LOCAÇÃO FINANCEIRA
RENDA
PRESCRIÇÃO
AVALISTA
LIVRANÇA
RELAÇÕES IMEDIATAS
OBRIGAÇÃO CAUSAL
Sumário

Sumário:
I. O prazo de prescrição das rendas do contrato de locação financeira é de 5 anos, por aplicação analógica do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, nos termos da jurisprudência uniformizadora emitida pelo STJ no acórdão de 12-09-2024 (AUJ n.º 13/2024).
II. No âmbito da relações imediatas, o avalista da livrança em branco que também participou no pacto de preenchimento da livrança, pode invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstração.
III. Consequentemente, nas relações imediatas, a prescrição da obrigação causal acarreta a extinção da obrigação cambiária.

Texto Integral

Processo n.º 2486/21.0T8ENT-A.E1 (Apelação)

Tribunal recorrido: TJ Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento -J3

Apelante: AA

Apelado: Montepio Investimento, S.A.

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Na execução ordinária (AE) para pagamento de quantia certa, instaurada, em 15-09-2021, por MONTEPIO INVESTIMENTO S.A. contra AA e outros, veio este apresentar oposição à execução, mediante embargos de executado, alegando, no que ora releva para o presente recurso (limitado no seu objeto pelo recorrente), a exceção de prescrição da obrigação cambiária.


A sentença recorrida, após produção de prova em sede de julgamento, julgou improcedente a exceção de prescrição atenta a data de vencimento da livrança, julgando os embargos de executado parcialmente procedentes, determinando que, quanto à livrança, a quantia exequenda deverá ser pelo valor facial da livrança, acrescida de juros à taxa de 4 % desde a data do vencimento da livrança, acrescida do imposto de selo.


Inconformado, apelou o executado/embargante apresentado as seguintes CONCLUSÕES:


«1- A douta sentença proferida limitou-se a apreciar a exceção da prescrição do crédito do Exequente pelo prisma da prescrição do crédito cartular, tendo concluído que uma vez que a livrança trazida à execução (livrança inicialmente em branco e destinada a garantir o crédito da relação subjacente) tinha data de vencimento a 30/05/2019 e a execução entrou em juízo a 02/09/2021, tendo o Embargante sido citado a 16/12/2021, não havia decorrido o prazo de 3 anos para a prescrição do título cambiário, contado desde o seu vencimento.


2 - Referiu ainda não ter sido violado o pacto de preenchimento, não obrigando este a um prazo limite para o preenchimento da livrança.


3- Pelo que julgou improcedente a exceção da prescrição invocada pelo Embargante.


4- Sucede que o Embargante tinha invocado a prescrição do crédito do Exequente com base em quatro fundamentos distintos, não apreciados pela douta sentença:


a)


O facto de a livrança ter sido preenchida muito para além da data do incumprimento definitivo da obrigação subjacente, a qual, de acordo com o disposto na cláusula 11ª das condições gerais, deveria ocorrer quando a devedora entrasse em insolvência: neste caso, a insolvência ocorreu em 2012 e a data do preenchimento da livrança foi 2019. Se a livrança tivesse sido preenchida quando do incumprimento definitivo do contrato (insolvência em 2012) a obrigação cartular teria prescrito em 2015. Este um dos motivos para a prescrição do crédito.


b)


Outro dos motivos para a prescrição do crédito: o facto de, uma vez que o crédito subjacente à relação cartular corresponder a 60 prestações (que integram capital e juros) e como tal estar sujeito a um prazo quinquenal de prescrição, pelo facto de todas as prestações se deverem ter vencido, por incumprimento definitivo do contrato, na data da insolvência da aceitante (2012), o prazo quinquenal aplicado após esse incumprimento definitivo teria ocorrido em 2017, data anterior à data do preenchimento da livrança 2019.


c)


Outro argumento ainda: o facto de o crédito da Exequente estar consubstanciado em 60 prestações mensais, integrando capital e juros, pelo que sujeitas a prazo quinquenal de prescrição, sendo que a primeira se vencia, de acordo com o contrato, na data da entrega do equipamento (10/09/2007 – cfr. termo de entrega) e a última em 10/08/2012, ou seja 5 anos após o vencimento da primeira; pelo que se a última prestação em causa prescreveu a 10/08/2017, nesta data, obrigatoriamente, todas as demais prestações (vencidas anteriormente) se encontravam já prescritas; do que também se conclui que à data do preenchimento da livrança (2019) já se encontrava prescrito na totalidade o crédito do Exequente decorrente da relação subjacente.


d)


Por fim, o último argumento: estado prescrito o crédito subjacente, estava prescrito também o crédito referente a juros que incide sobre as prestações.


5- O tribunal deveria ter apreciado a prescrição invocada pelo Embargante em todas as suas vertentes supra expostas, o que não fez.


6- De facto, sendo o Embargante subscritor do contrato de locação financeira, quer por si enquanto avalista, quer enquanto representante (sócio-gerente) da sociedade locatária, encontrava-se no âmbito das relações imediatas para com o Exequente, podendo invocar em sua defesa todas as exceções emergentes da relação causal/subjacente; nomeadamente a prescrição do crédito subjacente.


7- Por outro lado, o crédito do Exequente repousava em 60 rendas, com vencimento mensal e sucessivo, que integravam no seu montante o capital em dívida e os juros remuneratórios; pelo que sujeitas ao prazo de prescrição quinquenal.


8- Esse prazo quinquenal aplica-se ao crédito do Exequente, quer as rendas se vençam respetivamente na sua data de vencimento, quer as mesmas, por incumprimento contratual, se vençam todas antecipadamente, num só momento.


9- No caso concreto, e encontrando-se os autos com todos os elementos documentais necessários à aferição dos factos para a contagem do prazo prescricional, vencendo-se a primeira prestação (das 60) em 10/09/2007 e a última, 60 meses depois (ou seja a 10/08/2012), o crédito correspondente a esta última prestação (e consequentemente todas as demais) estaria prescrito 5 anos após ao seu vencimento, ou seja, a 10/08/2017.


10- Ora, estando prescrito o crédito subjacente à obrigação cartular em data muito anterior (quase 2 anos) à data em que foi preenchida a livrança (2019), de tal facto decorre necessariamente a prescrição do crédito cartular, devendo a exceção da prescrição do crédito, em qualquer uma das suas modalidades, ser julgada procedente.


11- Nem pelo facto de o credor fazer inscrever o seu crédito em título cambiário poderia aproveitar-lhe para substituir o prazo de prescrição originário pelo prazo do título em causa, nos termos do disposto no artº 311º nº 1 do C.C.


12- Isto porque tal substituição apenas ocorre para prazos prescricionais ainda não completados; caso contrário não opera a referida substituição.


13- No caso concreto o crédito do Exequente já tinha prescrito quando em 2019 foi preenchido o título pelo que não se verifica o disposto no nº 1 do artº 311º do C.C.


14- O prazo esgotado não se renova.


15- Por fim, tendo o Embargante invocado a prescrição, os autos dispunham de todos os elementos necessários à sua aferição; pelo que, não estando o Tribunal, limitado à invocação de direito do Embargante, poderia ter concluído pela aplicação do direito aos factos constantes do processo, por essa mesma prescrição do direito do Exequente.


16- Estando prescrito o crédito principal, está necessariamente prescrito o crédito referente a juros,


17- Pelo que no caso concreto estava prescrito o crédito subjacente à obrigação cartular, daí resultava a prescrição do crédito cartular (uma vez que este foi constituído quando o primeiro já estava prescrito) e ainda prescrito o crédito referente a juros de mora.


18- Ao não ter decidido no sentido acima propugnado, a douta sentença violou o disposto nos arts. 608º nº 2 e nº 2 e 3 do artº 5º do CPC; artsº 310 al. e), 311º nº 1 do Código Civil, ao não fazer a sua interpretação tal como supra propugnado.


19- Assim, deverá ser julgado procedente o presente recurso, alterando-se a decisão nos termos supra referidos.»


Na resposta ao recurso, o recorrido defendeu confirmação da sentença recorrida.


II- FUNDAMENTAÇÃO

A. Objeto do Recurso


Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar se a obrigação cambiária se encontrava prescrita à data do preenchimento da livrança dada à execução.


B- De Facto


A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:


«4.1. Factos provados


4.1.1. Foi apresentada como título executivo a livrança junta aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.


4.1.2. Da referida livrança consta a data de emissão de 07-09-2007 e a data de vencimento de 30-05-2019.


4.1.3. A referida livrança tem como subscritora a JLCC Investimentos Hoteleiros, Lda. e como avalista, para além do mais, o embargante.


«4.1.4. A referida livrança serve de garantia para o contrato de locação financeira junto com o requerimento executivo, nos autos principais, sob a designação de Doc. n.º 1 e cujo teor se dá aqui pro integralmente por reproduzido, celebrado, em 07/09/2007, entre a então Finibanco, S.A. (locador), atualmente sob a designação social Montepio Investimento S.A., e a sociedade JLCC Investimentos Hoteleiros, Lda..


4.1.5. Nos termos do mencionado contrato:





4.1.6. Ainda nos termos do referido contrato:





4.1.7. O contrato mostra-se assinado pelo embargante, enquanto um dos representantes da sociedade JLCC Investimentos Hoteleiros, Lda. e ainda pelo


representante do Finibanco, S.A..


4.1.8. Foi junta ainda a convenção de preenchimento da livrança em branco, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nos termos da qual:





4.1.9. A sociedade JLCC Investimentos Hoteleiros, Lda foi declarada insolvente a 01/10/2012.


4.1.10. A execução dos autos principais foi instaurada a 05-10-2021.


4.1.11. Nos termos do requerimento executivo constante dos autos principais:


«Capital em dívida: €27.193,28


Juros de 30-mai-19 a 01-jun-20 7,0000000%: €1.945,83


I.SELO (4%): €77,83


Total: €29.216,94 (vinte e nove mil, duzentos e dezasseis euros e noventa e quatro cêntimos).»


4.2. Factos não provados


Não há factos não provados com interesse para a decisão, designadamente que:


- o contrato de locação não foi assinado pelo embargante.»

C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso


Como supra enunciado, a questão decidenda consiste em decidir se a obrigação cambiária se encontrava prescrita à data do preenchimento da livrança dada à execução.


Para cabal análise desta questão, há que previamente analisar qual o prazo de prescrição aplicável às obrigações emergentes da relação subjacente e se, caso as mesmas se encontrassem prescritas à data do preenchimento da livrança em branco, a exceção é passível de ser invocada em relação à cambiária e no âmbito das relações imediatas.


Vejamos, então.


Decorre dos factos provados que a relação subjacente estabelecida entre o então Finibanco, S.A. (hoje Montepio Investimento, S.A.) e a sociedade JLCC Investimentos Hoteleiros, Ld.ª corresponde a um contrato de locação financeira tendo, no âmbito desse contrato, a livrança dada à execução sido subscrita em branco, para além de outros, pelo ora Embargante na qualidade de avalista, com intervenção no pacto de preenchimento (cfr. facto provado 4.1.8.), servindo a mesma como garantia no referido contrato de locação financeira, celebrado em 07-09-2007.


Mais consta dos factos provados que a sociedade locatária foi declarada insolvente em 01-10-2012; que na livrança consta a data de emissão de 07-09-2007 e a data de vencimento de 30-05-2019.


No que concerne ao prazo de prescrição das rendas do contrato de locação financeira, o STJ emitiu em 12-09-2024, o AUJ n.º 13/20241 uniformizando jurisprudência nos seguintes termos:

«Prescrevem no prazo de 5 anos, por aplicação analógica do art. 310.º/e) do C. Civil, as rendas do locatário no contrato de locação financeira.»

A jurisprudência uniformizadora não delimitou a sua aplicação no tempo, pelo que se aplica a todas as situações em que se discuta a questão que apreciou.


Encontra-se, pois, afastada a tese que defendia a aplicação do prazo geral de prescrição de 20 anos (que o recorrido vem invocar na resposta ao recurso).


Desta feita, obteve vencimento no que concerne ao prazo de prescrição, a aproximação do regime da locação financeira ao das prestações de reembolso dos contratos de mútuo, ao qual é aplicável o curto prazo de prescrição quinquenal previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil (CC), lendo-se a certo passo no aresto uniformizador:

«Ora, também aqui, para a locação financeira, vale a justificação do prazo quinquenal de prescrição estabelecido pela alínea e) do art. 309.º do C. Civil, ou seja, está do mesmo modo em causa proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida, paga em prestações (e assim suavizada), a qual, se pudesse ser-lhe exigida “ao cabo de um número demasiado de anos” o poderia arruinar; assim como combater a inércia do credor na cobrança dos créditos.

Enfim, também por uma razão de coerência normativa e valorativa da ordem jurídica ou de justiça relativa (princípio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante), se justifica que, por aplicação analógica da alínea e) do art. 310.º do C. Civil, se submetam as rendas da locação financeira ao prazo prescricional de 5 anos: o princípio jurídico expresso na alínea e) do art. 310.º do C. Civil é extensível às prestações/rendas fracionadas (que incluem “capital” e juros) do contrato de locação financeira.»

Por outro lado, e no que concerne ao vencimento de todas as prestações, cabe apelar ao disposto no artigo 91.º, n.º 1, do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) que regula o vencimento imediato das dívidas como consequência dos efeitos da declaração de insolvência sobre os créditos, ao estipular:

«A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.»

Consequentemente, caso as prestações/rendas fracionadas (que incluem “capital” e juros) do contrato de locação financeira (como se refere no AUJ supracitado) não estivessem já vencidos à data da declaração de insolvência, a partir da sentença que declara a insolvência (01-10-2012) assim têm se ser consideradas.


Tendo a presente execução sido instaurada em 05-10-2021 é patente que já tinha ocorrido a prescrição.


E em relação à obrigação cambiária titulada pela livrança onde consta como data de vencimento 30-05-2019?


A resposta é igualmente positiva, ao contrário do decidido na sentença recorrida.


Não está em causa no recurso qualquer vício aposto à livrança por violação do pacto de preenchimento, nem tão pouco a admissibilidade de livranças em branco permitidas ao abrigo da LUL por via do artigo 11.º ex vi do artigo 77.º.


A questão que se coloca é se pode ser invocada pelo avalista, que também subscreveu a livrança, mantendo-se a mesma no âmbito das relações imediatas, a prescrição da obrigação subjacente, ou seja, se a prescrição da obrigação subjacente, no caso, igualmente determina a prescrição da obrigação cambiária.


A questão não é de todo nova e tem sido decidida na jurisprudência de forma que se afigura consensual.


Remete-se, neste particular, e exemplificativamente, para o acórdão do STJ de 03-10-20242 e jurisprudência aí citada, lendo-se no respetivo sumário:

«I- No caso de o título executivo ser uma livrança, estando a mesma no domínio das relações imediatas, é lícito aos obrigados cambiários invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção.

II - Assim, nas relações imediatas, a prescrição da obrigação causal acarreta a extinção da obrigação cambiária.»

É certo que também é entendimento consensualizado que o prazo de prescrição da livrança corre a partir do dia do vencimento aposto na livrança (e não em função da data de vencimento da obrigação causal3), mas tal pressupõe que a obrigação causal não se encontra também prescrita, sendo que a prescrição é invocável por estarem exequente e executado no âmbito das relações imediatas.


Efetivamente, e como supra referido, também é consensual que, encontrando-nos no âmbito das relações imediatas, como resulta do disposto no artigo 17.º da LULL, é lícito ao signatário cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstração.4


Nesse sentido, refere-se no acórdão do STJ de 14-09-20215:

«(…) a relação cartular é independente da causa que lhe dá origem, da que constitui o motivo da subscrição cambiária, da relação fundamental, que pode assumir diversas figuras jurídicas. A obrigação cambiária é abstrata, não se prende nem depende da causa que motivou a emissão do título. Por isso, em regra, as pessoas accionadas por essa via não podem opor ao portador da letra/livrança as excepções fundadas nas relações pessoais com o sacador ou portador anteriores (arts. 17º e 77º da LU). Tal não sucede nas relações imediatas, em que entre os dois signatários não se interpõe qualquer outro ou em que os sujeitos da relação cambiária são concomitantemente os sujeitos da relação causal. Neste caso, em que não há interesses de terceiros de boa fé a defender, os princípios da literalidade, abstração e autonomia que caracterizam os títulos cambiários deixam de funcionar, podendo fundar-se a defesa nas excepções emergentes da relação causal.»

No caso em apreço, estamos no domínio das relações imediatas, não obstante o ora executado/embargante seja executado na qualidade de avalista de uma livrança em branco validamente emitida, ou seja, de um título cambiário que é caraterizado pela autonomia literalidade e abstração e da obrigação do avalista ser materialmente autónoma da obrigação por ele avalizada, podendo apenas opor vícios de forma como decorre do artigo 32.º do LULL, exatamente por estarmos no âmbito das relações imediatas, tendo o Embargante participado no pacto de preenchimento da livrança.


As relações imediatas são as que se estabelecem entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é, estamos no domínio das relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares, ou como se refere no ponto III do sumário do acórdão do STJ de 07-03-20236:

«III- São relações imediatas aquelas que se estabelecem entre os sujeitos da convenção causal ou da convenção executiva – logo, de uma qualquer convenção extracartular».

Por sua vez, as relações mediatas verificam-se quando uma pessoa estranha às convenções extracartulares está na posse do título cambiário.


Sublinhando-se que, como refere Ferrer Correia referindo-se às letras, mas também aplicável às livranças por via do artigo 77.º da LULL:

«Na situação do portador imediato está também o possuidor da letra que a tenha recebido por título diferente do endosso: cessão, sucessão mortis causa. Com efeito, trata-se aqui de um representante do transmitente e, portanto, são-lhe oponíveis todas as excepções que seriam oponíveis a este».7

O ora Embargante subscreveu a livrança em branco e participou no pacto de preenchimento como ficou provado nos factos provados, pelo que passou a fazer parte das relações imediatas.


Por outro lado, a livrança mante-se na posse do Exequente por via de uma alteração estatutária do locador Finibanco, S.A., agora denominado Montepio Investimento, S.A., facto que, como supra referido, não altera a natureza imediata da relação cambiária.


Consequentemente, à data do vencimento aposto na livrança já tinha decorrido o prazo prescricional de 3 anos após o vencimento da obrigação subjacente (cfr. artigo 70.º e 77.º da LULL), pelo que igualmente se encontra prescrita a relação cambiária (capital e juros).


Procedem, pois, os embargos de executado, bem como a apelação.


Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do Apelado (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


III- DECISÃO


Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedentes os embargos de executado, e, consequentemente, declaram extinta a execução em relação ao embargante AA.


Custas nos termos sobreditos.


Évora, 25-06-2025


Maria Adelaide Domingos (Relatora)


José António Moita (1.º Adjunto)


Francisco Xavier (2.º Adjunto)

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1. Proferido no proc. n.º 2218/18.0T8CHV-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt e também publicado no DR n.º 200/2014, I Série, de 15-10-2024.↩︎

2. Proferido no proc. n.º 466/22.8T8ELV-C.E1.S1, em www.dgsi.pt↩︎

3. Cfr., exemplificativamente, Ac. RL, de 08-02-2022, proc. n.º 10858/16.6T8LRS-A.L1-7, em www.dgsi.pt↩︎

4. Cfr. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, 1975, p. 67-71↩︎

5. Proferido no proc. n.º 2449/18.3T8OER-A.L1.S1, em www.dgsi.pt↩︎

6. Proferido no proc. 31515/12.7T2SNTA.L1.S1, em www.dgsi.pt↩︎

7. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, 1975, p. 71.↩︎