DIREITO DE RETENÇÃO
DANO DE PRIVAÇÃO DE USO
PENHORA DA COISA RETIDA
Sumário

I – O direito de retenção não é, apenas, um direito real de garantia ou causa legítima de preferência de pagamento: é também, ou mesmo antes, o direito de não entregar, o direito de reter, um certo bem.
II – O direito de retenção é um título legítimo de detenção do bem que devia ser entregue e, por isso, da não entrega do bem não pode resultar o dano da privação do uso pelo credor.
III – Ao direito de retenção aplicam-se as regras do penhor: em princípio, o retentor não tem direito a usar o bem, salvo quando o uso for indispensável à conservação daquele, mas, por outro lado, o retentor está igualmente obrigado a guardar e conservar o bem retido como um proprietário diligente.
IV – A penhora não extingue o direito de retenção quando, nomeado depositário, o retentor não perde o poder de facto sobre a coisa retida.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo n.º 1397/20.1T8PVZ.P1

Recorrente – A..., SA

Recorridos – AA e BB

Relator – José Eusébio Almeida

Adjuntas – Ana Paula Amorim e Fernanda Almeida

Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório[1]

AA e BB instauraram, a 12.11.20, a presente ação comum contra A..., SA e Banco 1..., SA e pediram: “a) Ser declarada lícita a resolução do contrato-promessa celebrado entre os AA. e a 1.ª, promovida pelos AA. através da carta junta aos autos como Doc. 13; b) Consequentemente, ser a 1.ª R. condenada a pagar aos AA. a importância de € 50.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado em cumprimento desse contrato; c) Ser a 1.ª R. condenada a pagar aos AA. o valor dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados sobre o dobro do sinal prestado à taxa legal, desde a data em que se verificou o incumprimento definitivo do contrato-promessa até integral pagamento, e que, em 10.11.2020, ascendem a €17.457.53; d) Ser declarado que os AA. gozam do direito de retenção sobre a fração autónoma designada pela letra F, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...50, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...01 - F, da freguesia ..., como garantia do pagamento, pela Ré A..., S.A., da importância de €67.457,53, correspondente à soma do dobro do sinal prestado, acrescida do valor dos juros de mora vencidos até 10.11.2020, até integral pagamento desta quantia pela Ré A..., S.A..; e) Serem as Rés condenadas a reconhecer o direito de retenção dos AA. nos termos da alínea anterior”.

A 15.12.20, a 1.ª ré contestou. Em síntese, veio negar a factualidade invocada pelos demandantes e o efeito jurídico pretendido. Nomeadamente, sustentou a ilicitude da resolução do contrato-promessa e impugnou o direito de retenção invocado pelos autores. A final, pretende que a ação seja julgada improcedente e formula a seguinte reconvenção: “I – a) Ser judicialmente reconhecida a inexistência de fundamento para a resolução operada pelos Autores e que o contrato-promessa deve considerar-se subsistente; b) Ser declarada a resolução do contrato-promessa por incumprimento imputável aos Autores e, consequentemente, serem os Autores condenados a reconhecer o direito da 1.ª Ré fazer seu o sinal entregue na quantia de € 25.000,00; c) Serem os Autores condenados a entregar à 1.ª Ré o imóvel descrito no artigo 12.º da Petição, livre de pessoas e de bens; d) Serem os Autores solidariamente condenados a indemnizar a 1.º Ré na quantia de €113.000,00 pela ocupação que fazem do imóvel desde 17/06/2011, acrescido do valor mensal de € 1.000,00 desde a presente data até à entrega efetiva do imóvel livre de pessoas e de bens; ou, subsidiariamente, serem os Autores solidariamente condenados a indemnizar a 1.ª Ré pela desvalorização do imóvel, na quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença; ou, subsidiariamente, serem os Autores solidariamente condenados a indemnizar a 1a Ré na quantia mensal de € 1.000,00 por cada mês que, a partir da notificação da resolução contratual aqui operada pela 1.ª Ré, os mesmos continuem a ocupar o imóvel ‘sub judice’; II - Subsidiariamente, a entender-se que a resolução do contrato-promessa operada pelos Autores é lícita: a) Serem os Autores condenados a entregar à 1.ª Ré o imóvel descrito no artigo 12.º da Petição, livre de pessoas e de bens; b)Devem os Autores ser solidariamente condenados a indemnizar a 1.ª Ré na quantia de € 113.000,00 pela ocupação que fazem do imóvel desde a data em que resolveram o contrato-promessa sub judice (28/03/2012), acrescido do valor mensal de € 1.000,00 desde a presente data até à entrega efetiva do imóvel livre de pessoas e de bens; ou, subsidiariamente, serem os Autores solidariamente condenados a indemnizar a 1.ª Ré pela desvalorização do imóvel, na quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença; c) Ser operada a compensação de créditos”.

A 2.ª ré, Banco 1..., SA, igualmente contestou (4.01.2021), sustentando a improcedência dos pedidos formulados pelos autores.

Os autores replicaram (1.02.21), sustentando a improcedência do pedido reconvencional e das exceções deduzidas.

Teve lugar a audiência prévia (27.10.21) e saneados os autos, o tribunal pronunciou-se sobre a “invocada nulidade do contrato-promessa, por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes”, que julgou improcedente. Na ocasião, definiu o objeto do litígio [Constitui objeto do litígio, por um lado, saber se deverá ser declarada lícita a resolução do contrato-promessa celebrado entre os Autores e a Ré A..., S. A.; saber se assiste aos Autores o direito a exigir da Ré A..., S. A. a quantia de €50.000,00, acrescida de juros moratórios (ascendendo os já vencidos a € 17.457,53), com base no incumprimento pela Ré A..., S. A. do contrato-promessa de compra e venda; e saber se assiste aos Autores o direito de retenção sobre a fração autónoma designada pela letra F que integra o prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...50/20100315, freguesia ..., ..., como garantia do pagamento, pela Ré A..., S. A., da importância de € 67.457,53, correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescido do valor dos juros de mora vencidos até 10-11-2020. Por outro lado, também constitui objeto do litígio, saber se deverá ser declarada a resolução do contrato-promessa por incumprimento imputável aos Autores e, consequentemente, serem os Autores condenados a reconhecer o direito da Ré A..., S. A. a fazer seu o sinal entregue na quantia de € 25.000,00; saber se os Autores deverão ser condenados a entregar à Ré A..., S. A. o imóvel descrito no artigo 12.º da petição inicial, livre de pessoas e de bens; saber se os Autores deverão ser condenados solidariamente a indemnizar a Ré A..., S. A. na quantia de € 113.000,00 pela ocupação que fazem do imóvel desde 17-06-2011, acrescido do valor mensal de € 1.000,00 desde a presente data até à entrega efetiva do imóvel livre de pessoas e de bens; ou, subsidiariamente, condenados solidariamente a indemnizar a Ré A..., S. A. pela desvalorização do imóvel, na quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença; ou, ainda subsidiariamente, condenados solidariamente a indemnizar a Ré A..., S. A. na quantia mensal de € 1.000,00 por cada mês que, a partir da notificação da resolução contratual aqui operada pela Ré A..., S. A., os mesmos continuem a ocupar o imóvel; subsidiariamente – caso venha a ser entendido que a resolução do contrato- promessa operada pelos Autores é lícita – saber se os Autores deverão ser condenados a entregar à Ré A..., S. A. o imóvel descrito no artigo 12.º da petição inicial, livre de pessoas e de bens; saber se os Autores deverão ser condenados solidariamente a indemnizar a Ré A..., S. A. na quantia de € 113.000,00 pela ocupação que fazem do imóvel desde a data em que resolveram o contrato-promessa (28-03-2012), acrescido do valor mensal de € 1.000,00, desde a presente data até à entrega efetiva do imóvel livre de pessoas e de bens; ou, subsidiariamente, condenados solidariamente a indemnizar a Ré A..., S. A. pela desvalorização do imóvel, na quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença; saber se deverá ser operada a compensação de créditos] e os temas da prova [- celebração do contrato-promessa entre os Autores e a Ré A..., S. A., bem como do aditamento a tal contrato; - entrega pelos Autores à Ré A... da quantia de € 25.000,00 a título de sinal; - prazo estabelecido entre os Autores e a Ré A..., S. A. para a celebração do contrato definitivo; - razões pelas quais não foi celebrado o contrato definitivo; - correspondência trocada entre os Autores e a Ré A..., S. A.; - tradição para os Autores do imóvel prometido vender; - utilização do imóvel prometido vender pelos Autores; - pedido de entrega do imóvel prometido vender dirigido pela Ré A..., S. A. aos Autores; - valor locativo do imóvel prometido vender; - desvalorização sofrida pelo imóvel prometido vender desde junho de 2011].

Depois de várias sessões de julgamento, foi proferida a seguinte sentença:

III.a) Declarar lícita a resolução, promovida pelos Autores, do contrato-promessa celebrado entre os Autores e a Ré A..., S. A., relativo à fração autónoma designada pela letra “F”, descrita na 1.a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...01 - F;

III.b) Declarar que, em 21-12-2020, os Autores eram titulares de um crédito sobre a Ré A..., S. A. de € 50.000,00, de capital, acrescido de € 17.413,70, relativo a juros de mora; e que, na mesma data, a Ré/Reconvinte A..., S. A. era credora dos Autores/Reconvindos quanto à quantia, de capital, de € 32.500,00;

III.c) Operar a compensação entre os créditos dos Autores e da Ré/Reconvinte A..., S. A. e, nessa sequência, condenar a Ré A..., S. A. a pagar aos Autores a quantia de € 34.913,70 (trinta e quatro mil, novecentos e treze euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal e contados a partir de 21-12-2020 até integral pagamento;

III.d) Declarar que os Autores gozam do direito de retenção sobre a referida fração autónoma F, para garantia do seu crédito de € 34.913,70 (trinta e quatro mil, novecentos e treze euros e setenta cêntimos) sobre a Ré A..., S. A. e dos respetivos juros moratórios; e condenar as Rés A..., S. A. e Banco 1..., SA a reconhecer tal direito de retenção;

III.e) Absolver as Rés do demais que foi peticionado pelos Autores;

III. f) Julgar improcedente o pedido reconvencional I-a);

III. g) Julgar prejudicado o conhecimento dos pedidos reconvencionais I-b), I-c) e I-d);

III.h) Julgar improcedente o pedido reconvencional II-a);

III. i) Absolver os Autores/Reconvindos do demais que foi peticionado a título principal pela Ré/Reconvinte A..., S. A. no pedido reconvencional II-b);

III. j) Julgar prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional subsidiário II-b)”.

II – Do Recurso

Inconformada com a decisão, a ré Imobiliária veio apelar. Começa por esclarecer que “aceita o segmento decisório da sentença que considera lícita a resolução do contrato-promessa de compra e venda”; que “por força dessa resolução, os Recorridos tenham ficado investidos num direito de crédito sobre si, do montante de 50.000€, correspondente ao valor do sinal em dobro, acrescido dos juros de mora até 21/12/2020”, mas “já não se conforma com a parte decisória da sentença que, pela privação do uso da fração designada pela letra “F”, objeto do contrato-promessa de compra e venda, lhe reconhece um crédito sobre os Recorridos de, apenas, 32.500€ e, consequentemente, também daquela parte onde, depois de fazer operar a compensação entre os créditos, condena a Recorrente a pagar a quantia de 34.913,70€, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 21/12/2020 e até integral pagamento, bem como, daquela outra parte onde reconhece aos Recorridos o direito de retenção sobre a referida fração, para garantia do crédito de 34.913,70 €, e dos respetivos juros moratórios”. Assim – mais esclarece – “o presente recurso fica, circunscrito às mencionadas questões, que são exclusivamente de direito”. E, pretendendo a revogação da sentença, formula as seguintes Conclusões:

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Os autores responderam ao recurso e, defendendo a sua improcedência, concluíram:

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O recurso foi recebido nos termos legais e os autos correram Vistos. Nada de observa que obste ao conhecimento do seu objeto, o qual, tendo em conta as conclusões apresentadas pela apelante se traduz em saber se a sentença deve ser (parcialmente) revogada, porquanto a) a indemnização pela privação do uso da fração não deve ser restringida temporalmente até à penhora do imóvel e, por consequência, b) a compensação de créditos deve ser feita com a imputação de outras quantias, em benefício da apelante, extinguindo-se o crédito dos autores e, por consequência, o seu direito de retenção.

III – Fundamentação

III.I – Fundamentação de facto

O tribunal recorrido deu como provada e não provada a seguinte factualidade, que não se mostra impugnada:

Factos Provados

1 - Em 15-01-2010, entre, por um lado, AA e BB (Autores), como promitentes compradores, e, por outro lado, A..., SA (Ré), como promitente vendedora, foi celebrado um acordo com o teor que consta do documento intitulado «CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PERMUTA», apresentado como documento 1 com a petição.

2 - Em 13-09-2010, entre, por um lado, AA e BB, como promitentes compradores, e, por outro lado, A..., SA, como promitente vendedora, foi celebrado um acordo com o teor que consta do documento intitulado «ADITAMENTO A CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PERMUTA», apresentado como documento 6 com a petição[2].

3 - Em 15-01-2010, AA e BB entregaram a A..., SA a quantia de 25.000,00€, como sinal e princípio de pagamento.

4 - A licença de utilização relativa à moradia objeto do «CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PERMUTA» supra referido foi emitida em 23-08-2010.

5 - A escritura de compra e venda mencionada na cláusula terceira do documento intitulado «CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PERMUTA», supra mencionado, não foi outorgada até 15-04-2010.

6 - A ré A..., SA procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda, mencionada na cláusula terceira do documento intitulado «CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PERMUTA», supra mencionado, para o dia 31-08-2010, na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Trofa, tendo os ora autores aceitado essa marcação.

7 - Os autores compareceram na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Trofa no dia 31-08-2010 para outorgar a escritura pública de compra e venda nos termos acordados com a ré A..., SA.

8 - Na data e hora agendados para a celebração da escritura pública de compra e venda, não compareceu ninguém em representação da ré A..., SA, na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Trofa.

9 - Essa escritura pública de compra e venda não se realizou.

10 - No dia 31-08-2010, na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Trofa, foi comunicado aos autores que incidia sobre o «prédio ...50-F de ... um registo que impede a venda do mesmo».

11 - No dia 31-08-2010, encontrava-se inscrita no registo predial relativo à fração autónoma “F”, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, uma providência cautelar não especificada, instaurada por CC, DD e EE contra FF, casado com GG, e A..., SA requerendo que estes fossem «impedidos de praticarem todos e quaisquer atos de alienação dos prédios em causa, designadamente contratos promessa de compra e venda, venda, permuta, doação, dação em cumprimento, registos, hipotecas, averbamentos, cancelamentos, pedidos de licenças camarárias, pedidos nos serviços de finanças e quaisquer outros relacionados com os prédios, como preliminar da ação de anulação da escritura de justificação celebrada pela 2.ª requerida».

12 - Entre 31-08-2010 e 13-09-2010, houve conversações entre os autores e a ré Imobiliária, tendo sido transmitido àqueles pelo administrador da ré que a providência cautelar era descabida e infundada e que em pouco tempo seria resolvida, podendo ser celebrada a escritura pública de compra e venda.

13 - Na sequência dessas conversações, foi celebrado o acordo supra referido em 2).

14 - Após a celebração do acordo supra referido em 2), os autores receberam da ré Imobiliária as chaves da moradia prometida vender e mudaram-se para a mesma, passando a aí residir com os filhos.

15 - Desde então e até à atualidade a autora continua a aí viver com os filhos dos autores.

16 - Os autores celebraram contratos de fornecimento de gás, eletricidade e água para abastecer a moradia prometida vender.

17 - O prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...25/20071120 deu origem ao prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...01, da freguesia ......

18 - ...Tendo o prédio descrito na 1.º Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315 sido constituído em propriedade horizontal.

19 - A moradia objeto do «CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PERMUTA» supra referido corresponde à fração autónoma designada pela letra “F”, integrada no prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315.

20 - Encontra-se descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, da freguesia ..., a fração autónoma designada pela letra “F”, sita na Travessa ..., com entrada pelos n.ºs ...1 e ...40, ..., ..., composta por habitação tipo T quatro, composta por cave, rés-do-chão e andar, situada na extrema sul/nascente, com um pátio ao nível da cave, com a área de 64,40 m2, um jardim ao nível do rés-do-chão com a área de 104,46 m2 e uma garagem fechada na cave designada pela letra F, com acesso pelo n.º ...7.

21 - Pela apresentação n.º 68, de 03-01-2006, foi definitivamente inscrita a aquisição, a favor de A..., SA, da fração autónoma descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F.

22 - Pela apresentação n.º 69, de 10-01-2007, foi definitivamente inscrita uma hipoteca a favor de Banco 2..., SA, quanto ao imóvel descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, para garantia do montante máximo de 1.043.092,50 Euros.

23 - Pela apresentação n.º 40, de 25-03-2008, foi definitivamente inscrita uma hipoteca a favor de Banco 2..., SA, quanto ao imóvel descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, para garantia do montante máximo de 359.402,75 Euros.

24 - Pela apresentação n.º 2612, de 26-01-2012, foi definitivamente inscrita a transmissão da titularidade da hipoteca referida em 22) a favor de Banco 1..., SA.

25 - Pela apresentação n.º 2613, de 26-01-2012, foi definitivamente inscrita a transmissão da titularidade da hipoteca referida em 23) a favor de Banco 1..., SA.

26 - Sem prejuízo para o supra referido em 6), a ré Imobiliária não procedeu a qualquer outra marcação da escritura pública de compra e venda, mencionada na cláusula terceira do documento intitulado «CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PERMUTA» e não indicou aos autores uma data previsível para a realização dessa escritura pública de compra e venda.

27 - A ré Imobiliária enviou aos autores uma carta datada de 08-06-2011, com o teor que consta do documento 7 apresentado com a petição inicial...

28 - ...À qual os autores responderam através de carta datada de 17- 06-2011, com o teor que consta do documento 9 apresentado com a petição inicial.

29 - Carta esta que foi recebida pela ré A..., SA em 21-06-2011.

30 - Em janeiro de 2012, ainda se encontravam inscritas no registo predial relativo à fração autónoma “F”, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, a providência cautelar não especificada a que se reporta a apresentação 2580, de 2010/08/04, bem como a ação a que se reporta a apresentação 3834, de 2010/12/03.

31 - No dia 26-01-2012, os autores enviaram à ré Imobiliária uma carta com o teor que consta do documento 11 apresentado com a petição inicial, nos termos da qual – entre o mais – marcaram a escritura pública para o dia 20-02-2012, pelas 09:30 horas, no Cartório Notarial da Dra. HH, em Santa Maria da Feira;...

32 - ...Tendo à ré respondido através de carta datada de 14-02-2012, com o teor que consta do documento 3 apresentado com a contestação.

33 - No dia 20-02-2012, pelas 09:30 horas, o autor compareceu no Cartório Notarial de HH, em Santa Maria da Feira, para outorga da escritura pública de compra e venda...

34 - ...Não tendo a ré Imobiliária aí comparecido, nesse dia e hora, nem se feito representar por qualquer pessoa nesse cartório.

35 - A escritura pública de compra e venda agendada para o dia 20-02-2012, pelas 09:30 horas, não se realizou.

36 - Em 28-03-2012, ainda se encontravam inscritas no registo predial relativo à fração autónoma “F”, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, a providência cautelar não especificada a que se reporta a apresentação 2580, de 2010/08/04, bem como a ação a que se reporta a apresentação 3834, de 2010/12/03.

37 - Os autores AA e BB enviaram à Ré A..., S. A. uma carta datada de 28-03-2012, com o teor que consta do documento 3 apresentado com a réplica (ref.ª citius 28039921), o qual se dá aqui por integralmente reproduzido[3].

38 - Em 30-03-2012, a ré A..., SA recebeu essa carta.

39 - Em 12-11-2020 – data da instauração da presente ação –, ainda se encontravam inscritas no registo predial relativo à fração autónoma “F”, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, a providência cautelar não especificada a que se reporta a apresentação 2580, de 2010/08/04, bem como a ação a que se reporta a apresentação 3834, de 2010/12/03.

40 - EE, CC e DD instauraram contra FF e contra A..., SA um procedimento cautelar não especificado (processo n.º 7438/10.3TBVNG) peticionando que os Requeridos fossem impedidos de praticarem todos e quaisquer atos de alienação dos prédios em causa, designadamente contratos promessa de compra e venda, venda, permuta, doação, dação em cumprimento, registos, hipotecas, averbamentos, cancelamentos, pedidos de licenças camarárias, pedidos nos serviços de finanças e quaisquer outros relacionados com os prédios, como preliminar da ação de anulação da escritura de justificação celebrada pela 2.ª requerida.

41 - Pela apresentação n.º 2580, de 04-08-2010, foi inscrito provisório por natureza, no registo predial relativo à fração autónoma “F”, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, o referido procedimento cautelar não especificado, instaurada por CC, DD e EE contra FF, casado com GG, e A..., SA requerendo que estes fossem «impedidos de praticarem todos e quaisquer atos de alienação dos prédios em causa, designadamente contratos promessa de compra e venda, venda, permuta, doação, dação em cumprimento, registos, hipotecas, averbamentos, cancelamentos, pedidos de licenças camarárias, pedidos nos serviços de finanças e quaisquer outros relacionados com os prédios, como preliminar da ação de anulação da escritura de justificação celebrada pela 2.ª requerida».

42 - No âmbito do referido procedimento cautelar (processo n.º 7438/10.3TBVNG), em 30-10-2010, foi proferida decisão de indeferimento, decisão que veio a ser confirmada por acórdão de 22-02-2011, o qual transitou em julgado em 15-03-2011.

43 - Em 03-12-2010, EE, CC e DD instauraram uma ação declarativa contra FF, A..., S. A. e Banco 2..., S. A. (processo n.º 10972/10.1TBVNG), peticionando: “a) Ser a escritura de justificação notarial celebrada pelos 1.º e 2.ª RR. em 23.11.2005 declarada nula com efeitos retroativos; b) Serem os RR. condenados a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50 e ...32, da freguesia ... e inscritos nas matrizes prediais urbanas sob os artigos ...01 P e ...50, da mesma freguesia, com a consequente condenação na obrigação de restituição; c) Ser cancelado o registo de aquisição a favor dos RR. feito com base na aludida escritura bem com a anulação de todos os subsequentes negócios jurídicos constantes do registo por serem ineficazes em relação aos AA. e configurarem oneração de coisa alheia com o consequente cancelamento dos respetivos registos; d) Serem cancelados os registos de hipoteca da 2.ª Ré a favor do 3.º Réu, por ser nula a hipoteca de bens alheios e por este não ser um terceiro de boa fé já que lhe competia como entidade bancária um maior zelo e precaução ao atribuir dois empréstimos no valor de 750.000 e 250.000 euros, em prédio supostamente adquirido por usucapião, nomeadamente a segunda hipoteca por ainda não terem decorrido 3 anos sobre o negócio; e) Ou subsidiariamente, ser a escritura de escritura de justificação notarial celebrada pelos 1.ª 2.ª RR. em 23.11.2005 declarada nula com efeitos retroativos; f) Serem os RR. condenados a restituir aos AA. o prédio descrito sob o art. ...32, da freguesia ... e condenados solidariamente a pagar aos AA. o preço do terreno correspondente ao art. ...01, anteriormente à incorporação das moradias, em valor a liquidar em execução de sentença. g) Ser cancelado o registo de aquisição por usucapião a favor dos RR. e todos os registos posteriores à justificação, por tais atos serem ineficazes em relação aos AA., não lhes sendo oponíveis quaisquer registos de terceiros por estes terem adquirido já os prédios por usucapião. h) Serem cancelados os registos de hipoteca da 2.ª Ré a favor do 3.º Réu, por se tratar de hipoteca de bens alheios e este não ser um terceiro de boa fé já que lhe competia como entidade bancária um maior zelo e precaução ao atribuir dois empréstimos no valor de 750.000 e 250.000 euros, em prédio supostamente adquirido por usucapião. i) Serem os 1o e 2o RR. condenados solidariamente a pagar aos AA. os prejuízos morais e patrimoniais resultantes da anulação da justificação a liquidar em execução de sentença”.

44 - Pela apresentação n.º 3834, de 03-12-2010, foi inscrita, provisória por natureza, no registo predial relativo à fração autónoma “F”, descrita na 1.ª Conservatória Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F, a mencionada ação n.º 10972/10.1TBVNG.

45 - No âmbito do processo n.º 10972/10.1TBVNG, em 20-12-2021, foi proferida sentença, transitada em julgado em 27-06-2024, com o teor que consta a fls. 367v-382v do presente processo, da qual consta a seguinte decisão: «I - Julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo os Réus FF, “A..., S.A.” e “Banco 1..., SA” dos pedidos contra eles formulados pelos Autores EE, CC e DD.

II - Julgo a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno os Autores/reconvindos a pagar aos Réus/reconvintes uma indemnização pelos prejuízos sofridos supra elencados nos pontos 67. e 68. dos factos provados, em valor a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação; b) Absolvo os Autores/reconvindos do demais peticionado pelos Réus/reconvintes. III – Condeno os Autores EE, CC e DD na multa de 10 (dez) UC e a pagarem aos Réus FF e “A..., S.A.” a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de IVA, a título de indemnização, por terem litigado de má-fé nos presentes autos».

46 – A ré Banco 1..., SA instaurou uma ação executiva (processo n.º 7920/13.0TBVNG) contra A..., SA, FF e GG, tendo em vista obter o pagamento de 1.159.861,90€.

47 - Nessa ação executiva (n.º 7920/13.0TBVNG), em 16-12-2014, foi penhorada a fração autónoma “F”, sita na Travessa ..., com entrada pelos n.ºs ...1 e ...40, ..., ..., descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...50/2010315-F.

48 - No apenso de reclamação de créditos conexo com essa execução (n.º 7920/13.0TB VNG-A), os ora autores apresentaram reclamação de créditos, nos termos que constam do documento 16 apresentado com a petição inicial...

49 - ...Tendo a A..., SA impugnado o crédito reclamado pelos autores, nos termos que constam do documento 17 apresentado com a petição inicial.

50 - Os autores venderam a II e JJ o imóvel sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ...5/19960111.

51 - O valor de uso da moradia prometida vender pela ré A..., SA aos autores ascende à quantia mensal de 1.000,00€.

Factos não provados

I - O acordo supra referido em 2) foi celebrado no pressuposto de que a escritura do contrato definitivo seria outorgada a curto prazo.

II - Sem prejuízo para o supra referido em 10), os Autores sempre estiveram a par da instauração e do ocorrido no procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 7438/10.3TBVNG e da respetiva inscrição no registo predial, bem como da par da instauração e do ocorrido na ação que correu termos sob o n.º 10972/10.1TBVNG e da respetiva inscrição no registo predial.

III - Sem prejuízo para o supra referido em 31), por diversas vezes os autores abordaram a Ré A..., S.A. para que esta marcasse data para a celebração da escritura pública de compra e venda.

III.II – Fundamentação de Direito

Para melhor compreensão dos fundamentos da decisão recorrida e, bem assim, da pretensão recursória, transcrevemos e sublinhamos, no que a tal releva, a sentença apelada:

“(...) Improcede, por isso, a argumentação expendida seja pela Ré A..., S. A., seja pela Banco 1..., SA, no sentido de que os Autores não poderiam resolver o contrato-promessa por não ter ocorrido incumprimento definitivo e culposo por parte da Ré A..., S. A. e por não estarem preenchidos os requisitos do art. 808.º, n.º 1 do Código Civil. Entendemos, pois, que a resolução do contrato-promessa celebrado entre os Autores e a Ré A..., S. A., promovida pelos Autores com base no incumprimento da Ré, foi lícita. (...) Sendo o incumprimento imputável à Ré A..., S. A., assiste aos Autores o direito a exigir daquela o dobro do sinal (art. 442.º, n.º 2 do Código Civil) (...) os Autores têm direito a receber juros de mora, à taxa legal, desde o dia 09-04-2012 (arts. 804.º, n.º 1; 805, n.º 1; 806.º, n.ºs 1 e 2, primeira parte, todos do Código Civil). (...) decorre da matéria de facto provada e do já exposto, que estão preenchidos todos esses requisitos, nomeadamente a traditio do imóvel prometido vender (alíneas 2 e 14-16 dos factos provados): no contexto do contrato-promessa de compra e venda da fração F, a fração prometida vender foi entregue aos Autores, promitentes-compradores, em setembro de 2010, passando estes a aí viver, detendo materialmente essa fração. Para além disso, houve incumprimento imputável ao promitente-vendedor e os Autores são titulares do crédito relativo ao dobro do sinal. Assim, assistiria aos Autores o direito de retenção sobre a referida fração, para garantia do seu crédito de € 50.000,00, bem como dos respetivos juros moratórios. (...)

Aqui chegados, importa analisar os pedidos reconvencionais (...) Quanto ao pedido reconvencional da alínea II-a) – «Serem os Autores condenados a entregar à 1.ª Ré o imóvel descrito no artigo 12.º da Petição, livre de pessoas e de bens» –, haverá que ter em conta, desde logo, três aspetos. Primeiro, a Ré A..., S. A. é a proprietária do imóvel que prometeu vender (...) Em segundo lugar, tendo sido validamente resolvido o contrato-promessa os Autores deixaram de ter título legítimo para ocupar o imóvel prometido vender (independentemente do eventual direito de retenção sobre o imóvel, sendo que tal direito é um mero – hoc sensu – direito real de garantia), por força do estabelecido nos arts. 433.º e 289.º do Código Civil. Em terceiro lugar, releva a circunstância de o imóvel que a Ré prometeu vender foi penhorado, em 16-12-2014, no âmbito da ação executiva n.º 7920/13.0TBVNG instaurada pela Banco 1..., SA (ora Ré) contra A..., S. A. (também ora Ré), FF e GG, tendo em vista obter o pagamento da quantia de € 1.159.861,90 (alínea 47 dos factos provados). Como é sabido, a penhora é uma apreensão judicial de bens da qual resulta que o executado deixa de ter a plena disponibilidade do bem penhorado, o qual é apreendido tendo em vista a realização coativa do direito do exequente (assim resulta das disposições que o Código de Processo Civil dedica à penhora, designadamente, dos arts. 735.º a 783.º – da Secção III, dedicada à penhora – e dos arts. 811.o a 841.o – da Subsecção V, dedicada à venda dos bens penhorados). Acresce que a Ré não invocou que é a depositária da fração F. Aliás, tanto quanto resulta do auto de penhora datado de 30-01-2015, foram nomeados depositários «a sociedade imobiliária executada e os adquirentes das frações autónomas penhoradas, respetivamente», constando do auto de penhora que «sobre a fração autónoma “F” encontra- se registada a ap. ...01 de 2010/12/06, aquisição, a favor de BB e AA»; por isso BB e AA foram nomeados depositários da fração F, isto é, do imóvel prometido vender «descrito no artigo 12o da Petição». Estando o imóvel que a Ré A..., S. A. prometeu vender aos Autores penhorado no âmbito da ação executiva n.º 7920/13.0TBVNG – desde data anterior à instauração da presente ação e, portanto, desde data anterior à dedução da reconvenção –, não assiste à Ré/Reconvinte A..., S. A. o direito a exigir que os Autores/Reconvindos sejam condenados a entregar-lhe o imóvel em causa. (...) Na alínea II-b) do pedido reconvencional, a Ré/Reconvinte pede que os Autores/Reconvindos sejam «solidariamente condenados a indemnizar a 1.ª Ré na quantia de € 113.000,00 pela ocupação que fazem do imóvel desde a data em que resolveram o contrato-promessa sub judice (28/03/2012), acrescido do valor mensal de € 1.000,00 (mil euros) desde a presente data até à entrega efetiva do imóvel livre de pessoas e de bens; ou, subsidiariamente, serem os Autores solidariamente condenados a indemnizar a 1a Ré pela desvalorização do imóvel, na quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença». Este pedido diz respeito à pretensão indemnizatória da Ré A..., S. A. pela privação do uso do imóvel prometido vender, após a resolução do contrato-promessa. (...) o contrato-promessa celebrado entre a Ré A..., S. A. e os Autores foi validamente resolvido (através da carta de resolução que foi recebida pela Ré em 30-03-2012), implicando a extinção do contrato-promessa, pelo que os Autores deixaram de ter título legítimo para ocupar o imóvel prometido vender; após a resolução, os Autores continuaram a utilizar o imóvel contra a vontade da Ré A..., S. A. (...) Tendo em consideração a matéria fáctica provada e relevante para aferir da responsabilidade dos Autores/Reconvindos pelo dano da privação do uso, entendemos que estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva por factos ilícitos (...) refira-se que o direito de retenção não dá ao retentor o direito de uso e fruição do imóvel – os Autores/Reconvindos agiram ilicitamente, pois violaram o direito de propriedade (...) os Autores/Reconvindos ao continuaram a utilizar o imóvel, contra a vontade da Ré/Reconvinte e sem que dispusessem de título que lhes permitisse essa utilização, agiram com culpa (...) até que essa fração foi penhorada, dano que é quantificável no valor de uso ou valor locativo da fração – i. e., € 1.000,00 por mês – durante o referido período de 32 meses e meio (...) Pelo exposto, assiste à Ré/Reconvinte o direito a exigir dos Autores/Reconvindos a quantia de € 32.500,00, pelo dano da privação do uso da fração F. (...) Atendendo à data relevante para efeitos de compensação – 21-12-2020 – e aos critérios de imputação legais (consagrados nos arts. 784.º e 785.º, aplicáveis por remissão do art. 855.º do Código Civil), o crédito da Ré/Reconvinte (€ 32.500,00) será imputado, em primeiro lugar, aos juros moratórios do crédito dos Autores/Reconvindos que estavam vencidos em 21-12-2020 e que ascendiam a € 17.413,70; e, depois, a quantia sobrante (€ 15.086,30) será imputada ao capital, extinguindo nessa medida parte da obrigação. Daqui resulta que o valor de capital devido pela Ré/Reconvinte aos Autores ficou reduzido a € 34.913,70, vencendo juros moratórios, à taxa legal, a partir de 21-12-2020; pelo que deverá Ré/Reconvinte ser condenada a pagar aos Autores/Reconvindos a quantia de € 34.913,70, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a partir de 21-12-2020. Subsistindo um crédito dos Autores, sobre a Ré subsiste o direito de retenção dos Autores, para garantia do seu crédito”.

Conforme resulta da definição que fizemos do objeto do recurso, a pretensão da apelante consiste em decisão que atenda à indemnização pela privação do uso do imóvel por período temporal, não apenas desde a resolução do contrato-promessa e até à penhora do imóvel (como se sentenciou), mas sim até à data da reconvenção e desde aí até à desocupação efetiva da fração prometida vender ou até à venda ou adjudicação da mesma. E, por consequência, atentas as quantias/valores resultantes do prolongamento temporal daquela indemnização pela privação do uso, operada a compensação, o crédito dos recorridos extingue-se e o direito de retenção não terá objeto (crédito).

No caso que se aprecia, as partes celebraram um contrato-promessa e, posteriormente, um aditamento, pelo qual, aditamento, foi conferida a posse (as partes chama-lhe posse precária) aos promitentes compradores, aqui recorridos, que passaram a viver no/usar o imóvel prometido. Os recorridos vieram a resolver o contrato-promessa e o tribunal considerou essa resolução lícita (o que a recorrente não impugna no recurso) e, consequentemente, porque os apelados haviam entregue um sinal de 25.000,00€, fixou o seu crédito, relativamente à promitente vendedora no montante correspondente ao dobro do sinal, acrescido de juros. E, além disso, deferiu aos apelados o direito de retenção sobre o crédito – antes da compensação que veio a operar – no valor/ montante antes referido (sinal em dobro e juros moratórios), deferimento esse resultante do disposto nos artigos 755, n.º 1, alínea f) e 442, ambos do Código Civil (CC).

E considerámos, na definição do objeto do recurso, que a impugnação recursória do direito de retenção reconhecido aos autores, se fundava, atentas as conclusões e as normas jurídicas pretensamente violadas pela sentença (artigos 1305[4], 819[5] e 821[6] do CC e 758, n.º 1 do Código de Processo Civil – CPC[7]) na extinção do seu crédito, que a apelante pretende ver declarada, primeiro pelo deferimento da sua pretensão de abranger a privação do uso num prolongamento temporal, além da penhora do imóvel e, assim, noutro montante do crédito reconvindo e, consequente, na (nova) compensação de créditos.

Sem embargo, sempre se reafirma que o direito de retenção do promitente comprador, havendo incumprimento do promitente vendedor e tradição da coisa objeto da promessa tem sido admitido, doutrinária e jurisprudencialmente, não obstante várias críticas e algumas interpretações restritivas[8], e que a alteração introduzida aos n.ºs 1 e 2 do artigo 759 do CC pelo Decreto-Lei n.º 48/2024, de 25 de julho, além de inaplicável ao caso presente[9], não nega essa direito de retenção, mas restringe (aos casos em que o crédito assegura o reembolso de despesas para conservar a coisa imóvel ou aumentar o seu valor) a preferência de pagamento perante os demais credores do devedor e a prevalência sobre a hipoteca, ainda que anteriormente registada[10].

Prosseguindo.

Relativamente aos pedidos reconvencionais, a sentença recorrida denegou a pretensão de entrega do imóvel, formulada pela recorrente. Ao fazê-lo, atendeu a três considerações: A ré é a proprietária do imóvel (1); os autores, ao resolverem o contrato-promessa, e ainda que o tenham feito licitamente, extinguiram esse contrato e deixaram de ter título legítimo para a detenção (ou posse) do imóvel[11], isto independentemente do direito de retenção, que é um “mero – hoc sensu – direito real de garantia” (2); mas o imóvel foi penhorado, e a ré sequer invocou ser a depositária (foram, aliás, os recorridos que foram designados depositários) e, estando penhorado, não assiste à ré o direito de exigir a entrega (3).

Não acompanhamos a segunda consideração, avançada pelo tribunal recorrido na sentença, mas a questão releva em relação à indemnização da privação do uso, pretendida pela recorrente e parcialmente deferida, e que a recorrente quer agora em recurso que seja atendida integralmente, ou seja, em valor superior, pois correspondente a maior tempo de privação. Esta é, aliás, a primeira e principal questão que se coloca no recurso, e que cumpre apreciar.

Sendo correto dizer-se que o direito de retenção é uma garantia especial das obrigações, ou seja, uma causa legítima de preferência no pagamento (artigo 604, n.º 2 do CC), a afirmação de se estar perante um “mero” direito (real) de garantia não traduz a dimensão integral desse direito[12], nem o seu significado próprio. O direito de retenção comporta, no seu efeito imediato, uma função coerciva, ao permitir ao seu titular a recusa da entrega ou restituição de o bem que estava obrigado a entregar. Historicamente, aliás, surge como um “mecanismo de persuasão e de pressão ao cumprimento da obrigação do credor, emergindo, primordialmente, como uma forma de autotutela”[13], função que o artigo 754 do CC não afasta, ao salientar o direito de reter uma coisa certa, coisa essa que se estava obrigado a entregar.

Assim, o direito de retenção não é apenas um direito real de garantia, no sentido de conceder a preferência no pagamento que a lei concede ao seu titular; é, mesmo antes, o direito à recusa de entrega da coisa[14] (até que o credor efetue a prestação conexa).

Admitimos, a propósito da chamada indemnização do dano da privação do uso, seguindo, desde logo, o entendimento mais atual da jurisprudência[15] “que a perturbação do gozo normal de um bem é configurável como um prejuízo patrimonial autónomo, independentemente da demonstração de um específico dano emergente ou lucro cessante”[16].

Simplesmente – diríamos, obviamente – não há dano (da privação do uso) quando não pode haver uso. O proprietário do bem que não é (legitimamente) entregue não tem dano, pois a privação do uso (ou gozo, diríamos) resulta de uma legítima retenção do bem. É que, contrariamente ao que parece resultar da decisão recorrida, “O direito de retenção torna lícita a retenção da coisa que devia ser entregue ao credor da entrega”[17], ou seja, o titular do direito de retenção tem, ou passa a ter, um título legítimo de detenção da coisa e o inerente poder de facto sobre esta.

Mas diz-se – e refere-o a sentença – que o direito de retenção não permite ao seu titular o uso da coisa, sem o consentimento da contraparte.

Assim é, ao menos em princípio[18]. Efetivamente, nos termos do artigo 759, n.º 3 do CC, aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras do penhor aos direitos e obrigações do titular da retenção e, nos termos da alínea b) do artigo 671 do CC, o credor pignoratício é obrigado “A não usar dela [da coisa] sem o consentimento do autor do penhor, exceto se o uso for indispensável à conservação da coisa”.

Sucede que, além de a citada alínea b) do artigo 671 do CC excluir a proibição do uso se este (uso) for indispensável à conservação da coisa, é preciso ter presente que o credor pignoratício (leia-se, no caso, o retentor) deve guardar e administrar a coisa como um proprietário diligente, e reponde “pela sua existência e conservação” (artigo 671, alínea a) do CC).

É certo que o artigo 673 permite ao devedor exigir ao detentor/retentor, nos casos em que a coisa corra o risco de perder-se ou deteriorar-se ou quando o credor use a coisa retida em contrário ao disposto na citada alínea b) do artigo 671 do CC, que aquele preste “caução idónea ou que a coisa seja depositada em poder de terceiro”.

Ora, se é certamente, e no mínimo, duvidoso que um imóvel para habitação seja melhor conservado pelo seu não uso do que pelo seu uso, o certo é que a pretensão do recorrente, não foi, nem é a faculdade concedida pelo artigo 673 do CC: a questão foi, e é, a do dano da privação do uso pelo proprietário, o qual, já se disse, não existe, perante a legítima recusa de entrega, decorrente do direito de retenção.

Assim, concluiríamos que, mesmo no tempo que antecedeu a penhora do imóvel retido, a recorrente, proprietária, não beneficia de indemnização pela privação do uso.

Mas dizemos, “concluiríamos”. Efetivamente, e nessa parte, a decisão transitou em julgado, uma vez que dela não recorreram, sequer subordinadamente, os recorridos. E se salientamos este nosso entendimento, divergente da sentença, é porque dele se retira, assim o pensamos, que igualmente depois da penhora do imóvel a pretensão da apelada é improcedente.

A invocação, pela apelante, do disposto nos artigos 1305, 819 e 821 do CC, enquanto normas violadas na sentença, não acarreta, se bem vemos, qualquer sustentação válida para ser alterado o decidido: é sabido que a apelante é a proprietária do imóvel, mas... sobre esse bem incide um direito de retenção; o disposto nos artigos 819 e 821 do CC, por sua vez, consagram a inoponibilidade dos atos de disposição, oneração ou arrendamento do bem penhorado à execução, ou a inoponibilidade da cessão ou liberação de rendas, o que, salvo o devido respeito nada afeta o sentenciado, tal como irreleva o disposto no artigo 758, n.º 1 do CPC, definidor da abrangência da penhora.

A questão que podia colocar-se é outra. Com efeito, a penhora da coisa retida implicaria, normalmente, a perda da detenção, do poder de facto sobre a coisa, uma vez que que a mesma devia ser entregue ao depositário. Sucede que, no caso presente – e independentemente do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 756 do CPC, que, nesta sede não cabe apreciar – foram exatamente os titulares do direito de retenção que foram nomeados depositários; ora, se é certo que quando “o retentor seja constituído fiel depositário da coisa, sempre terá de a entregar ao adquirente quando este lhe apresentar o título de transmissão”, uma vez que “O direito de retenção só se extingue com a venda executiva[19], dado que o bem é transmitido livre dos direitos de garantia que o oneram”[20], não o tem de fazer antes, nem, naturalmente, ao devedor a quem o direito de retenção é oposto.

Em suma, tendo os recorridos (reconhecidamente) o direito de retenção sobre o imóvel, quer antes, quer depois da penhora do mesmo (na qual foram nomeados depositários) não têm de o entregar à proprietária (apelante) e podem retê-lo. E não há privação do uso desse imóvel (e a decorrente indemnização) se o mesmo é legitimamente retido e não entregue.

Em suma, a apelante não tem qualquer outro crédito sobre os apelados, além do que a sentença, na parte transitada em julgado, reconheceu. Não há que proceder a qualquer modificação dos valores levados à compensação de créditos e o direito de retenção mantém-se, na medida do crédito efetivamente reconhecido (após compensação) aos apelados.

O recurso revela-se improcedente.

A apelante, atento o seu decaimento, é responsável pelo pagamento das custas do recurso – 527 do CPC.

IV - Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto e, em conformidade, confirma-se a sentença apelada.

Custas pela apelante.

Porto, 26.06.2025

José Eusébio Almeida

Ana Paula Amorim

Fernanda Almeida

______________________________

[1] Restringimos o relatório, com síntese, às pretensões formuladas na ação e à definição do seu objeto, na medida em que o objeto do recurso não envolve a matéria de facto fixada em primeira instância e se mostra claramente definido. Dos autos constam documentados os articulados e as decisões (da primeira instância, do Tribunal da Relação, do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional) proferidas nos autos 7438/10.3TBVNG e 10972/10.1TBVNG que, no entanto e nesta sede, não importa repetir.      

[2] Conforme Cláusula Primeira (“Posse da Fração”) do referido aditamento ficou consignado que, com a sua assinatura, os Segundos – aqui autores – “entram na posse precária da fração anteriormente identificada no identificado A, mediante a entrega das respetivas chaves. 2. Mais convencionam que a referenciada posse precária cessa, de forma imediata, no caso de não comparência dos segundos outorgantes [autores] na data e local designados para a outorga do contrato prometido, independentemente de justa causa ou justo impedimento, sem que para o efeito seja necessária qualquer interpelação, devendo os segundos outorgantes entregar à primeira outorgante o imóvel devoluto de pessoas e bens no prazo de oito dias úteis a contar da data da não celebração da Escritura definitiva. 3. Declaram, ainda, os outorgantes atribuírem a este contrato eficácia suficiente para valer como título executivo para entrega de coisa certa”.  

[3] Com, em síntese, o seguinte teor: «Em 15/01/2010 celebrámos contrato promessa de compra e venda com essa sociedade (...) Em 13 de Setembro de 2010 foi celebrado um aditamento ao contrato promessa. (...) Havendo a A..., SA, promovido a marcação da escritura pública para o dia 31 de Agosto de 2010, a mesma não se realizou, por facto que nos não é imputável e que somente tem a ver com essa sociedade (...) nos termos da cláusula quarta do aludido contrato promessa, procedemos à marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 20 de fevereiro de 2012, pelas 9h30 (...) Alertamos que caso a escritura pública não se pudesse realizar por facto imputável a essa sociedade, designadamente por não cancelamento dos ónus existentes para que a moradia pudesse ser vendida livre de ónus e encargos, ocorreria incumprimento definitivo do contrato promessa por essa sociedade, nos termos da lei e da cláusula quinta do contrato promessa. Essa sociedade não entregou qualquer documentação (...)  essa sociedade não só incumpriu o contrato promessa no prazo designado, como expressamente manifesta que não está em condições de o poder cumprir. Os motivos invocados para o não cumprimento do contrato promessa não nos são imputáveis e a eles somos alheios (...) Trata-se, pois, de um incumprimento definitivo dessa sociedade. Em face dessa situação e pelas razões apontadas, vimos, nos termos da cláusula quinta do contrato promessa e da lei, designadamente os artigos 432/1, 436/1, 442 e 808 do Código Civil, proceder à resolução do contrato promessa celebrado, com efeitos imediatos. (...) temos direito a uma indemnização correspondente ao dobro do sinal, ou seja, € 50.000,00. Solicitamos o pagamento dessa importância no prazo de 8 dias a contar da receção desta comunicação. (...) Informamos que, ao abrigo do disposto no artigo 755/1/f do Código Civil, pretendemos exercer o direito de retenção sobre o imóvel objeto do contrato promessa até recebimento daquela importância, caso a mesma não seja paga no indicado prazo».

[4] “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.

[5] “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.

[6] “A liberação ou cessão, antes da penhora, de rendas e alugueres não vencidos é inoponível ao exequente, na medida em que tais rendas ou alugueres respeitem a períodos de tempo não decorridos à data da penhora”.

[7] “A penhora abrange o prédio com todas as suas partes integrantes e os seus frutos, naturais ou civis, desde que não sejam expressamente excluídos e nenhum privilégio exista sobre eles”

[8] Como refere Ana Taveira da Fonseca (Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito, Almedina, 2015, págs. 319 e 321) “A atribuição do direito de retenção ao promitente adquirente foi motivada por fatores conjunturais de ordem política e económica, próprios de uma época em que existia uma elevada inflação, e em que, por essa razão, era frequente os promitentes-alienantes incumprirem o contrato-promessa para transmitirem o bem a um terceiro que lhes oferecesse uma contrapartida superior. (...) subjacente às críticas dirigidas ao regime vigente está não tanto a bondade do reconhecimento de um direito de retenção ao promitente-adquirente, mas o facto de este constituir um direito real de garantia, não sujeito a registo, que prevalece sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido constituída antes do direito de retenção (art. 759.º, n.º 2)”.    

[9] Nos termos do artigo 3.º do citado diploma legal, este (apenas) se aplica “aos direitos de retenção que sejam constituídos após a sua entrada em vigor”, ou seja, constituídos 30 dias após a sua publicação (artigo 4.º).   

[10] A propósito e com desenvolvimento, Isabel Cristina Vasconcelos, Hipoteca e Direito de Retenção em face da Insolvência do Promitente-Vendedor – Atulizado à luz do Decreto-Lei 48/2024, de 25 de julho, Almedina, 2025, em especial, págs. 35/53; 95/98 e 101/104. 

[11] Importa dizer que a entrega da coisa (veja-se aí uma verdadeira posse ou a mera detenção dela) “não poderia nunca advir do contrato-promessa que, por natureza, se limita a prever futuras prestações de facto jurídico: antes postulava uma cláusula atípica, expressa no texto escrito ou concluída oralmente a latere e com o conteúdo indicado” – António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VII – Direito das Obrigações (4.ª Reimpressão do tomo II da parte II de 2010), Almedina, 2021, pág. 390. Tenha-se presente, por outro lado, que, relativamente ao direito de retenção, como em relação a qualquer outro direito, “a posse protege apenas a exteriorização de um direito que se processe mediante a atuação sobre uma coisa corpórea. Os direitos não são objeto de posse (José Alberto Viera, A Posse, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 560). Mas, por outro lado, e por último, “Se se circunscrever o âmbito da posse aos direitos reais de gozo, facilmente se concluirá que o retentor é um mero detentor. Solução diferente advirá de se integrar no conceito de posse os direitos reais de garantias que conferem ao seu titular um poder de facto sobre a coisa. Todavia, ainda que se considere que o retentor é um mero detentor, este sempre gozará dos meios de defesa da posse por força da remissão operada pelos arts. 758º, n.º 3 e 759º para o 670º, al. a). Por outro lado, mesmo que a retenção seja qualificada como uma situação de posse, nunca será possível a aquisição do direito por usucapião (art. 1287º) – Ana Taveira da Fonseca, Da recusa de Cumprimento... cit., pág. 287. No caso presente, irreleva a opção dogmática que distinga a situação de posse, incapaz de conduzir à usucapião ou a situação de detenção, com prorrogativas de defesa da posse.             

[12] Como refere Luís A. Carvalho Fernandes (Lições de Direitos Reais, 6.ª edição (reimpressão), Quid Juris, 2010, pág. 163), “Em sentido próprio, consignado no art. 754.º, o direito de retenção traduz-se na faculdade de alguém, que está obrigado a entregar certa coisa, a poder manter em seu poder enquanto, por seu turno, não for pago de um crédito que tem sobre o titular dessa coisa, resultante de despesas feitas com ela ou danos por ela causados. Para além disso, o credor titular do direito de retenção pode pagar-se à custa dela com preferência sobre os demais credores” (sublinhado nosso). A. Santos Justo, por sua vez, não deixa de referir o aspeto compulsório do direito de retenção: “Ainda que revista um aspeto compulsório, o direito de retenção é considerado, pelas suas caraterísticas da inerência, sequela e prevalência, um direito real de garantia” (Direitos Reais, 8.ª edição, Quid Juris, 2023, pág. 561).   

[13] Mariana Coimbra Piçarra, “O direito de retenção do promitente-comprador: algumas reflexões”, in Revista Julgar, n.º 34, Almedina, 2018, págs. 13/34, a pág. 14. 

[14] Como escreve Rui Pinto Duarte (Curso de Direitos Reais, 4.ª edição revista e aumentada, Principia, 2020, pág. 430) “é o direito concedido pela lei a um credor que detém uma certa coisa que o devedor tem direito a receber consistente na faculdade de a reter enquanto não for pago, bem como na faculdade de se fazer pagar por força da sua venda judicial” (sublinhado nosso). José Alberto González (Direitos Reais, 5.ª Edição, Quid Juris, 2015, pág. 71) esclarece que “é o direito de o credor suster a entrega de determinada coisa, não a restituindo licitamente (funcionando, nesta medida, como uma causa de exclusão da ilicitude na responsabilidade contratual) a quem teria o direito de pretender a sua devolução ou cedência”. Por sua vez, Francisco Liberal Fernandes (Direitos Reais, GestLegal, 2024, pág. 425) define o direito de retençãocomo “poder de o detentor de uma coisa (móvel ou imóvel) não a entregar a quem lha pode exigir enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito perante aquele”.    

[15] Mafalda Miranda Barbosa (“Entre a Ilicitude e o Dano”, in. Novos Desafios da Responsabilidade Civil – Atas das II Jornadas Luso-Brasileiras de Responsabilidade Civil, Instituto Jurídico/Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, págs. 219 e ss., a pág. 255) “O dano da privação do uso tem sido aceite de forma mais ou menos generalizada pela doutrina e jurisprudência”.

[16] Daniel Bessa de Melo, Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2025, pág. 25.

[17] Ana Taveira da Fonseca, Da Recusa do Cumprimento... cit., pág. 363.

[18] Dizemos, “em princípio”, porquanto Júlio Gomes, ainda que em termos interrogativos, avança a possibilidade de, permitindo a detenção a invocação da retenção, poderia esta “ser acompanhada da mesma faculdade de uso que já se verificava ao tempo da primeira” (“Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz...)” in Cadernos de Direito privado, n.º 25, janeiro/março de 2005, págs. 3 e ss., a págs. 19/20) 

[19] A caducidade dos direitos reais de garantia, de todos eles e concretamente do direito de retenção, não é uniformemente aceite na doutrina, mas é o entendimento mais consensual, atenta a letra e a razão de ser do n.º 2 do artigo 824 do CC – V. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 8.ª Edição, GestLegal, 2024, pág. 405 e nota 20A, na mesma pág.

[20] Ana Taveira da Fonseca, Da Recusa do Cumprimento... cit., págs. 290/291.