Sumário:
1. Não se verificando que na fase conciliatória do processo a perícia realizada tenha exigido pareceres especializados, não existe razão para fazer intervir na junta médica dois peritos da especialidade de neurocirurgia.
2. Não existe fundamento para se repetir a realização do exame por junta médica se não existirem dúvidas suscitadas pela resposta maioritária dos peritos nem decorrentes de outros elementos juntos aos autos, nem existirem contradições ou obscuridades na resposta aos quesitos apresentados pelas partes.
3. Quando foram realizadas as duas perícias previstas no Código de Processo do Trabalho, sendo a segunda colegial e com presidência do juiz, a pretensão do autor/recorrente no sentido de que seja realizada uma nova perícia traduzir-se-ia na realização de terceira perícia, fora do âmbito de previsão das normas aplicáveis.
(Secção Social)
Relator: Filipe Aveiro Marques
1.ª Adjunta: Paula do Paço
2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
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I. RELATÓRIO:
I.A.
AA, autor no processo de acidente de trabalho que intentou contra “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Juízo do Trabalho de Santarém – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e, em consequência:
a) Declara-se que o Sinistrado AA se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, curado sem desvalorização desde 30-09-2017;
b) Condena-se a Entidade Responsável Fidelidade - Companhia De Seguros, S.A a pagar ao Sinistrado AA a título de indemnização diferencial pelos períodos de incapacidade temporária (de 21-09-2017 até 29-09-2017) o valor de € 34,82 (trinta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).
c) Condena-se a Entidade Responsável Fidelidade - Companhia De Seguros, S.A. a pagar ao Sinistrado AA, a título de despesas com deslocações obrigatórias, a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros);
d) Condena-se a Entidade Responsável Fidelidade - Companhia De Seguros, S.A. a pagar ao Sinistrado AA juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, contados desde 30-09-2017, à taxa legal, até integral pagamento.
e) Absolve-se a Entidade Responsável Fidelidade - Companhia De Seguros, S.A. do demais peticionado pelo sinistrado.
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Custas a cargo da Entidade Responsável (artigo 527.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho).”
Após tentativa de conciliação que terminou sem acordo, o autor tinha apresentado petição inicial onde alegou ter sido vítima de acidente de trabalho e pediu a condenação da ré seguradora a pagar-lhe as quantias devidas pelos períodos de incapacidades temporárias, transporte, pensão anual e subsídio de elevada incapacidade. Terminou a sua petição com o seguinte requerimento: “Por discordar do resultado do exame médico singular o A impetra a sua sujeição a exame a efectuar por junta médica integrando especialistas em neurocirurgia para o que junta os respectivos quesitos.” E apresentou quesitos para serem respondidos pela junta médica.
Contestou a ré, muito em suma, dizendo que o autor tem alterações neurológicas compatíveis com mielopatia espondilótica cervical, que se trata de patologia pré-existente não relacionada, nem agravada, pelo acidente. Apenas aceita a contusão da região abdominal e cotovelo direito, com escoriação. Requereu a realização de junta médica e apresentou quesitos.
Após aperfeiçoamentos aos articulados, foi proferido despacho saneador. Determinou-se a realização de perícia por junta médica.
Realizou-se (em 15/05/2024) a junta médica que foi determinada, presidida pela Meritíssima Juiz titular do processo, tendo sido nomeados: como perito do sinistrado um médico da especialidade de neurocirurgia; como peritos do Tribunal e da Seguradora, médicos da especialidade de medicina legal.
Notificadas as partes do resultado da perícia colegial, veio o autor (em 24/05/2024) requerer a notificação do terceiro perito por não ter este respondido aos quesitos, o que foi indeferido por despacho de 28/05/2024. O autor recorreu desse despacho, mas o recurso não foi admitido (decisão de não admissão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora[1]).
Foi decidida a questão da incapacidade, no despacho de 28/05/2024, nos seguintes termos: “declara-se o sinistrado afetado de uma Incapacidade Temporária Absoluta no período compreendido entre 21/9/2017 e 29/9/2017 e julga-se o mesmo curado sem desvalorização desde o dia 29/09/2017, correspondente ao da alta médica”.
Realizado julgamento, foi proferida a sentença recorrida.
I.B.
O autor/apelante apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“1ª Logo no seu requerimento de junta médica o ora Apelante solicitou expressamente que aquela integrasse especialistas em neurocirurgia. E fê-lo por virtude da especificidade da lesão de que é portador.
2ª Não obstante, a verdade é que a junta médica foi constituída por dois facultativos de medicina legal e um especialista em neurocirurgia, tendo prevalecido a posição daqueles, nos exactos termos plasmados no auto de junta médica, e acolhida pelo Tribunal a quo.
3ª Enquanto isso o médico neurocirurgião sustentou a necessidade de sujeição do sinistrado a exame por junta médica de especialidade, o que foi desmerecido pelo Tribunal a quo.
4ª É consabido que o resultado da junta médica não é vinculativo, podendo o juiz daquele discordar contanto que o faça fundadamente. Vale isto para destacar que, no caso em apreço, poderia o juiz não acolher o parecer maioritário e, ao invés, determinar a submissão do sinistrado a exame por junta médica de neurocirurgia no I.N.M.L.C. F.
5ª Manifestamente teria sido mais apropriado. Desde logo, porque afastaria definitivamente a incerteza que se instalou em torno do resultado da junta médica dos autos e, simultaneamente, deixaria claro o quadro clínico que afecta o sinistrado, qualquer que ele seja.
6ª Em segundo lugar, ocorre que, ao acolher o parecer maioritário a decisão privilegiou a quantidade em detrimento da qualidade, e, sobretudo, não explicitou a razão por que ante duas posições divergentes acolheu uma à outra, sendo certo que os defensores da posição maioritária, que não refutaram a existência de lesões medulares ao nível C5-C6 e C6-C, admitem ser o sinistrado portador de patologia pré-existente ao acidente, compatível com o foro da neurocirurgia.
7ª Neste contexto afigura-se pertinente a realização de exame por junta médica de neurocirurgia sob pena de perpetuar a insegurança que afecta o julgado.
8ª A livre apreciação do julgador, em matéria de junta médica, impõe àquele, que em princípio será um leigo nas matérias em controvérsia, um cuidado especial de sorte a afastar toda e qualquer equivocidade, o que não ocorreu no caso vertente.
9ª A sentença, estribando-se no laudo pericial dos autos, e sem mais dando como não provados os factos constantes das alíneas a), e b), não contém todos os elementos de facto necessários à decisão, pelo que incorreu ela em violação do disposto no art.º 139º, nº7, do Cód. de Processo do Trabalho.
Termos em que,
Revogando-a e determinando a sujeição do sinistrado a exame por junta médica de neurocirurgia, Vossas Excelências farão sagaz e tecnicamente hábil
JUSTIÇA!”
I.C.
A ré respondeu às alegações defendendo a improcedência do recurso.
I.D.
O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo.
O Ministério Público junto do Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
Respondeu a ré/apelada a acompanhar esse parecer.
E respondeu o autor/apelante dizendo que a questão sob recurso é a da composição e funcionamento da junta a médica em face da especificidade da lesão que afecta o sinistrado e não aqueloutra sobre que se ocupou o parecer.
Após os vistos, cumpre decidir.
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
No caso, impõe-se apreciar se há fundamento para realizar nova junta médica, mas da especialidade de neurocirurgia.
III.A. Fundamentação de facto:
III.A.1 Factos provados:
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. No dia 19-09-2017, pelas 13h50, quando AA prestava o seu trabalho de pintor de moveis ao serviço da entidade empregadora “J.J. Louro Pereira, S.A.", em execução de contrato de trabalho com esta celebrada e mediante a remuneração anual de € 15.380,06, ao mexer uma lata de tinta, foi atingido por um conjunto de cadeiras pertencente a uma palete que continha 60 cadeiras, embaladas duas a duas e que estava a ser descarregada por outros colegas.
2. “J.J. Louro Pereira, S.A.", à data, tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, através da apólice n.º ... e pela retribuição anual de € 15.380,06.
3. A Seguradora pagou ao Sinistrado a quantia de € 230,64, a título de incapacidades temporárias que este andou portador entre o dia 21-09-2017 e o dia 29-09-2017.
4. No dia 15-03-2023, realizada Tentativa de Conciliação na fase conciliatória dos autos, a mesma não se mostrou viável porque a Ré declino a sua responsabilidade, declarando o seguinte: “Todavia, e considerando a informação clinica de que dispõe conclui que a lesão – alterações neurológicas compatíveis com mielopatia espondilótica cervical – não resultaram do acidente de trabalho participado, configurando patologias pré-existentes não relacionadas nem agravadas pelo acidente. Não existindo nexo de causalidade entre a lesão e o acidente não pode por conseguinte esta seguradora assumir a responsabilidade pela reparação do acidente nos termos dispostos na Lei 98/20009 de 04 de Setembro. Em consequência, face à inexistência de nexo de causalidade (um dos requisitos do conceito legal de acidente de trabalho, também não se reconhece a existência e caracterização do acidente participado como acidente de trabalho, nos termos dispostos no art. 8.º da LAT.” (sic).
5. AA nasceu no dia ...-...-1966.
6. Consta do auto de junta médica realizada a 15-05-2024 que “(…)Questionado, o sinistrado refere não ter sido presente em consulta nos Serviços Clínicos da Seguradora no mesmo dia do acidente. No entanto, de acordo com os registos clínicos da seguradora, do acidente de trabalho terá resultado escoriação do cotovelo direito e contusão da região abdominal, tratadas conservadoramente com cuidados de penso, tendo tido alta a 29/9/2017, curado sem desvalorização, após o que foi trabalhar….
7. … Atualmente, destes traumatismos não resultaram quaisquer sequelas…
8. … As queixas atuais, do foro neurológico, não constam dos registos clínicos no período subsequente ao evento traumático…
9. … Como tal, não existe continuidade sintomatológica nem adequação temporal no caso concreto, pelo que não é possível imputar o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho relatado nos autos (do qual resultaram traumatismo do cotovelo direito e contusão abdominal).
10. Em consequência do referido em 1., o Autor sofreu uma “Contusão abdominal e escoriação do cotovelo direito.”;
11. A data da consolidação foi fixada em 29-09-2017.
12. Por decisão de 28-05-2024, o sinistrado foi declarado afetado de uma Incapacidade Temporária Absoluta no período compreendido entre 21-09-2017 e 29-09-2017 e julgado curado sem desvalorização desde o dia 29-09-2017.
13. O Autor despendeu € 120,00 com deslocações obrigatórias ao Tribunal.
Do elenco dos factos não provados consta da sentença recorrida que:
i. As lesões sofridas pelo sinistrado em razão do acidente são: Cervicalgias permanentes com limitação acentuada da mobilidade; Sinais neurológicos de lesão medular à direita: perda de força muscular no hemicorpo direito com hipostesia /disestesias. Marcha só possível com apoio de canadiana.
ii. Que em consequência das lesões acima referidas resultam as sequelas seguintes: Ao nível intersomático C5/C6 existe perda focal de volume e hipersional T2 medular que abrange a vertente paramediana e póstero-lateral direita da imagem medular e ao nível somático de C6 e no espaço intersomático C6/C7 nota- se perda de definição e hipersinal T2 nos cordões medulares posteriores.
A. Em primeiro lugar, importa ter presente que se dispõe no artigo 139.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho que: “Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades.”
Ora, compulsados os autos, verifica-se que na fase conciliatória do processo a perícia realizada não exigiu pareceres especializados, pelo que nenhuma razão existia para que se fizesse intervir na junta médica outro perito da especialidade de neurocirurgia (ver, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/01/2025, processo n.º 429/21.0T8TMR-C.E1[2]).
Assim, improcede esta parte do recurso.
B. A segunda questão prende-se com a eventual necessidade, em face do resultado da junta médica, de se realizar junta médica da especialidade de neurocirurgia.
Neste particular, importa considerar que o sinistrado apresentou participação de acidente de trabalho em 26/03/2021 onde refere, como circunstâncias do acidente, o seguinte: “estava a mexer uma lata de tinta abaixado quando uma palete de cadeiras me bateu nas costas”. Mais refere aí que o acidente ocorreu em 20/09/2017. Juntou com essa participação relatório médico datado de 23/03/2021 e subscrito pelo mesmo médico que lhe veio a ser nomeado como perito na junta médica, onde este diz que o sinistrado sofreu traumatismo crânio-cervical com molho de cadeiras com subsequente queda imediata e que, desse sinistro, resultou quadro clínico que se mantém, constituído por: cervicalgias permanentes com limitação acentuada da mobilidade; sinais neurológicos de lesão medular à direita, perda de força muscular no hemicorpo direito com hiposteria/disestesias; marcha só possível com apoio de canadiana. Juntou, igualmente, relatório de ressonância magnética da coluna cervical realizado em 13/02/2021.
Da informação clínica (realizada pelos serviços clínicos da seguradora) junta aos autos resulta que o sinistrado informou que “uma cadeira caiu na barriga e cotovelo direito” e ficou consignado o seguinte exame objectivo: “escoriação epicondiliana do cotovelo direito cicatrizada” e, no diagnóstico: “ferimento aberto do cotovelo, sem menção de complicação e contusão da parede abdominal”.
Após primeiro exame pelo GML, foram solicitados registos clínicos/informação clínica ao Centro de Saúde do autor, no que diz respeito à patologia da coluna e alterações neurológicas, assim como os exames complementares relacionados que tenha realizado.
Recebida essa informação (ofício de 6/06/2022), resulta da mesma que, além do mais, o autor começou a ser seguido por irradiação de dor na coluna em 27/04/2017 (antes, portanto, da data do acidente).
O perito médico singular fez constar do seu relatório o seguinte: “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano temporário, traduzido no período de recuperação após contusão da região abdominal e cotovelo direito com escoriação, com restabelecimento completo do estado anterior, pelo que não se considera a existência de sequelas na sequência do evento em apreço, de acordo com a TNI. As alterações neurológicas compatíveis com mielopatia cervical enquadram-se nas alterações descritas na Ressonância Magnética com hipótese de mielopatia secundária, quer desmielinizante quer de etiologia microvascular quer infeciosa associada a espondilose cervical não sendo possível admitir o nexo de causalidade com o acidente”.
Por seu turno, a junta médica fez consignar (antes de responder aos quesitos apresentados pelas partes) o que ficou a constar dos pontos 6 a 9 dos factos provados da sentença recorrida.
De resto, importa sublinhar a posição assumida na junta médica pelo perito nomeado ao sinistrado: “Pelo perito do sinistrado é dito que na observação clínica e interrogatório feitos neste tribunal, as queixas do doente não parecem ser consequência das queixas referidas inicialmente aquando da participação do sinistro. Todavia, tendo o sinistrado referido ter sofrido traumatismo cranio-cervical, é de admitir como muito prováveis e decorrentes do sinistro as lesões medulares a nivel de C5 - C6 e C6 - C7, do qual decorre uma hemiparesia direita. Sou da opinião de que o sinistrado deverá ser observado em Junta médica de neurocirurgia no INMLCF”.
Ou seja, este perito começa por dizer que na observação clínica e interrogatório feitos no tribunal, as queixas do doente não parecem ser consequência das queixas referidas inicialmente aquando da participação do sinistro. Após, em vez de tomar posição sobre os quesitos ou sobre a necessidade de realização de outros exames complementares, veio dizer que o sinistrado deverá ser observado em junta médica de neurocirurgia – ficando por se saber em que é que a presença de mais um médico da mesma especialidade que a sua poderia alterar a sua posição sobre a questão.
A opinião maioritária da junta médica baseou-se, como ficou a constar do auto (e foi usado na fundamentação da sentença recorrida), na informação clínica do Centro de Saúde, de que “o sinistrado já tinha queixas de lombalgia (desde 2009, com irradiação desde abril de 2017), de dor generalizada com rigidez matinal e parestesias (desde 2013)” e, ainda, “a mielopatia cervical apenas se encontra descrita em 2019 (cerca de dois anos após o evento traumático), pelo que não é possível estabelecer nexo de causalidade com o evento traumático”.
Não existiram, por isso, dúvidas suscitadas pela resposta maioritária dos peritos nem decorrentes de outros elementos juntos aos autos que levassem o Tribunal a quo a determinar a realização de exames ou pareceres complementares ou a requisitar outros pareceres técnicos (cf. artigo 139.º, n.º 7, do Código de Processo Civil). E diga-se que essas dúvidas não se vislumbram.
Nem existiu qualquer contradição ou obscuridade na resposta aos quesitos apresentados pelas partes.
Consequentemente, não existia, como não existe, fundamento para se repetir a realização do exame por junta médica.
Pretende o autor/recorrente, afinal e em substância, a realização de uma segunda perícia por junta médica da especialidade por não concordar com o resultado da primeira “generalista”.
Regulando o Código de Processo do Trabalho, expressamente, o regime do exame por junta médica, verifica-se que o legislador se afastou nesta matéria, intencionalmente, do que se estabeleceu no Código de Processo Civil.
Diga-se, em primeiro lugar, que em ambos os regimes (processual civil e processual laboral) está prevista a possibilidade de realização de duas perícias.
Neste processo em concreto, a primeira perícia foi feita (cf. artigo 105.º do Código de Processo do Trabalho) e deu-se às partes a possibilidade de requerer uma segunda perícia (agora por junta médica), como efectivamente vieram a fazer.
E não existe, no Código de Processo de Trabalho, qualquer limitação das garantias das partes interessadas relativamente ao que se estabelece no Código de Processo Civil. Pelo contrário, houve especiais cautelas naquele primeiro caso, bem evidenciada no facto de a segunda perícia por junta médica prevista no Código de Processo de Trabalho ser necessariamente presidida pelo juiz (diversamente do que ocorre no regime processual civil, em que se prevê apenas a possibilidade de estar presente, se o considerar necessário), a quem incumbe uma intervenção directa, podendo por sua iniciativa, se o considerar necessário, determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos (n.ºs 6 e 7 do artigo 139.º, do Código de Processo do Trabalho).
Daí que, neste caso, em que foram realizadas as duas perícias previstas no Código de Processo do Trabalho (sendo a segunda com presidência do juiz), a pretensão do autor/recorrente no sentido de que seja realizada uma nova perícia traduzir-se-ia, afinal, não na segunda mas numa terceira perícia, fora do âmbito de previsão das normas aplicáveis, o que bastaria para evidenciar a falta de razão relativamente ao pretendido.
De resto, o Código de Processo do Trabalho é, também, inequívoco no sentido de se poder afirmar que, após a realização da perícia por junta médica a que alude o artigo 139.º, é logo proferida decisão pelo juiz, fixando a natureza e grau de incapacidade (artigo 140.º do mesmo Código), não podendo assim haver lugar à possibilidade de realização de uma nova perícia por junta médica (que seria a terceira, como se viu).
Do exposto se pode concluir, sem necessidade de outras considerações, pela completa improcedência da pretensão do autor/recorrente, no sentido de ser realizada uma nova perícia por junta médica da especialidade de neurocirurgia.
Improcede, por isso, o recurso apresentado também nesta parte.
C. Finalmente, uma vez que as partes não se insurgem contra a parte da decisão que fixou as consequências legais das incapacidades fixadas, nem fazendo tal matéria, por isso, parte do objecto do recurso, nada mais haverá a decidir que não a integral confirmação da sentença.
Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida. E havendo uma parte vencida não se passa ao critério subsidiário que é o da condenação em custas de quem tira proveito do recurso.
As custas do recurso ficarão a cargo do autor/recorrente, por ter ficado vencido, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo autor/recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Notifique-se.
Évora, 25 de Junho de 2025
Filipe Aveiro Marques
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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1. Despacho do Juiz Desembargador Relator de 11/09/2024 proferido no apenso de reclamação 762/21.1T8STR-A e transitado em julgado.↩︎
2. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/1c47ee7e230e864080258c2800385238.↩︎