Sumário:
I. O indeferimento liminar da providência cautelar de arresto, caso resulte da respetiva da respetiva alegação, que não se encontram verificados, nem sequer indiciados, os seus requisitos cumulativos (o fumus bonis iuris e o periculum in mora, i.e., a aparência da existência de um direito de crédito e o perigo da insatisfação desse direito) não carece de ser precedido de audiência prévia do Requerente.
II. Não enforma o requisito periculum in mora a alegação de inexistência de bens em Portugal suscetíveis de arresto (apreensão) com a invocação do Requerido eventualmente poder ocultar ou dissipar bens no estrangeiro quando também não são alegados factos que indiciem a existência de bens fora do território nacional.
Tribunal recorrido: TJ Comarca de Santarém, Juízo Central Cível de Santarém – J3
Apelante: AA
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA
I – RELATÓRIO
AA instaurou procedimento cautelar de arresto contra BB peticionando seja decretado o arresto dos bens móveis, imóveis, contas bancárias, créditos, veículos ou quaisquer ativos patrimoniais que sejam ou venham a ser identificados como pertencentes ao Requerido, até ao limite de €62.000,00.
Fundou a sua pretensão alegando, em síntese, que, na sequência da litigância temerária do Requerido, amplamente documentada e reconhecida em várias decisões judiciais e administrativas, com consequências devastadoras para o Requerente, como perda de rendimentos, abalo emocional profundo, custas elevadas, afastamento de clientes e colegas, e sofrimento pessoal e familiar de ordem extrema, o Requerente prepara-se para intentar, no prazo legal, uma ação de indemnização civil contra o Requerido, com base na prática reiterada de atos ilícitos dolosos, persecutórios e abusivos, peticionando a quantia acima mencionada, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Mais alega que existe um risco fundado de que o direito do Requerente venha a tornar-se inexequível ou de muito difícil cobrança futura, tendo em conta não só a conduta processual concreta e reiterada do Requerido, como também o perfil de risco patrimonial e indícios de insolvabilidade de facto, que comprometem desde já a utilidade prática da futura ação de indemnização.
O procedimento cautelar foi indeferido liminarmente.
Deste despacho, o Requerente interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
I. A ausência de bens em território nacional, aliada à conduta processual reiteradamente evasiva e opaca do Requerido, consubstancia um fundado receio de ocultação patrimonial, preenchendo o requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 362.º do Código de Processo Civil, e justificando, por a concessão da providência cautelar requerida.
II. A decisão recorrida consubstancia uma decisão surpresa, proferida sem prévia audiência do Requerente sobre os fundamentos que sustentaram o indeferimento liminar da providência, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, comprometendo gravemente o princípio do contraditório e o direito de defesa.
III. A inexistência de bens localizados em Portugal não exclui, antes reforça, o risco de frustração da garantia patrimonial, sendo indício de eventual ocultação ou dissipação de activos em jurisdições estrangeiras menos acessíveis à cooperação judicial, o que agrava o periculum in mora.
IV. O recurso reiterado ao Apoio Judiciário por parte do Requerido, desacompanhado de qualquer justificação plausível para a alegada insuficiência económica, constitui um forte indício de tentativa deliberada de subtrair o seu património ao escrutínio judicial e à satisfação de eventuais créditos, sendo um comportamento revelador de má-fé processual e ocultação patrimonial.
V. Nestes termos, impunha-se a admissão e apreciação da providência cautelar requerida, com o prosseguimento da instância e instrução adequada, motivo pelo qual deve a decisão recorrida ser revogada, por violação dos princípios do contraditório, da tutela jurisdicional efectiva e da celeridade processual cautelar. isso, a concessão da providência cautelar requerida.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos e ocorrências processuais relevantes para o conhecimento do recurso constam do antecedente Relatório.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se na apreciação das seguintes questões:
- Se o indeferimento liminar do arresto constituiu uma decisão surpresa por violação do princípio do contraditório e da defesa;
- Se, no caso, se encontra preenchido o pressuposto do periculum in mora.
2. Consta da fundamentação da decisão recorrida que foi indeferido liminarmente o aresto com os seguintes fundamentos:
«(…)
No caso em apreço, no confronto com a factualidade alegada, é de entender que é possível extrair da factualidade alegada a probabilidade séria da existência do direito.
Já quanto ao “pericullum in mora” constata-se que o requerente não alega qualquer dos supra mencionados factos-índice, nomeadamente, atos de dissipação do património; o acentuado défice entre o crédito exigido e o valor do património conhecido do devedor ou a prática de atos de alienação gratuita a favor de terceiros ou atos simulados de alienação ou de oneração.
Na realidade, o requerente nem fornece elementos concretos da existência de bens do requerido cuja dissipação deve ser acautelada, por forma a avaliar até que ponto será justificado o receio de perda da garantia do seu crédito, porque, segundo os factos alegados, o requerido não tem quaisquer bens em território nacional.
Efetivamente, o requerente alega, nomeadamente, que:
- O Requerido residiu e trabalhou durante vários anos em África, designadamente em país não especificado, mas fora do espaço europeu, exercendo funções profissionais sem vínculo laboral ou domicílio fiscal declarado em Portugal;
- Desde então, o Requerido tem demonstrado uma postura evasiva e opaca em relação ao seu património, inclusivamente, litigando sempre com o benefício do Apoio Judiciário;
- O Requerente desconhece a existência de quaisquer bens imóveis ou móveis registáveis, rendimentos regulares, contas bancárias, participações sociais, veículos ou qualquer fonte de riqueza titulada em nome do Requerido em território nacional.
- O Requerente realizou diversas diligências informais e profissionais — incluindo consultas a bases de dados públicas, registos prediais, comerciais e de veículos, bem como interações junto de colegas e clientes do foro local — não tendo obtido qualquer indício concreto da existência de património útil para futura execução;
- O comportamento do Requerido indica desprezo absoluto pelas consequências jurídicas dos seus atos, e permite inferir que o Requerido não hesitará em dissipar, ocultar ou deslocalizar eventuais ativos, caso perceba que o tribunal poderá vir a reconhecer o seu dever de indemnizar.
Ora, a alegação sobre a inexistência de bens em território nacional não indicia qualquer comportamento do Requerido no sentido de se furtar ao cumprimento da obrigação, já que, neste momento, o mesmo já não é titular de quaisquer bens. No limite, pode indiciar que o cumprimento da obrigação já não se mostra possível de acautelar.
Assim, a falta de alegação da existência de bens no requerimento inicial e dos concretos atos que o requerido tenha desenvolvido no sentido de os dissipar ou de se furtar ao cumprimento, com relação ao justo receio da perda da garantia patrimonial, sempre conduziria à manifesta a improcedência do pedido, o que implica o indeferimento liminar do requerimento inicial.
É forçoso concluir, assim, que o requerimento inicial é manifestamente improcedente por não ser suscetível, em face da matéria de facto alegada concluir que venha a ser preenchido o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial (periculum in mora).»
3. O Recorrente discorda por entender que se encontra preenchido o pressuposto da periculum in mora que deriva da inexistência da localização de bens em Portugal e da conduta evasiva e opaca do Requerido.
Alegando, ademais, que a decisão recorrida constitui uma decisão surpresa, proferida sem a sua prévia audiência sobre os fundamentos que sustentaram o indeferimento liminar, em violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e do direito de defesa.
4. Começando-se por se analisar a questão referida em primeiro lugar, ou seja, se o despacho de indeferimento liminar de uma providência cautelar (embora a questão de possa colocar em relação a todos procedimentos sujeitos a despacho liminar) deve ser precedido de audição da parte que intentou a ação, no caso, o procedimento cautelar de arresto, sob pena de ser emitida uma decisão surpresa, com violação do princípio do contraditória e da defesa.
Adiantando, desde já, a reposta a esta questão, é negativa.
A jurisprudência tem vindo a pronunciar-se no sentido de, prevendo a lei que recaía sobre uma determinada pretensão um despacho liminar, a sua emissão sem prévia consulta ou anúncio à parte visada com o mesmo, não viola o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, nem o direito de defesa consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República portuguesa (CRP).
Efetivamente, o artigo 20.º, n.º 4, da CRP não impede ou obstaculiza a emissão de despachos de indeferimento liminar, pois estes já pressupõem o desencadear dos mecanismos processuais previstos na lei ordinária que enformam, em concreto, o referido princípio constitucional.
Como sublinham JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS1:
«(…) o direito de acesso aos tribunais para defesa de um direito ou de um interesse legítimo, o direito ao processo, “não impede naturalmente, a existência de requisitos ou de pressupostos processuais” nem pressupõe “a efectiva titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido lesado ou ameaçado.
Aliás, bem vistas as coisas, no âmbito do artigo 20.º, e uma vez que é legítima a imposição por lei de ónus processuais às partes (…), o tribunal nem sequer está vinculado “a que seja qual for a conduta processual da parte, se profira sempre uma decisão sobre o mérito da causa (e ainda que no meio processual utilizado se vise a tutela de hipotéticos direitos fundamentais) e se faculte, enquanto ela não for proferida, o recurso até à mais alta instância dos tribunais judiciais”.»
Em relação à violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, também o mesmo não se verifica, porquanto o princípio do contraditório não exige que o tribunal ouça previamente o demandante antes da emissão do despacho de indeferimento liminar. Na verdade, se assim fosse, o despacho liminar deixaria de ter essa natureza.
Como se refere no Acórdão desta Relação de Évora proferido em 12-09-20242:
«Sustentar que estava vedado, ao tribunal a quo, indeferir aquela petição sem, antes, conceder o contraditório às partes, realizar uma audiência prévia, proferir despacho saneador e realizar a audiência final, com a produção da prova testemunhal indicada, equivale a considerar que a lei não permite o indeferimento liminar da mesma petição. Por definição, para poder ser considerado liminar, um despacho tem de ser proferido antes de qualquer dos actos referidos pelo recorrente.
Nomeadamente, não faria sentido a prolação de um despacho prévio com vista a conceder, ao recorrente, a possibilidade de se pronunciar acerca de um possível fundamento de indeferimento liminar, a indicar nesse despacho, como ele pretende. Pela sua natureza e tal como a sua designação inculca, o despacho de indeferimento liminar não é precedido por qualquer outro, nomeadamente com a função acima referida, sob pena de deixar de merecer o qualificativo de liminar. Não faria sentido e constituiria uma verdadeira contradição nos termos a prolação de despacho liminar depois de outro despacho. Já não estaríamos, obviamente, perante um despacho liminar.»
No caso do arresto, como prescreve o artigo 393.º do CPC, o juiz analisa o requerimento de arresto e se verificar que, em face da alegação, não se encontram verificados, nem indiciados os requisitos da providência cautelar (nomeadamente, o fumus bonis iuris e o periculum in mora, i.e., a aparência da existência de um direito de crédito e o perigo da insatisfação desse direito), deve indeferir o arresto sem audiência prévia do Requerente.
Neste sentido, lê-se no sumário do Ac. RP, de 31-03-20223:
«I - À luz da atual lei adjetiva não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar da providência cautelar de arresto, nomeadamente com vista a conceder ao requerente da mesma a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projetado indeferimento liminar.»
Ou como decidido no Ac. RP, de 08-04-2024, constando do seu sumário:
«I- O “justo receio”, requisito necessário ao deferimento da providência de arresto, há de resultar de facto concretos, alegados pelo requerente.
II - Se assim não for, isto é, não tendo o requerente alegado esses factos, mas apenas conclusões e considerações sobre a situação financeira das requeridas, a produção de prova, mesmo que apenas documental, sempre traduzia um ato processual inútil.
III - Justifica-se, em tal caso, o indeferimento liminar do procedimento cautelar, porquanto se mostra manifestamente improcedente.»
Acompanha-se a jurisprudência citada, pois se decorre dos artigos 391.º e 392.º do CPC que sobre o Requerente impende o ónus de alegação e de prova, ainda que indiciária, dos factos constitutivos do direito de crédito de que se arroga e a existência de justo receio da sua lesão e de perda de garantia patrimonial desse crédito, tratando-se de requisitos de necessária verificação cumulativa, desde que resulte da alegação a manifesta improcedência do arresto, impõe-se o indeferimento liminar da providência cautelar.
Sublinhando-se que, para além de nesta situação não se verificar a violação do princípio do contraditório ou o direito à defesa, nos termos dos citados artigo 20.º, n.º 4, da CRP e 3.º, n.º 3, do CPC, também não se pode conceber que exista uma decisão surpresa.
A decisão surpresa, como é defendido na jurisprudência, apenas se verifica, fora dos casos em que o princípio do contraditório não foi cumprido, quando o devia ter sido, quando a parte não podia prever, nem tinha a obrigação de antecipar a emissão de uma decisão daquele jaez. Não é o caso do indeferimento liminar quando a parte não cumpre o ónus de alegação dos pressupostos/requisitos em que baseia o seu direito de uma forma que revela a manifesta improcedência do que vem pedir a juízo. Nesse caso, não se pode dizer que a parte não podia/devia ter previsto ou antecipado a probabilidade séria de haver uma rejeição liminar da sua pretensão.
Neste mesmo sentido, paradigmaticamente, veja-se o Ac. do STJ, de 12-07-20184, ao mencionar:
«I - A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas.
II - A decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspetivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.»
Em face do exposto, improcede a primeira questão suscitada no recurso,
5. Pressupostos do decretamento do arresto
O arresto preventivo, enquanto providência cautelar conservatória da garantia patrimonial de obrigações civis e comerciais, encontra-se regulado nos artigos 619.º a 622.º do Código Civil (CC) e artigos 391.º a 396.º do Código de Processo Civil (CPC).
O arresto, tal como os restantes procedimentos cautelares, exerce uma função instrumental relativamente ao processo declarativo ou executivo, assegurando que os bens arrestados se irão manter na esfera jurídica do devedor até que seja obtida coativamente a realização do direito do credor.
Visa, pois, impedir que o perigo da demora inevitável do processo (periculum in mora) impeça a total ou parcial eficácia da sentença favorável ao Requerente da providência.
Assim, estipula o artigo 619.º, n.º 1, do Código Civil que “O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo», redação que, com exceção do segmento final, é reproduzida no artigo 391.º, n.º 1 do CPC.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 391.º do CPC: «O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta secção.»
Compete ao Requerente do arresto alegar e provar de forma sumária, «(…) os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência», conforme prescreve o artigo 392.º, n. º1, do CPC.
O arresto será decretado, sem audiência da parte contrária, após serem «Examinadas as provas produzidas (…) desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais» (artigo 393.º, n.º 1, do CPC).
Decorre, assim, dos preceitos referenciados que são requisitos cumulativos da procedência deste procedimento cautelar:
(i) A probabilidade séria da existência do direito de crédito invocado pelo Requerente (fumus boni iuris);
(ii) O justo receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito (periculum in mora).
O requisito requerido em 1.º lugar reconduz-se à ideia da aparência do direito, não relevando para a procedência do arresto se o crédito é líquido ou ilíquido, exigível ou inexigível, ou se já se encontra apreciado jurisdicionalmente, já que o citado artigo 391.º do CPC se contenta com a probabilidade ou verosimilhança da existência do crédito, sem curar da respetiva origem, exigibilidade ou liquidez.
O requisito referido em segundo lugar não se basta com o receio subjetivo do credor, baseado em meras conjeturas, já que para ser justificado tem de assentar em factos positivos e concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação.
Este requisito pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito.
5. Vejamos agora se na situação sub judice se encontra indiciado na alegação do Requerente o 2.º requisito – periculum in mora.
Também em relação a esta questão se adianta que a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Efetivamente, o Requerente alega o justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito, mas não alega factos que indiciem ocultação ou dissipação do património que seja suscetível de ser arrestado. Veja-se como formula a pretensão de arresto ao não indicar em concreto quais os bens objeto da providência requerida.
Aliás, a alegação no sentido de inexistirem bens no território nacional (ou fora do território nacional, identificando-os de forma concreta) impossibilitaria a execução da providência, mesmo que fosse decretada.
O arresto tem de incidir sobre bens concretos – os «bens do devedor», como estipula o artigo 391.º, n.º 1, do CPC – , esclarecendo o n.º 2 do mesmo preceito que o «arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora», ou seja, as disposições dos artigos 735.º e ss do CPC, convertendo-se o arresto em penhora (artigo 762.º do CPC). Sem prejuízo das normas específicas quanto ao modo como se realiza a penhora conforme a natureza dos bens, o certo é que os bens têm de se encontrar identificados e tem de haver alguma segurança sobre a sua existência, natureza e localização.
Ora, no caso nada é alegado que evidencie que haja bens pertença do Requerido passíveis de serem arrestados (apreendidos) seja em Portugal, seja no estrangeiro.
E sendo assim, toda a alegação que sustenta a conduta evasiva ou opaca do Requerido fica desprovida de utilidade prática que, no caso, era a perceção do receio da perda da garantia patrimonial do seu crédito.
Por outro lado, a invocação da utilização do Requerido do regime do apoio judiciário em nada altera o que se disse, porque a decisão da concessão desse benefício nem sequer é do tribunal e terá de ser tomada em função do preenchimento dos respetivos requisitos que o mesmo invoque no meio adequado, ou seja, perante a segurança social.
A concessão desse benefício noutros processos, como invoca o Requerente, apenas indicia que não tem meios económicos para poder exercer o seu direito de defesa, nada mais desse facto se pode concluir em termos de preenchimento dos requisitos do arresto, mormente o periculum in mora.
Nestes termos, em face da alegação do Requerente, é claro que o pedido de arresto é manifestamente improcedente por falta de alegação donde resulte ainda que perfunctoriamente a existência de periculum in mora.
Consequentemente, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Requerente (artigo 527.º do CPC)
Évora, 25-06-2025
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Fernando Marques da Silva (1.º Adjunto)
Ana Pessoa (2.ª Adjunta)
__________________________________
1. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra, 2010, págs. 190-191, apud Ac. RE, de 13-02-2025, proc. n.º 204/24.0T8LGA.E1, em www.dgsi.pt↩︎
2. Proferido no proc. n.º 1291/21.9T8LLE-F.E1, seguindo, aliás, jurisprudência acolhidas no Ac. RE, de 28-06-2018, proc. n.º 2621/17.3T8ENT.E1 e no Ac. RE, de 11-04-2019, proc. n.º 1501/17.7T8SLV.E1, em www.dgsi.pt↩︎
3. Proferido no proc. n.º 1/22.8T8PVZ.P1, em www.dgsi.pt↩︎
4. Proc. n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, em www.dgsi.pt↩︎