinável e aludindo a Autora na sentença apenas a danos, sem dizer quais, a indeterminabilidade é absoluta (artigo 280º, nº 1 do C. Civil).


46- Resulta do relatório pericial que a faixa de terreno em litígio é uma faixa com terreno agrícola de pastagem, não contestado pela Recorrida, devendo, por isso, aditar-se à matéria assente, com base na prova testemunhal e documentos, que a faixa de terreno é terreno agrícola de pastagem.


47- Com o devido respeito, a douta sentença apreciou erradamente a matéria de facto provada, não dando por provado que a faixa de terreno é terreno agrícola de pastagem; e, perante a prova deste facto e, como acima se disse, estar provado na sentença que a Recorrida se dedica no prédio unicamente à actividade de caravanismo, devia ter concluído que nenhum dano ela teve e absolvido os Recorrentes da indemnização peticionada, por não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, previstos no artigo 483º do C.Civil: a ilicitude, a culpa e o dano.


48- No que se refere à substituição das cancelas, vedações e pilares entendem os Recorrentes, salvo o devido respeito, que, nos termos do artigo 615, nº1, alínea c) do C.P Civil, a douta sentença é, nessa parte, nula, por existir uma contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão.


49- Ficou provado, no ponto 13, que as cancelas ficaram amolgadas e que as vedações e os pilares foram tão somente derrubados e, em consequência, a folhas 32 da sentença diz-se que “o Réu marido deverá ser condenado a repor a situação que existia antes do facto ilícito e culposo, reparando ou substituindo, consoante o que for menos oneroso no caso, aqueles bens, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença (CFR. art.º 562.º do CC).”.


50- Sucede que, a final, condenou-se o Réu AA a “substituir as cancelas vedações e pilares destruídos, no local em que originalmente se encontravam e na extensão necessária à reposição da situação pré-existente, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença;”


51- A possibilidade de o Réu escolher entre reparar ou substituir as cancelas, vedações e pilares é a que está de acordo com os factos provados no ponto 13. Nenhum dos bens ficou destruído.


52- Mas, mesmo que assim não seja o Réu marido nada teria a pagar porque exerceu o direito de acção directa (artigo 336º do C. Civil). Na contestação invocou o direito à actuação em situação de necessidade. O que também ocorre. Mas verdadeiramente o seu direito é de acção directa porque a Autora praticou um acto ilegal vedando o caminho, não podendo fazê-lo desde que está assente que colocou cancelas em caminho público (factos 23 a 31 da matéria de facto assente) – artigo 25º, nº 1 do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, aprovado pelo Dec. Lei nº 280/2007, 7 de Agosto.


53- Quem se defende de um acto ilícito, actua ilicitamente, não pode ser responsabilizado, actua ilicitamente, a menos que vá grosseiramente além do necessário. Mas para isso terá o primeiro lesante de alegar a excessividade. No caso presente teria a Autora de alegar que o laço com que fechou as cancelas era desatável sem as derrubar.


54- Deve, por isso, alterar-se a decisão, absolvendo-se o Réu, ou condenando-se, no máximo, a substituir ou a reparar as cancelas, vedações e pilares, consoante o que for menos oneroso para ele.


55- No que se refere ao pagamento do custo do levantamento topográfico, resultando que a faixa de terreno em causa nos autos é pertença do prédio dos Recorrentes, devem estes ser absolvidos do pedido de condenação no pagamento do levantamento topográfico.


56- Mas caso assim se não entenda, entendem os Recorrentes que se violou o disposto no artigo 483º do C. Civil, porque não há nexo de causalidade entre a actuação dos Recorrentes e o custo do levantamento topográfico.


57- Não foi alegado, nem demonstrado, que, sem o levantamento topográfico, não pudesse a Recorrida comprovar os limites do seu prédio.


58- Também aqui deve alterar-se a matéria de facto, agora a do ponto 15, em termos de passar a ter a seguinte redacção:


A A. procedeu a um levantamento topográfico da sua propriedade, que ela própria custeou, no valor de 922,50€, para confirmar os limites do seu prédio e os do artigo 31-B.


59- E serem os Recorrentes absolvidos do pedido constante da alínea iv da contestação.


60- Pela forma como julgou com a selecção, tendo-os como provados, de factos que a prova não autorizava e desconsideração de outros que deviam ser, violou com relação a todas as questões o principio da livre, mas vinculada apreciação prevista no artigo 607º, nº 5 do C. P. Civil, bem como o artigo 615º, nº 1, al. c) e, no caso substantivo, os artigos 483º, 280º, nº 1 e 336º do C. Civil.

Atento o exposto, recapitulando o já antes concluído, deve alterar-se a douta sentença, julgando completamente improcedente a acção e condenando a Autora nas custas. (sublinhados nossos)

7. Contra-alegou a A., sustentando a não admissibilidade do documento junto pelos RR. com as alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Questão prévia


9. Com as alegações, os recorrentes juntaram um documento, referindo que, “como uma das questões a decidir – a da pertença da faixa de terreno - se prende com um caminho e a sua relação com o prédio da Autora e o prédio dos Réus e largamente se vai aqui discutir a sua situação e natureza e sentido dos objectos que o marginam, a signatária apresenta, no final, como complemento da alegação, para melhor entendimento dela, um desenho que não é rigoroso, mas se assegura que não atraiçoa o que está à vista no local”, pedindo que, com a reserva de não ser rigoroso, o tribunal o considere.


A A. opôs-se, referindo que o dito documento constitui um desenho, cuja autoria se desconhece, não se encontrando alegado, nem demonstrado que não pudesse ter sido junto antes, nem que a sua junção se justifique em função do decidido.


No caso, além de ser manifesto que não vem sequer alegado fundamento justificativo para a apresentação neste momento do dito documento, como previsto no artigo 651º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que por si só justifica a rejeição da requerida junção, há nos autos documentos autênticos e particulares, emitidos por entidades públicas e técnicos habilitados que ilustram a realidade presente no local em questão, que dispensam a junção do desenho ou representação do local que a parte agora junta.


Pelo exposto, não se admite a junção do documento em causa.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Da nulidade da sentença;

ii. Da impugnação da matéria de facto;

iii. Da reapreciação da decisão jurídica da causa, havendo a este respeito que se averiguar da titularidade da faixa de terreno reivindicada, da obrigação de restituição e do direito às indemnizações estipuladas na sentença.


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:


1) A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à exploração turística do parque de caravanismo sito na Quinta..., em Local 1;


2) Foi para esse fim que a A. adquiriu em 16 de Maio de 2018 — com recurso a crédito bancário e constituindo sobre o prédio garantia de hipoteca para pagamento do crédito que lhe foi concedido — o prédio misto onde se situa o parque de caravanismo, inscrito sob os artigos rústicos 27 e 45, ambos da secção B (27-B e 45-B), e urbanos 504 e 652, que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob a ficha n.º 685, da freguesia de S..., vindo desde então a dedicar-se no mesmo à referida actividade comercial;


3) Os Réus (RR.) AA e BB, são casados entre si sob o regime de comunhão de adquiridos e são os únicos sócios da Sociedade Agrícola da CC Lda, com o NIPC ... e sede na morada dos RR.;


4) Esta sociedade agrícola é proprietária do prédio inscrito sob o artigo 29, secção B (29-B) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 153, da freguesia de S..., e que confina com o prédio da A., na parte que constitui o artigo 45-B pelo lado nordeste;


5) Em 2009 os RR. adquiriram por compra, já no estado de casados, um outro prédio, também contíguo ao da Autora pelo lado sudeste, inscrito sob o artigo 31, secção B (31-B), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 247, da freguesia de S...;


6) A estrema dos prédios 45-B com o 31-B situa-se ao longo de um muro de pedra solta que existia do lado nascente do caminho que se inicia na estrada nacional;


7) Em data não concretamente apurada, mas posterior a 2017, o aqui R. marido começou por vedar uma parte de terreno junto ao caminho público, erguendo ao longo do mesmo uma cerca em rede e arame farpado entre o muro de pedra ali existente e o referido caminho, numa extensão de cerca de 75 metros;


8) Ocupou o Réu desta forma uma faixa de terreno, entre a vedação erguida e aquele muro, de aproximadamente 6 metros de largura por 75 metros de extensão de área que se situa para além da estrema do prédio dos Réus;


9) Esta faixa de terreno tem um valor estimado em 1.838,83€;


10) De seguida, no dia 16.02.2019 e mediante o uso de uma máquina pesada, o R. marido destruiu o muro de pedra, de altura não concretamente apurada, que delimitava as propriedades da A. e dos RR., numa extensão de aproximadamente 100 metros, removendo-o por completo e não deixando vestígios visíveis do mesmo;


11) Tal muro encontrava-se erigido no lado interior da estrema do prédio pertença dos Réus;


12) Em 26 de Agosto desse mesmo ano e durante a noite, o R. marido derrubou a cancela metálica que vedava uma abertura de acesso à propriedade da A. e existente na estrema do prédio da A. que confina com a propriedade dos RR., também separada desta por muro de pedra, alegando ter o direito de por ela passar;


13) Os representantes da A. repuseram a cancela no sítio original e o R. marido voltou a derrubá-la no dia seguinte, em 27.08.2019, amolgando parte desta e derrubando também parte da vedação que a ladeava e das fundações dos postes que a sustentavam;


14) Já no início do ano de 2021, em data não concretamente apurada, e na zona do prédio ocupada pelo Réu, apareceram dois sobreiros cortados, sem conhecimento prévio ou autorização da A. para o efeito, ou do ICNF, a quem a A., legítima proprietária daquele espaço, não pediu autorização para corte de árvores nem tem conhecimento de o mesmo ter sido pedido ou autorizado, não obstante a lei assim o exigir;


15) Na sequência dos factos supra expostos e praticados pelo Réu, ora A. procedeu a um levantamento topográfico da sua propriedade, que ela própria custeou, no valor de 922,50€, para confirmar os limites do seu prédio e os do artigo 31-B;


16) A A. interpelou os RR. por carta registada com aviso de recepção datada de 09.03.2021, interpelando-os para que regressassem aos limites originários do seu prédio, assim fazendo a restituição voluntária das partes ocupadas do prédio da A., comunicando-lhes a sua oposição ao corte das árvores efectuado, e concedendo-lhes ainda prazo para a reposição do muro divisório destruído e a reposição do curso de água desviado;


17) Até a presente data os RR. não procuraram repor a situação originária, não obstante saberem que a proprietária do terreno é a A. e que a sua ocupação não foi consentida;


18) O R. marido dispõe de um outro acesso ao prédio Tapada... através de prédio Curral..., do lado direito do mesmo;


19) Antes do prédio da Autora ter vindo ao seu domínio, o actual artigo 45-B fazia parte de um outro, o artigo 30-B;


20) O então proprietário, Sr. LL, em 1990, dividiu-o, resultando os artigos 45-B e 46-B;


21) DD colocou do lado exterior da rede, mas a ela colado, marcos do cimento, com pintura, a preto, no topo, do uma seta no sentido da rede (longitudinal);


22) Quem cortou os sobreiros foi MM, sem o conhecimento nem consentimento dos Réus;


23) O prédio do artigo 28-B não tem acesso directo a via pública ainda transitável;


24) O seu acesso era, em tempos, feito através de urna azinhaga pública que partia do caminho público que passa a estrema do artigo 45-B, corria junto a este, à estrema com o artigo 29-B, passava a estrema daquele artigo 28-B e continuava até, mais adiante, encontrar uma antiga calçada, considerada romana;


25) Essa azinhaga ainda hoje existe, murada dos dois lados, a partir do artigo 28-B para o lado da calçada romana;


26) O acesso do caminho do artigo 45-B ao artigo 28-B, que já antes de demolido o muro da azinhaga se fazia por esse troço, continuou depois a sê-lo por dentro do artigo 45-B;


27) Continuou e ainda hoje o é, por leito devidamente marcado pela passagem, que partindo daquele caminho vai direita a um portão a entrada do artigo 28-B;


28) O prédio do artigo 28-B é desde 2014 propriedade da Sociedade Agrícola da CC, Lda., de que são sócios os Réus e é gerente a Ré mulher e desde que a Sociedade entrou na sua posse nunca deixou ela de, pelos seus sócios ou empregados, passar diariamente pelo referido leito;


29) A Autora fechou a entrada junto ao caminho público do artigo 45-B, colocando aí cancelas que amarrou com cordas;


30) A Sociedade da CC, Ld.ª tem tido no artigo 28-B em permanência, gado que precisa de ser assistido pelo menos uma vez por dia;


31) Foi por ter querido passar e ter encontrado fechado o acesso ao caminho que derrubou as cancelas.


*


A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:


a) O descrito em 7) dos factos provados tenha ocorrido no início de 2019;


b) O descrito em 7) dos factos provados tenha ocorrido em finais de 2017, e os Réus passaram, em permanência, a apascentar o gado nesse local, sem oposição de ninguém;


c) A vedação descrita em 7) dos factos provados tenha cerca de 100 metros;


d) A faixa de terreno descrita em 10) dos factos provados tenha 8 metros de largura e 100 de extensão;


e) O muro descrito em 10) dos factos provados tivesse cerca de um metro de altura;


f) A cancela e vedações referidas em 12) dos factos provados tivessem ficado destruídas;


g) O descrito em 14 dos factos provados tivesse ocorrido em Fevereiro;


h) Os prédios inscritos na matriz sob os números 31-B e 45-B, da freguesia de S... têm a separá-los um caminho;


i) A faixa de terreno descrita em 7 a 9 dos factos provados nunca tenha sido cultivada;


j) A faixa de terra descrita em 7 a 9 seja parte integrante do artigo 31-B;


k) A faixa de terreno descrita em 7 a 9 tenha sido sempre utilizada pelos Réus para passar do caminho para o seu prédio, por dois aquedutos instalados no ribeiro;


l) O levantamento descrito em 15 dos factos provados tivesse custado 995,32€;


m) Já desde tempo anterior ao proprietário DD e até daquele a quem este comprou, LL, existia uma vedação entre o prédio do artigo 45-B e o caminho; o proprietário DD mais tarde substituiu-a por outra nova, que voltou a colocar na linha de ligação dele ao caminho, composta por uma rede do arame, com a altura do 1 (um) metro e 10 (dez) centímetros;


n) O descrito em 21 dos factos provados tivesse ocorrido para informar que era ali que terminava o prédio;


o) DD tivesse querido que a rede funcionasse como estrema do prédio do artigo 45-B junto ao caminho e que consideravam que, para o lado de fora dela a nada tinham direito;


p) O muro situado ao longo da margem do ribeiro, tem a função conter a invasão das terras de cultivo pelas águas daquele, em altura de cheias e de as proteger da invasão dos gados que passavam no caminho;


q) O muro supra descrito era apenas um cordão de pedras soltas, com não mais de 30/40 centímetros de largura e a altura de meio metro;


r) A instalação de uma rede no local onde estava o muro não custa mais de €900 e a construção de um muro de pedra, com um metro de altura e a sua extensão de 100 metros tem custo várias vezes superior;


s) Há mais de 30 anos, os antigos donos do artigo 45-B destruíram o muro descrito em 25 dos factos provados que corria ao lado daquele artigo 45-B, no troço entre o caminho e o artigo 28-B e incorporaram o leito no terreno do mesmo artigo 45-B;


t) As cordas descritas em 29 dos factos provados, não pudessem ser desatadas, por tal forma estarem entrelaçadas;


u) Foi essa a única forma de poder entrar, por não conseguir desatar o nó da corda, e não estar por perto nem autoridade pública nem ninguém da parte da Autora.


*


B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. Com a acção que instaurou, pretendia a A. obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio descrito na ficha 685, da freguesia de S..., “nomeadamente na parte ocupada pelos Réus e que compõe o artigo matricial rústico 45.º, secção B, da referida freguesia, e a abster-se da prática de actos lesivos do direito de propriedade da Autora sobre a totalidade da área do mesmo, conforme consta daquela descrição predial e respectiva inscrição matricial, com a consequente restrição da parcela ocupada, e ser indemnizada pela privação de uso. Pediu ainda a condenação dos RR. a reconstruirem o muro de pedra divisório das propriedades, que destruíram, a substituir as cancelas e vedações e pilares destruídos pelo R.-marido, ou, subsidiariamente a pagarem à A. a quantia a liquidar, referente ao custo actual da referida reconstrução, caso não a efectuem por si, o pagamento de indemnização por 2 sobreiros abatidos na sua propriedade e aos lucros cessantes, e ainda o pagamento do custo do levantamento topográfico que efectuaram, além dos respectivos juros moratórios.


Na sentença, reconheceu-se o direito de propriedade da A. sobre o prédio em causa, nele incluindo a faixa de terreno reivindicada, condenando-se a os RR. na restituição da mesma, bem como no pagamento de indemnização, a liquidar posteriormente, pela privação ilícita do uso e fruição, deste 16/02/2019 e até á data da entrega efectiva. Foram também os RR. condenados a substituir as cancelas, vedações e pilares que destruíram e no pagamento da quantia de € 922,50, acrescido de juros legais, desde a citação, absolvendo-se os mesmos do demais peticionado.


Os RR. discordam da sentença, de facto e de direito, reconduzindo a sua discordância à apreciação das questões:


a) Saber a quem pertence uma concreta faixa de terreno com 6 metros de largura, por 75 metros de extensão de área, ou seja, se essa parcela é parte integrante do prédio da A., inscrito sob o artigo 45, da secção B, da freguesia de S..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n º685, da mesma freguesia, ou se é antes parte integrante do prédio dos RR., com aquele confinante, inscrito sob o artigo 31, da secção B, da freguesia de S..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o nº247, da mesma freguesia;


b) Se for parte integrante do prédio da A., se os RR. têm o dever de indemnizar por a terem ocupado;


c) O derrube pelos RR. de uma cancela metálica, uma vedação e pilares existentes naquele acima referido prédio da A., se os destruíram e se têm o dever de a indemnizar, substituindo-os ou reparando-os;


d) O dever de os RR. pagarem à A. o montante de € 922,50, que esta pagou por um levantamento topográfico.


2. Antes de passarmos à apreciação destas concretas questões, que incluiu a prévia apreciação da matéria de facto, importa, em primeiro lugar, dada a sua precedência lógica, apreciar à questão relativa à nulidade da sentença, invocada pelos recorrentes, concretamente a prevista na 1ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, onde se prevê a nulidade da sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão …”.


A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.


Porque assim é, as nulidades da decisão, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.


A respeito da referida nulidade, dizem os recorrentes que ficou provado que as cancelas, vedações e pilares não ficaram destruídos, uma cancela ficou apenas amolgada, a vedação foi derrubada, bem como os postes que a sustentavam, e que na fundamentação da sentença diz-se que é possível reconstituir a situação reparando ou substituindo a cancela, os pilares e a vedação, consoante o que for menos oneroso no caso, mas que, a final, a Meritíssima Juiz condenou o Réu AA a: “substituir as cancelas vedações e pilares destruídos, no local em que originalmente se encontravam e na extensão necessária à reposição da situação pré-existente, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença.”


Na sentença concluiu-se que, no que respeita às cancelas, vedações e pilares destruídos, atentos os factos provados, está demonstrado que o R. danificou esses bens, pertença da Autora, o que constituía um acto voluntário e intencional, lesivo do direito de propriedade da Autora, pois que resultou em estragos causados em bens desta, estando verificados os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, existindo dever de indemnizar (cfr. art.º 483.º do CC), acrescentando-se que “apurada a existência de dano e a sua exacta extensão (cancela, pilares e vedação), haverá que repor a situação que existia, que neste caso é possível através da reparação/substituição dos bens danificados, não tendo os Réus alegados que essa reparação/substituição é excessivamente onerosa”.


Assim, concluiu-se que: “o Réu marido deverá ser condenado a repor a situação que existia antes do facto ilícito e culposo, reparando ou substituindo, consoante o que for menos oneroso no caso, aqueles bens, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença (cfr. art.º 562.º do CC)”. (sublinhado nosso)


Porém, no dispositivo, sob a alínea e), condenou-se o R. a “substituir as cancelas vedações e pilares destruídos, no local em que originalmente se encontravam e na extensão necessária à reposição da situação pré-existente, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença”.


Há, de facto, uma desconformidade entre a fundamentação e a decisão, uma vez que nesta não se contemplou a opção da reparação que aquela inclui em alternativa, que se nos afigura ter ocorrido por lapso, mas que constando do dispositivo se aceita reconduzível à dita nulidade por contradição, que, no entanto, em face do disposto no n.º 1 do artigo 665º, será suprida por este tribunal ad quem, caso se venha a concluir pela responsabilidade do R. pela reparação dos prejuízos causados.


3. Como se referiu, os RR./recorrentes discordam da decisão recorrida, impugnando também a matéria de facto, com destaque para os factos relacionados com a questão de saber a quem pertence uma concreta faixa de terreno com 6 metros de largura, por 75 metros de extensão de área, ou seja, se essa parcela é parte integrante do prédio da A., inscrito sob o artigo 45, da secção B, da freguesia de S..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 685, da mesma freguesia, ou se é antes parte integrante do prédio dos Réus, inscrito sob o artigo 31, da secção B, da freguesia de S..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 247, da mesma freguesia.


E a respeito desta questão tecem longas considerações sobre as provas produzidas no processo, na interpretação que das mesmas fazem, as quais indicam, com vista a fundamentar a impugnação da matéria de facto a este respeito, que na conclusão 39ª enunciam do seguinte modo:


«Deve, por isso, alterar-se o elenco da matéria de facto provada, cortando, modificando e acrescentando os seguintes:


a) Cortando:

- o facto do ponto 6 porque a fixação da estrema é questão que é objecto da acção, é questão de direito, e não facto material não discutido;

- o facto do ponto 17 porque atribui aos Réus o conhecimento de facto que eles próprios recusam.

b) Alterando:

O facto 8, para passar a ter a seguinte redacção: A faixa de terreno, entre o muro de pedra e o referido caminho, com aproximadamente 6 metros de largura por 75 metros de extensão de área, tem aproximadamente a área de 763m2 (só nessa parte é aceite a redacção dada ao facto porque não houve ocupação e a estrema não é no muro; adita-se a área por, face ao relatório pericial, deve ela ser tido como acolhida).

O facto 10, para passar a ter a seguinte redacção: No dia 16.02.2019 e mediante o uso de uma máquina pesada, o R. marido destruiu o muro de pedra, de altura não concretamente apurada, numa extensão de aproximadamente 100 metros, removendo-o por completo e não deixando vestígios visíveis do mesmo (não se aceita a alusão à delimitação das propriedades porque a própria sentença situa o muro dentro do prédio dos Réus).

O facto 11, para passar a ter a seguinte redacção: Tal muro encontrava-se erigido dentro do prédio pertença dos Réus (é equivoca a expressão lado interior da estrema e a douta sentença já deu como assente que o muro fica dentro do prédio dos Réus).

O facto 14, para passar a ter a seguinte redacção: Já no início do ano de 2021, em data não concretamente apurada, na faixa de terreno, entre o muro de pedra e o referido caminho, apareceram dois sobreiros cortados, sem conhecimento prévio ou autorização da Autora para o efeito, ou do ICNF, a quem a Autora, não pediu autorização para corte de árvores nem tem conhecimento de o mesmo ter sido pedido ou autorizado (não se aceita que nele se aluda a zona ocupada nem a legitima proprietária do espaço, nem a lei assim o exigir porque tudo são questões de direito).

c) Aditando os seguintes factos, dando-os como provados:

- Os que a Meritíssima Juiz deu como não provados nas alíneas h), j), n) e o).

- Que a rede e os marcos referidos no ponto 21 se situa junto da berma poente do caminho público.

- Que o local de implantação dessa rede e desses marcos é o limite físico do prédio da Autora 45-B.

- Existem infra-estruturas de serviço público ao longo do caminho.

- A Autora nunca praticou na faixa de terreno qualquer acto de posse, fosse de intervenção na terra ou mesmo de fruição de pastagem.»

4. Nos pontos 6), 8), 10) e 11) o tribunal recorrido teve como provados os seguintes factos:

6) A estrema dos prédios 45-B com o 31-B situa-se ao longo de um muro de pedra solta que existia do lado nascente do caminho que se inicia na estrada nacional;

8) Ocupou o Réu desta forma uma faixa de terreno, entre a vedação erguida e aquele muro, de aproximadamente 6 metros de largura por 75 metros de extensão de área que se situa para além da estrema do prédio dos Réus;

10) De seguida, no dia 16.02.2019 e mediante o uso de uma máquina pesada, o R. marido destruiu o muro de pedra, de altura não concretamente apurada, que delimitava as propriedades da A. e dos RR., numa extensão de aproximadamente 100 metros, removendo-o por completo e não deixando vestígios visíveis do mesmo;

11) Tal muro encontrava-se erigido no lado interior da estrema do prédio pertença dos Réus;

E sob alíneas h), j), n) e o), deu como não provado que:

h) Os prédios inscritos na matriz sob os números 31-B e 45-B, da freguesia de S... têm a separá-los um caminho;

j) A faixa de terra descrita em 7 a 9 seja parte integrante do artigo 31-B;

n) O descrito em 21 dos factos provados tivesse ocorrido para informar que era ali que terminava o prédio;

o) DD tivesse querido que a rede funcionasse como estrema do prédio do artigo 45-B junto ao caminho e que consideravam que, para o lado de fora dela a nada tinham direito;

4.1. No que se reporta aos pontos 6) e 11), o tribunal fundamentou a sua convicção do seguinte modo:

«Quanto ao mencionado em 6) e 11), o Tribunal baseou-se no teor do relatório pericial, conjugado com o depoimento da testemunha EE e respectivo levantamento topográfico por si realizado e junto aos autos, da testemunha FF, criado nas proximidades daquele local, e GG, promotor imobiliário que vendeu o prédio aos legais representantes da Autora, portanto conhecedor dos limites da propriedade. As testemunhas indicadas pelos Réus e que prestaram depoimento a este respeito afirmando que a divisão dos prédios se fazia pelo caminho não apresentaram uma razão de ciência que permitisse levar o Tribunal a considerar o seu depoimento em desfavor daqueles outros elementos de prova. Na realidade trata-se de pessoas que conhecem o local de ali passar e ou irem prestar alguns trabalhos. Como o Tribunal teve oportunidade de aferir, na diligência de inspecção ao local, quem olha para a configuração actual do local, com o caminho arranjado, ladeado de vedações, com a existência de marcos, junto à vedação do lado esquerdo, é levado a pensar que estrema dos prédios se faz pelo caminho. Contudo, a verdade é que os prédios rústicos podem ao longo do tempo mudar a sua configuração visual em razão de vários factores. Provavelmente, nos anos 50, o caminho que ali vemos mais não seria do que uma “vereda” com uns centímetros de largura, já que seria, essencialmente, percorrido a pé. Mais tarde, com a vulgarização dos tractores e outras máquinas agrícolas, bem como dos automóveis terá alargado e ganho uma nova configuração. Igualmente ganhou vedações, imprescindíveis para conter o gado nas pastagens. Daí que tais testemunhas possam estar convencidas de que a estrema é o caminho e até faria algum sentido que o fosse, atenta a exígua extensão da parcela do lado direito desse caminho até ao muro de pedra.

Voltando à perícia, cumpre salientar que o juízo aí emitido, porque pericial, embora não subtraído à livre convicção do Tribunal (cfr. 389.º do Código Civil), em caso de discordância impõe-se um dever acrescido de fundamentação. Ora, analisado o relatório pericial vemos que o mesmo se encontra minuciosamente fundamentado e não se limita à consulta dos dados do cadastro geométrico da propriedade rústica, pois que se apoia noutros dados relevantes, como imagens de satélite. Por outro lado, veja-se o que ali é dito quanto às áreas dos dois prédios (fls. 154-155 dos autos) e a divergência que resultaria se a estrema dos prédios fosse o caminho e não o muro de pedra: “…Como se pode inferir, a verificar-se esta hipótese, a divergência de áreas no prédio dos Autores era então 3 vezes maior, e no prédio dos Réus, a divergência de áreas seria então quase 30 vezes maior.”. Serve o exposto para salientar que o Sr. Perito analisou a questão que lhe foi colocada dos vários dos pontos de vista em discussão, não se limitando a efectuar uma abordagem simplista baseada os elementos do cadastro. Acresce que, também o topógrafo EE, ouvido em audiência, chegou a idêntica conclusão. Há ainda a salientar que o muro de pedra a que se faz alusão nos articulados e que foi destruído não poderia ser um muro de contenção de terras ou de águas do ribeiro. Efectivamente, o terreno é relativamente plano, pelo que não havia necessidade de conter terras. Por outro lado, também não seria para conter a água do ribeiro (de exígua largura e, portanto, fraco caudal – cfr. fls. 159 dos autos) na medida em que, no início do caminho, vindos da estrada nacional, o muro está situado junto à linha de água, mas depois vai-se afastando progressivamente dessa linha (vide fls. 154 dos autos onde é perceptível tal realidade). Por último, e quanto à razão de ser da existência de marcos naquele local, resultou com clareza do depoimento da testemunha GG a razão de ser da colocação dos mesmos naquele local, sendo verosímil que o anterior proprietário não tivesse querido incluir o caminho na área a destacar. Esta testemunha, embora tenha prestado serviços para a Autora ou para quem a representa, prestou o seu depoimento, circunstanciado, de forma inteiramente descomprometida e com razão de ciência, em virtude dessas mesmas funções que desempenhou e as que havia desempenhado para o anterior proprietário.»

Quanto aos factos 8) e 10), diz-se na motivação de facto que “o próprio réu o admitiu em depoimento de parte.”


4.2. No que se reporta à pedida alteração do ponto 6) dos factos provados, com o fundamento de que deve ser eliminado porque “a fixação da estrema é questão que é objecto da acção, é questão de direito, e não facto material não discutido”, salvo o devido respeito, não assiste razão aos recorrentes, desde logo porque o objecto da acção não é a fixação da estrema dos prédios, mas, antes, saber se a faixa que se situa entre o caminho e o muro de pedra integra fisicamente o prédio da A., sendo que por isso é necessário apurar onde se situa a linha divisória dos prédios, que é um facto, em si mesmo considerado como tal, determinante para a apreciação da pretensão objecto da acção. A palavra “estrema” é utilizada no dito ponto da matéria de facto, com o sentido de “linha divisória” das propriedades, e os recorrentes assim o entenderam, daí que pretendam que a linha divisória se faça pelo caminho e não pelo dito muro de pedra.


E quanto ao facto 11), não há qualquer razão para se alterar a redacção do mesmo, pois, embora se tenha entendido que a linha divisória do prédio se faz pelo muro, não há qualquer dúvida que o muro está dentro da propriedade dos RR.. Se dúvidas houvesse quanto a este facto aqui ficam esclarecidas.


4.3. De resto, o essencial da impugnação da matéria de facto redunda na fixação da linha divisória dos prédios, a que se reporta o ponto 6) dos factos provados e os restantes com este relacionados.


É verdade que se diz na sentença que quem olha para a configuração actual do local, com o caminho arranjado, ladeado de vedações, com a existência de marcos, junto à vedação do lado esquerdo, é levado a pensar que a estrema dos prédios se faz pelo caminho, e as fotos do local assim o aparentam. Mas, como também resulta da decisão, esta configuração visual não corresponde à realidade física dos prédios em causa, relevando quanto a esta matéria, como essencial, o que resulta apurado do levantamento topográfico, complementado pelo depoimento da testemunha EE, que o elaborou, e do relatório pericial, elaborado pelo perito KK, que prestou esclarecimentos por escrito e em audiência de julgamento, provas estas que os recorrentes procuram desvalorizar, mas que apontam claramente no sentido de que a linha divisória dos prédios 45-B (o da A.) e 31-B (o dos RR.) é feita pelo antigo muro de pedra solta que existia do lado nascente do caminho que se inicia na estrada nacional, estando, no entanto, o dito muro já no interior da propriedade dos RR., o que faz com que a faixa de terreno entre a vedação erguida pelo R.-marido e o muro, reivindicada pela A., se situe para além da estrema do prédio dos RR, como consta da matéria de facto dada como provada nos pontos 6), 7), 8) e 11).


4.4. Não é despiciendo afirmar que é pacífico que a presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos, não tendo o registo a finalidade de garantir os elementos de identificação do prédio [cfr., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/11/2023 (proc. n.º 74/07.3TCGMR.G1.S1), disponível como os demais citados, sem outra referência, em www.dgsi.pt], e que o mesmo sucede com as inscrições matriciais, especialmente quando não assentes no cadastro geométrico, até porque podem ser resultado de declarações dos próprios interessados, que independentemente da sua área e delimitações não corresponder à realidade, estão ainda sujeitas a factores de desactualização por decomposição ou de agregação anterior pelos mais variados motivos, designadamente, endireitamento de estremas, acessão, emparcelamento, divisão, desanexação, venda, troca verbal, etc..


Mas, como se diz no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 13/05/2008 (proc. n.º 08ª868), «[a]s plantas cadastrais ou geométricas, porque levantadas pelas autoridades públicas, garantem mais fiabilidade no que toca aos acidentes naturais e humanos introduzidos na geografia da paisagem, sendo por isso um meio privilegiado de localização e relacionação dos prédios entre si, mas podem não dispensar outros meios probatórios quanto a áreas e localizações».


4.5. No que se reporta à prova pericial, como se sabe, a mesma tem por fim a percepção ou apreciação dos factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais de que os julgadores não disponham, como é o caso dos autos, e a força probatória das respostas por eles dada é fixada livremente pelo tribunal (cf. artigos 388° e 389° do Código Civil).


Distingue-se do depoimento, que consiste no relato do que a testemunha captou através do seu aparelho sensorial na imediação com o acontecer fáctico.


Na prova pericial, releva, pois, o princípio da decisão segundo a convicção que o julgador tenha formado em relação a cada facto controvertido (cf. artigo 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil).


Porém, embora o julgador aprecie livremente as provas, designadamente a pericial, não pode, sem elementos sólidos, afastar-se do resultado da peritagem, especialmente quando os peritos forem unânimes ou proferirem decisão por maioria. Tal só não acontecerá no caso de se concluir que os peritos basearam o seu raciocínio em erro manifesto ou critério legalmente inadmissível.


Na verdade, constitui jurisprudência constante que, apesar da sua liberdade de julgamento, traduzida na livre apreciação das provas, incluindo a pericial, o julgador não pode, sem fundamentos suficientemente sólidos, afastar-se do resultado das peritagens.


4.6. Quanto ao levantamento topográfico, efectuado por técnico credenciado, importa referir que na representação dos limites dos prédios, o topógrafo não só conferiu os limites pelos mapas cadastrais, como também pediu as coordenadas dos marcos à DGT, como disse em audiência, referindo que “[t]odos os marcos que estão desenhados na planta sobre o autofotomapa são da responsabilidade da DGT, ou seja, foram colocados por mim mas com as coordenadas cedidas pela DGT”, e explicou que não conferiu no local os marcos, porque muita coisa pode acontecer, podendo ter sido retirados ou mudados do local, e no caso tinha os mapas cadastrais e as coordenadas dadas pelo organismo oficial.


Explicou ainda que no levantamento topográfico não se limitou às coordenadas que lhe foram fornecidas pela DGT, tendo-se socorrido de outros meios, referindo os passos do processo técnico seguido. Disse ter efectuado um levantamento por GPS, a seguir fez o autofotomapa para ser mais fácil as pessoas entenderem onde ficam os limites da sua propriedade, depois pediu os limites oficiais, bem como as coordenadas dos marcos e sobrepôs no autofotomapa que gerou no mesmo sistema de coordenas da DGT.


E como já referido, também a perícia ordenada nos autos aponta precisamente no mesmo sentido, ou seja, que a linha divisória entre os prédios corresponde à delimitação que deriva do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica vigente, pelo muro de pedra solta (ilustração 7 do relatório), e não à que aparenta ser a configuração visual actual do local, como resulta bem explicado no relatório pericial, que, ao contrário do referido pelos recorrentes, não se limitou à mera consulta do cadastro geométrico, tendo recorrido a outros elementos, pois que se apoia noutros dados relevantes, como imagens de satélite, na inspecção que fez ao local, e bem assim na documentação constante dos autos.


Em relação ao cadastro geométrico, refere o perito que foi consultada a Secção Cadastral correspondente à letra “B”, Freguesia de S..., Concelho de Local 1, e no que se reporta às operações técnicas necessárias, e para que fosse possível a análise cruzada deste tipo de dados com outro nível de informação, procedeu ainda à imposição de transparência nestas imagens “raster”, bem como ao seu registo em ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica), salientando que “a operação de superimposição de transparência nas Secções Cadastrais, permitiu ainda a visualização simultânea dos limites dos prédios com outros dados”.


E foi a análise conjunta de todos estes elementos que levou o perito à conclusão de que a linha divisória entre os prédios em confronto corresponde à delimitação que deriva do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica vigente, e que essa delimitação terá correspondido, conforme a simbologia utilizada naquela cartografia temática, a um “Muro de Pedra Solta”, delimitação esta que identifica na ilustração 7, por uma linha interrompida a verde, justificando este seu entendimento na resposta ao “quesito 1º” da perícia [«Qual o limite ou linha divisória dos prédios correspondentes aos artigos 45 e 31, ambos da secção 8, da Freguesia de S..., concelho de Local 1 e descritos respectivamente sob as fichas 685 e 257, ambas de S..., na parte em que confinam entre si?"].


Resulta, pois, da fundamentação do relatório que o perito assentou a sua análise técnica numa verificação e validação do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica enquanto descrição fidedigna da divisão fundiária do solo, concluindo que a área encerrada no interior do prédios dos RR., por intermédio de vedações, que de acordo com o cadastro predial será pertença do prédio 45B (o da A.), é de aproximadamente 763 m2, e que “[e]sta área apresenta uma largura mais expressiva no limite norte, chegando a aproximadamente 6m, e ao longo de cerca de 75m para sul vai reduzindo de largura, até que no limite sul do caminho, a vedação está inclusivamente no interior do prédio dos Réus, (i.e sem que se verifique ocupação do prédio 45B)”.


4.7. É verdade que, em reforço da validação dos mapas cartográficos, no relatório (cfr. fls. 154-155 dos autos), se alude às divergência de áreas que resultaria para os prédios entre o suporte cartográfico e as áreas que vieram posteriormente a ser inscritas nos respectivos títulos, ou seja, se a estrema dos prédios fosse o caminho e não o muro de pedra, referindo que : “…Como se pode inferir, a verificar-se esta hipótese, a divergência de áreas no prédio dos Autores era então 3 vezes maior, e no prédio dos Réus, a divergência de áreas seria então quase 30 vezes maior.” Tais divergências resultam do facto de se ter retirado ao prédio do A. a área de 4.672 m2, “que se apresenta hoje delimitada entre os prédios dos AA. e RR.”, adicionando a mesma ao prédio dos RR.


É também certo que se a comparação tivesse sido feita apenas com a área de 763 m2, que se concluiu ter sido ocupada pelos RR., as divergências seriam diferentes, como apontam os recorrentes, mas aqui, então, estaríamos a excluir a área do caminho que integra o prédio 45B.


As áreas em comparação são diferentes, mas isso não infirma as conclusões alcançadas no relatório pericial quando à delimitação da estrema divisória da propriedade pelo dito muro de pedra, nem quanto à ocupação pelos RR. da faixa situada entre este muro e a vedação que ergueram junto ao caminho, faixa esta, com a área de cerca de 763 m2, que pertence ao prédio da A..


E esta conclusão foi reafirma pelo perito em audiência, cujas declarações também se auditaram, nas quais evidencia que a realidade visível actualmente no local, com o caminho delimitado por vedações por ambos os lados, é diferente da que resulta da análise técnica efectuada do cadastro predial, que remonta a 1950/1960, e que o caminho que está assinalado no mapa cadastral é caminho particular e não caminho publico.


Também na certidão emitida pelo Município de Local 1 (cfr. fls. 104/105), no que respeita à indicação do prédio a que pertence a faixa ou parcela de terreno situada entre o caminho existente e o muro de pedra em ruína, se alcançou idêntica conclusão, referindo-se que a actual separação em rede é claramente uma intervenção muito mais recente que não terá sido licenciada.


Acresce que, como se diz na sentença, o muro de pedra a que se faz alusão nos articulados e que foi destruído não poderia ser um muro de contenção de terras ou de águas do ribeiro. Efectivamente, o terreno é relativamente plano, pelo que não havia necessidade de conter terras. Por outro lado, também não seria para conter a água do ribeiro (de exígua largura e, portanto, fraco caudal – cfr. fls. 159 dos autos) na medida em que, no início do caminho, vindos da estrada nacional, o muro está situado junto à linha de água, mas depois vai-se afastando progressivamente dessa linha (vide fls. 154 dos autos onde é perceptível tal realidade).


É certo que se deu como provado no ponto 21) que «DD colocou do lado exterior da rede, mas a ela colado, marcos do cimento, com pintura, a preto, no topo, do uma seta no sentido da rede (longitudinal)».


Mas, diz-se na sentença que “resultou com clareza do depoimento da testemunha GG a razão de ser da colocação dos mesmos naquele local, sendo verosímil que o anterior proprietário não tivesse querido incluir o caminho na área a destacar. Esta testemunha, embora tenha prestado serviços para a Autora ou para quem a representa, prestou o seu depoimento, circunstanciado, de forma inteiramente descomprometida e com razão de ciência, em virtude dessas mesmas funções que desempenhou e as que havia desempenhado para o anterior proprietário”.


Dizem, no entanto, os recorrentes que se trata de depoimento indirecto e que não foi chamado a depor o dito DD. Porém, este depoimento não é propriamente indirecto, porquanto a testemunha relata factos que advêm ao seu conhecimento por ter desempenhado funções para a A. ou seus representantes, não estando o tribunal impedido de valorar o depoimento, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valorando-o e ponderando-o, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido. Acresce que o entendimento de que os ditos marcos não se destinavam a estabelecer o limite da propriedade da A., está de acordo com a prova pericial produzida, onde se evidencia que o limite da propriedade da A., na parte que confina com o prédio dos RR., é o antigo muro de pedra, que o R.-Marido destruiu.


De resto, como se diz na sentença, as testemunhas indicadas pelos RR. e que prestaram depoimento a este respeito afirmando que a divisão dos prédios se fazia pelo caminho não apresentaram uma razão de ciência que permitisse levar o Tribunal a considerar o seu depoimento em desfavor daqueles outros elementos de prova. Na realidade trata-se de pessoas que conhecem o local de ali passar e ou irem prestar alguns trabalhos.


4.8. Estabelecida a linha divisória dos prédios como consta do ponto 6) dos factos provados, como acabou de se justificar, não subsistem dúvidas que o caminho se integra na propriedade da A..


Quanto à qualificação do caminho como particular ou público, importa referir que nenhuma das partes formula nos articulados tal pretensão, sendo que a qualificação do caminho como público é questão de direito.


E, como se diz no acórdão desta Relação de Évora de 16/12/2024 (proc. n.º 45/20.4T8PTG.E1): «Em face do Assento de 19-04-1989 e da jurisprudência posterior emanada pelo STJ que aplicou e interpretou a jurisprudência uniformizadora, a qualificação de um caminho como público pode basear-se no seguinte: - no facto do mesmo ser propriedade de entidade de direito público e estar afecto à utilidade pública; - ou no seu uso directo e imediato pelo público, desde tempos imemoriais, visando a satisfação de interesses colectivos relevantes, ou seja, interesses colectivos de certo grau ou relevância; - ou, no caso, do caminho não integrar nenhuma propriedade privada, desde que se prove o uso imemorial pela população.»


É verdade que no caso em apreço, resulta da perícia que actualmente o caminho se encontra vedado de ambos os lados, por vedações de arame, existindo também, de ambos os lados, postes de abastecimento de energia eléctrica.


Porém, ainda que tais factos, quanto à configuração actual do caminho e as ditas “infra-estruturas”, tenham resultado apurados da prova produzida, não se vê fundamento para que tenham que ser aditados à matéria de facto, posto que não se pede a qualificação do dito caminho como público, nem a A. reivindica dos RR. a devolução da parcela de terreno em que o mesmo está implantado, mas apenas a parcela a que se reporta o ponto 8) dos factos provados.


4.9. Em conclusão, não se aditam tais factos à matéria de facto provada, nem que a A. não tenha praticado na dita faixa actos de posse, posto que a aquisição da dita faixa de terreno não se funda na posse, mas na aquisição derivada da propriedade onde se integra a parcela em causa.


E, pelas razões acima referidas, não ocorre fundamento para alteração dos impugnados pontos 6), 8), 10), e 11) dos factos provados, nem os constantes das alíneas h), j) n) e o) dos factos não provados.


5. No que se refere ao ponto 14) dos factos provados [14) Já no início do ano de 2021, em data não concretamente apurada, e na zona do prédio ocupada pelo Réu, apareceram dois sobreiros cortados, sem conhecimento prévio ou autorização da A. para o efeito, ou do ICNF, a quem a A., legítima proprietária daquele espaço, não pediu autorização para corte de árvores nem tem conhecimento de o mesmo ter sido pedido ou autorizado, não obstante a lei assim o exigir], além de não fazer sentido retirar a menção de que os sobreiros estavam na parte do terreno ocupada pelos RR., o que só se justificaria se tivessem sido alterados os factos antes enunciados, certo é que as pretendidas alterações redundam em acto inútil, e como tal proibido, nos termos do artigo 130º do Código de Processo Civil, posto que os RR. foram absolvidos do pedido indemnizatório referente ao corte das ditas árvores, por se haver entendido que “não se apuraram factos susceptíveis de responsabilizar qualquer dos RR. pelo corte dos ditos sobreiros”.


6. Quanto ao ponto 17 dos factos provados, dizem os recorrentes que deve ser eliminado, porque atribui aos RR. o conhecimento de facto que eles próprios recusam.


Neste ponto da matéria de facto deu-se como assente que:

17) Até a presente data os RR. não procuraram repor a situação originária, não obstante saberem que a proprietária do terreno é a A. e que a sua ocupação não foi consentida.

Diz o tribunal recorrido a este respeito que: «O vertido em 17 foi constatado pelo Tribunal na diligência de inspecção ao local e resultou ainda das declarações de parte do legal representante da Autora e da testemunha NN, sendo que em sede de depoimento de parte o Réu declarou estar convencido de que o limite da sua propriedade é junto ao caminho e que tem direito a passar para a propriedade “Tapada...” pelo “Quinta...”, donde se concluiu que a situação se mantém»


Ora, que a situação original não foi reposta, é facto que não oferece dúvidas, pois o tribunal verificou tal facto. E, embora o R. entenda que a dita faixa de terreno lhe pertence, pois considera que a estrema se faz pelo caminho, certo é que da sua actuação, ao remover o muro de pedra que delimitava a estrema da propriedade, não deixando vestígios do mesmo, não tendo demonstrado que a finalidade do muro era outra, que não a da divisão das propriedades, e edificado uma vedação de rede do lado nascente do caminho, evidencia conduta de onde se retira a ilação que sabia não ser sua aquela parcela e que o fazia contra a vontade do verdadeiro dono.


Por conseguinte, também não se altera este ponto da matéria de facto.


7. No que se refere ao ponto 15) dos factos provados, [15) Na sequência dos factos supra expostos e praticados pelo Réu, ora A. procedeu a um levantamento topográfico da sua propriedade, que ela própria custeou, no valor de 922,50€, para confirmar os limites do seu prédio e os do artigo 31-B], não ocorre fundamento para alteração da redacção do mesmo, porquanto é evidente que foi da conduta do R.-marido que resultou a necessidade da A. confirmar os limites do seu prédio, tendo, para isso, manda fazer o levantamento topográfico.


8. Deste modo, improcede o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, pelo que a factualidade a considerar é a enunciada na sentença.


9. No que se reporta ao enquadramento jurídico da causa a presente acção, com a presente acção pretendia a A. obter o reconhecimento de que o prédio que identifica é de sua propriedade, nele se incluindo a faixa, que identifica, ocupada pelos RR. e a condenação destes na restituição desta parcela ocupada, por a estarem a ocupar sem título que legitime essa ocupação, para além dos pedidos indemnizatórios.


Em face do pedido e causa de pedir invocados, estamos, pois, em presença de uma acção de reivindicação, prevista no artigo 1311º do Código Civil, nos termos do qual o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (n.º 1).


Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, como decorre do n.º 2 do referido artigo.


Atendendo às regras do ónus da prova, compete ao autor o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do demandado, mas é sobre o réu que recai, se for o caso, o ónus de provar que é titular de um direito que legitima a recusa da restituição (artigo 342º do Código Civil).


9.1. Na sentença julgou-se procedente a reivindicação, aduzindo-se a seguinte fundamentação [que se transcreve apenas parcialmente, na parte relevante para esta decisão]:

«(…) O que efectivamente se discute nesta acção, num primeiro ponto, é a qual dos prédios pertence a faixa de terreno existente entre o caminho e um muro de pedra solta: se no inscrito no art.º 45-B se no inscrito no art.º 31-B. A resposta à questão da delimitação encontra-se no ponto 6) dos factos provados.

Da factualidade provada, mormente dos factos insertos nos pontos 2), 6), 8) a 11), resulta demonstrada a aquisição, por compra, registada, do direito de propriedade do dito prédio pelos Autores. E mais resulta que nesse prédio se inclui a faixa de terreno em discussão nestes autos, pois que a estrema do art.º 45-B situa-se no muro de pedra solta descrito nos factos provados. Também ficou provado que, em data não concretamente apurada, mas posterior a 2017, o Réu marido terá ocupado essa faixa de terreno, colocando uma vedação e destruindo parte do muro de pedra, incorporando essa faixa no prédio de que os Réus são donos.

Estando demonstrado o direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa, tem a Autora direito a ver tal direito reconhecido pelo Tribunal, e, em consequência, que os Réus sejam condenados a reconhecer esse direito e à restituição dessa parcela livre de quaisquer pessoas e bens, nos termos do disposto no art.º 1311.º, n.º 1 do Código Civil (…)

Em conclusão, e ao abrigo das normas supra exposta, o pedido formulado procede e, em consequência decide-se:

- Declarar a Autora, Quinta Fonte de Água - Campismo Rural, Lda., como legítima proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob a ficha n.º 685, da freguesia de S...;

- Condenar-se os Réus a reconhecer esse direito de propriedade plena da Autora sobre o prédio descrito na ficha 685, da freguesia de S..., nomeadamente na parte ocupada pelos Réus e que compõe o artigo matricial rústico 45.º, secção B, da referida freguesia, e a abster-se da prática de actos lesivos do direito de propriedade da Autora sobre a totalidade da área do mesmo, conforme consta daquela descrição predial e respectiva inscrição matricial;

- Condenar-se os Réus a restituir à Autora da parte do prédio supra, que foi por eles apropriada.»

9.2. O pedido de alteração do assim decidido, com correspondência nas alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença, passava necessariamente pela alteração da matéria de facto, no sentido de se considerar que a linha divisória dos prédios 45-B e 31-B, não se fazia pelo muro de pedra antigo, que foi destruído pelo R.-marido, mas sim pelo caminho, de onde resultaria que a faixa de terreno reivindicada não fazia parte do prédio da A., mas, sim, do prédio dos RR..


Como tal alteração não ocorreu, é manifesto que não ocorre fundamento para alteração do decidido, improcedendo o recurso nesta parte.


10. Sob a alínea d) do dispositivo decidiu-se condenar os RR., solidariamente, no pagamento à Autora, de uma indemnização pela privação ilícita do uso e fruição plena do prédio que constitui o artigo matricial 45.º, secção B, pela privação directa entre 16/02/2019 e até à data entrega efectiva da faixa de terreno ocupada, tudo a liquidar em execução de sentença.


Tal condenação fundou-se na responsabilidade civil por factos ilícitos, cujos princípios gerais se indicam no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil, estabelecendo-se que: “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.


Assim, são pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade da responsabilidade civil: o facto voluntário do agente; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cf. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, Almedina, pág. 557, e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 10.ª edição, Vol. I, pág. 526).


Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e verificado o respectivo nexo de causalidade entre o dano e o facto danoso – art.º 562.º e 563.º do C. Civil.


No caso em apreço, entendeu-se que da factualidade provada resulta demonstrada uma actuação, por parte do R.- marido, ilícita e causadora de danos, porquanto, contra a vontade da A., o R.-marido ocupou a parcela de terreno correspondente à faixa de terreno existente entre o caminho e o muro de pedra que definia a estrema dos prédios, privando-os, desde data não concretamente apurada, mas posterior a 2017, do uso desse terreno, pelo que, tal comportamento, contrário à lei, culposo, impede a A. de aceder ao terreno, por ali ter sido colocada uma vedação, entendendo-se que tal se traduz num prejuízo, ou seja, num dano patrimonial, pelo qual o R. marido deve responder, e a R.-mulher por acto ter sido praticado em proveito comum do casal (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 1691 do Código Civil).


A discordância dos recorrentes para com o decidido radicava no facto de entenderem que a faixa de terreno era de sua pertença, o que não provaram, invocando ainda que a ocupação não foi ilícita nem culposa, o que também não tem assento nos factos provados e que, a par disso, não há dano.


E quanto a este último aspecto, afigura-se-nos que lhes assiste razão.


Como se diz no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/11/2011 (proc. n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1):


«I - A privação injustificada do uso de uma coisa, pelo respectivo proprietário, pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, o impedirá do exercício dos direitos inerentes ao domínio, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade.


II - Podem configurar-se situações em que o titular não tem interesse em usar a coisa, não pretende retirar dela as utilidades ou vantagens que a coisa lhe poderia proporcionar ou, pura e simplesmente, não usa a coisa.


III - Se o titular não aproveita das utilidades que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, também não existirá prejuízo ou dano decorrente da privação ilícita do uso, visto que, na circunstância, não existe uso e, não havendo dano, não há obrigação de indemnizar.


IV - Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado, não chega alegar e provar a privação da coisa, mostrando-se ainda necessário alegar e provar que a usava normalmente, que dela retirava as utilidades (ou alguma delas) que lhe são próprias e que deixou de poder usá-la, em virtude da privação ilícita.»


Efectivamente, ainda que se entenda que a simples privação de uso de um imóvel é, em si mesma, susceptível de causar um prejuízo ao proprietário, importa lembrar que, no caso está apenas em causa a “privação do uso” de uma faixa dessa propriedade, não tendo sido invocado pela A. qualquer prejuízo concreto decorrente desse não uso, nem resultando da prova dos autos que a A. tenha praticado ou deixado de praticar nessa faixa da propriedade qualquer acto relacionado com a actividade comercial que leva a cabo no prédio, onde se situa o parque de campismo, o que resulta evidenciado do facto de ter isolado, com vedação de rede, a área da sua propriedade do caminho que atravessa a propriedade. Assim, não obstante, a faixa em causa, ocupada pelos RR., que fica do lado nascente do caminho, integrar o prédio da A., não evidenciam os autos que de tal privação, no período decorrente desde a ocupação, tenha a A. sofrido qualquer prejuízo.


Neste concreto circunstancialismo apurado nos autos, entende-se que da privação do uso em causa não decorre direito a qualquer indemnização, por não se provar o dano, pressuposto essencial da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevista no ar, 483º do Código Civil, o que demanda a absolvição dos RR. deste pedido.


11. Quanto à condenação constante da alínea e) do dispositivo, da qual resulta a condenação do R. AA “a substituir as cancelas vedações e pilares destruídos, no local em que originalmente se encontravam e na extensão necessária à reposição da situação pré-existente, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença”, a mesma baseou-se no seguinte:

«(…) No que respeita às cancelas, vedações e pilares destruídos, atentos os factos provados, está demonstrado que o Réu danificou esses bens, pertença da Autora. Alegou o Réu que agiu em estado de necessidade, contudo, a factualidade que suportava tal alegação resultou como não provada. Temos assim um acto voluntário e intencional, lesivo do direito de propriedade da Autora, pois que resultou em estragos causados em bens desta. Estão verificados os requisitos supra expostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, existindo dever de indemnizar (cfr. art.º 483.º do CC).

(…) Se o lesante causou um dano na esfera jurídica de outrem, é lógico que a reparação devida consista em repor essa esfera jurídica lesada no estado anterior ao dano, sendo este o pedido formulado pela Autora.

Ora, apurada a existência de dano e a sua exacta extensão (cancela, pilares e vedação), haverá que repor a situação que existia, que neste caso é possível através da reparação/substituição dos bens danificados, não tendo os Réus alegados que essa reparação/substituição é excessivamente onerosa.

Assim, o Réu marido deverá ser condenado a repor a situação que existia antes do facto ilícito e culposo, reparando ou substituindo, consoante o que for menos oneroso no caso, aqueles bens, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da presente sentença (cfr. art.º 562.º do CC).»

Dizem, porém, os recorrentes que “o Réu marido nada teria a pagar porque exerceu o direito de acção directa (artigo 336º do C. Civil). Na contestação invocou o direito à actuação em situação de necessidade. O que também ocorre. Mas verdadeiramente o seu direito é de acção directa porque a Autora praticou um acto ilegal vedando o caminho, não podendo fazê-lo desde que está assente que colocou cancelas em caminho público (factos 23 a 31 da matéria de facto assente) – artigo 25º, nº 1 do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, aprovado pelo Dec. Lei nº 280/2007, 7 de Agosto”.


Mas sem razão.


Em primeiro lugar, não existem dúvidas de que o denominado “caminho público” que atravessa a propriedade da A. está implantado na propriedade da A., e quanto à natureza pública do mesmo, como resulta do já antes referido a propósito da matéria de facto, é questão de direito que não foi pedida pelas partes, designadamente pelos RR. em reconvenção, classificação esta, adianta-se, que dependia de múltiplos factores, como resulta do aresto desta Relação, que citámos, e não apenas do facto de ser usado como passagem para a propriedade pertença da Sociedade Agrícola da CC, Lda., da qual os RR. são os únicos sócios, e que não intervém nos autos, e de o mesmo estar actualmente vedado nas suas margens e ladeado de infra-estruturas eléctricas. Acresce, que a alegada classificação do caminho como publico que a configuração actual visualmente aparenta não tem correspondência nos mapas cadastrais, como resulta da perícia.


E, a existir o direito a servidão de passagem para a propriedade da dita sociedade, a mesma teria que ser invocada e por esta pedido o seu reconhecimento ou constituição, o que também se verifica.


Assim, e estando provado que o R.-marido derrubou a cancela metálica que vedava a abertura de acesso à propriedade da A., voltando a fazê-lo no dia seguinte, amolgando parte da cancela e derrubando também parte da vedação que a ladeava e as fundações dos postes que a sustentavam, provocou um dano indemnizável no património da A..


E não se argumente, para afastar a ilicitude do acto, que o R.-marido agiu assim porque tinha que que passar pelo caminho, por onde passava diariamente, para assistir o gado que existe na propriedade da dita sociedade, tendo recorrido à “acção directa”, posto que ainda que se pudesse configurar um direito de passagem, este direito seria pertença da sociedade beneficiária e não propriamente dos RR., e a ilicitude do acto sempre se manteria porquanto a conduta do R.-marido, ao destruir/danificar os portões e vedações excedeu o necessário para evitar o prejuízo que seria causado pela impossibilidade de acesso (cfr. artigo 336º, n.º 1, parte final, co Código Civil).


Efectivamente, estando o portão amarrado com cordas, e não por qualquer outro meio que impedisse a fácil abertura, como uma fechadura ou cadeado, não se concebe que para o abrir o R.-marido tivesse que derrubar as cancelas e danificar a vedação e suportes, e não apenas cortar as cordas que amarravam as cancelas.


Estando verificados todos os pressupostos exigidos pelo artigo 483º do Código Civil, em que se funda o direito à indemnização com fundamento na responsabilidade civil por actos ilícitos, recai sobre o R. o dever de indemnizar.


Porém, como antes se disse a respeito da nulidade, e tendo em conta os fundamentos em que assenta a decisão importa alterar o dispositivo da sentença no sentido de se prever a condenação, não apenas a substituir as cancelas vedações e pilares destruídos, mas também na alternativa da sua reparação, consoante o que for menos oneroso no caso, procedendo quanto a este aspecto o recurso.


12. Resulta também da alínea f) do dispositivo a condenação dos RR. “no pagamento à Autora do montante de 922,50€, acrescido de juros legais, desde a citação”, fundando-se tal imposição no facto de esta ter sido a quantia despendida pela A. pelo levantamento topográfico que teve que efectuar para comprovar os limites dos prédios (vide pontos 15 e 16 dos factos provados) e que foi realizado na sequência dos actos praticados pelo R.- marido.


Ora, ainda que se tenha provado que foi na sequência dos actos praticados pelo R.-marido que a A. procedeu ao levantamento topográfico da sua propriedade, para conferir os limites do seu prédio e os do artigo 31-B, a realização de tal meio probatório, destina-se a comprovar factos (a propriedade) que à A. incumbe provar na acção de reivindicação, sendo que a respectiva despesa se insere no âmbito das despesas que a parte tem que fazer para vir a litígio demandar os RR., reivindicando o seu direito de propriedade.


Neste contexto, e tendo a A. necessidade de saber quais os reais limites do seu prédio, para exercer a pretensão que pretende fazer valer em juízo, não se entende, que entre a conduta do R. e a realização do dito levantamento topográfico, haja uma relação de causalidade adequada que justifique a obrigação de indemnização deste valor por parte dos RR..


Pelo que, quanto a este excerto decisório também procede a apelação.


13. Deste modo, procede parcialmente a apelação, nos termos acima referidos, improcedendo quanto ao mais decidido, com a consequente confirmação da sentença nesta parte.


As custas, em função do decaimento, em maior proporção para os RR./recorrentes, fixam-se em 75% para os Apelantes e em 25% para a Apelada (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).


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C) – Sumário (…)


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e em consequência:

a. Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou os RR. a pagarem à A. uma indemnização pela privação do uso e fruição da faixa de terreno por estes ocupada (alínea d) do dispositivo), absolvendo-se os mesmos deste pedido;

b. Alterar a alínea e) do dispositivo da sentença, condenando-se o Réu AA a reparar ou substituir as cancelas, vedações e pilares destruídos, consoante o que for menos oneroso no caso, no local em que originalmente se encontravam e na extensão necessária à reposição da situação pré-existente, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da sentença;

c. Revogar a condenação a que se reporta a alínea f) do dispositivo, absolvendo-se os RR. do pagamento daquela quantia;

d. Manter a sentença recorrida quanto ao mais decidido.


Custas a cargo a cargo dos Apelantes e Apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em 75% e 25%, respectivamente.


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Évora, 25 de Junho de 2025


Francisco Xavier


Susana Isabel Ferrão da Costa Cabral


Maria João Sousa e Faro


(documento com assinatura electrónica)