TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
OPOSIÇÃO
TRABALHO A TEMPO PARCIAL
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I- As causas de nulidade previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC reconduzem-se apenas a erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) e não também a erro de julgamento (error in judicando).

II- Saber se determinados factos deviam ou não ter sido objeto de decisão pela sua relevância para a decisão de direito, é matéria que diz respeito ao julgamento da causa, pelo que não gera a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

III- Não há omissão de pronúncia se o tribunal a quo conheceu da questão da existência, ou não, de transmissão de unidade económica, sem ter feito referência a todos os argumentos/razões apresentadas pela Ré/Recorrente para alicerçar a defendida inexistência de transmissão.

IV- Se a recorrente não indica os meios probatórios em que funda o pretendido aditamento de factos ao elenco dos factos provados, a impugnação da decisão fáctica, nesta parte, deve ser rejeitada.

V- A Relação não deve reapreciar, no âmbito do conhecimento da impugnação sobre a decisão de facto, factualidade que se revele absolutamente inócua para a decisão da causa.

VI- A consideração de factos não articulados na decisão de facto ao abrigo do artigo 72.º do CPT, é um poder conferido exclusivamente à 1.ª instância.

VII- Verifica-se a transmissão de uma unidade económica nos termos do disposto no artigo 285.º do CT, quando a exploração do serviço de uma Unidade de Radioterapia Hospitalar, que assenta essencialmente em meios humanos, passa a ser realizada, sem qualquer interrupção e por adjudicação, por outra empresa, que mantém ao seu serviço 15 dos 18 trabalhadores que ali trabalhavam.

VIII- A oposição à transmissão do contrato de trabalho fundamentada na falta de confiança na política de organização do trabalho da transmissária é válida se a trabalhadora, que exerce funções de chefia, tiver conhecimento que a transmissária se recusa a manter o seu contrato de trabalho porque as funções exercidas envolvem um elevado nível de confiança e de complexidade técnica, prevendo a trabalhadora que a transferência do contrato poderá conduzir a uma alteração e a um esvaziamento das funções que até então tinha exercido.

IX- O trabalhador a tempo parcial tem direito à formação obrigatória prevista no n.º 2 do artigo 131.º do CT, mas a quantidade de horas de formação obrigatória terá de ser proporcional ao tempo de trabalho prestado.

Texto Integral

P. 1455/22.8T8EVR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


AA intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra LENICARE, LDA. e JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A. (anteriormente designada JOAQUIM CHAVES CLÍNICAS MÉDICAS AMBULATÓRIO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA), formulando, a final, os seguintes pedidos:


«Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. Doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência:


1 – Ser declarado o despedimento ilícito da A., e a 1ª R. condenada a liquidar à A. nos termos previstos no preceituado no n.º 1 do art.º 391º do CT uma indemnização pela não reintegração no posto de trabalho que a A. ocupava, e que deverá ser fixada entre 30 e 45 dias da retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao grau de ilicitude que reveste o despedimento – e que aqui se computam pelo valor correspondente a 45 dias, no valor de € 31.110,12;


2 – Ser a 1ª R. condenada a pagar à A., as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão do Tribunal.


3 – Ser a 1ª R. condenada a pagar à A. as quantias atrás enunciadas, acrescidas de juros legais, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.


4 – Serem as RR. Condenadas no pagamento de custas do processo, procuradoria e nos


demais encargos.


Caso assim se não entenda,


1 – Ser declarada a transmissão do contrato de trabalho da A. a favor da 2ª R., por força do previsto no art.º 285º do C.T, e ser a dada continuidade da sua relação laboral com a 2ª R, operada por meio da transmissão do seu contrato de trabalho, com a manutenção de todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional, e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.


2 – Ser a 2ª R. condenada a pagar à A., as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão do Tribunal.


3 – Ser a 2ª R. condenada a pagar à A. as quantias atrás enunciadas, acrescidas de juros legais, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.


4 – Serem as RR. Condenadas no pagamento de custas do processo, procuradoria e nos


demais encargos.»


-


BB também demandou, em ação que foi apensada aos presentes autos, as mesmas Rés e, ainda, o HOSPITAL DO ... E.P.E., formulando, a final, os seguintes pedidos:


«Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência,


a) Declarar ILÍCITO o despedimento e a cessação do contrato de trabalho promovidos pelas Rés LENICARE LDA. e JOAQUIM CHAVES CLÍNICAS MÉDICAS AMBULATÓRIO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, nos termos do art. 381.º do CT;


b) Condenar a Ré JOAQUIM CHAVES CLÍNICAS MÉDICAS AMBULATÓRIO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, com efeitos reportados à data do despedimento, sem prejuízo da antiguidade e categoria profissional, ou, em alternativa e no caso do Autor o manifestar, serem as três Rés, LENICARE LDA., JOAQUIM CHAVES CLÍNICAS MÉDICAS AMBULATÓRIO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA e HOSPITAL DO ..., E.P.E. condenadas solidariamente a pagar a indemnização a que se reporta o art. 391.º do CT, a qual deve ser graduada acima do limite intermédio, correspondente a, pelo menos, 40 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.


c) Subsidiariamente, caso entenda não ser procedente o pedido constante das alíneas a) e b), o que apenas se concebe por mero dever de patrocínio judiciário, deve ser declarada a transmissão do contrato de trabalho do Autor a favor da Ré JOAQUIM CHAVES CLÍNICAS MÉDICAS AMBULATÓRIO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, nos termos do art. 285.º do Código do Trabalho e ser dada continuidade à relação jurídica laboral com a Ré JOAQUIM CHAVES CLÍNICAS MÉDICAS AMBULATÓRIO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, operada por meio de transmissão do seu contrato de trabalho, com a manutenção de todos os direitos contratuais já adquiridos.


d) Condenar as três Rés solidariamente no pagamento das retribuições mensais vencidas e vincendas na pendência da presente ação até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos previstos no art. 390.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a que acrescerão juros de mora à taxa legal até ao integral e efetivo pagamento;


e) Condenar solidariamente as três Rés no pagamento de outros créditos laborais vencidos, 26.777,34€ (vinte e seis mil setecentos e setenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos), resultante da soma dos seguintes diferenciais:


i) Subsídio de férias relativo ao ano de 2022, que se cifra no montante de 5500,00 € (cinco mil e quinhentos euros);


ii) Férias vencidas e não gozadas, referentes ao ano de 2022, que se cifra no montante de 5500,00 € (cinco mil e quinhentos euros);


iii) Proporcionais do subsídio de natal relativo ao ano de 2022, que se cifra no montante de 2291,67 € (dois mil duzentos e noventa e um euros e sessenta e sete cêntimos);


iv) Proporcionais de férias a vencerem-se a 1 de Janeiro de 2023 (5/12), logo 10 dias: € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros);


v) Proporcionais de subsídio de férias 2022 (5/12): 2291,67 € (dois mil duzentos e noventa e um euros e sessenta e sete cêntimos);


vi) Valor de 8694,23€ referente a Horas de Formação, nos termos do art 131.º do CT, no valor total de 137 horas, sendo 40 horas anuais, multiplicadas pelos 3 anos e 8 meses de antiguidade, ou seja, 137h de horas de formação x 63,46€ de valor horário;


f) Condenar, solidariamente, os três Réus no pagamento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de 3200,00€ (três mil e duzentos euros).”


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Resumidamente, alegaram os Autores:


- A Autora foi admitida para desempenhar as funções de Técnico Responsável de Radioterapia sob a direção e autoridade da 1.ª Ré em 01.05.2010;


- O Autor foi admitido para desempenhar as funções de Médico Radio-Oncologista sob a direção e autoridade da 1.ª Ré em 01.09.2018;


- A 1.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à prestação de serviços de saúde, ao nível da cirurgia geral, internamento, recuperação física, oncologia e radioterapia, e demais especialidades médicas complementares;


- Entre a 1.ª Ré e o Hospital do ..., E.P.E. vigorou, desde 01.09.2009 até 30.04.2022, um contrato de exploração referente à Unidade de Radioterapia, na sequência da candidatura que aquela empresa apresentou no concurso público para concessão da exploração da dita Unidade. Para efeitos da nova concessão, a partir daquela data, foi aberto o concurso público n.º 190088/21 – “Concessão de Exploração da Unidade de Radioterapia”, no âmbito do qual foi adjudicada a exploração à 2.ª Ré;


- A Autora desempenhou o seu trabalho nas instalações do referido Hospital no âmbito do contrato de exploração, tendo exercido funções de chefia, designadamente relacionadas com a gestão da equipa, otimização dos recursos, e tendo a seu cargo a parte financeira no tocante à faturação (que implicava a verificação dos procedimentos de codificação que eram a base da cobrança ao Hospital);


- O Autor também desempenhou o seu trabalho nas instalações do referido Hospital no âmbito do contrato de exploração suprarreferido;


- Mediante comunicação de 27.04.2022, dirigida pela 1.ª Ré à Autora, a mesma foi informada da cessação do seu contrato de trabalho, com efeitos a 30.04.2022;


- Também ao Autor foi transmitido que a partir de 01.05.2022 deixaria de exercer funções na Unidade de Radioterapia do Hospital do ...;


- Contudo, em momento prévio, a 1.ª Ré havia comunicado aos Autores e demais funcionários a transmissão dos respetivos contratos de trabalho para a 2.ª Ré;


- Posição que a 2.ª Ré, pese embora tenha mantido no que concerne aos demais funcionários, não assumiu posteriormente perante os Autores e perante terceira funcionária;


- A Autora comunicou à 1.ª Ré a sua oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos do previsto no artigo 286.º-A do Código do Trabalho;


- No dia 30.04.2022, a Autora solicitou à 1.ª Ré que lhe fosse indicado o local de trabalho, onde se deveria apresentar no dia 02.05.2022 (2ª feira), comunicação que não teve qualquer resposta;


- Ainda assim a Autora tentou apresentar-se ao serviço no dia 02.05.2022 no seu local de trabalho habitual, tendo sido impossibilitada de exercer as suas funções por ali estarem somente elementos da 2.ª Ré que lhe disseram não haver lugar para ela;


- A Autora deu conhecimento deste facto à 1.ª Ré ainda naquele mesmo dia 02.05.2022;


- A 1.ª Ré remeteu à Autora, no dia 02.05.2022, o comprovativo da cessação do seu vínculo laboral junto da Segurança Social. O mesmo sucedeu relativamente ao Autor;


- Apenas no dia 20.05.2022, é que a Autora recebeu, por parte da 1.ª Ré, a resposta ao direito de oposição à transmissão atempadamente exercido;


- Também o Autor se apresentou ao serviço no dia 04.05.2022 no seu local de trabalho habitual, tendo sido impossibilitado de exercer as suas funções;


- Em consequência, os Autores sofreram os danos cujo ressarcimento peticionam nos autos.


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Em ambas as ações, frustrou-se a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes.


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Regularmente citadas, as duas primeiras Rés contestaram.


Nos autos principais, a 2.ª Ré requereu a intervenção do Hospital do ..., E.P.E..


No Apenso C – ação intentada pelo Autor – a 3.ª Ré (o Hospital) invocou a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva.


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Considerando a necessidade de conhecer da exceção da ilegitimidade processual passiva em momento prévio à prolação de saneador face ao requerimento de intervenção acessória apresentado, procedeu-se à adequação formal dos autos e julgou-se verificada a exceção de ilegitimidade processual passiva e, em consequência foi a 3.ª Ré absolvida da instância.


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Foi admitida a intervenção acessória provocada do Hospital do ... E.P.E. como auxiliar da 2.ª Ré, em ambos os processos.


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Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi:


- Fixado o valor de cada uma das ações;


- Julgada válida e regular a instância;


- Dispensada a prolação do despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º do Código de Processo Civil (identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova);


- Admitidos os requerimentos probatórios apresentados pelas partes;


- Designada data para realização da audiência de julgamento.


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Após o julgamento, foi prolatada sentença, contendo o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto, decide-se:


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1. Processo n.º 1455/22.8T8EVR


A) Julgar a ação intentada por AA contra “LENICARE, LDA.” parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:


1. Declara-se ilícito o despedimento da autora AA pela ré “LENICARE, LDA.” e


2. Condena-se a ré “LENICARE, LDA.” no pagamento à autora AA das seguintes quantias:


I. A título de créditos laborais vencidos em 01.05.2022, designadamente férias do ano de 2021 vencidas em 01.01.2022 e não gozadas e respetivo subsídio de férias não pago, proporcionais de férias do ano de 2022, proporcionais de subsídio de férias do ano de 2022 e proporcionais de subsídio de natal do ano de 2022, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 01.05.202 e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. art. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), a liquidar posteriormente se necessário;


II. A título de indemnização em substituição de reintegração, a quantia de 24.196,76€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação da ré e vincendos até efetivo e integral pagamento (artigos 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, al. b) e n.º 3, 806.º e 559.º do Código Civil).


III. As retribuições que a autora deixou de auferir desde o respetivo despedimento, ou seja, a partir de 1 de maio de 2022, até ao trânsito em julgado da presente decisão, as quais incluem os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, vencidos após a referida data, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. artigos. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação, já que à mesma deverão ser deduzidas:


(i) as importâncias que a trabalhadora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento,


(ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e


(iii) o subsídio de desemprego atribuído à trabalhadora no período em causa, devendo o réu entregar essa quantia ao “Instituto da Segurança Social, I.P.”;


B) Quanto ao mais, julga-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e, em consequência, absolve-se a ré “LENICARE, LDA.” do demais contra si peticionado nos autos pela autora;


C) Absolve-se a ré “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” do pedido contra si formulado nos autos pela autora;


D) Custas a cargo da autora AA e da ré “LENICARE, LDA.” na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que eventualmente beneficiem.


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2. Processo n.º 1455/22.8T8EVR-C


A) Julgar a ação intentada por BB contra “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:


1. Declara-se ilícito o despedimento do autor BB pela ré “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” e


2. Condena-se a ré “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” no pagamento ao autor BB das seguintes quantias:


I. A título de créditos laborais vencidos em 01.05.2022, designadamente férias do ano de 2021 vencidas em 01.01.2022 e não gozadas e respetivo subsídio de férias não pago, proporcionais de férias do ano de 2022, proporcionais de subsídio de férias do ano de 2022 e proporcionais de subsídio de natal do ano de 2022, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 01.05.202 e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. art. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), a liquidar posteriormente se necessário;


II. A título de indemnização em substituição de reintegração, a quantia de 20.166,67€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação da ré e vincendos até efetivo e integral pagamento (artigos 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, al. b) e n.º 3, 806.º e 559.º do Código Civil).


III. As retribuições que o autor deixou de auferir desde o respetivo despedimento, ou seja, a partir de 1 de maio de 2022, até ao trânsito em julgado da presente decisão, as quais incluem os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, vencidos após a referida data, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. artigos. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação, já que à mesma deverão ser deduzidas:


(i) as importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento,


(ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e


(iii) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período em causa, devendo o réu entregar essa quantia ao “Instituto da Segurança Social, I.P.”;


3. Condena-se a ré “LENICARE, LDA.” como responsável solidária pelo pagamento das quantias referida em 2., al. i.;


B) Quanto ao mais, julga-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e, em consequência, absolvem-se as rés “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” e “LENICARE, LDA.” do demais contra si peticionado nos autos pela autora;


C) Custas a cargo do autor BB e das rés “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” e “LENICARE, LDA.” na proporção do decaimento sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que eventualmente beneficiem.


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Registe-se e notifique-se.»


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A 1.ª Ré recorreu, formulando as seguintes conclusões:


«1. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença que considerou ter havido uma transmissão de estabelecimento da ora Recorrente para a Joaquim Chaves Oncologia, S.A. (de ora em diante, Joaquim Chaves) mas considerou que a ora Recorrida exerceu de forma legal o direito de oposição previsto no Art.º 286-A do Código do Trabalho, pelo que a Recorrente praticou um despedimento ilícito ao não aceitar a Recorrida como sua trabalhadora devendo, consequentemente, indemnizar esta e pagar-lhe créditos laborais, as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, descontadas as importâncias que Recorrida tenha auferido com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento; a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação; os valores auferidos a título de subsídio de desemprego.


2. A parte da sentença ora impugnada é aquela atinente à A. AA e em tudo o que, quanto a ela, a R. Lenicare é condenada, designadamente quando se afirma e equivocadamente se decide ter havido um despedimento (que não existiu), ilícito (que não poderia ser) ou ter havido legítimo exercício do direito de oposição (o que não foi o caso).


3. Dito de outro modo, são impugnados e objeto de recurso, quanto ao processo n.º 1455/22.8T8EVR (ponto 1. do capítulo VII. “Decisão”) todo o conteúdo da letra A (seus pontos 1. e 2.), C e D, esta na medida do impacto que a revogação do conteúdo das letras A e C tenham em matéria de custas, assim se impugnando, portanto, o teor da letra D com que a decisão termina, na parte em que a revogação antes solicitada tenha impacto do decaimento e repartição de custas. A impugnação recursiva abrange, enfim, tudo quanto na decisão resultou desfavorável à aqui Recorrente, não sendo impugnada a sentença quanto ao processo n.º 1455/22.8T8EVR-C em tudo quanto foi condenada outra entidade que não a R. Lenicare e também não sendo impugnados todos os trechos da decisão em que se profere decisão de absolvição da R. Lenicare (por exemplo, letra B) do ponto 3).


4. A Recorrente considera que a douta sentença fez uma errónea aplicação do Direito ao considerar legalmente exercido o direito de oposição pela Recorrida o que determinou a manutenção do seu vínculo laboral com a Recorrente; ao considerar que o facto de a Recorrente não aceitar a Recorrida como sua trabalhadora, praticou um despedimento ilícito nos termos previstos pela alínea c) do artigo 381.º do Código do Trabalho e ainda ao não ter verificado as circunstâncias e motivações com que a Recorrida exerceu o seu alegado direito de oposição que demonstram um exercício abusivo do mesmo, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.


5. Cabe ao trabalhador o ónus da prova do despedimento, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, sendo assim que este artigo deve ser interpretado e aplicado quanto ao caso dos autos.


6. A vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho, que o trabalhador tem de demonstrar, tem que ser “inequívoca” e “concludente”.


7. Compulsados os factos julgados provados em que a sentença se baseia, não se provou despedimento se apenas se afirma, naqueles, que o empregador não aceitou o trabalhador como sua trabalhadora a partir de 30 de abril de 2022 quando dias (27 de abril de 2022) antes esse empregador disse a tal trabalhador que por força de uma transmissão de estabelecimento que ocorreria em 1 de maio de 2022, a partir desta data o contrato continuaria a vigor mas tendo na posição de empregador em virtude de tal transmissão, o adquirente.


8. Na ponderação da existência, ou não, de um despedimento são relevantes os comportamentos das partes, mas o contexto em que tal comportamento ocorre e as comunicações trocadas entre os intervenientes, em especial quando nas mesmas aqueles verbalizam a visão que têm acerca dos acontecimentos em curso e explicam os seus comportamentos.


9. Nos termos do Art.º 286.º-A do Código do Trabalho, o direito de oposição tem que se fundamentar na existência de um prejuízo sério, o qual, a título de exemplo, pode resultar de manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho não lhe merecer confiança).


10. Esta interpretação da norma mostra-se consentânea com a tradição da doutrina e da jurisprudência nacionais que sempre que aceitaram a existência de um direito de oposição, ainda quando este não se encontrava legalmente previsto, o faziam depender da existência de prejuízos sérios; com a letra da lei porquanto o o artigo 394.º, n.º 3, alínea d) do Código do Trabalho remete para “o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A” e não para os fundamentos previstos naquele artigo, sendo ainda a interpretação correta do ponto de vista gramatical: a expressão nomeadamente, que é utilizada para indicar os exemplos de prejuízo sério, não limita tais exemplos à “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente”; se assim fosse, a expressão “ou, ainda, se a política de organização do trabalho não lhe merecer confiança” teria que ser precedida de uma vírgula, o que não acontece. É assim, e no sentido constante da sentença, que o artigo 286.º-A do Código do Trabalho deveria ter sido interpretado e aplicado.


11. Não é concebível que a falta de confiança na política de organização do trabalho do adquirente não tenha que ser densificada em factos concretos suscetíveis de causar um prejuízo sério ao trabalhador – a não ser assim, ou seja, bastando a invocação pelos trabalhadores de estados de desconfiança, impossíveis, pela sua própria natureza, de rebater judicialmente, o exercício do direito de oposição tornar-se-ia totalmente livre (desde que exercido dentro de determinado período temporal), o que levaria a uma inaceitável compressão de outro direito fundamental que o regime legal da transmissão de estabelecimento procura igualmente tutelar que é o da liberdade de empresa.


12. No exercício da sua oposição exigia-se à Recorrida a identificação de um fundamento bastante suscetível de materializar, ainda que no contexto de um juízo de prognose, um qualquer prejuízo sério resultante da transmissão do seu contrato de trabalho para a Joaquim Chaves, ou pelo menos, um facto que pudesse afetar a sua confiança na política de organização do trabalho desta entidade – recordando-se aqui, e uma vez mais, que essa foi a referência utilizada pela Recorrida na manifestação do seu alegado direito de oposição. É assim, e no sentido constante da sentença, que o artigo 286.º-A do Código do Trabalho deveria ter sido interpretado e aplicado.


13. É inequívoco que a Recorrida não invocou qualquer fundamento válido para a sua oposição à transmissão, razão pela qual e salvo melhor opinião, não deverá ter-se por validamente exercido tal direito.


14. A sentença proferida pelo Tribunal ad quo, ao considerar legitimo o exercício do direito pela Recorrida, mais do que materializar um autêntico direito de oposição pelo trabalhador, o que integra, na prática, é a consagração de um verdadeiro direito de oposição à transmissão de alguns trabalhadores por parte do adquirente.


15. Acresce ainda que a sentença recorrida apresenta uma flagrante contradição porquanto no que respeita ao autor BB a propósito do não exercício por este do direito de oposição, considerou que a posição assumida pela ré Joaquim Chaves, ao não aceitar a a transmissão do respetivo contrato de trabalho por exercer funções exercidas de elevada confiança e complexidade técnica, não tinha respaldo jurídico e como tal, não seria suscetível de fundamentar a oposição à transmissão do contrato – opinião diametralmente oposta à defendida quanto à oposição exercida pela Recorrida AA, fundada precisamente no mesmo motivo.


16. A oposição deduzida pela Recorrida não cumpriu o preceituado na lei e, por conseguinte, deve entender-se que o seu contrato de trabalho foi efetivamente transferido para a Joaquim Chaves que deu continuidade à exploração da unidade de negócio assumida pela Recorrente até ao momento da referida transmissão a 1 de maio de 2022.


17. Por tudo quanto antecede, a sentença recorrida violou, por equivocada interpretação e aplicação, o Art.º 286-A do Código do Trabalho.


18. A Recorrida não requer, em momento algum, voltar ao serviço da Recorrente o que se compreende e justifica pelo facto de ser conhecedora que esta não desenvolve qualquer atividade – o que, aliás, já sabia ser o caso quando exerceu o pretenso direito de oposição!


19. Todo o regime contido nos artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho resulta, como é sabido, da transposição da Diretiva 2001/23, de 12 de março de 2001 a qual tem como objetivo primordial salvaguardar a manutenção das relações de trabalho em caso de transmissão de unidade económica; o direito de oposição é uma salvaguarda do princípio da liberdade de trabalho, permitindo que os trabalhadores não sejam obrigados a manter-se ao serviço de quem não querem, mantendo-se ao serviço de quem haviam elegido como seu empregador.


20. Ficou demonstrado que a Recorrente não exerceu o direito de oposição com o propósito a que se destinam, quer o conjunto normativo dos artigos 285.º e seguintes, quer o Artigo 286.º-A que, no caso concreto, seria o de permitir que a Recorrida permanecesse ao serviço da Recorrente – a Recorrida nunca teve, nem no momento do exercício do direito de oposição, nem no da propositura da presente ação – qualquer intenção de permanecer ou regressar ao serviço da Recorrente – apenas exerceu o direito de oposição sabendo que a impossibilidade de se manter ao serviço da Recorrente teria o potencial de lhe conferir o direito a uma indemnização.


21. O exercício de um direito para um fim que contraria o fim social e económico da norma que o confere, constitui abuso de direito e torna ilegítimo esse exercício.


22. Atua em abuso do direito, também (e concomitantemente) na modalidade venire contra factum proprium, o trabalhador que invoca o seu direito de oposição à transmissão de estabelecimento, alegando pretender zelar pela salvaguarda do seu contrato e funções desempenhadas e que, subsequentemente, recorre aos tribunais invocando um despedimento ilícito por parte do transmitente e optando, logo aí, pela indemnização em substituição da reintegração – pelo que à luz do disposto no artigo 334.º do Código Civil (que assim deve ser interpretado e aplicado no caso sub judice), sempre o exercício do direito resultaria ilegítimo.


23. A sentença recorrida violou, por equivocada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 342.º, n.º 1 do Código Civil, os artigos 285.º a 286.º-A do Código do Trabalho e é-lhe aplicável o disposto no artigo 334.º do Código Civil.


NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, CUJO DOUTO SUPRIMENTO EXPRESSAMENTE SE REQUER, DEVE SER CONCEDIDO INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA EM TUDO QUANTO CONDENOU A RECORRENTE LENICARE E SUBSTITUINDO-SE A MESMA POR OUTRA QUE INTEGRALMENTE ABSOLVA A RECORRENTE DE TODOS OS PEDIDOS FORMULADOS PELA RECORRIDA, POIS, SÓ ASSIM SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA!»


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Igualmente recorreu a 2.ª Ré, concluindo:


«1. Vem o presente recurso da D. sentença do Tribunal a quo que julgou, salvo o devido respeito, incorretamente, ter havido no caso dos autos uma transmissão de estabelecimento para a ora Recorrente, concretamente da Unidade de Radioterapia do Hospital do ..., EPE (adiante HESE), de harmonia com o disposto no art. 285º do Cód. do Trabalho.


2. Em consequência, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a ação intentada por BB (que segue termos como Apenso C) com fundamento na suposta transmissão do contrato de trabalho e declarou ilícito o despedimento do Autor pela ora Recorrente (o que se impugna), condenando a Recorrente no pagamento de quantias relacionadas com a ilicitude do despedimento, versando o presente recurso diretamente esta parte da decisão em que a ora Recorrente decaiu.


3. Nos termos do art. 636º, n.º 1 do CPC, o presente recurso versa, ainda, a parte da sentença sobre a ação intentada pela Autora, AA (Autos principais), que, embora tenha absolvido a ora Recorrente dos pedidos dessa ação, parte do mesmo pressuposto, que se impugna, de ter havido uma transmissão de estabelecimento para a ora Recorrente. Nesta parte da sentença, o Tribunal a quo julgou válida e eficaz a oposição manifestada pela Autora AA à transmissão do seu contrato de trabalho, pelo que declarou ilícito o despedimento da Autora pela co-Ré Lenicare, Lda, condenando esta entidade no pagamento de quantias relacionadas com a ilicitude do despedimento. Assim, caso esta parte da decisão venha a ser alterada, nomeadamente, quanto aos efeitos da oposição da Autora AA à transmissão do seu contrato de trabalho para a ora Recorrente, pretende-se com o presente recurso que também na situação da Autora AA, o Tribunal julgue que não ocorreu nenhuma transmissão de estabelecimento/unidade económica para a ora Recorrente, devendo, sempre e também com este fundamento, ser a ora Recorrente absolvida dos pedidos da ação intentada pela Autora AA.


4. O objeto principal da ação passa por determinar se existiu, ou não, transmissão de estabelecimento da co-Ré Lenicare, Lda. para a ora Recorrente Joaquim Chaves Oncologia, SA e, em consequência, se existiu transmissão dos contratos de trabalho dos Autores, BB e AA, para a Recorrente, nos termos do art. 285º do Cód. do Trabalho. Para tanto, revela-se essencial à aplicação do direito que o Tribunal sustente a decisão em factos concretos que permitam comprovar ter ocorrido a transmissão da unidade económica, o que não se verifica na matéria de facto julgada na D. sentença recorrida.


5. O presente recurso visa a reapreciação da matéria de facto e de direito e a revogação da decisão recorrida que julgou indevidamente ter havido no caso dos autos uma transmissão de estabelecimento para a ora Recorrente, com consequências na suposta transmissão dos contratos de trabalho dos Autores.


6. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo limitou-se a discorrer sobre os requisitos do regime previsto no art. 285º do Cód. do Trabalho da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento, sem que, no entanto, tenha subsumido a matéria de facto produzida à norma invocada, analisando devida e individualmente o preenchimento ou não dos referidos requisitos.


7. A ora Recorrente produziu prova cabal e bastante sobre factos que afastam inequivocamente a aplicação in casu do regime da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento previsto no art. 285º do Cód. do Trabalho. O Tribunal a quo ignorou um conjunto de factos que se revelavam essenciais para a decisão, factos que foram (i) objeto de alegação e prova - factos essenciais, factos complementares/ concretizadores daqueles e também factos instrumentais - e (ii) ainda outros factos instrumentais que resultaram da instrução da causa. A D. decisão recorrida não se pronunciou sobre essa matéria de facto, que é omissa no elenco dos factos provados e dos factos não provados, o que consubstancia erro de julgamento e é causa de nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.


8. A factualidade comprovada nos autos impõe a prolação de decisão diversa da perfilhada pelo Tribunal a quo, assim se impugnando a decisão relativa à matéria de facto e requerendo que esse Venerando Tribunal da Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art. 662º do CPC, e, consequentemente, que proceda a diferente aplicação do direito, no sentido de julgar que não ocorreu in casu uma transmissão de unidade económica, recusando a aplicação do art. 285º do Cód. Do Trabalho e absolvendo a ora Recorrente de todos os pedidos destas duas ações apensadas.


9. A verificação das causas de nulidade da D. sentença recorrida não impede que o Tribunal ad quem decida sobre os pontos da matéria de facto quando disponha de todos os elementos necessários para alterar a decisão quanto à matéria de facto, na medida em que foi produzida prova sobre todas as matérias sobre as quais o Tribunal a quo não se pronunciou (arts. 5, nºs 1 e 2 al. a), 607.°, 608.°, 662º, n.º 1 e 665.° todos do CPC).


10. No que respeita à decisão da matéria de direito, a D. sentença recorrida também não se pronunciou sobre questões invocadas nas Contestações da ora Recorrente, que se invocam na parte deste recurso da impugnação da decisão sobre a matéria de direito e que se revelam essenciais para a aplicação do direito, assim padecendo de nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.


11. O Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre a questão essencial invocada pela ora Recorrente da violação de princípios constitucionais inerente à interpretação e aplicação da norma do artigo 285º do Código do Trabalho, no entendimento e dimensão normativa de ser aplicável automaticamente o regime da transmissão dos contratos de trabalho no caso das concessões de serviços públicos adjudicadas por concurso público, fosse em que sector de atividade fosse, e por maioria de razão, na área da saúde pública.


12. O presente recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a revogação da decisão da matéria de direito.


13. Deve ser retificado o ponto 9. dos Factos Provados na D. sentença recorrida no sentido de ser dada como provada a data de 9 de Janeiro de 2009 como a data da celebração do anterior contrato entre o Hospital do ..., E.P.E. e a co-Ré Lenicare, Lda para construção e exploração da Unidade de Radioterapia, porquanto, tal data encontra-se comprovada pelo documento junto aos autos (cfr. Documento número 2 junto com a Contestação da Ré Lenicare).


14. Impugna-se o ponto 17. dos Factos Provados na D. sentença recorrida e a respetiva motivação do Tribunal a quo, porquanto, ao contrário do aí vertido, a ora Recorrente não manteve as relações contratuais existentes com os trabalhadores que exerciam funções na Unidade de Radioterapia por conta e sob direção da co-Ré Lenicare, uma vez que celebrou novos Contratos de Trabalho com os (15) quinze trabalhadores administrativos - Cfr. Documento número 8 junto com ambas as Contestações e depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, Declarações de parte do legal representante do Hospital - FF e depoimento da Testemunha do Hospital GG.


15. A ora Recorrente publicou um anúncio para recrutamento de trabalhadores para a Unidade de Radioterapia de ... e, na sequência deste, veio a contratar a maioria dos trabalhadores administrativos, não especializados da Lenicare, Lda. que trabalhavam na Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., nesse processo de recrutamento de novos trabalhadores, celebrando novos Contratos de Trabalho, não tendo nunca reconhecido a transmissão da posição de empregador nos Contratos de Trabalho celebrados com trabalhadores da Lenicare.


16. Ao contrário do vertido na D. sentença recorrida, não pode, assim, retirar-se do documento de fls. 86 que a ora Recorrente alguma vez tenha admitido que manteve os Contratos de Trabalho com os Trabalhadores que exerciam funções na Unidade de Radioterapia por conta e sob direção da co-Ré Lenicare, estando esta matéria impugnada por se encontrar em manifesta contradição com o anúncio de recrutamento por esta publicado, junto com as Contestações sob o Documento número 8 e com os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, acima transcritos.


17. Impõe-se, assim, revogar o referido ponto 17. dos Factos provados que deve ser substituído por decisão que dê como provado que:


“17. A Ré Joaquim Chaves Oncologia celebrou novos Contratos de Trabalho com quinze trabalhadores que, à data, exerciam funções administrativas na Unidade de Radioterapia de ... por conta, sob a direção e ordens da primeira ré”.


18. O Tribunal a quo deveria basear-se em factos concretos que permitissem comprovar ter ocorrido, ou não, a transmissão da unidade económica, o que não se verifica na matéria de facto julgada na D. sentença recorrida. Vai, assim impugnada a decisão relativa à matéria de facto, requerendo-se que esse Venerando Tribunal da Relação altere a decisão proferida nesta parte, nos termos do art 662º do CPC, aditando ao elenco dos Factos Provados a seguinte factualidade:


1. A Lenicare, Lda. está contratualmente obrigada a ficar com os seus trabalhadores findo o Contrato de Concessão para construção e exploração da Unidade de Radioterapia celebrado em 9 de Janeiro de 2009 com o Hospital do ..., E.P.E., sendo responsável pelo destino dos trabalhadores contratados (Cfr. Documento número 2 junto com a Contestação da co-Ré Lenicare, Lda., ponto 1.3.2. das Cláusulas Técnicas especiais do Caderno de Encargos).


2. O Hospital do ..., E.P.E. assegurou à Ré Joaquim Chaves, por diversas vezes, quer por escrito, quer pessoalmente através do Presidente do Júri do Concurso Dr. FF, na fase de esclarecimentos prévios à apresentação de propostas ao concurso público lançado em 2021 e corroborado antes da assinatura do Contrato de Exploração, nos esclarecimentos do Concurso, que o futuro adjudicatário não tinha de assumir os Contratos de Trabalho dos trabalhadores da co-Ré Lenicare (Cfr. Documento número 4 e Documentos números 10 e 11 juntos com a Contestação da Recorrente e os depoimentos dos responsáveis do Hospital prestados em Audiência de Julgamento).


3. Em sede de reclamação à minuta do contrato a assinar com o Hospital do ..., E.P.E., a Joaquim Chaves invocou a intenção de incluir expressamente no contrato de concessão a cláusula a reproduzir aquela não obrigatoriedade de contratar o pessoal da Lenicare, que foi considerada pelo Hospital do ..., E.P.E. como desnecessária e redundante, uma vez que os anteriores esclarecimentos sobre a matéria prestados no procedimento público de contratação integram o contrato de concessão entre as partes.


4. Não existe nenhuma obrigatoriedade ou imposição de a Joaquim Chaves ficar com os Trabalhadores da Ré Lenicare, Lda., nem decorrente do Caderno de Encargos do Concurso Público, nem do Contrato de Exploração celebrado com o Hospital do..., E.P.E., celebrado em 15 de Fevereiro de 2022.


5. O Hospital do ..., E.P.E. expressou à Joaquim Chaves, a recomendação e o desejo, já depois do processo concluído, de que gostaria que o máximo de pessoas pudesse ser incluído, para evitar que ficassem no desemprego, nomeadamente, os trabalhadores mais mal remunerados, ou seja, os não especialistas.


6. Nunca a Joaquim Chaves assumiu perante ninguém nenhuma transmissão de unidade económica para a Joaquim Chaves.


7. A Joaquim Chaves reiterou à sócia da Lenicare, Lda., Dra. EE, que era, também, a Diretora Clínica da Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., em reunião em que a mesma esteve presente, que não existia uma transmissão da Unidade de Radioterapia para a Joaquim Chaves


8. A co-Ré Lenicare, Lda. não forneceu à Joaquim Chaves nenhuma informação sobre os trabalhadores que tinha ao seu serviço nem o modo de prestação dos serviços ou sobre o modo de organizar a prestação dos serviços


9. A Joaquim Chaves não sabia quem trabalhava para co-Ré Lenicare, Lda., com exceção da Dra. EE, nem sabia quem era o Autor Dr. BB e muito menos que o Dr. BB, ou fossem quem fosse, queria trabalhar com a Joaquim Chaves


10. A co-Ré Lenicare, Lda. não forneceu à Joaquim Chaves nenhuma informação sobre as características próprias das instalações da unidade do HESE para a prestação de tais serviços, pelo que, a Joaquim Chaves teve de efetuar o reconhecimento prévio das instalações do HESE,


11. A co-Ré Lenicare, Lda. adiou, sucessivamente, o acesso da Joaquim Chaves às instalações da Unidade de Radioterapia do Hospital de ... para medir as proteções das barreiras e ter acesso aos aceleradores lineares para poder fazer o estudo de curvas de débito de energia para depois conseguir cumprir todos os requisitos de licenciamento.


12. Houve intervenção e pressão do Hospital do ..., E.P.E. sobre a Ré Lenicare, Lda., para que permitisse o acesso à Joaquim Chaves, sob pena de a Unidade Radioterapia ter de interromper os tratamentos dos doentes.


13. O Hospital do ..., E.P.E., não detém licenças para exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


14. A co-Ré Lenicare, Lda. detinha as licenças necessárias à exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


15. Não foram transmitidos pela co-Ré Lenicare à Ré Joaquim Chaves os Alvarás ou Licenças da Unidade de Radioterapia e dos Equipamentos necessários ao exercício específico da atividade, que esta teve que requerer junto das entidades competentes, designadamente a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), (cfr. Documento n.º 3 junto com a Contestação),


16. A Joaquim Chaves teve, obrigatoriamente, de licenciar a Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., tudo de raiz, tudo de novo, contratar o quadro de pessoal, tudo de raiz, tudo de novo.


17. A Joaquim Chaves teve, obrigatoriamente, de instruir o processo de licenciamento da Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., junto da APA e da ERS, porque não há possibilidade de transferência de titularidade das licenças emitidas pela APA e pela ERS.


18. Houve um pedido expresso do Hospital do ..., E.P.E. à própria APA para emitir a Licença, para que não houvesse interrupção dos serviços e tratamentos aos doentes.


19. A co-Ré Lenicare cessou os Contratos de Prestação de Serviços em vigor com os Físicos Médicos responsáveis pela Unidade, que desempenham um papel essencial na realização dos tratamentos de radioterapia, assim como, com os Técnicos de Radioterapia.


20. A Autora AA, apesar de ser Técnica de Radioterapia, não exercia essas funções na Unidade de Radioterapia. Exercia funções administrativas e de gestão.


21. A co-Ré Lenicare, Lda. não tinha uma equipa de Físicos Médicos, nem uma equipa de Técnicos de Radioterapia.


22. Não foram transmitidos pela co-Ré Lenicare à Joaquim Chaves conhecimentos práticos e os meios materiais e técnicos essenciais à prossecução da atividade, 23. Não foi transmitido pela co-Ré Lenicare o know-how indissociável à prossecução da atividade económica pela Ré Joaquim Chaves


24. A Joaquim Chaves teve de contratar Físicos Médicos, Dosimetristas, Técnicos de Radioterapia e Enfermeiros para poder licenciar e explorar a Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


25. A Joaquim Chaves contratou a empresa With Compass para fazer o recrutamento da equipa que integra a Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., a saber:


I) Médicos Radioncologistas


II) Físicos-Médicos Especialistas


III) Físicos


IV) Técnicos Dosimetristas


V) Técnicos de Radioterapia


VI) Auxiliares de Ação Médica


VII) Rececionistas (Cfr. Documento número 8 junto com as Contestações da Recorrente)


26. A Joaquim Chaves colocou na unidade um Diretor Técnico e Médicos da sua confiança para assegurarem a realização dos tratamentos dentro dos padrões de qualidade das unidades de radioterapia do Grupo Joaquim Chaves.


27. Na sequência do processo de recrutamento, a Joaquim Chaves veio a contratar 15 (quinze) antigos trabalhadores da co-Ré Lenicare, Lda., que trabalhavam na Unidade de Radioterapia do Hospital de ...,


28. As 15 (quinze) pessoas que trabalhavam por conta e sob direção da co-Ré Lenicare, Lda. na Unidade de Radioterapia do Hospital de ... e que a Joaquim Chaves contratou, a pedido do Hospital do ..., E.P.E., são pessoas não qualificadas, sendo absolutamente indiferente para a Joaquim Chaves contratar essas pessoas ou outras quaisquer.


29. As 15 (quinze) pessoas que trabalhavam por conta e sob direção da co-Ré Lenicare, Lda. na Unidade de Radioterapia do Hospital de ... e que a Joaquim Chaves contratou, acresceram aos Físicos Médicos, Dosimetristas, Técnicos de Radioterapia e Enfermeiros que a Joaquim Chaves contratou para poder licenciar e explorar a Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


30. Não foi assumida nem foi reconhecida pela Joaquim Chaves a transmissão da posição de empregador perante 15 (quinze) antigos trabalhadores da co-Ré Lenicare, Lda., quer pessoalmente, quer nos Contratos de Trabalho celebrados com os trabalhadores.


31. Foi dada formação pela Joaquim Chaves a todos os trabalhadores contratados e foram alterados os procedimentos adotados relativos à organização do trabalho.


32. Não foram mantidos os métodos de organização de trabalho da co-Ré Lenicare, pois a Unidade de Radioterapia do Hospital de ... passou a integrar o Grupo Joaquim Chaves Saúde e a atuar em articulação com as outras unidades de radioterapia do Grupo, de Lisboa e do Algarve, no quadro da certificação de qualidade do universo do grupo de empresas;


33. A Joaquim Chaves passou a ser responsável pelo transporte dos doentes do Alentejo para a Unidade de Radioterapia do Hospital de ... quando antes era o Hospital que realizava esse transporte, e não a co-Ré Lenicare, Lda. - Cfr. depoimentos das testemunhas CC, DD, HH, EE, GG e do legal representante do Hospital FF, que se transcreveram.


19. Resulta desta factualidade que deve ser dada como comprovada nos autos que jamais poderá entender-se que a co-Ré Lenicare transmitiu uma unidade económica, porquanto não havia as mínimas condições para a ora Recorrente exercer a atividade na Unidade de Radioterapia, pois, não havia licenças administrativas necessárias para o exercício da atividade e utilização de equipamentos, nem havia Físicos Médicos para delinear campos de radiação, intensidades morfológicas, posicionamento de doentes e operar com os equipamentos, nem Técnicos de Radioterapia, todos indispensáveis para a realização de tratamentos aos doentes do Hospital (HESE).


20. De harmonia com o disposto no art. 662º do CPC, toda esta factualidade deve ser dada como provada, pois, ao contrário do que consta da motivação da decisão recorrida sobre a matéria de facto, trata-se de matéria com extrema relevância e essencial para o julgamento da questão fulcral dos presentes autos sobre a não aplicação do regime da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento previsto no art. 285º do Cód. Do Trabalho.


21. A D. sentença recorrida procedeu a incorreta aplicação ao caso dos autos do regime da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento previsto no art. 285º do Cód. Do Trabalho, assim concluindo incorretamente pela transmissão do contrato de trabalho do Autor, BB, para a ora Recorrente e daí retirando a errada consequência de ter ocorrido um pretenso despedimento daquele por esta.


22. Foi produzida nos autos prova cabal e bastante (que o Tribunal a quo desconsiderou) sobre factos que afastam inequivocamente a aplicação in casu do regime da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento previsto no art. 285º do Cód. do Trabalho, porquanto a Recorrente não recebeu nenhuma parte de empresa ou estabelecimento.


23. A Unidade de Radioterapia do Hospital (HESE) não tinha licenças administrativas necessárias para o exercício da atividade e para a utilização dos equipamentos médicos pesados (aceleradores lineares), não tinha Físicos Médicos, nem tinha Técnicos de Radioterapia, todos indispensáveis para a realização dos tratamentos aos doentes do HESE. Mal se compreende, assim, que o Tribunal a quo tenha procedido à aplicação ao caso dos autos do regime da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento previsto no art. 285º do Cód. do Trabalho, que deve ser rejeitada.


24. A decisão da D. sentença recorrida assenta no errado pressuposto de ter ocorrido uma “transferência” de 15 trabalhadores de um universo de 18 trabalhadores da Unidade de Radioterapia, quando a Unidade de Radioterapia tem muito mais do que 18 trabalhadores.


25. Na decisão recorrida, não foi recolhida prova nos autos sobre o número global de profissionais necessários ao funcionamento de uma Unidade de Radioterapia (que não são os 18 considerados da sentença recorrida).


26. Mesmo que assim não fosse, o número de trabalhadores nunca poderia servir como critério de aplicação do regime da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento previsto no art. 285º do Cód. do Trabalho. Tal critério quantitativo adotado pelo Tribunal a quo não pode merecer acolhimento.


27. Não ocorreu nenhuma transferência de 15 trabalhadores para a ora Recorrente. A Recorrente celebrou novos contratos de trabalho com 15 trabalhadores administrativos da Unidade de Radioterapia do HESE, a pedido deste Hospital, no âmbito do processo de recrutamento de novos trabalhadores que a Recorrente havia lançado após a adjudicação da sua proposta no concurso público para a concessão da exploração daquela Unidade. A Recorrente nunca reconheceu a transmissão da posição de empregador em nenhum dos contratos celebrados pela co-Ré Lenicare com os trabalhadores da Unidade de Radioterapia.


28. O número de 15 trabalhadores considerado na D. sentença recorrida refere-se a trabalhadores administrativos – rececionistas, auxiliares e outros – pelo que não é minimamente representativo do universo de profissionais necessários ao funcionamento de uma Unidade de Radioterapia – em especial os profissionais de saúde, médicos, físicos médicos, técnicos de radioterapia. A ora Recorrente contratou para o seu quadro de pessoal profissionais Médicos, da Física Médica, Técnicos de Radioterapia e Enfermeiros. Assim, salvo o devido respeito, não pode concluir-se como na D. sentença recorrida que no caso dos autos ocorreu uma Transmissão de Empresa ou Estabelecimento, pelo facto de a Recorrente ter contratado 15 trabalhadores administrativos que prestavam a sua atividade na Unidade de Radioterapia. A Unidade de Radioterapia não labora só com trabalhadores administrativos.


29. A sentença recorrida contém ainda um lapso na sua página 15 ao aludir a um universo de 56 trabalhadores de vigilância de organismos do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e a uma providência cautelar decretada num Apenso B, que não correspondem à situação dos presentes autos.


30. Como bem se refere na D. sentença recorrida, o juízo positivo ou negativo sobre a transmissão, ou não, de uma unidade económica, para os efeitos do regime previsto no art. 285º do Cód. do Trabalho, é mais difícil de formular quando esteja em causa uma atividade em que o fator relevante é a mão-de-obra. No caso das unidades de saúde, como na situação dos presentes autos, o fator determinante para a prestação dos tratamentos aos utentes são os profissionais de saúde que aí prestam os serviços. Não existindo na Unidade de Radioterapia do HESE Físicos Médicos e Técnicos de Radioterapia, que a ora Recorrente teve de contratar, no âmbito do processo de recrutamento lançado após a adjudicação da sua proposta no concurso público para a concessão da exploração daquela Unidade, jamais poderá considerar-se que foi transmitida à Recorrente uma parte de empresa ou estabelecimento.


31. A aplicação do regime prescrito no art. 285º do Cód. do Trabalho depende da verificação da existência, no caso concreto, de uma “unidade económica” e da manutenção da identidade desta na esfera jurídica do novo explorador da atividade, mediante a utilização de um método indiciário, como bem se refere na D. sentença recorrida.


32. Resulta da factualidade comprovada nos autos que jamais poderá entender-se que a co-Ré Lenicare possa ter transmitido uma unidade económica, pois, findo o seu Contrato de Construção e Concessão de Exploração, não deixou as mínimas condições para a ora Recorrente exercer a atividade, pelo que, impõe-se revogar a D. sentença recorrida por uma decisão que proceda a diferente aplicação do direito, recusando a aplicação do art. 285º do Cód. do Trabalho e absolvendo a ora Recorrente de todos os pedidos formulados nas duas ações apensadas.


33. A ora Recorrente nunca admitiu a transmissão de empresa ou estabelecimento no caso dos autos, nem a transmissão dos contratos de trabalho com os trabalhadores da Unidade de Radioterapia, não lhe sendo imputável tal intenção ou conduta, como indevidamente resulta da fundamentação da decisão recorrida. Ao contrário do referido na D. sentença recorrida, não é verdade que a ora Recorrente alguma vez tenha reconhecido a transmissão de contratos de trabalho, designadamente dos Autores das duas ações apensadas nos presentes autos, nem antes (nas comunicações juntas aos autos), nem nesta fase jurisdicional. A Recorrente sempre agiu de acordo com a informação que recebeu do Hospital durante o processo de concurso público de que não tinha de assumir os contratos de trabalho dos trabalhadores da Unidade de Radioterapia, como se comprova inequivocamente do facto de ter publicado um anúncio de recrutamento para as diversas funções daquela unidade (cfr. Documento n.º 8 juntos com as Contestações da ora Recorrente).


34. Ao contrário do julgado pelo Tribunal a quo, o contrato de trabalho do Autor, BB, não se transmitiu para a ora Recorrente, pelo que não pode ser imputado à Recorrente o despedimento do Autor.


35. No Contrato de Concessão celebrado em 9 de Janeiro de 2009 entre o HESE e a co-Ré Lenicare, ficou expressamente previsto que a Ré Lenicare fica obrigatoriamente responsável pelo destino dos trabalhadores contratados no termo do Contrato de concessão para exploração da unidade de Radioterapia. Esta obrigação contratual inserta naquele anterior Contrato não se extinguiu com a posterior alteração da redação do art. 285º do Cód. do Trabalho, introduzida pela Lei n.º 18/2021, de 8 de Abril, produz plenos efeitos na ordem jurídica e tem, necessariamente, de ser considerada e apreciada na aplicação do direito ao caso dos autos, como questão prejudicial à aplicação do art. 285º do Cód. do Trabalho.


36. A ora Recorrente invocou este argumento jurídico para sustentar a não aplicação ao caso dos autos da figura da transmissão dos contratos de trabalho, contudo o Tribunal a quo não retirou nenhuma ilação ou consequência jurídica da verificação desta situação. Conforme se invocou, esta omissão de pronúncia é causa de nulidade da D. sentença recorrida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, o que se invoca.


37. A norma do art. 285º do Cód. do Trabalho não é aplicável subsidiariamente às situações jurídicas referentes ao contrato celebrado entre o HESE e a Lenicare em 2009, designadamente à transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores da Unidade de Radioterapia. A figura jurídica da transmissão da Empresa ou Estabelecimento já existia e encontrava-se prevista no art. 318º do anterior Código do Trabalho de 2003, vigente à data da assinatura do contrato celebrado em 9 de Janeiro de 2009, entre o HESE e a co-Ré Lenicare para construção e exploração da Unidade de Radioterapia. Foi intenção clara e inequívoca do HESE impedir a transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores da Unidade de Radioterapia findo o período da concessão para a exploração da unidade, assim tendo fixado essa obrigação no contrato celebrado e 9 de Janeiro de 2009, entre o HESE e a Lenicare.


38. Este entendimento foi, desde sempre, defendido pelo Hospital (HESE) no concurso público que lançou em 2021 e que precedeu a assinatura do novo contrato de exploração da Unidade de Radioterapia entre o HESE e a ora Recorrente, em que o Hospital informou todos os concorrentes que o futuro adjudicatário não tinha de assumir os contratos de trabalho dos trabalhadores da co-Ré Lenicare.


39. A ora Recorrente, atual concessionária da Unidade de Radioterapia, é responsável perante a entidade pública (o Hospital) pela qualidade dos tratamentos dos doentes, pelo que a escolha dos profissionais médicos para a realização direta desses tratamentos objeto da concessão sempre teria de ser livre e de assentar na relação de máxima confiança com o médico, como contrapartida daquela responsabilidade, não se aplicando ao contrato de trabalho do Autor com a co-Ré Lenicare a figura da transmissão para a nova concessionária – a ora Recorrente.


40. Na situação dos presentes autos não está em causa uma simples sucessão num mero contrato de prestação de serviços entre o Hospital e uma entidade privada. Os contratos de concessão são complexos, implicam a gestão de serviços públicos e não se limitam à mera prestação de um serviço, pelo que nunca poderia ser imposto à ora Recorrente o contrato de trabalho celebrado entre o A. (que é médico) e a R., Lenicare, Lda. No caso dos autos, esta situação jurídica sai reforçada com a plena produção de efeitos da obrigação contratual inserta no anterior Contrato de exploração da Unidade de Radioterapia, entre o HESE e a co-Ré Lenicare, de esta ficar obrigatoriamente responsável pelo destino dos trabalhadores contratados no termo do Contrato de concessão para exploração da unidade de Radioterapia ocorrido em 30 de Abril de 2022, afastando a aplicação ao caso dos autos do regime da Transmissão de Empresa ou Estabelecimento previsto no art. 285º do Cód. do Trabalho.


41. Impõe-se, assim, revogar a D. sentença recorrida e proceder a diferente interpretação e aplicação do direito, no sentido de julgar que não ocorreu in casu uma transmissão de unidade económica, nem a transmissão dos contratos de trabalho dos Autores para a ora Recorrente, recusando a aplicação do art. 285º do Cód. do Trabalho e absolvendo a ora Recorrente de todos os pedidos formulados nestas duas ações apensadas.


42. O Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre a questão essencial invocada pela ora Recorrente da violação de princípios constitucionais inerente à interpretação e aplicação da norma do artigo 285º do Código do Trabalho, no entendimento e dimensão normativa, perfilhados na D. sentença recorrida, de ser aplicável automaticamente o regime da transmissão dos contratos de trabalho aos contratos de concessão de serviços públicos adjudicados por concurso público, em qualquer sector de atividade, e por maioria de razão na área da saúde pública.


43. A transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores da Unidade de Radioterapia findo o período da concessão para a exploração da unidade de radioterapia condiciona e restringe injustificadamente a livre concorrência dos operadores privados de saúde para a futura contratação dessa concessão. A concessionária é responsável perante a entidade pública (o Hospital) pela qualidade dos tratamentos dos doentes oncológicos, pelo que a escolha dos profissionais médicos para a realização desses tratamentos tem de ser livre e de assentar na relação de máxima confiança com o médico, como contrapartida daquela responsabilidade. A nova concessionária não pode ser obrigada pelo contrato de concessão com o HESE a contratar médicos que desconhece e que prestavam a sua atividade profissional a uma entidade privada concorrente, sob pena de poder nenhuma outra entidade vir a mostrar interesse em apresentar-se ao concurso público para a concessão da exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital.


44. A ora Recorrente invocou, e reitera aqui, que a interpretação e aplicação do direito, que veio a ser perfilhada na D. sentença recorrida, é inconstitucional, por violação dos princípios da autonomia privada, da concorrência, da segurança jurídica e proteção da confiança legítima, conjugados com os princípios da liberdade, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, pelo que deve ser recusada a aplicação ao caso dos autos da norma do art. 285º do Cód. Do Trabalho.


Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido total provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por decisão que julgue que não ocorreu in casu uma transmissão de unidade económica, recusando a aplicação do art. 285º do Cód. Do Trabalho.


Em consequência, deve julgar-se que o contrato de trabalho do Autor, BB, não se transmitiu para a ora Recorrente, pelo que não pode ser imputado à Recorrente o despedimento ilícito do Autor, devendo esta ação (que segue termos como Apenso C) ser julgada totalmente improcedente e a Recorrente ser absolvida dos pedidos (parte da decisão em que a ora Recorrente decaiu).


Nos termos do art. 636º, n.º 1 do CPC, no caso de a parte da sentença sobre a ação intentada pela Autora, AA (Autos principais, em que a ora Recorrente foi absolvida dos pedidos) vir a ser alterada, nomeadamente, quanto aos efeitos reconhecidos à oposição daquela Autora à transmissão do seu contrato de trabalho para a ora Recorrente, deve julgar-se que o contrato de trabalho da Autora também não se transmitiu para a ora Recorrente e esta ação ser julgada totalmente improcedente e a Recorrente ser absolvida dos pedidos formulados na ação intentada pela Autora AA, tudo com as legais consequências».


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A 1.ª Ré apresentou as suas contra-alegações relativamente ao recurso intentado pela 2.ª Ré, propugnando pela sua improcedência.


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O Autor contra-alegou o recurso deduzido pela 2.ª Ré e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões no âmbito deste último:


«96. Na sua Petição Inicial, o Autor, ora Recorrido, requereu, entre outros, o seguinte:


“Condenar solidariamente as três Rés no pagamento de outros créditos laborais vencidos, 26.777,34€ (vinte e seis mil setecentos e setenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos), resultante da soma dos seguintes diferenciais: (…)


vi) Valor de 8694,23€ referente a Horas de Formação, nos termos do art 131.º do CT, no valor total de 137 horas, sendo 40 horas anuais, multiplicadas pelos 3 anos e 8 meses de antiguidade, ou seja, 137h de horas de formação x 63,46€ de valor horário;”


97. No entanto, entendeu o Tribunal a quo que: “Quanto à formação, não foi pelo autor alegado qualquer facto concreto, mas tão somente deduzido um pedido, o qual, por ausência de factualidade que o sustente, será improcedente, sempre se dizendo que estando o autor a trabalhar a tempo parcial, não poderia ter direito às horas de formação integralmente.”


98. Inconformado com tal decisão, vem o Autor dela interpor recurso subordinado, nos termos do artigo 81º, n.º 5 do CPT.


99. Ora, entendeu o douto Tribunal a quo que o Autor não alegou qualquer facto concreto sobre a formação, tendo, somente, deduzido pedido quanto ao pagamento dos créditos laborais devidos a título de horas de formação vencidas e não gozadas.


100. No entanto, salvo melhor entendimento, não recaía sobre o Autor, ora Recorrido, qualquer ónus de provar as referidas horas de formação vencidas e não gozadas, uma vez que, nos termos do artigo 131.º do CT, as mesmas são devidas.


101. Acresce que, de acordo com o entendimento do Tribunal a quo, “estando o autor a trabalhar a tempo parcial, não poderia ter direito às horas de formação integralmente”.


102. Neste âmbito, rege o princípio da igualdade entre trabalhadores a tempo parcial e trabalhadores a tempo completo, expresso, desde logo, na Convenção n.º 174 da Organização Internacional do Trabalho, transposto no artigo 154.º, n.º 2, do CT.


103. Atentando ao teor do artigo 131.º, n.º 2, do CT, verifica-se que o legislador conferiu a todos os trabalhadores, indiscriminadamente, o direito a 40 horas anuais de formação profissional, excecionando, tão-só, os trabalhadores contratados a termo por período igual ou superior a três meses, aos quais confere o direito ao número de horas proporcionais à duração do contrato nesse ano. Ora, na falta de disposição em contrário e não tendo o legislador discriminado especificamente os trabalhadores a tempo parcial - ao contrário do que sucedeu para os trabalhadores contratados a termo - deve ser-lhes aplicável o regime geral, ou seja, as 40 horas.


104. Mais uma vez, salvo melhor entendimento, não andou bem o Tribunal a quo quanto a esta questão, uma vez que não decorre da lei qualquer referência à diminuição das horas de formação a que o trabalhador tem direito pelo facto de trabalhar a tempo parcial, pelo que, não fazendo o legislador qualquer referência ou distinção quanto aos trabalhadores a tempo parcial relativamente à questão das horas de formação, resulta claro que as mesmas são devidas integralmente, independentemente de o trabalhador se encontrar a tempo inteiro ou a tempo parcial.


105. Por outro lado, nenhuma das Rés, incluindo a Recorrente Joaquim Chaves Oncologia, fez prova de que tenha sido ministrada formação profissional ao Autor, tal como lhes competia.


106. Em face de tudo o que precede, salvo melhor opinião, deve o Venerando Tribunal da Relação determinar o pagamento ao Autor, ora Recorrido, pela ora Recorrente dos créditos laborais devidos a título de horas de formação vencidas e não gozadas, as quais se calculam nos seguintes termos: valor de 8.694,23 € (oito mil seiscentos e noventa e quatro euros e vinte e três cêntimos), referente a Horas de Formação, nos termos do artigo 131.º, do CT, no valor total de 137 (cento e trinta e sete) horas, sendo 40 (quarenta) horas anuais, multiplicadas pelos três anos e oito meses de antiguidade, ou seja, 137 horas de formação x 63,46 € de valor horário.


Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, doutamente supridos por V. Exas.: (…)


b) Deve, igualmente, ser admitido o recurso subordinado interposto pelo Autor e consequentemente, deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e a Ré Joaquim Chaves Oncologia, SA ser condenada no pagamento ao Autor dos créditos laborais devidos a título de horas de formação vencidas e não gozadas, as quais se calculam nos seguintes termos: valor de 8.694,23 € (oito mil seiscentos e noventa e quatro euros e vinte e três cêntimos), referente a Horas de Formação, nos termos do artigo 131.º, do CT, no valor total de 137 (cento e trinta e sete) horas, sendo 40 (quarenta) horas anuais, multiplicadas pelos três anos e oito meses de antiguidade, ou seja, 137 horas de formação x 63,46 € de valor horário.»


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A 1.ª instância admitiu os recursos de apelação apresentados pelas Rés, bem como o recurso subordinado do Autor.


Considerou inexistirem nulidades na sentença prolatada.


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Tendo o processo subido à Relação, foi proferido parecer pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta que obteve resposta do Autor e da 2.ª Ré.


O parecer foi no sentido da manutenção da decisão recorrida.


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Os recursos foram mantidos, embora se tenha alterado o efeito dos recursos de apelação para suspensivo, devido às cauções prestadas.


Foram colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, cumpre apreciar, por ordem lógica, as seguintes questões:


Recurso da 2.ª Ré:


1. Nulidade da sentença.


2. Impugnação da matéria de facto.


3. Inexistência de transmissão de unidade económica.


Recurso da 1.ª Ré:


4. Erro na apreciação da validade do direito de oposição exercido pela Autora.


5. Abuso de direito no exercício do direito de oposição.


6. Inexistência do declarado despedimento ilícito.


Recurso subordinado do Autor:


7. Existência de fundamento para a procedência do pedido relacionado com a formação.


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III. Matéria de Facto


A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1. “LENICARE, LDA.” é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto social a prestação de serviços de saúde, ao nível da cirurgia geral, internamento, recuperação física, oncologia e radioterapia e demais especialidades médicas complementares.


2. “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto social a prestação de serviços de natureza médica.


3. Entre AA e “LENICARE, LDA.” foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de trabalho por tempo indeterminado’, datado de 1 de maio de 2010, mediante o qual declararam que a segunda admitia a primeira ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de técnico responsável de radioterapia, a partir da data acima referida, com um período normal de trabalho de 40 horas semanais, e mediante o pagamento da quantia de € 1.700,00, a título de retribuição mensal base certa, de 0,25 por cada tratamento de radioterapia externa, a título de retribuição mensal base variável, e de € 6,41, a título de subsídio de alimentação, por cada dia completo e efetivo de trabalho.


4. AA exerceu as suas funções por conta, sob a autoridade, direção e fiscalização de “LENICARE, LDA.”, desde 1 de maio de 2010 a 30 de abril de 2022.


5. Entre BB e “LENICARE, LDA.” foi celebrado escrito denominado de “contrato de trabalho a tempo parcial por tempo indeterminado”, datado de 1 de setembro de 2018, mediante o qual declararam que a segunda admitia o primeiro ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de médico Radio-Oncologista na Unidade, de Radioterapia de ..., a partir da data acima referida, com um período normal de trabalho de 24 horas semanais, e mediante o pagamento da quantia de 5.500€, a título de retribuição mensal base e isenção de horário de trabalho, acrescida de 1% da faturação mensal referente ao mês anterior, com exceção dos serviços de braquiterapia, a título de retribuição mensal base variável, e de 6,41€, a título de subsídio de alimentação, por cada dia completo e efetivo de trabalho.


6. BB exerceu as suas funções por conta, sob a autoridade, direção e fiscalização de “LENICARE, LDA.”, desde 1 de setembro de 2018 a 30 de abril de 2022.


7. AA exerceu as suas funções nas instalações do Hospital ..., sitas na Avenida ....


8. BB exerceu as suas funções nas instalações do Hospital ..., sitas na Avenida ....


9. Em data não concretamente, “LENICARE, LDA.” e o Hospital do ..., E.P.E. celebraram um acordo denominado de ‘contrato de exploração’ referente à Unidade de Radioterapia, na sequência da candidatura apresentada pela primeira no âmbito do concurso público para concessão da exploração do serviço de radioterapia. (redação alterada pelos motivos que infra se indicam)


10. “LENICARE, LDA.” prestou os serviços de exploração do serviço de radioterapia acima referenciados, entre 1 de setembro de 2009 e 30 de abril de 2022.


11. Os referidos serviços abrangiam a realização de consulta com os médicos e com os especialistas de dosimetria, para planificação do tipo e quantidade de sessões de radioterapia necessárias, que eram administradas pela equipa de terapeutas.


12. AA exerceu por conta de “LENICARE, LDA.” funções de chefia, designadamente relacionadas com a gestão da equipa e otimização dos recursos, tendo a seu cargo a parte financeira no tocante à faturação.


13. Na sequência de novo concurso público para a concessão de exploração da unidade de radioterapia, os serviços acima referidos foram adjudicados à sociedade “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” (anteriormente designada “Joaquim Chaves Clínicas Médicas, Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda.”)


14. A partir de 1 de maio de 2022, “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” passou a prestar os serviços acima referidos nas instalações do Hospital do ..., E.P.E.


15. “LENICARE, LDA.” comunicou a AA e a BB que os respetivos contratos de trabalho, tal como os dos seus colegas, iriam ser transmitido à sociedade “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.”, por força da adjudicação de serviços acima referenciada.


16. Em 21 de Abril de 2022, a sociedade “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” comunicou à Comissão de Trabalhadores da primeira ré que não iria assumir os contratos de trabalho de AA e de BB, bem como o contrato de EE, diretora clínica, alegando tratar-se de cargos de direção e quadros superiores que exercem funções de elevada confiança e complexidade técnica, comunicação de que os autores tiveram conhecimento.


17. Tendo, no entanto, mantido as relações contratuais existentes com os restantes quinze trabalhadores que, à data exerciam funções na Unidade de Radioterapia de ... por conta, sob a direção e ordens da primeira ré.


18. Por carta datada de 28 de abril de 2022, enviada AA a “LENICARE, LDA.”, e por esta recebida, a primeira comunicou à segunda que:


«(…) Assunto: Transmissão de Estabelecimento – Oposição (artº 286º-A do Código do Trabalho).


Exmos Srs.,


Relativamente ao assunto acima referenciado, venho por este meio, expor e requerer a V. Exas. nos seguintes termos:


1. No dia 18 de Abril de 2022, fui informada por Joaquim Chaves – Clínicas Médicas Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda, que não pretendia manter o meu contrato de trabalho após assumir a exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital do ....


2. Desse facto dei conhecimento a V. Exas., e da necessidade de procurarmos encontrar uma solução em consonância com a lei aplicável.


3. Não obstante ter recebido da V/ parte a comunicação de 27.04.2022, através da qual me informaram que o meu contrato (juntamente comos restantes trabalhadores) deveria ser transmitido para a cessionária, e por isso considerarem que os contratos caducarão na esfera da Lenicare no dia 30.04.2022 – não posso deixar de expressar a minha profunda indignação, e de agir conforme me sinto obrigada.


4. Nesse sentido acrescento que pretendo exercer o direito de oposição à transmissão do meu contrato de trabalho, fundado precisamente na falta de confiança na política de organização de trabalho do transmissário.


5. Com efeito, toda a atuação preconizada pela entidade transmissária, em especial, relativamente à minha pessoa, e concomitantemente em relação à intenção de não pretenderem continuar a receber o meu trabalho, foi motivo objetivo, concreto, e justificado, da minha desconfiança em pretender manter a minha posição contratual com aquela entidade.


6. Creio que dúvidas não podem restar a alguém que esteja colocado na minha posição, ou seja, quando esteja perante a recusa de uma empresa em manter a prestação do seu trabalho por considerar que são desempenhadas funções de elevada confiança e complexidade técnica - que seja exigível ao destinatário daquela comunicação, que mantenha a confiança futura de que a sua posição contratual, e o conteúdo das funções que desempenha, continuem a ser cumpridas e respeitadas.


7. Em face daquela recusa da transmissária na prestação do meu trabalho, ademais, reiterada na primeira pessoa pelo diretor de recursos humanos em reunião presencial havida no dia 21-04-2022, entendo estarem reunidas as condições de oposição à transmissão do meu contrato para aquela entidade, considerando que nenhuma garantia tenho de que manterei intactas as minhas funções, e as características inerentes ao meu contrato de trabalho(…)».


19. “LENICARE, LDA.” não aceitou AA como sua trabalhadora, a partir de 30 de abril de 2022.


20. Em 30 de abril de 2022, AA auferia a quantia de € 1.728,34, a título de retribuição mensal base.


21. “LENICARE, LDA.” não aceitou BB como seu trabalhador, a partir de 30 de abril de 2022.


22. “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” não aceitou BB como seu trabalhador, a partir de 01 de maio de 2022.


23. “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” não aceitou AA como seu trabalhador, a partir de 01 de maio de 2022.


24. “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.” contratou um trabalhador para ao exercício das funções de médico radio-oncologista na unidade de radioterapia de ... a partir de 01.05.2022, designadamente para exercício das funções até então desempenhadas por BB.


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E considerou que não se provaram os seguintes factos:


1. A situação descrita gerou em BB sentimentos de instabilidade ansiedade, angústia e sofrimento.


*


IV. Nulidade da sentença


No recurso interposto pela 2.ª Ré foi arguida a nulidade da sentença, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.


Essencialmente, refere a recorrente que ocorreu omissão de pronúncia sobre:


- um conjunto de factos que se revelavam essenciais para a decisão da causa, mas que não constam mencionados, como provados ou não provados, na decisão sobre a matéria de facto;


- duas questões de direito invocadas nas contestações, designadamente: (i) a violação de princípios constitucionais inerente à interpretação e aplicação da norma do artigo 285º do Código do Trabalho, no entendimento e dimensão normativa de ser aplicável automaticamente o regime da transmissão dos contratos de trabalho aos contratos de concessão de serviços públicos adjudicados por concurso público, em qualquer sector de atividade, e por maioria de razão na área da saúde pública; (ii) existência de uma questão prejudicial à aplicação do mesmo artigo 285.º, uma vez que no “Contrato de Concessão” para exploração da unidade de Radioterapia, celebrado entre a 1.ª Ré e o Hospital do ..., ficou expressamente previsto que aquela ficaria obrigatoriamente responsável pelo destino dos trabalhadores contratados no termo do referido contrato.


Apreciemos, pois, a arguida nulidade.


De harmonia com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não devia tomar conhecimento.

A causa de nulidade prevista nesta alínea está em correspondência direta com o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Estabelece-se nesta norma que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Assim, verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.


Por seu turno, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

Neste âmbito, não se deverá confundir questões com razões ou argumentos invocados pelos litigantes em defesa do seu ponto de vista, pois esses não têm que ser obrigatoriamente conhecidos pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»2.

No vertente caso, a recorrente sustenta que na decisão sobre a matéria de facto não foi considerado como provado, ou como não provado, um conjunto de factos que se revelavam essenciais para a decisão da causa.


Ora, conforme é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2018 (Proc. n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt3, constitui jurisprudência uniforme que as causas de nulidade previstas no n.º 1 do artigo 615.º reconduzem-se apenas a erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) e não também a erro de julgamento (error in judicando).4


E saber se determinados factos deviam ou não ter sido objeto de decisão por serem relevantes para a decisão de direito, é matéria que diz respeito ao julgamento da causa, como se deduz do artigo 607.º, n.º 4, conjugado com o artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil e, também, artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho.


Cita-se, pela relevância, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.12.2003 (Proc. n.º 00749/03):


«I- Saber se determinados factos deviam ou não ter sido objeto de apreciação na sentença, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal, ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada aquela factualidade referida pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»


E, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.03.2024 (Proc. n.º 78623/19.0YIPRT.L1.2):


«I)–A não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte que, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões – de facto e/ou de direito - suscitadas não conduz à existência do vício de omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por estar em causa, quando muito, um erro de julgamento e, não, uma falta de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar.»


Por fim, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017 (Proc. n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1):


«I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.


II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, (…).»


Em suma, tendo sido invocado um erro de julgamento, tal vício não gera a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.


Claudica, pois, o primeiro fundamento da arguida nulidade.


A segunda razão apresentada pela recorrente para sustentação do vício formal invocado respeita à não apreciação de duas questões de direito suscitadas nas contestações.


Analisemos.


A violação de princípios constitucionais e a existência de uma obrigação contratual da 1.ª Ré ficar com os trabalhadores afetos à exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital ... no final do Contrato de Concessão foi alegada nas contestações da recorrente para sustentar a posição, então defendida, de que não teria ocorrido transmissão da unidade económica.


Ou seja, aquilo que a recorrente designa por questões de direito constituiu apenas argumentação produzida para fazer valer o ponto de vista da 2.ª Ré.


A questão de direito sobre a qual o tribunal a quo se tinha de pronunciar era a de saber se tinha, ou não, ocorrido transmissão da unidade económica. E essa questão foi apreciada e decidida.


Como já referimos anteriormente ao citar o insigne Professor Alberto dos Reis, o tribunal não tem de conhecer de todas as razões, argumentos e fundamentos que as partes apresentam para alicerçar a posição que defendem sobre o litígio; o que importa é que o tribunal decida a questão posta.


Pelo interesse, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.01.1976 (Proc. n.º 066002):


«I - Não há omissão de pronúncia, mesmo que se não tenha tomado conhecimento de todos os argumentos apresentados, desde que se apreciem os problemas fundamentais e necessários á justa decisão da lide.»


Enfim, em face do exposto é manifesto que também quanto ao segundo fundamento a arguida nulidade improcede, por não se poder concluir que existiu omissão de pronúncia.


Consequentemente, o alegado vício da nulidade da sentença mostra-se totalmente improcedente.


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V. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto


A 2.ª Ré, em sede de recurso, impugna a decisão sobre a matéria de facto, designadamente impugna os pontos 9 e 17 do elenco dos factos provados e pugna para que sejam aditados 33 pontos ao referido elenco.


Consigna-se que em relação aos pontos 9 e 17 considera-se ter sido cumprido o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que, de imediato, passaremos ao conhecimento desta parte da impugnação.


Ponto 9 dos factos provados


Consta neste ponto:


- Em data não concretamente, “LENICARE, LDA.” e o Hospital do ..., E.P.E. celebraram um acordo denominado de ‘contrato de exploração’ referente à Unidade de Radioterapia, na sequência da candidatura apresentada pela primeira no âmbito do concurso público para concessão da exploração do serviço de radioterapia.


Entende a recorrente que a redação deste ponto deve ser retificada no sentido de ser dada como provada a data de 9 de janeiro de 2009 como a data da celebração do Contrato de exploração, uma vez que esta data se mostra comprovada pelo documento n.º 2 junto com a contestação da 1.ª Ré.


Vejamos.


Depreende-se da motivação da convicção constante da sentença recorrida que o facto relatado no ponto 9 foi considerado assente por ter sido admitido por acordo.


O contrato que sustenta a alegação do facto mostra-se junto à contestação da 1.ª Ré como documento n.º 2 (cf. artigo 10.º da contestação), e não foi impugnado.


Resulta do aludido documento que o negócio jurídico estabelecido foi celebrado em 09.01.2009.


Deste modo, impõe-se a retificação do ponto 9, conforme requerido.


Por conseguinte, o ponto 9 passará a ter a seguinte redação:


- Em 09.01.2009, “LENICARE, LDA.” e o Hospital do ..., E.P.E. celebraram um acordo denominado de ‘contrato de exploração’ referente à Unidade de Radioterapia, na sequência da candidatura apresentada pela primeira no âmbito do concurso público para concessão da exploração do serviço de radioterapia


Ponto 17 dos factos provados


Este ponto tem o seguinte teor:


- Tendo, no entanto, mantido as relações contratuais existentes com os restantes quinze trabalhadores que, à data exerciam funções na Unidade de Radioterapia de ... por conta, sob a direção e ordens da primeira ré.


Pretende a recorrente que este ponto seja alterado, ficando a constar:


- A Ré Joaquim Chaves Oncologia celebrou novos Contratos de Trabalho com quinze trabalhadores que, à data, exerciam funções administrativas na Unidade de Radioterapia de ... por conta, sob a direção e ordens da primeira ré.


A impugnação baseia-se nos seguintes meios probatórios: Documento n.º 8 junto com as suas contestações e depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, GG e declarações de parte do legal representante do Hospital, FF.


Apreciemos.


De acordo com a motivação da convicção constante da decisão recorrida o facto descrito no ponto 17 foi julgado provado devido ao documento de fls. 86 dos autos principais, cujo teor não foi impugnado e foi confirmado pelas partes que tiveram conhecimento de tal comunicação.


O documento de fls. 86 corresponde ao documento n.º 30 junto com a petição inicial e trata-se de uma comunicação, datada de 18.05.2022, emitida pela 2.ª Ré e dirigida à comissão representativa dos trabalhadores da Unidade de Radioterapia do Hospital do ..., na qual é expressamente referido: «Sem prejuízo de não dispormos de informação completa sobre os recursos humanos da unidade, propomo-nos a manter os contratos de trabalho com os trabalhadores, com exceção dos seguintes casos:


- Diretora Clínica


- Médico Radioncologista


- Coordenadora Técnica de Radioterapia (…)».


Este documento não foi impugnado.


Existe um outro documento bastante relevante. Referimo-nos ao documento n.º 33 junto com a petição inicial que corresponde à ata de uma reunião, ocorrida em 29.04.2022, da qual consta que o representante, nessa reunião, da 2.ª Ré disse que «a JCS5lançou concurso para colocação de profissionais, não se tendo candidatado qualquer trabalhador da Lenicare.» e que «apenas no dia 21 de Abril, foram realizadas as reuniões entre JCS e os trabalhadores, tendo sido dirigidos convites a quinze dos dezoito trabalhadores» e, por fim, foi partilhado que «a JCS está em processo de elaboração de contratos de trabalho novos, com garantia de antiguidade e renúncia ao período experimental para os referidos quinze trabalhadores».


Este documento também não foi impugnado e a 2.ª Ré reconheceu que tomou conhecimento de quem eram os trabalhadores da 1.ª Ré nas reuniões tidas com os trabalhadores nas vésperas do seu Contrato de concessão (que se iniciou em 01.05.2022) e que contratou a maioria dos trabalhadores - artigos 32.º e 33.º da sua contestação no processo principal e 48.º e 49.º da contestação do Apenso C.


Quanto ao documento n.º 8, convocado em sede de impugnação, trata-se de um anúncio para vários profissionais para a Unidade de Radiologia de .... Tudo indica que é o anúncio a que se alude nas declarações transcritas que constam da ata da reunião, ao qual não se candidatou qualquer trabalhador da 1.ª Ré.


Ouvimos, também, a gravação da prova indicada pela recorrente e concluímos que a mesma sustenta o facto demonstrado, pois o que dela resulta é que a 2.ª Ré manteve a trabalhar na Unidade de Radiologia, a partir de 01.05.2022, quinze dos trabalhadores que já lá trabalhavam anteriormente para a 1.ª Ré, tendo respeitado a sua antiguidade e funções, tudo se passando como se dos mesmos contratos de trabalho anteriormente celebrados com a 1.ª Ré se tratasse, não obstante a ilusória celebração de novos contratos de trabalhos sob o ponto de vista formal.


Esta realidade resultou:


- das declarações do legal representante do Hospital do ..., que afirmou que a 2.ª Ré assumiu, sempre, ficar com grande parte dos trabalhadores da 1.ª Ré, porque precisava, pois não havia qualquer interrupção na prestação dos cuidados de saúde e no interior do país não era possível admitir novos profissionais ou, pelo menos, a sua maioria.


- do depoimento da testemunha II, Diretor de RH da 2.ª Ré, que referiu que a empresa sempre esteve disposta a contratar tais trabalhadores, pois iriam necessitar de rececionistas e de auxiliares. Também referiu que ninguém foi contratado logo a seguir ao anúncio que publicaram. Assim, no final de abril de 2002, a 2.ª Ré propôs aos aludidos trabalhadores a celebração de contratos de trabalho, respeitando a sua antiguidade.


- e do depoimento da testemunha EE resultou que nenhum trabalhador da 1.ª Ré respondeu ao anúncio de trabalho apresentado pela 2.ª Ré com medo de perderem a antiguidade. Mais aludiu que dos 18 trabalhadores da 1.ª Ré, a 2.ª Ré acabou por propor a 15 deles a celebração de novos contratos de trabalho, com manutenção das regalias e antiguidade que tinham com a 1.ª Ré. Ou seja, estes trabalhadores ficaram a exercer as mesmas funções que exerciam ao serviço da 1.ª Ré, a partir de 01.05.2022, para a 2.ª Ré, sem terem perdido antiguidade ou regalias.


Relativamente às testemunhas DD e GG não revelaram conhecimento direto ou fundamentado da matéria em causa.


Enfim, a prova indicada sustenta a factualidade descrita no ponto 17.


Improcede, consequentemente, nesta parte, a impugnação.


-


Por fim, requer a recorrente que sejam aditados 33 pontos ao elenco dos factos provados, assim expressos:


1. A Lenicare, Lda. está contratualmente obrigada a ficar com os seus trabalhadores findo o Contrato de Concessão para construção e exploração da Unidade de Radioterapia celebrado em 9 de Janeiro de 2009 com o Hospital do ..., E.P.E., sendo responsável pelo destino dos trabalhadores contratados (Cfr. Documento número 2 junto com a Contestação da co-Ré Lenicare, Lda., ponto 1.3.2. das Cláusulas Técnicas especiais do Caderno de Encargos).


2. O Hospital do ..., E.P.E. assegurou à Ré Joaquim Chaves, por diversas vezes, quer por escrito, quer pessoalmente através do Presidente do Júri do Concurso Dr. FF, na fase de esclarecimentos prévios à apresentação de propostas ao concurso público lançado em 2021 e corroborado antes da assinatura do Contrato de Exploração, nos esclarecimentos do Concurso, que o futuro adjudicatário não tinha de assumir os Contratos de Trabalho dos trabalhadores da co-Ré Lenicare (Cfr. Documento número 4 e Documentos números 10 e 11 juntos com a Contestação da Recorrente e os depoimentos dos responsáveis do Hospital prestados em Audiência de Julgamento).


3. Em sede de reclamação à minuta do contrato a assinar com o Hospital do ..., E.P.E., a Joaquim Chaves invocou a intenção de incluir expressamente no contrato de concessão a cláusula a reproduzir aquela não obrigatoriedade de contratar o pessoal da Lenicare, que foi considerada pelo Hospital do ..., E.P.E. como desnecessária e redundante, uma vez que os anteriores esclarecimentos sobre a matéria prestados no procedimento público de contratação integram o contrato de concessão entre as partes.


4. Não existe nenhuma obrigatoriedade ou imposição de a Joaquim Chaves ficar com os Trabalhadores da Ré Lenicare, Lda., nem decorrente do Caderno de Encargos do Concurso Público, nem do Contrato de Exploração celebrado com o Hospital do ..., E.P.E., celebrado em 15 de Fevereiro de 2022.


5. O Hospital do ..., E.P.E. expressou à Joaquim Chaves, a recomendação e o desejo, já depois do processo concluído, de que gostaria que o máximo de pessoas pudesse ser incluído, para evitar que ficassem no desemprego, nomeadamente, os trabalhadores mais mal remunerados, ou seja, os não especialistas.


6. Nunca a Joaquim Chaves assumiu perante ninguém nenhuma transmissão de unidade económica para a Joaquim Chaves.


7. A Joaquim Chaves reiterou à sócia da Lenicare, Lda., Dra. EE, que era, também, a Diretora Clínica da Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., em reunião em que a mesma esteve presente, que não existia uma transmissão da Unidade de Radioterapia para a Joaquim Chaves


8. A co-Ré Lenicare, Lda. não forneceu à Joaquim Chaves nenhuma informação sobre os trabalhadores que tinha ao seu serviço nem o modo de prestação dos serviços ou sobre o modo de organizar a prestação dos serviços


9. A Joaquim Chaves não sabia quem trabalhava para co-Ré Lenicare, Lda., com exceção da Dra. EE, nem sabia quem era o Autor Dr. BB e muito menos que o Dr. BB, ou fossem quem fosse, queria trabalhar com a Joaquim Chaves


10. A co-Ré Lenicare, Lda. não forneceu à Joaquim Chaves nenhuma informação sobre as características próprias das instalações da unidade do HESE para a prestação de tais serviços, pelo que, a Joaquim Chaves teve de efetuar o reconhecimento prévio das instalações do HESE,


11. A co-Ré Lenicare, Lda. adiou, sucessivamente, o acesso da Joaquim Chaves às instalações da Unidade de Radioterapia do Hospital de ... para medir as proteções das barreiras e ter acesso aos aceleradores lineares para poder fazer o estudo de curvas de débito de energia para depois conseguir cumprir todos os requisitos de licenciamento.


12. Houve intervenção e pressão do Hospital do ..., E.P.E. sobre a Ré Lenicare, Lda., para que permitisse o acesso à Joaquim Chaves, sob pena de a Unidade Radioterapia ter de interromper os tratamentos dos doentes.


13. O Hospital do ..., E.P.E., não detém licenças para exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


14. A co-Ré Lenicare, Lda. detinha as licenças necessárias à exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


15. Não foram transmitidos pela co-Ré Lenicare à Ré Joaquim Chaves os Alvarás ou Licenças da Unidade de Radioterapia e dos Equipamentos necessários ao exercício específico da atividade, que esta teve que requerer junto das entidades competentes, designadamente a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), (cfr. Documento n.º 3 junto com a Contestação),


16. A Joaquim Chaves teve, obrigatoriamente, de licenciar a Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., tudo de raiz, tudo de novo, contratar o quadro de pessoal, tudo de raiz, tudo de novo.


17. A Joaquim Chaves teve, obrigatoriamente, de instruir o processo de licenciamento da Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., junto da APA e da ERS, porque não há possibilidade de transferência de titularidade das licenças emitidas pela APA e pela ERS.


18. Houve um pedido expresso do Hospital do ..., E.P.E. à própria APA para emitir a Licença, para que não houvesse interrupção dos serviços e tratamentos aos doentes.


19. A co-Ré Lenicare cessou os Contratos de Prestação de Serviços em vigor com os Físicos Médicos responsáveis pela Unidade, que desempenham um papel essencial na realização dos tratamentos de radioterapia, assim como, com os Técnicos de Radioterapia.


20. A Autora AA, apesar de ser Técnica de Radioterapia, não exercia essas funções na Unidade de Radioterapia. Exercia funções administrativas e de gestão.


21. A co-Ré Lenicare, Lda. não tinha uma equipa de Físicos Médicos, nem uma equipa de Técnicos de Radioterapia.


22. Não foram transmitidos pela co-Ré Lenicare à Joaquim Chaves conhecimentos práticos e os meios materiais e técnicos essenciais à prossecução da atividade, 23. Não foi transmitido pela co-Ré Lenicare o know-how indissociável à prossecução da atividade económica pela Ré Joaquim Chaves


24. A Joaquim Chaves teve de contratar Físicos Médicos, Dosimetristas, Técnicos de Radioterapia e Enfermeiros para poder licenciar e explorar a Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


25. A Joaquim Chaves contratou a empresa With Compass para fazer o recrutamento da equipa que integra a Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., a saber:


I) Médicos Radioncologistas


II) Físicos-Médicos Especialistas


III) Físicos


IV) Técnicos Dosimetristas


V) Técnicos de Radioterapia


VI) Auxiliares de Ação Médica


VII) Rececionistas (Cfr. Documento número 8 junto com as Contestações da Recorrente)


26. A Joaquim Chaves colocou na unidade um Diretor Técnico e Médicos da sua confiança para assegurarem a realização dos tratamentos dentro dos padrões de qualidade das unidades de radioterapia do Grupo Joaquim Chaves.


27. Na sequência do processo de recrutamento, a Joaquim Chaves veio a contratar 15 (quinze) antigos trabalhadores da co-Ré Lenicare, Lda., que trabalhavam na Unidade de Radioterapia do Hospital de ...,


28. As 15 (quinze) pessoas que trabalhavam por conta e sob direção da co-Ré Lenicare, Lda. na Unidade de Radioterapia do Hospital de ... e que a Joaquim Chaves contratou, a pedido do Hospital do ..., E.P.E., são pessoas não qualificadas, sendo absolutamente indiferente para a Joaquim Chaves contratar essas pessoas ou outras quaisquer.


29. As 15 (quinze) pessoas que trabalhavam por conta e sob direção da co-Ré Lenicare, Lda. na Unidade de Radioterapia do Hospital de ... e que a Joaquim Chaves contratou, acresceram aos Físicos Médicos, Dosimetristas, Técnicos de Radioterapia e Enfermeiros que a Joaquim Chaves contratou para poder licenciar e explorar a Unidade de Radioterapia do Hospital de ....


30. Não foi assumida nem foi reconhecida pela Joaquim Chaves a transmissão da posição de empregador perante 15 (quinze) antigos trabalhadores da co-Ré Lenicare, Lda., quer pessoalmente, quer nos Contratos de Trabalho celebrados com os trabalhadores.


31. Foi dada formação pela Joaquim Chaves a todos os trabalhadores contratados e foram alterados os procedimentos adotados relativos à organização do trabalho.


32. Não foram mantidos os métodos de organização de trabalho da co-Ré Lenicare, pois a Unidade de Radioterapia do Hospital de ... passou a integrar o Grupo Joaquim Chaves Saúde e a atuar em articulação com as outras unidades de radioterapia do Grupo, de Lisboa e do Algarve, no quadro da certificação de qualidade do universo do grupo de empresas;


33. A Joaquim Chaves passou a ser responsável pelo transporte dos doentes do Alentejo para a Unidade de Radioterapia do Hospital de ..., quando antes era o Hospital que realizava esse transporte, e não a co-Ré Lenicare, Lda. - Cfr. depoimentos das testemunhas CC, DD, HH, EE, GG e do legal representante do Hospital FF, que se transcreveram.


É fácil de ver que apenas em relação aos indicados pontos 1, 2, 15, 25 e 33 são indicados os meios de prova que fundam o visado aditamento.


Ora, o artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, prescreve o seguinte:


1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.


Sobre as exigências/condições impostas por esta norma, refere António Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129: «Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.».


Quanto à consequência prevista para o desrespeito do ónus de impugnação, resulta do citado artigo que é a rejeição do recurso.


Seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, esta Secção Social entende que para cumprimento do ónus de especificação imposto pelo n.º 1 do citado artigo, devem ser indicados nas conclusões do recurso, que delimitam o objeto do recurso, os concretos pontos de facto que são impugnados, podendo a especificação dos meios probatórios e a indicação da decisão alternativa constar do corpo das alegações – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.02.2024 (Proc. n.º 2351/21.1T8PDL.L1.S1) e de 12.05.2016 (Proc. n.º 324/10.9TTALM.L1.S1).


No caso, não obstante a recorrente tenha indicado nas conclusões do recurso a materialidade que, no seu entender, deve ser acrescentada ao elenco dos factos provados, o certo é que não especificou em relação aos factos mencionados nos supra transcritos pontos 3 a 14, 16 a 24 e 26 a 32 quais os meios probatórios que, na sua perspetiva, suportam a demonstração dos factos deles constantes.


Como tal, em relação aos mesmos não foi observado o ónus de especificação prescrito na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que se rejeita, nesta parte, a impugnação.


Quanto aos pontos 1, 2, 15, 25 e 33, em relação aos quais se considera cumprido o ónus de impugnação, há que referir que a materialidade descrita no ponto 25 não foi alegada nos articulados.


É certo que o artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho confere poderes inquisitórios ao juiz laboral, ou seja, a lei atribui-lhe o poder-dever de diligenciar pelo apuramento da verdade material podendo, para o efeito, atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultem da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados e desde que tais factos não impliquem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2008 (Proc. n.º 07S2898).


Todavia, os poderes conferidos pelo aludido artigo são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, não competindo à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados – cf. Hermínia Oliveira e Susana Silveira no “VI Colóquio sobre Direito do Trabalho”, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22.10.2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt, e, também, Acórdãos da Relação de Évora de 31.10.2018 (Proc. n.º 2216/15.6T8PTM.E1) e de 26.04.2018 (Proc. n.º 491/17.0T8EVR.E1).


Em face do exposto, inexiste fundamento para aditar aos factos assentes a materialidade não alegada do ponto 25.


No que concerne à factualidade a que se reporta o ponto 33, embora tenha sido alegada - artigos 52.º e 60.º da contestação da ação principal -, a mesma é absolutamente inócua para o desfecho da lide, dado que o transporte de doentes nada tem a ver com a exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital do .... Trata-se de uma atividade distinta, sem repercussões na aludida Unidade.


Também irrelevante ou inócua se revela a factualidade apresentadas nos pontos 1 e 2 (alegada nos artigos 27.º, 67.º, 68.º e 70.º da contestação da 2.º Ré na ação principal), pois o que foi contratado entre a 1.ª Ré e o Hospital e o que este último declarou, informalmente, à 2.ª Ré sobre a inexistência de obrigação de serem assumidos os trabalhadores da 1.ª Ré, não tem qualquer efeito jurídico.


É a lei, designadamente o artigo 285.º do Código do Trabalho, que é uma norma imperativa, que irá determinar se havia ou não obrigação dos referidos trabalhadores serem assumidos pela 2.ª Ré.


Ora, a decisão sobre a matéria de facto deve ser antecedida de um prévio juízo seletivo dos factos relevantes que resultam da discussão da causa, considerando o objeto processual e as várias soluções plausíveis da questão de direito.


O tribunal não se deve pronunciar e decidir sobre eventuais factos que são absolutamente inócuos para a decisão sobre a mesma.


Assim o impede o princípio geral da economia processual, que impõe que o resultado processual seja atingido com a maior economia de meios, devendo, por isso, comportar só os atos e formalidades, indispensáveis ou úteis6. Tal princípio encontra-se consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.


Por conseguinte, os factos que se revelem inócuos para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, não deverão ser considerados/apreciados na decisão sobre a matéria de facto, sob pena de se estarem a praticar atos inúteis. Este princípio permanece no que respeita à reapreciação da prova.


Consequentemente, por a materialidade descrita nos pontos 1, 2 e 33 não ser suscetível de ter qualquer impacto ou consequência jurídica, decide-se não conhecer da mesma.


Resta, pois, o ponto 15 para apreciação.


A factualidade descrita neste ponto foi alegada no artigo 52.º da contestação da 2.ª Ré no processo principal e configura-se suscetível de relevo, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.


E a prova comprova a sua verificação.


O documento n.º 9 junto com a contestação da 2.ª Ré atesta a obtenção da Licença da prática pela 2.ª Ré, emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A não transmissão de alvará ou licença e a necessidade da sua obtenção pela 2. ª Ré foi também referida pela testemunha DD. E o documento n.º 3, convocado pela recorrente, menciona a Licença obtida pela 1.ª Ré .


Nesta conformidade, julgando-se procedente, nesta parte, a impugnação, acrescenta-se ao conjunto dos factos provados o ponto 25, com o seguinte teor:


. Não foram transmitidos pela Ré Lenicare à Ré Joaquim Chaves os Alvarás ou Licenças da Unidade de Radioterapia e dos Equipamentos necessários ao exercício específico da atividade, que esta teve que requerer junto das entidades competentes, designadamente a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).


Concluindo:


a) - rejeita-se parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao visado aditamento dos pontos 3 a 14, 16 a 24 e 26 a 32;


b) - não se conhece a materialidade descrita nos pontos 1, 2, 25 e 33 cujo aditamento ao elenco dos factos provados se reclamava.


- julga-se improcedente a impugnação quanto ao ponto 17 dos factos provados;


- julga-se procedente a impugnação quanto ao ponto 9 dos factos provados e quanto ao aditamento do facto que passou a constar como ponto 25.


*


VI. Transmissão da unidade económica


Em sede de recurso, a 2.ª Ré refere que o tribunal a quo errou ao julgar que ocorreu uma transmissão da unidade económica.


Cumpre, pois, apreciar a questão.


A leitura da sentença recorrida permite-nos inferir que o tribunal a quo aplicou o artigo 285.º do Código do Trabalho e, como efeito, entendeu que, com arrimo nos factos provados, ocorreu uma transmissão da unidade económica da 1.ª Ré para a 2.ª Ré.


Destaca-se a seguinte fundamentação constante da sentença recorrida:


«No caso dos autos, não só se verificou a transferência de 15 dos 18 trabalhadores, parte que, pela sua expressão no conjunto dos trabalhadores existente, não podemos deixar de considerar relevante, como ainda a transferência das instalações e do equipamento, pelo que não pode deixar de se concluir pela ocorrência da transmissão de uma unidade económica entre ambas as rés, consubstanciada na sucessão por parte desta última, sem qualquer tipo de interrupção, na prestação dos serviços de vigilância nos mesmos locais, nas mesmas instalações, tendo em vista as mesmas funções/tarefas o qual permitiu a esta última prosseguir, de forma estável, sem qualquer tipo de interrupção e/ou constrangimento e em idênticos moldes, as mesmas atividades que a 1.ª ré prestou até 30 de maio de 2022, ao cliente Hospital do .... Refira-se que o artigo 285.º, n.º 10 do Código do Trabalho, aditado pela aditado pela Lei n.º 18/2021, de 8 de abril, dispõe que o regime da transmissão de estabelecimento «é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação»; norma essa que que, de acordo com os respetivos trabalhos preparatórios (cf. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=45009), tem natureza meramente interpretativa e, nessa medida, não poderá deixar de ser, enquanto tal, considerada nesta sede.


Por conseguinte, entende-se que a situação em apreço é suscetível de consubstanciar uma transmissão, entre a 1.ª ré “LENICARE, LDA.” e a 2.ª ré “JOAQUIM CHAVES ONCOLOGIA, S.A.”, da unidade económica. Transmissão essa que foi oportunamente comunicada pela 1.ª ré aos autores, à ACT e à 2.ª ré, que a aceitou relativamente a quinze dos dezoito trabalhadores, sendo certo que tal aceitação torna irrelevante a eventual existência de qualquer violação do dever de comunicação entre as rés porquanto, tal violação, ainda que existisse, não teve quaisquer efeitos práticos pois não impediu a assunção dos referidos quinze trabalhadores, nem foi tal facto, a ter existido, fundamento da recusa desde logo comunicada pela ré transmissária em aceitar três trabalhadores, tanto mais que, quer a aceitação dos restantes quinze trabalhadores, quer a recusa referente aos demais três trabalhadores, não tiveram como fundamento a ausência de transmissão de informação por parte da primeira ré à segunda ré. A existência, ou não, de tal violação do dever de comunicação é, pois, no caso dos autos, irrelevante pois da mesma só poderiam advir consequências, certamente patrimoniais, entre transmitente e transmissária, o que não constitui objeto dos autos, sendo tal atuação, existente ou não, insuscetível de afetar a transmissão operada e, portanto, a posição dos trabalhadores, precisamente porque se concluir, pela própria atuação da transmissária, pela existência de transmissão.»


Ora, começamos por referir que não se nos afigura que tenha ocorrido erro na subsunção jurídica dos factos.


Expliquemos porquê.


De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 285.º do Código do Trabalho, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa ou estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores. Esta regra é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, nos termos previstos pelo n.º 2 do normativo, definindo o n. º 5 que se considera unidade económica, «o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória».


Analisemos então se ficou demonstrada a existência de uma unidade económica.


Com relevância, apurou-se o seguinte:


- A 1.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto social a prestação de serviços de saúde, ao nível da cirurgia geral, internamento, recuperação física, oncologia e radioterapia e demais especialidades médicas complementares;


- No âmbito do “contrato de exploração” celebrado entre a 1.ª Ré e o Hospital do..., E.P.E., aquela prestou, entre 01.09.2009 e 30.04.2022, o serviço de exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital;


- Os referidos serviços abrangiam a realização de consulta com os médicos e com os especialistas de dosimetria, para planificação do tipo e quantidade de sessões de radioterapia necessárias, que eram administradas pela equipa de terapeutas;


- Para o exercício desses serviços a 1.ª Ré utilizava 18 trabalhadores subordinados (como se deduz da conjugação dos pontos 16 e 17 do elenco dos factos provados).


Este contexto fáctico, permite-nos, desde logo, concluir que a exploração da Unidade de Radioterapia pela 1.ª Ré constituía uma atividade económica, com valor de mercado, inserida no objeto de atividade da 1.º Ré.


Ademais, para a prossecução da atividade exercida na aludida Unidade de Radioterapia, a 1.ª Ré dotou-se de um conjunto de recursos humanos, sem os quais não seria possível a concretização do serviço prestado.


A exploração do serviço assentava, essencialmente, sobre a mão-de-obra contratada.


Existia, pois, um conjunto de meios humanos organizado de modo estável, destinado exclusivamente à exploração do serviço contratado, com uma identidade própria e dotada de autonomia, com vista à prossecução de uma atividade económica.


Enfim, existia uma unidade económica.


Importa agora apreciar se a mesma foi transmitida para a 2.ª Ré.


E, neste conspecto, releva a seguinte factualidade apurada:


- A 2.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto social a prestação de serviços de natureza médica;


- Na sequência de novo concurso público para a concessão de exploração da mencionada Unidade de Radioterapia, os serviços acima referidos foram adjudicados à 2.ª Ré;


- A partir de 01.05.2022, esta passou a prestar os serviços acima referidos nas instalações do Hospital do ...;


- Em 21.04.2022, a 2.ª Ré comunicou à Comissão de Trabalhadores da 1.ª Ré que não iria assumir os contratos de trabalho dos Autores, bem como o contrato de EE, Diretora Clínica, alegando tratarem-se de cargos de direção e quadros superiores que exercem funções de elevada confiança e complexidade técnica;


- Tendo, no entanto, mantido as relações contratuais existentes com os restantes quinze trabalhadores que, à data, exerciam funções na Unidade de Radioterapia de ... por conta, sob a direção e ordens da 1.ª Ré;


- A partir de 01.05.2022, a 2.ª Ré não aceitou os Autores como seus trabalhadores;


- Mas contratou um trabalhador para o exercício das funções de médico radio-oncologista na Unidade de Radioterapia de ..., a partir de 01.05.2022, designadamente para o exercício das funções até então desempenhadas pelo Autor;


- Não foram transmitidos, pela 1.ª Ré para a 2.ª Ré, os Alvarás ou Licenças da Unidade de Radioterapia e dos equipamentos necessários ao exercício específico da atividade, que esta última teve que requerer junto das entidades competentes, designadamente a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).


Como referimos anteriormente, a unidade económica supra identificada assentava essencialmente em meios humanos. E o que se constata é que dos 18 trabalhadores que existiam, a 2.ª Ré manteve 15 trabalhadores e não admitiu três trabalhadores – entre eles, os Autores -, sendo que, a partir de 01.05.2022, admitiu um médico que foi desempenhar as mesmíssimas funções do Autor, o que significa que, pelo menos 16 postos de trabalho dos anteriormente existentes permaneceram ativos e necessários para a manutenção da exploração do serviço.


Salienta-se também que não houve qualquer interrupção temporal entre a sucessão da exploração do serviço da Unidade de Radioterapia entre as duas Rés.


Ou seja, a essencialidade dos meios humanos que compunha a unidade económica, com o seu inevitável e relevante Know-how, foi recebida pela 2.ª Ré.


Importa referir que a não transmissão dos alvarás ou licenças para a exploração da Unidade de Radioterapia é absolutamente irrelevante e não é impede a verificação da transmissão da unidade económica, pois tal transmissão não é legalmente possível, uma vez que os alvarás e licenças são emitidos em termos nominativos, ou seja, em nome da pessoa jurídica que detém a exploração da unidade e não em nome da própria unidade – cf. artigo 40.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 108/2028, de 3 de dezembro.


Em face do exposto, ocorreu, como bem decidiu a 1.ª instância, uma transmissão da unidade económica.7 8


Aliás, a situação dos autos integra-se perfeitamente no n.º 10 do artigo 285.º do Código do Trabalho que embora mencione a adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, não exclui a adjudicação do fornecimento de outro tipo de serviços, como se pode depreender pela utilização do advérbio “nomeadamente”.


Por conseguinte, a prestação de um serviço de exploração de uma Unidade de Saúde cabe perfeitamente na previsão desta regra legal.


Acresce referir que não vislumbramos como é que esta interpretação, que se fundamenta na letra da lei, pode violar os princípios constitucionais da autonomia privada, da concorrência, da segurança jurídica e proteção da confiança legítima, conjugados com os princípios da liberdade, da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, como argumenta a recorrente.


Basta ver que o Decreto-Lei n.º 18/2021, de 8 de abril, que introduziu o n.º 10 do artigo 285.º refere explicitamente que «[e]stende o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento às situações de transmissão por adjudicação de fornecimento de serviços que se concretize por concurso público, ajuste direto ou qualquer outro meio», sem distinções de setores de atividade.


Enfim, resta-nos concluir que quanto ao alegado erro na apreciação da verificação da transmissão de uma unidade económica improcede a pretensão da recorrente.


Ora, tendo ocorrido transmissão da unidade económica, ocorreu a transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores integrados nessa unidade económica e, em relação ao Autor, é manifesto que a conduta assumida pela 2.ª Ré – não o aceitou como seu trabalhador a partir de 01.05.2022 - consubstanciou um despedimento ilícito, com as legais consequências, conforme foi apreciado e decidido na sentença recorrida.


*


VII. Apreciação da oposição à transmissão declarada pela Autora


Avançamos agora para a apreciação da primeira questão suscitada no recurso da 1.ª Ré: - a existência de erro na apreciação da validade do direito de oposição exercido pela Autora.


Para melhor compreensão, transcreve-se o segmento da sentença recorrida que apreciou a questão:


«A transmissão de estabelecimento tem como efeito, grosso modo, a transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores subordinados do transmitente para o transmissário (cfr. art. 285.º, n.ºs 1 e 3, CT). Contudo, prevê o art. 286.º-A do referido diploma legal:


“1 - O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.


2 - A oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente.


3 - O trabalhador que exerça o direito de oposição deve informar o respetivo empregador, por escrito, no prazo de cinco dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do artigo 286.º, mencionando a sua identificação, a atividade contratada e o fundamento da oposição, de acordo com o n.º 1.


4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 2.”


A autora comunicou, tempestivamente, por escrito, à primeira ré, a sua oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, com fundamento na parte final do n.º 1 do art. 286.º-A CT, alegando, em síntese, falta de confiança sobre a política de organização do trabalho da transmissária, porquanto, tendo em consideração que as funções que desempenha são de elevada confiança e complexidade técnica, a recusa em manter a sua prestação de trabalho manifestada por aquela, fá-la considerar que, a transmitir-se a posição de empregador, não tem qualquer garantia de que se manterão intactas as suas funções profissionais e as características inerentes ao seu contrato de trabalho.


Revertendo à matéria de facto provada, da mesma resulta que a autora exerceu, por conta da Requerida, funções de chefia, designadamente relacionadas com a gestão da equipa e otimização dos recursos, tendo a seu cargo a parte financeira no tocante à faturação. Tais funções implicam uma posição relevante na hierarquia empresarial e uma forte e especial relação de confiança. Além do mais, a própria transmissária comunicou à autora, em 21 de abril de 2022, que não iria assumir o seu contrato de trabalho, o que é suscetível de ser interpretado como ausência de confiança e de interesse no prosseguimento das referidas funções pela autora.


Em tal contexto, é por demais compreensível e razoável que a autora crie um legítimo receio em relação às consequências da transmissão do seu contrato de trabalho, nomeadamente temendo que as suas funções profissionais não sejam conservadas na totalidade e que as características inerentes ao seu contrato de trabalho sejam alteradas, situação que, a priori, lhe é desfavorável.


Por conseguinte, extrai-se da factualidade provada que a mesma justifica o juízo de desconfiança da trabalhadora na política de organização do trabalho da transmissária que fundamenta a sua oposição à transmissão, conclusão a que, de resto, já se tinha chegado no apenso C.


Tendo o direito de oposição do trabalhador sido legalmente exercido, manteve-se o vínculo laboral com a ré “LENICARE, LDA.”, pelo que, ao não aceitar a autora como sua trabalhadora, a partir de 30/04/2022, a ré “LENICARE, LDA.” praticou um despedimento ilícito, nos termos previstos pela alínea c) do artigo 381.º do Código do Trabalho, que, por não ter sido precedido do respetivo procedimento disciplinar, acarreta as consequências previstas nos artigos 389.º e ss. do mesmo diploma legal.»


Adiantamos que, também nesta parte, a sentença recorrida não merece reparo.


É inegável que o ordenamento jurídico-laboral consagra, atualmente, um direito de oposição do trabalhador em caso de transmissão de empresa/estabelecimento/unidade económica.


Dito de outro modo, o trabalhador possui ao seu dispor de meios jurídicos que, em caso de transmissão, lhe permitem manter a sua situação contratual inalterada, especialmente em relação ao empregador.


O direito de oposição mostra-se consagrado no artigo 286.º-A do Código do Trabalho.


No caso que nos ocupa, mostra-se pacifico que a oposição apresentada pela Autora observou o formalismo legalmente exigido (foi comunicada por escrito) e foi apresentada tempestivamente – cf. n.º 3 do aludido artigo.


A questão em debate relaciona-se com o fundamento apresentado pela trabalhadora para justificar o exercício do direito de oposição.


Extrai-se da missiva escrita pela trabalhadora que a mesma invoca a situação prevista na parte final do n.º 1 do artigo 286.º-A, ou seja, a falta de confiança na política de organização do trabalho da 2.ª Ré.


A Autora escreveu:


«4. Nesse sentido acrescento que pretendo exercer o direito de oposição à transmissão do meu contrato de trabalho, fundado precisamente na falta de confiança na política de organização de trabalho do transmissário.


5. Com efeito, toda a atuação preconizada pela entidade transmissária, em especial, relativamente à minha pessoa, e concomitantemente em relação à intenção de não pretenderem continuar a receber o meu trabalho, foi motivo objetivo, concreto, e justificado, da minha desconfiança em pretender manter a minha posição contratual com aquela entidade.


6. Creio que dúvidas não podem restar a alguém que esteja colocado na minha posição, ou seja, quando esteja perante a recusa de uma empresa em manter a prestação do seu trabalho por considerar que são desempenhadas funções de elevada confiança e complexidade técnica - que seja exigível ao destinatário daquela comunicação, que mantenha a confiança futura de que a sua posição contratual, e o conteúdo das funções que desempenha, continuem a ser cumpridas e respeitadas.


7. Em face daquela recusa da transmissária na prestação do meu trabalho, ademais, reiterada na primeira pessoa pelo diretor de recursos humanos em reunião presencial havida no dia 21-04-2022, entendo estarem reunidas as condições de oposição à transmissão do meu contrato para aquela entidade, considerando que nenhuma garantia tenho de que manterei intactas as minhas funções, e as características inerentes ao meu contrato de trabalho(…)».


Com relevância, escreveu-se no Acórdão desta Secção Social de 30.03.2023 (Proc. n.º 97/22.2T8EVR.E1):


«No Acórdão da Relação de Guimarães de 07.05.2020[3], defendeu-se que o fundamento de falta de confiança na política de organização do trabalho, contido no art. 286.º-A n.º 1, não está na livre disponibilidade do trabalhador, devendo este demonstrar que a causa invocada assume uma gravidade tal que torna inexigível a manutenção do vínculo, apesar de se tratar de uma causa objetiva de resolução do contrato de trabalho, constante do elenco do n.º 3 do art. 394.º. Deste modo, o trabalhador deveria demonstrar os factos concretos aptos a demonstrar a falta de confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente, devendo este fundamento ser apreciado “não de um ponto de vista subjetivo, mas de um ponto de vista objetivo, com base em factos concretos que a demonstrem, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa.”


Na doutrina, porém, têm sido manifestadas posições que apontam para a livre disponibilidade deste fundamento de resolução do contrato de trabalho.


Maria do Rosário Palma Ramalho[4] nota que está em causa “uma alegação absolutamente subjetiva, de conteúdo indeterminado, e que, de novo, implica um juízo de prognose do trabalhador, uma vez que antes de integrar a nova empresa ele não pode, verdadeiramente, conhecer a respetiva política de organização do trabalho. Assim, crê-se que, na prática, este requisito tem o efeito de tornar irrestrito o direito de oposição. Contudo, como o trabalhador tem que fundamentar a sua oposição (art. 286.º-A n.º 3, parte final), não se vê que fundamento poderá apresentar neste caso.”


Por seu turno, João Leal Amado[5] escreve que o fundamento da “ausência de confiança, trata-se de um sentimento, de uma crença, de algo emocional e do foro puramente interno do trabalhador, algo insuscetível, enquanto tal, de ser demonstrado ou desmentido em tribunal, de ser comprovado pelo trabalhador ou de ser contestado pelo empregador.”


Júlio Gomes[6] interroga-se, porém, sobre se a alegação de falta de confiança não deverá assentar em alguns indícios concretos, embora admita graves dificuldades na aferição deste requisito, pois não apenas está em causa um exercício de prognose, ou seja, uma conjetura acerca do que poderá acontecer, como o trabalhador pode estar colocado perante uma situação de absoluto desconhecimento dos factos essenciais relativos à política de organização do trabalho do adquirente, e ser precisamente esse desconhecimento o fundamento íntimo da sua desconfiança. Citemos a seguinte passagem do seu escrito, a propósito dos dois fundamentos previstos no art. 286.º-A n.º 1:


«O primeiro consiste no temor de um prejuízo sério – este ainda não se verificou, mas pode vir a ocorrer por causa da transmissão da posição de empregador. Exige-se aqui um exercício de prognose, referindo a lei alguns exemplos (“nomeadamente”) de situações em que essa prognose parece justificar-se. Trata-se, em todo o caso, nos exemplos propostos, de situações objetivamente graves como sejam a “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente”. Como se trata apenas de exemplos, parece-nos haver espaço para outras situações em que também se pode formular um juízo de prognose de prejuízo sério, como sucederá, por exemplo, com uma mudança significativa de local de trabalho. Mas esta exigência contrasta fortemente com a parte final do mesmo n.º 1: o trabalhador pode, no fim de contas, opor-se à transmissão da posição de empregador simplesmente por “a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança”. Este último fundamento já foi classificado de subjetivo e insindicável.


Com efeito, se for suficiente dizer “não confio na política de organização de trabalho” do transmissário, não se vê como é que se trata aqui de um genuíno fundamento. Dito por outras palavras de que é que adianta o trabalhador ter que referir um fundamento no escrito em que exerce o seu direito de oposição, se o fundamento em causa é totalmente incontrolável e arbitrário? No limite poderá o trabalhador “desconfiar” do que ignora por completo? Se o transmissário é, por hipótese, uma sociedade que só agora se constituiu poderá o trabalhador alegar que desconfia de uma política de organização do trabalho que ainda nem sequer existe?


Perguntamo-nos, por isso, se a falta de confiança não terá que assentar em alguns indícios concretos que devam ser referidos, mencionados, tanto no caso de oposição, como no caso de resolução. Reconhecemos, no entanto, que se trata de uma questão muito delicada, tanto mais que a informação a que o trabalhador abrangido pela transmissão da unidade económica tem direito – e que lhe deve ser fornecida diretamente pelo seu próprio empregador, o transmitente – não abrange, de acordo com a letra da lei, elementos sobre a política de organização de trabalho do transmissário, mas apenas sobre as medidas (que podem ser, obviamente, medidas de gestão de recursos humanos) por este planeadas.»[7]


Face aos termos como o art. 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho se encontra formulado, podemos afirmar que a lei consagra dois fundamentos distintos de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho: o 1.º, fundado no prejuízo sério para o trabalhador, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente, embora não seja de exigir um prejuízo sério efetivo, mas um mero juízo de prognose sobre um prejuízo sério no futuro[8]; o 2.º, fundado na falta de confiança do trabalhador quanto à política de organização do trabalho do adquirente, que também envolve um juízo de prognose do trabalhador, mas de conteúdo subjetivo e indeterminado.


A lei poderia ter-se bastado pelo prejuízo sério como único fundamento do direito de oposição à transmissão do vínculo contratual: sempre envolveria um juízo de prognose, mas fundado em factos concretos e verificáveis, como são a falta de solvabilidade ou a situação financeira difícil. Não foi, porém, essa a opção do legislador, consagrando um segundo fundamento do direito de oposição, que o trabalhador poderá invocar, mesmo que não seja evidente o risco de prejuízo sério, e que se baseia apenas em algo do seu foro íntimo, uma opção pessoal, como tal insindicável pelo tribunal.
E existem motivos atendíveis que levariam o legislador a consagrar essa solução. Para além do exemplo que nos é dado pelos ordenamentos sueco e alemão, onde o direito de oposição não carece de qualquer fundamento[9], temos a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, emanada na sequência do caso Katsikas[10], segundo a qual o trabalhador deve ser livre de escolher a sua entidade patronal, não podendo ser obrigado a trabalhar para um empregador que não escolheu. Como se afirma no respetivo considerando 37, a diretiva europeia – relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos – não obsta a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência do seu contrato ou da sua relação de trabalho para o cessionário, na condição de que essa decisão seja por ele livremente tomada, cabendo aos Estados-Membros, quando o trabalhador exerce esse seu direito de não continuar a relação laboral com o cessionário, decidir o que sucede com o contrato de trabalho.


No fundo, o que está em causa é o reconhecimento que o trabalho não é uma mercadoria (labour is not a commodity, como a OIT proclamou na Declaração de Filadélfia de 1944), e que o princípio geral da liberdade contratual envolve também a liberdade de escolha do parceiro da relação negocial, não devendo assim ser imposto ao trabalhador um empregador por ele não escolhido[11], representando assim um “salto civilizacional”[12], tanto mais que, como também escreveu Júlio Gomes[13], «admitir a transmissão automática dos contratos de trabalho sem que o trabalhador a isso se possa recusar consiste não só numa negação frontal da sua autonomia privada, como mesmo da sua dignidade fundamental enquanto pessoa, convertendo-o, de algum modo, numa coisa, num componente do estabelecimento – perdoe-se-nos a crueza da imagem, mas estaríamos tentados a dizer numa “peça da mobília” –, exposto à sorte deste.»


Nesta linha, seguimos o entendimento que a norma contida no art. 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, permite ao trabalhador exercer o direito de oposição à transmissão do seu vínculo contratual, quer fundado em risco de prejuízo sério, quer fundado na mera falta de confiança quanto à política de organização do trabalho do adquirente.


No caso dos autos, o trabalhador foi confrontado com o facto consumado da transmissão do seu vínculo contratual para a 2.ª Ré, tal como lhe foi comunicado através da carta de 11.12.2020, sendo confrontado com a circunstância de, nem a 1.ª Ré, nem a 2.ª, o aceitaram como seu trabalhador, como efetivamente sucedeu a partir das 20h00m do dia 31.12.2020


Estes factos são bastantes para fundamentar a desconfiança do trabalhador em relação às consequências que a transmissão teria na organização do seu trabalho, face ao risco de perda do seu posto de trabalho.


Chama-se, a propósito, o que se escreveu no sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 16.09.2022:


“VI – O art. 286.º-A do CT contém um fundamento geral para o exercício da oposição, o do “prejuízo sério” e dois exemplos – situações de “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente” e “a política de organização do trabalho deste não […] merecer confiança” – que não excluem outros, mas que auxiliam a tarefa do intérprete, designadamente na adoção de critérios mais ou menos abertos para o que é o relevante “prejuízo sério”.


VII – É suficiente para fundamentar validamente a oposição, a alegação comprovada que o transmissário da unidade de serviço de vigilância recusou ao trabalhador garantir os direitos emergentes do contrato com a transmitente, só o aceitando ao trabalho se subscrevesse um novo contrato.


VIII – Nessa situação, o trabalhador tem todas as razões para se confrontar com uma real possibilidade de prejuízo sério, de perda da estabilidade laboral, dos direitos e garantias que até então lhe eram proporcionados, o que é mais do que suficiente para razoavelmente não ter confiança na política de organização da transmissária.”[14]


De acordo com o entendimento que adotamos, a oposição do trabalhador à transmissão do seu vínculo contratual pode basear-se numa mera conjetura acerca da política de organização do trabalho do adquirente.»


Não vislumbramos qualquer razão válida para alterar a posição manifestada neste aresto.


No vertente caso, apurou-se, com relevância, o seguinte:


- A Autora havia celebrado, com a 1.ª Ré, um contrato de trabalho, com início em 01.05.2010, no âmbito do qual se obrigou a exercer as funções inerentes à categoria de técnico responsável de radioterapia, com um período normal de trabalho de 40 horas semanais, e mediante o pagamento da quantia de € 1.700,00, a título de retribuição mensal base certa, de 0,25 por cada tratamento de radioterapia externa, a título de retribuição mensal base variável, e de € 6,41, a título de subsídio de alimentação, por cada dia completo e efetivo de trabalho;


- Exerceu as suas funções nas instalações do Hospital ...;


- Por conta da 1.ª Ré, a Autora exerceu funções de chefia, designadamente relacionadas com a gestão da equipa e otimização dos recursos, tendo a seu cargo a parte financeira no tocante à faturação;


- A 1.ª Ré comunicou à Autora que o seu contrato de trabalho, tal como os dos seus colegas, iria ser transmitido à 2.ª Ré por força da nova adjudicação de serviços;


- Em 21.04-2022, a 2.ª Ré comunicou à Comissão de Trabalhadores da 1.ª Ré que não iria assumir os contratos de trabalho dos Autores, bem como o contrato de EE, Diretora Clínica, alegando tratar-se de cargos de direção e quadros superiores que exercem funções de elevada confiança e complexidade técnica, comunicação de que os Autores tiveram conhecimento.


Ora, perante este quadro factual – nomeadamente, a recusa liminar da trabalhadora Autora pela 2.ª Ré e a sua fundamentação –, existiam circunstâncias suficientes para que a Autora desconfiasse que a transmissão do seu contrato de trabalho para a 2.ª Ré poderia acarretar alteração e esvaziamento das funções que até então tinha exercido, pois a posição assumida pela 2.ª Ré perante a Comissão de Trabalhadores não correspondeu propriamente a um voto de confiança em relação à Autora, bem pelo contrário.


Por outras palavras a informação que a trabalhadora possuía justifica a desconfiança na política de organização do trabalho da 2.ª Ré manifestada.


Assim sendo, consideramos que o tribunal a quo julgou bem ao decidir pela validade da oposição à transmissão declarada pela Autora.


Improcede, consequentemente, nesta parte, o recurso da 1.ª Ré.


*


VIII. Quanto ao alego abuso de direito no exercício do direito de oposição


Alega a 1.ª Ré, no recurso que interpôs, que a Autora utilizou abusivamente o direito de oposição previsto no artigo 286.º-A do Código do Trabalho, pois nunca teve qualquer intenção de permanecer ou de regressar ao serviço da recorrente, até porque, como sabia, a recorrente já não exercia atividade, pelo que o exercício do referido direito apenas visou obter uma compensação pela cessação do contrato de trabalho, o que contraria o fim económico e social da norma.


Cumpre apreciar.


Prescreve o artigo 334.º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.


Como ensina Almeida Costa9, o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais. Ou seja, tal instituto constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria intolerável face aos referidos limites, designadamente o da boa-fé.


Com interesse, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2019 (Proc. n.º 3722/16.0T8BG.G1.S1):


«I. Existe abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil, quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apoditicamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito.


II. O juízo sobre o abuso de direito está, assim, dependente das conceções ético-jurídicas dominantes na sociedade.».


Ainda com relevância, cita-se, igualmente, o Acórdão da Relação de Guimarães de 25.05.2017 (Proc. n.º 354/14.1T8VCT-A.G1):


«Existe abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito».


Posto isto, apreciemos o caso concreto.


Sabemos, com arrimo nos factos assentes, que a Autora tomou conhecimento da transmissão da unidade económica, quer através da comunicação feita pela 1.ª Ré, quer através da comunicação emitida pela 2.ª Ré para a Comissão de Trabalhadores da 1.ª Ré.


Não há qualquer elemento factual que nos permita concluir que a Autora tinha conhecimento de que não poderia manter-se ao serviço da 1.ª Ré por cessação da atividade desta.


Assim, o que temos, é um exercício fundamentado e válido do direito de oposição, que se enquadrou no fim social e económico do direito em causa, respeitando o sentimento de justiça dominante.


Acresce que a propositura da presente ação também não evidencia qualquer comportamento abusivo. O direito à tutela jurisdicional mostra-se consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.


Claudica, pois, o alegado abuso de direito.


Destarte, improcede, igualmente nesta parte, o recurso interposto pela 1.ª Ré.


*


IX. Da alegada inexistência de despedimento ilícito


Em sede de recurso, a 1.ª Ré negou a existência do declarado despedimento ilícito da Autora como consequência da defendida invalidade do direito de oposição, considerando que o contrato de trabalho desta teria sido transmitido para a 2.ª Ré.


Sucede que o direito de oposição exercido foi considerado válido e a Autora manteve, como efeito, a relação laboral que tinha com a 1.ª Ré.


Logo, não tendo a 1.ª Ré aceitado a Autora como sua trabalhadora a partir de 30.04.2022, tal conduta consubstancia um despedimento ilícito, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, conforme foi corretamente determinado pelo tribunal a quo.


Em síntese, a última questão colocada no recurso da 1.ª Ré não pode proceder.


*


X. Apreciação do recurso subordinado


No recurso subordinado intentado pelo Autor requer-se que este tribunal reaprecie a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido relacionado com a formação.


Analisemos a questão.


Na sua petição inicial - ver Apenso C -, o Autor pediu que as Rés fossem, solidariamente, condenadas a pagar-lhe a quantia de € 8.694,23 referente a horas de formação, nos termos do artigo 131.º do Código do Trabalho, no valor total de 137 horas, sendo 40 horas anuais, multiplicadas pelos 3 anos e 8 meses de antiguidade, ou seja, 137 horas de horas de formação x 63,46€ de valor horário.


Na sentença recorrida, este pedido foi assim apreciado:


«Quanto à formação, não foi pelo autor alegado qualquer facto concreto, mas tão somente deduzido um pedido, o qual, por ausência de factualidade que o sustente, será improcedente, sempre se dizendo que estando o autor a trabalhar a tempo parcial, não poderia ter direito às horas de formação integralmente.»


Ora, neste particular conspecto, não sufragamos a decisão recorrida.


Infere-se do pedido formulado que o Autor, na sequência da cessação do seu contrato de trabalho, reclama o efeito dessa cessação reportado ao seu direito à formação – cf. artigo 134.º do Código do Trabalho.


Cabia, pois, à empregadora alegar e provar que forneceu a formação obrigatória ao longo da relação contratual – cf. Acórdãos desta Secção Social de 30.01.2025 (Processos n.ºs 1860/24.5T8PTM.E1 e 871/23.2T8STR.E1) e de 13.03.2025 (Proc. n.º 414/24.0T8EVR.E1)..


Não tendo sido feita tal prova assiste ao Autor o direito reclamado que, todavia, por o Autor ter sido contratado a tempo parcial, terá de ser proporcional ao tempo de trabalho prestado.


Por outras palavras, não obstante o n.º 2 do artigo 154.º do Código do Trabalho constitua um corolário do princípio da igualdade dos trabalhadores a tempo inteiro e a tempo parcial, este princípio terá de ser temperado com a regra da proporcionalidade atendendo ao tempo de trabalho prestado.


Assim, não obstante o trabalhador a tempo parcial tenha direito à formação obrigatória estipulada pelo n.º 2 do artigo 131.º do Código do Trabalho – o Código do Trabalho não distingue o trabalhador a tempo parcial do trabalhador a tempo inteiro -, a quantidade de horas de formação obrigatória terá de ser proporcional ao seu tempo de trabalho.


Como tal, o Autor tem direito às horas que já se transformaram em crédito – com o limite de três anos sobre a sua constituição –, e, ainda, às que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato, em relação aos quais apenas se formou o crédito com a cessação do contrato – cf. artigos 132.º e 134.º do Código do Trabalho.


Concretizando, o Autor tem direito:


. proporcional do ano da admissão (de setembro a dezembro de 2018)= 8 horas;


- anos completos 2019, 2020 e 2021= 72 horas


- proporcional ano da cessação (janeiro a 1 de maio de 2022)= 8 horas.


Ou seja, tem direito a um total de 88 horas de formação não ministrada.


E porque a retribuição base mensal auferida pelo Autor era de € 5.500, por aplicação do disposto no artigo 271.º do Código do Trabalho, temos que a sua retribuição horária era de € 52,88.


Vejamos:


Retribuição horária= 5500 x 12 = 66000 = 52,88 (aproximadamente)


52x 24 1248


Nessa medida, é devida ao Autor pela formação não ministrada a quantia de € 4.653,44.


A responsabilidade pelo pagamento de tal montante recai, solidariamente, sobre ambas as Rés, de harmonia com o disposto no n.º 6 do artigo 285.º do Código do Trabalho.


Concluindo, o recurso subordinado procede parcialmente.


-


Finalizando, improcedem totalmente os dois recursos de apelação e procede parcialmente o recurso subordinado apresentado pelo Autor.


As custas dos recursos de Apelação serão suportadas, respetivamente, pelas Apelantes e as custas do recurso subordinado serão suportadas pelo Autor e pelas Rés na proporção do decaimento – artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


XI. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar os recursos de Apelação interpostos pelas Rés improcedentes e o recurso subordinado intentado pelo Autor BB parcialmente procedente, e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e condenam-se as Rés a pagar, solidariamente, ao referido Autor a quantia de € 4.653,44, por formação não ministrada.


No mais, mantém-se a decisão recorrida.


Custas dos recursos de Apelação a cargo, respetivamente, das Apelantes.


Custas do recurso subordinado a cargo do Autor BB e das Rés na proporção do decaimento.


Notifique.


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Évora, 25 de junho de 2025


Paula do Paço


Emília Ramos Costa


Filipe Aveiro Marques

______________________________________

1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques↩︎

2. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 143.↩︎

3. Local onde poderão ser consultados os demais acórdãos que se venham a identificar se nada se disser em contrário.↩︎

4. No mesmo sentido: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2022 (Proc. n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1).↩︎

5. Ou seja, a 2.ª Ré.↩︎

6. Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág. 203.↩︎

7. Neste sentido: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2008 (Proc. n.º 08S1332) e Acórdão da Relação do Porto de 14.02.2011 (Proc. n.º 769/09.7TTBCL.P1).↩︎

8. Cf. Manuel Bianchi Sampaio, A transmissão de empresa ou estabelecimento nos setores de atividade em que o elemento essencial é a mão de obra e a lei n.º 18/2021 de 8 de abril, Prontuário do Direito do Trabalho, 1.º semestre 2021, pág. 276, no qual se escreveu:

«Nos setores de atividade em que o elemento essencial é a mão de obra, um conjunto de trabalhadores que exerce a atividade de forma duradoura num determinado local deve ser considerado uma unidade económica.

Nestes setores deve privilegiar-se como elemento da transmissão a continuação da atividade de forma idêntica e com os mesmos trabalhadores sem qualquer diferença substancial que não seja a mudança da entidade prestadora do serviço (…)».↩︎

9. In Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 64.↩︎