Sumário:
I - A demanda de diversos réus pode levar a que as citações sejam realizadas em momentos diversos ou que não haja coincidência quanto ao momento em que terminam os respetivos prazos para contestar, como sucedeu in casu, uma vez que a 3ª ré não foi citada. Nestes casos, a contestação de cada um deles ou a contestação conjunta poderá ser apresentada até ao termo do prazo da que finde em último lugar.
II - Assim, como a contestação do 2º réu foi apresentada na mesma data da contestação da 3ª ré (não citada), e a contestação da 1ª ré foi apresentada no segundo dia posterior à contestação da 3ª ré, quando ainda decorria o respetivo prazo, não sofre dúvida que as contestações dos réus são tempestivas.
III - Resulta do art. 30.º do CPC que, na falta de indicação da lei em contrário, é pela versão dos factos apresentada pelo autor que se afere a legitimidade das partes, nomeadamente do réu. Ao apuramento da legitimidade interessa, portanto, apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última.
IV - Fundando-se o pedido dos autores em responsabilidade civil contratual, alegando os autores factos que revelam a celebração de um contrato de empreitada com o 2º réu e o incumprimento contratual por parte do mesmo, não há dúvidas que este réu é sujeito da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelos autores, sendo por isso parte legítima na ação.
V - Não alegando os autores factos que revelem a existência de alguma ligação da 3ª ré à celebração ou à execução do contrato de empreitada, sendo a única razão para a sua demanda o facto de terem sido efetuadas algumas transferências bancárias para a sua conta bancária, efetuadas pelos autores a pedido do 2º réu, não é aquela ré parte legítima na ação.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
AA1, representada pelo seu acompanhante e também autor BB, CC e DD2, instauraram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra House Sustentável - CSRH, Lda., EE e FF, pedindo que os réus sejam condenados a pagar:
«a) Aos 1º e 2º Autores, o valor pago a mais pela obra dos presentes autos Barreiro - € 26.362,40;
b) Aos 1º e 2º Autores, o valor que tiveram que despender para terminar a obra que os Réus abandonaram € 18.979,99 (cfr Doc. 48);
c) Aos 4 Autores, o valor de € 43.200,00 das rendas que os Autores deixaram de auferir pelo incumprimento definitivo, por parte dos Réus, do contrato de empreitada;
d) Aos 4 Autores, € 5.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta dos Réus;
e) Juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação até integral pagamento.»
Cada um dos réus apresentou a sua contestação.
Nas contestações do 2º e a 3ª ré, arguiram estes a sua ilegitimidade, concluindo pela absolvição da instância ou, quando assim não se entenda, pela sua absolvição do pedido.
A ré sociedade (1ª ré) impugnou a generalidade da factualidade alegada pelos autores, concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição dos réus do pedido.
Os autores responderam, concluindo pela improcedência das exceções de ilegitimidade invocadas pelo 2º réu e pela 3ª ré.
Em 15.02.2022 os autores apresentaram requerimento nos autos, requerendo, no que aqui releva, que fosse considerada «intempestiva a apresentação das contestações dos RR e, em consequência, considerar os factos alegados na PI como provados, por falta de contestação em prazo, condenando os RR nos precisos termos peticionados na PI».
Em consequência de vicissitudes processuais ocorridas, designadamente as suspensões da instância decretadas em consequência do falecimento das partes acima referidas, apenas em 13.06.2024, foi proferido o seguinte despacho saneador:
«I. AUDIÊNCIA PRÉVIA
Dispenso.
II. QUESTÕES PRÉVIAS
1. Do valor da ação
O indicado.
2. Da ilegitimidade dos réus EE e FF – fls. 107/113
Vieram os réus arguir a respetiva ilegitimidade porquanto ele não terá agido enquanto pessoa individual e ela nenhuma intervenção teve.
Os autores responderam – fls. 230 v.
Os autores:
- Alegaram o contacto com o segundo réu e elaboração de orçamentos para realização de diversas obras por parte do que parece ter sido pela “House”, aqui ré;
- Juntaram, porém, diversos documentos com a chancela da “Hia – casas sustentáveis, Lda.” – fls. 36; da “House sustentáveis, Lda.” (fls. 53), incluindo emails de EE/housesustentavelotmail.com – fls. 53 v./67 e ss.;
- Demandaram a ré FF porque a mesma terá recebido na sua conta quantias pecuniárias e que para a mesma transferiram essas quantias a pedido do réu EE, o que terão aceitado, não lhe atribuindo, a ela, outra conduta relevante; e
- Demandaram a sociedade e o réu EE, alegando que este é sócio e gerente da “House”, sem lhe imputar comportamento estranho à ação de gerente.
Ponderando que:
- A responsabilidade do gerente e do sócio é diferenciada da responsabilidade da sociedade;
- Os autores não alegaram matéria que permita concluir pela responsabilidade individual dos sócios ou pela desconsideração da personalidade coletiva,
1. Julgo procedente a exceção de ilegitimidade e, em consequência, absolvo os réus EE e FF da instância. Custas a definir a final;
2. Notifique os autores a fim de esclarecerem se, apesar da junção de documentos com a chancela do que parece ser outra sociedade, se quem assumiu o compromisso relativamente às obras foi a ré “House”. Cumprido o contraditório relativamente ao aperfeiçoamento, conclua.»
Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador de fls… (Refª 132197119, de 13.06.2024) que não se pronunciou sobre a intempestividade de todas as contestações e julgou procedente a excepção de ilegitimidade e, em consequência, decidiu pela absolvição da instância dos Réus EE e FF;
DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA:
2. Os AA’s intentaram a presente acção contra os RR’s House Sustentável, Csrh. Lda, EE e FF, sócios da 1ª Ré, em 10.12.2021, por abandono de obra de empreitada, pedindo a sua condenação no pagamento aos AA’s do valor total de € 93.542,39 acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação até integral pagamento;
3. Os RR’s foram citados, respectivamente, em 07.01.2022 (1ª Ré) e em 13.06.2022 (os 2º e 3º RR’s);
4. Os RR’s constituíram seu bastante procurador o Dr. GG em 02.06.2022;
5. Os RR’s apresentaram as suas contestações, respectivamente em 24.11.2022 (1ª Ré) e 22.11.2022 (os 2º e 3º RR’s);
6. Os Autores invocaram a extemporaneidade da apresentação das contestações (requerimento Refª 44164263 de 15.12.2022), requerendo à Mmª Juiz a quo que, face à intempestividade invocada, esta considerasse os factos alegados na PI como confessados, por ausência de contestação em tempo;
7. Os RR’s responderam com o requerimento Refª 45019200, de 15.03.2023 – ou seja 41 dias depois -, alegando que a Ré FF nunca tinha sido citada;
8. O que não é verdade, mas se o fosse, tal facto teria de ser invocado na própria contestação da Ré FF, nos termos do nº 2 do art.º 191º do CPC, o que não ocorreu;
9. A Mmª Juiz do tribunal a quo, não conheceu nem se pronunciou sobre esta questão da intempestividade das contestações dos RR’s, invocada pelos AA’s, no douto despacho saneador como era, salvo o devido respeito, mister, dado tratar-se de uma questão essencial e prejudicial no que concerne à forma de prosseguimento dos autos, à enunciação ou não dos temas de prova no despacho subsequente e sentença;
10. Não tendo decidido sobre esta questão essencial da intempestividade das contestações, o despacho saneador padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia;
11. Pelo que, verificada a referida nulidade, se requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores, que a mesma seja suprida mediante o conhecimento da questão omitida e, em consequência, que os factos alegados na petição inicial, sejam dados como provados, pela extemporaneidade da apresentação das contestações dos RR’s, segundo a regra da substituição ao tribunal recorrido nos termos do disposto no nº 2 do art.º 665º do CPC;
DA DECISÃO DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS 2º e 3ª RÉUS:
12. Os 2º e 3ª RR’s, nas suas contestações, vieram invocar a sua ilegitimidade passiva com argumentos ininteligíveis e, na parte em que se alcança algum sentido, com argumentos falsos;
13. Os AA’s responderam à excepção, no requerimento de resposta aos documentos apresentados nas contestações, Refª 44164263, de 15.12.2022, invocando que a Ré FF havia recebido grande parte do pagamento das obras na sua conta pessoal e que o Réu EE tinha executado obras sem as concluir apesar de todas as obras terem sido pagas paras as contas da 1ª e 3ª RR’s , devendo, portanto, os 2º e 3º RR’s ser considerados partes legítimas na presente acção;
14. A Mmª Juiz do tribunal a quo considerou, no despacho saneador, procedente a excepção invocada pelos RR’s, EE e FF, decidindo pela ilegitimidade passiva destes e, em consequência, pela sua absolvição da instância;
15. Da prova carreada para os autos pelos AA’s e da própria confissão de todos os RR’s nas suas contestações, pode concluir-se, inequivocamente, que o Réu EE e a Ré FF laboravam em conjunto nas obras que poderiam realizar, sendo que o Réu EE assumia pessoalmente, com maior preponderância o papel de empreiteiro, e a Ré FF recebia pessoalmente os pagamentos realizados pelos clientes, sendo certo que estes últimos RR’s vieram a constituir a sociedade 1ª Ré, como únicos sócios, posteriormente ao início dos pagamentos e das obras objecto dos presentes autos;
16. Tanto assim é que, na contestação da Ré House Sustentável pode ler-se, a partir do ponto 15º a alegação de que o Réu EE assumiu pessoalmente parte da obra e em consequência solicitou os respectivos pagamentos;
17. E isto com a alegação de que “Ao tempo do orçamento aí referido (19.12.2016) a House Sustentável, ainda nem existia…pelo que esta é completamente alheia ao aí vertido e por isso se impugna.”;
18. Invocando a Ré House Sustentável que é alheia ao orçamento apresentado pelo Réu EE, este terá de ser necessariamente parte na presente acção;
19. Até porque foi o próprio Réu EE que se deslocou ao Barreiro para se inteirar das obras necessárias e poder apresentar um orçamento, como a Ré House alega no ponto 19º da sua contestação;
20. Assumindo, nos seus pontos 23º, 24º e 26º, que, em 19.12.2016, o R. EE, apresentou aos AA’s o orçamento no valor global de 62.940,00 € para a recuperação do imóvel, nomeadamente as suas zonas comuns, constante do Doc. 9 junto à PI e que, tendo o mesmo sido aceite, foi o Réu EE que iniciou as obras e as continuou travestido (sic) de House Sustentável que foi constituída em 09.02.2017;
21. Esta alegação da Ré House Sustentável confirma a legitimidade passiva do Réu EE tal como configurada pelos AA’s na sua petição inicial, pelo que não poderia a Mmª Juiz do tribunal a quo decidir pela ilegitimidade do Réu EE até porque os AA’s apresentaram testemunhas que iriam confirmar a prova documental junta aos autos e melhor circunstanciar os actos praticados por cada um dos Réus, em sede de audiência de julgamento;
22. No que concerne à legitimidade passiva da Ré FF, a mesma revela-se evidente por ter colaborado directamente nas obras conforme resulta da alegação da Ré House no ponto 32º da sua contestação;
23. E ainda porque recebeu, na sua conta bancária pessoal € 66.000,00 por conta das obras (conforme resulta dos documentos anexos à petição inicial com os nºs Doc. 10, pág. 1, Doc. 11, pág. 1, Doc. 13, Doc. 14, Docs. 16 e 17, Doc. 19, Doc. 21 e Docs. 23 a 25; da confissão do Réu EE no seu ponto 6º e da própria Ré FF no ponto 6º das respectivas contestações, tendo a House sustentável, ora 1ª Ré, recebido os pagamentos constantes dos documentos anexos à petição inicial que fazem os Docs. 30, 34A, 35 a 42 e 43A);
24. Os fundamentos em que se baseou a decisão da Mmª Juiz do tribunal a quo, de ilegitimidade passiva dos Réus EE e FF, encontram-se inquinados pela confusão, intencionalmente estabelecida, por esses mesmos Réus, até porque não foram os AA’s que alegaram que o Réu EE é sócio e gerente da House, mas foi a própria Ré FF que o alegou no ponto 3º da sua contestação;
25. De facto, estes Réus, EE e FF, iniciaram os trabalhos e receberam quantias a título pessoal (cfr. Doc. 10, 11 e 13 junto à PI) quando a 1ª Ré ainda não se encontrava constituída, ou seja, não existia (cfr. Doc. 8 junto à PI) pelo que nunca poderia haver lugar à alegação da desconsideração da personalidade colectiva, que consta da fundamentação do despacho saneador, no que à ilegitimidade passiva concerne;
26. Mas mais, o fundamento para considerar a Ré FF parte ilegítima limitou-se a dizer que os AA’s a terão demandado apenas por ela ter recebido na sua conta bancária quantias pecuniárias e que para a mesma transferiram essas quantias a pedido do Réu EE, o que terão aceitado, não lhe atribuindo, a ela, outra conduta relevante;
27. Ora, tendo recebido parte significativa do preço da coisa, no valor de € 66.000,00, referente às obras objecto dos presentes autos, não se vislumbra que outra conduta fosse mais relevante para a responsabilidade da Ré FF nos presentes autos m que se pretende, entre outras coisas, o reembolso dos pagamentos por não terem sido concluídos os trabalhos a que esses pagamentos diziam respeito;
28. A Ré FF recebeu, a Ré FF tem que pagar;
29. O Réu EE incumpriu, pessoalmente, os trabalhos a que se obrigou, ainda antes da constituição da 1ª Ré House Sustentável e, portanto, tem que pagar;
30. A 1ª Ré House Sustentável assumiu, na contestação, a sua responsabilidade e recebeu parte do pagamento da obra que não foi concluída. Logo, tem que pagar;
31. Ao contrário do referido na fundamentação da decisão, os AA’s alegaram matéria que permitia concluir pela responsabilidade individual dos 2º e 3º Réus, quer antes, quer depois da constituição da 1ª Ré;
32. Não se entendendo o fundamento da Mmª Juiz na parte em que refere que os AA’s não alegaram matéria que permitisse concluir pela desconsideração da personalidade colectiva da 1ª Ré;
33. Mister é, ainda, acrescentar que a Mmª Juiz do tribunal a quo verificou que diversos documentos foram juntos com a chancela de outras sociedades, nomeadamente a “Hia – Casas Sustentáveis Lda”, desde já se justificando porque é que a tal “Hia” não foi demandada nos presentes autos: a “Hia” nenhuma relação teve com os Réus, tendo sido usada apenas a sua chancela, de forma abusiva, pelo Réu EE, conforme vertido pela Ré House Sustentável no ponto 23º da sua contestação;
34. Face ao supra exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
a) Considerar-se verificada a nulidade da omissão de pronúncia quanto à alegada intempestividade das contestações apresentadas pelos três Réus, sendo a mesma suprida mediante o conhecimento da questão omitida e serem dados como provados, pelo tribunal ad quem, os factos alegados na petição inicial, pela extemporaneidade da apresentação das contestações dos RR’s, segundo a regra da substituição ao tribunal recorrido nos termos do disposto no nº 2 do art.º 665º do CPC;
b) Ser revogada a absolvição da instância dos 2º e 3º Réus e, em substituição do saneador recorrido, na parte em que decidiu que esses RR’s eram parte ilegítima na acção, julgar-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva deduzida pelos Réus EE e FF.»
Os réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, foi proferido pelo relator, em 03.04.2025, o seguinte despacho:
«No recurso interposto pelos autores, vieram estes invocar a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia.
No despacho que admitiu o recurso, a Sr.ª Juíza a quo não se pronunciou sobre tal nulidade, como lhe impõe o nº 1 do artigo 617º do CPC.
Trata-se de nulidade que, a ser suprida, poderá ter consequências relevantes no desenvolvimento do processo e no desfecho da ação.
Assim, por o considerar indispensável, determino a baixa do processo à 1.ª instância, para que a Sr.ª Juíza profira o despacho omitido (art. 617º, nº 5, do CPC).
Notifique.»
Baixados os autos à 1ª instância, a Sr.ª Juíza supriu a invocada nulidade, proferindo despacho a considerar tempestivas as contestações apresentadas.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se foi tempestiva a apresentação das contestações pelos réus;
- se o 2º réu e a 3ª ré são partes legítimas.
III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que constam do relatório supra, havendo ainda a considerar o seguinte3:
- A ré “House Sustentável” (1ª ré) foi citada em data anterior a 12.01.2022 [data da devolução do aviso de receção da 2ª tentativa de citação].
- O réu EE (2º réu) foi citado em 19.05.2022;
- A ré FF (3ª ré) não foi citada – cfr. despacho de 28.09.2022 e comunicação da Agente de Execução de 23.01.2023;
- A 1ª ré apresentou a sua contestação no dia 24.11.2022, e o 2º réu e a 3ª ré apresentaram, cada um, a sua contestação, em 22.11.2022.
O DIREITO
Da (in)tempestividade das contestações
Sustentam os autores que, no dia 02.06.2022, os réus já tinham procuração nos autos, concluindo desse modo que, nessa data, todos eles tinham conhecimento que corria contra eles a presente ação.
Constitui facto assente que a 3ª ré não foi citada para a ação, e também que a mesma ré não invocou a falta de citação na contestação que apresentou, pelo que ficou sanada a respetiva nulidade (art. 189º do CPC).
Esta solução assenta no entendimento de que, se quem deveria ter sido citado e não foi, se apresenta ao processo, a função da citação que era a de dar-lhe a conhecer a pendência da causa e proporcionar-lhe a oportunidade de defesa, mostra-se assegurada, não subsistindo razões para regularizar tal vício, ficando este sanado com a intervenção do réu no processo.
Também é facto assente que, não obstante a procuração da 3ª ré ter a data de 02.06.2022, a mesma apenas foi junta aos autos em 22.11.2022, com a contestação.
Porém, ao invés do que defendem os autores/recorrentes, o que releva para efeitos da contagem do prazo da contestação, é a junção aos autos da procuração e não a data da mesma - que pode muito bem ser uma data anterior -, sendo que tal junção, no caso, ocorreu precisamente com a apresentação da contestação4.
Assim, considerando o disposto no art. 569º, n.º 2, do CPC, sempre haveriam de ter-se por tempestivas as contestações apresentadas por todos os réus.
Com efeito, a demanda de diversos réus pode levar a que as citações sejam realizadas em momentos diversos ou que não haja coincidência quanto ao momento em que terminam os respetivos prazos para contestar, como sucede in casu, uma vez que a 3ª ré não foi citada. Nestes casos, a contestação de cada um deles ou a contestação conjunta poderá ser apresentada até ao termo do prazo da que finde em último lugar.
Ora, como a contestação do 2º réu foi apresentada na mesma data da contestação da 3ª ré, e a contestação da 1ª ré foi apresentada no segundo dia posterior à contestação da 3ª ré, quando ainda decorria o respetivo prazo, não sofre qualquer dúvida que as contestações dos réus são tempestivas.
Soçobra assim este segmento recursivo dos autores.
Da (i)legitimidade do 2º réu e 3ª ré.
Estatui o art. 30º do Código de Processo Civil [CPC] sobre o conceito de legitimidade (mantendo o regime já anteriormente adotado no direito adjetivo civil):
“1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Resulta do preceito legal que, na falta de indicação da lei em contrário, é pela versão dos factos apresentada pelo autor que se afere a legitimidade das partes, nomeadamente do réu. Ao apuramento da legitimidade interessa, portanto, apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última5.
Será apenas e tão somente pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) que se há de decidir da exceção dilatória em causa, posto que a legitimidade ad causam, como pressuposto processual, não se prende com o mérito do pedido formulado na ação com base em determinada causa de pedir, sendo certo que, quando se decide da questão da legitimidade, não tem o julgador de fazer - nem deve fazer - um julgamento antecipado da questão substancial que lhe é submetida.
A presente ação consubstancia uma ação de responsabilidade civil contratual, mediante a qual os autores/recorrentes pretendem que os réus sejam condenados a pagar-lhes as quantias peticionadas, por alegadamente terem pago a mais no âmbito da empreitada acordada, considerando o valor que tiveram despender para terminar a obra abandonada pelos réus, o valor das rendas que deixaram de auferir pelo incumprimento definitivo dos réus do contrato de empreitada, e ainda pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta dos réus.
Ora, lendo e relendo a petição inicial, facilmente se constata que a relação contratual descrita e as suas vicissitudes se desenrolaram entre os autores e o 2º réu, sendo disso claro exemplo o que foi alegado nos artigos 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 31º, 33º, 34º, 35º, 37º, 39º, 41º, 43º, 45º, 46º, 47º, 50º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º e 65, cujo teor, atenta a sua extensão, aqui se dá por integralmente reproduzido.
Resulta desta alegação uma imputação ao 2º réu de atos pessoais que caracterizam responsabilidade do mesmo, por este ter tido uma intervenção ativa em todo o processo de adjudicação da obra em causa, quer no início da mesma, quer nos pagamentos solicitados, quer ainda no abandono da obra.
Saber se assim é ou não, é já uma questão de legitimidade substantiva e não de legitimidade processual.
Assim, independentemente da decisão de mérito que venha a ser proferida, fundando-se o pedido dos autores em responsabilidade civil contratual, alegando os autores factos que revelam a celebração de um contrato de empreitada com o 2º réu e o incumprimento contratual por parte do mesmo, não há dúvidas que este réu é sujeito da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelos autores6.
Fundando-se o pedido dos autores em responsabilidade civil contratual, alegando os autores factos que revelam a celebração de um contrato de empreitada com o 2º réu e o incumprimento contratual por parte do mesmo, não há dúvidas que este réu é sujeito da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelos autores, sendo por isso parte legítima na ação
Em suma, ao invés do decido, o 2º réu é manifestamente parte legítima na ação, não podendo manter-se a decisão que o absolve da instância.
Já quanto à 3ª ré, limitaram-se os autores a alegar que a mesma recebeu na sua conta quantias pecuniárias, transferidas pelos autores a pedido do 2º réu, sem que, porém, aleguem factos concretos reveladores da existência de um qualquer vínculo contratual entre aquela ré e os autores.
Ou seja, a relação material controvertida tal como configurada pelos autores, não comporta a existência de factos que revelem ter existido alguma ligação da 3ª ré à celebração ou à execução do contrato de empreitada, sendo a única razão para a sua demanda o facto de terem sido efetuadas algumas transferências bancárias para a conta da 3ª ré, efetuadas pelos autores a pedido do 2º réu, referentes a pagamentos a este devidos (vd. artigos 16º, 20º, 23º, 30º, 31º, 33º, 38º e 40º, da petição inicial), sendo este réu livre de escolher o IBAN para onde queria que tais transferências fossem realizadas.
Bem andou, pois, a decisão recorrida ao considerar a 3ª ré parte ilegítima, com a consequente absolvição da instância.
Por conseguinte, o recurso procede apenas parcialmente.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, altera-se a decisão recorrida, declarando-se o 2º réu parte legítima, mantendo-se no mais o decidido.
Custas a cargo de autores e da 3ª ré, na proporção de metade.
*
Évora, 25 de junho de 2025
Manuel Bargado (Relator)
Sónia Moura
Susana da Costa Cabral
(documento com assinaturas eletrónicas)
_____________________________________
1. Tendo esta autora falecido na pendência da causa, foram habilitados a nela prosseguir os seus herdeiros BB, HH e II – cfr. sentença de habilitação de 22.01.2025↩︎
2. Este autor faleceu também na pendência da causa, tendo sido habilitados a nela prosseguir como seus herdeiros JJ, KK, LL e MM – cfr. sentença de habilitação de 19.05.2025.↩︎
3. Após consulta no Citius.↩︎
4. Não cabe, por isso, aqui discutir a questão muito debatida e controvertida na jurisprudência, assim sumariada no Ac. do STJ de 10.12.2024, proc. 430/23.0T8ELV-A.E1.S, in www.dgsi.pt: « III - Não dizendo a lei o que se deve entender por “intervenção no processo” a jurisprudência vem-se dividindo quanto ao valor e eficácia da junção de procuração desacompanhada da arguição de nulidade, para o suprimento da nulidade de falta de citação. IV - Existe um entendimento jurisprudencial tradicional, apoiado no elemento literal, que defende que a junção de procuração a advogado constitui uma intervenção processual relevante e faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a poder presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação. V - Existe um outro entendimento de sentido oposto que afasta a possibilidade de considerar a junção de procuração como ato processual relevante para efeitos de sanação da nulidade derivada de falta de citação. VI - Vem firmando caminho uma terceira corrente jurisprudencial que considera a junção da procuração, ato processual relevante, mas não a toma como pressuposto de conhecimento imediato do processo, face ao modo como se desenrola o acesso do mandatário ao processo eletrónico. VII - Defendendo a necessidade de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito com a tramitação eletrónica do processo, esta interpretação atualista considera que a mera junção de procuração não traduz o conhecimento imediato e suficientemente seguro do processo, logo, não supre de imediato a falta de citação. VIII - Pelo que, a simples junção de procuração não pode ser considerada preclusiva da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação, nomeadamente no prazo geral para arguição de nulidades.↩︎
5. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª edição, Almedina, p. 93.↩︎
6. Já o mesmo não se poderia dizer quanto à ré sociedade, relativamente à qual dificilmente se vislumbra, na petição inicial, a alegação de factos concretos que revelem a existência de um qualquer vínculo contratual, não relevando a este propósito a alegação, surgida apenas no artigo 66º da petição inicial de “abandono da obra por parte dos Réus”, ou no artigo 67º, de que “a obra esteve parada por factos imputáveis aos Réus”. Seja como for, a ré sociedade, na sua contestação, veio dizer que as obras foram por si assumidas e da sua responsabilidade (art. 16º da contestação), apesar de reconhecer que ao tempo do orçamento “nem existia” (art. 15º).↩︎