ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
ACOMPANHANTE
ESCOLHA
CRITÉRIOS
Sumário

I - A lei privilegia a escolha do acompanhante pelo beneficiário do acompanhamento, quando este, por qualquer meio, mas de forma consciente e esclarecida, expresse a sua vontade.
II - Na ausência de manifestação dessa vontade, deve o juiz recorrer aos critérios supletivos previstos no artigo 143.º, n.º 2 do Código Civil, nomeando a pessoa que, de acordo com a prova recolhida, melhor assegure os imperiosos interesses do beneficiário do acompanhamento, só devendo ser removido do cargo quando, de forma grave, viole algum dos deveres funcionais a ele inerentes.

Texto Integral

Processo n.º 835/21.0T8VFR-A.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo Local Cível de ...

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

Por sentença de 27 de Junho de 2022, ainda não transitada em julgado, foi julgada procedente a acção de acompanhamento de maior a favor AA, nascido a ../../1936, sendo decretadas as seguintes medidas:

I – Atribuir-se o poder de representação geral e de administração total de bens do beneficiário, em conformidade com o disposto nos artigos 138.º e 145.º, n.º 2, al.ªs b) e c), e n.º 4, do Código Civil, ao acompanhante, incluindo o de movimentação de contas bancárias até ao montante de € 3.500,00 mensais, cujo valor será actualizado anualmente a partir de 1 de Janeiro de cada ano em função da respectiva taxa de inflação;

II – Vedar-lhe o direito de contrair casamento, perfilhar e para testar, conforme resulta do disposto nos artigos 1601, al. b), 1850.º, n.º 1, e 2189.º, al. b), do Código Civil, com as alterações resultantes da redacção que lhes foi introduzida pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, bem como o de constituir união de facto, de recorrer à procriação medicamente assistida (cfr. art. 6.º, n.º 2, da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, com a redacção ora introduzida) e de adoptar, de se deslocar, sozinho, no país ou no estrangeiro, fixar domicílio e residência e de celebrar negócios da vida corrente.

A mesma sentença nomeou para acompanhante BB, irmão do acompanhado.

Para o conselho de família foi nomeada a requerente CC, filha do beneficiário do acompanhamento, que “sempre preservou uma relação de proximidade com o Requerido e procurou assegura-lhe os cuidados de que este carecia durante mais de vinte anos, continuando actualmente a prestá-los, além de DD, também filho do acompanhado, “face à vontade manifestada em zelar pelo bem-estar do progenitor e de molde a permitir uma situação de equilíbrio”.

Determinou-se ainda que se “comunique ao Banco de Portugal e à sua congénere espanhola (Banco de España) e às instituições bancárias de que o Requerido seja titular que deverão ser bloqueadas quaisquer tentativas de levantamentos das importâncias que se encontrem aí depositadas e excedam o valor mensal de €3.500,00, sem autorização prévia do Tribunal, cabendo apenas ao acompanhante, Dr. BB, autorização para movimentar as mesmas até ao referido montante”.

Da sentença em causa foi interposto recurso para o Tribunal da Relação, achando-se ainda pendente recurso para o Tribunal Constitucional.

Entretanto, o Requerido AA formulou requerimento no processo pelo qual pede:

a) a imediata destituição do cargo de acompanhante provisório de BB;

b) a nomeação conjunta da filha EE e do filho FF, com poderes para contratar aconselhamento fiscal em Espanha;

c) a notificação ao Fisco Espanhol, por parte do tribunal a comunicar que o acompanhado não tem capacidade de querer e entender, que quem respondeu não tinha poderes para o fazer, que o acompanhado não foi devidamente notificado no processo fiscal e indicar os novos acompanhantes;

d) a notificação do Sr. BB a solicitar o que fez aos dinheiros existentes nas 4 contas do Banco 1..., como o fez, juntando os requerimentos que apresentou ao Banco 1... e onde estão esses valores; e

e) a notificação ao Banco 1... para informar porque procederam ao cancelamento daquelas 4 contas, quais os documentos que instruíram esse pedido e qual o seu destino.

Para tanto, alegou que o acompanhante provisório devia ter imediatamente comunicado ao tribunal e aos herdeiros os procedimentos do Fisco Espanhol e pedir instruções, o que não fez, ocultando tudo ao tribunal, o que fez sucessivamente, não juntando documentos, após a notificação da abertura do procedimento fiscal, constatando-se a inércia daquele.

Salienta, por isso, que qualquer pessoa avisada teria imediatamente, em Maio de 2023, avisado o tribunal e os herdeiros do sucedido, juntado toda a informação e comunicações recebidas, bem como solicitado poderes para procurar em Espanha acompanhamento fiscal; contudo, ocultou o sucedido, vindo pedir urgência para disponibilizar dinheiro, pelo que este seu comportamento deverá ter consequências imediatas, atenta a sua incompetência.

Mais a mais, o acompanhante provisório, de forma oculta, há mais de um ano, em 18.07.2023 e 15.12.2023, sem informar ninguém procedeu ao cancelamento das contas bancárias de que o requerido era titular no Banco 1..., desconhecendo-se o que terá feito aos valores e para onde os transferiu sendo certo que aí encontravam-se depositados mais de 4.000.000,00 €.

Notificados, os Requerentes arguiram que, através de comunicações trocadas entre o acompanhante provisório e o filho do requerido, DD, este teve sempre conhecimento das diligências desenvolvidas, referentes à gestão de processos fiscais, com o sistema português e espanhol, não tendo a filha EE facultado o seu email para o efeito.

Outrossim, acrescentam que as contas bancárias não foram sonegadas ou escondidas, sendo que apenas o requerido foi titular das contas existentes do Banco 1..., não tendo existido qualquer acto de cancelamento ou limitação pelo acompanhante ao acesso de GG, até então autorizada na mesma conta.

O acompanhante nomeado, BB, em resposta, declarou que não ordenou o cancelamento de quaisquer contas e explicou que as únicas interações que teve com o “Banco 1...” em Espanha limitaram-se ao recebimento anual das declarações com indicação dos juros creditados, contas e saldos em 31 de Dezembro de cada ano, documentos suporte para preenchimento do anexo J da declaração de IRS do requerido e constituição de depósitos a prazo dos valores à ordem.

Acrescentou que o “Banco 2...” já lhe comunicou que não permitirá a constituição de novos depósitos a prazo pelo que todo o dinheiro do requerido se encontra à ordem desde o vencimento do último depósito a prazo.

Juntou os extractos que obteve.

Em resposta, o requerido por requerimento com a referência 17133580 de 06.01.2025, pediu que se notifique o “Banco 1...” em Espanha para informar:

- se as 4 contas identificadas em 12/11/2024 em que figura como titular GG, eram tituladas exclusivamente por esta ou tinha AA como co-titular e, em caso de resposta positiva para informar quem cancelou estas contas.

- se as 4 contas que BB identificou no Anexo A, são as mesmas que existiam à data de 31/12/2020 e 31/12/2021 ou se existiam mais contas em nome do requerido e que valores existiam àquelas datas e à data actual.

- Que valores e aplicações existem à data de hoje no Banco 1..., em nome do acompanhado.

Foi proferida decisão que indeferiu o pedido de remoção de BB do cargo de acompanhante provisório e a sua substituição, sendo ainda indeferidas as demais diligências pedidas pelo Requerido.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs o acompanhado recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

I – O Acompanhante provisório (AP) deve ser imediatamente exonerado.

II – Por requerimento de 11/11/2024, o acompanhado, conhecedor da existência de um processo fiscal espanhol contra o acompanhado, dado a conhecer pelo AP em 28/10/2024, verificou que o AP

a) Não informou nem o Tribunal, nem os filhos, nem o acompanhado, por mais de um ano da existência de um processo fiscal instaurado pelo Estado Espanhol, contra o acompanhado!

b) Não informou nem o Tribunal, nem os filhos, nem o acompanhado, por mais de um ano da existência de um processo fiscal Instaurado pelo Estado Português, contra o acompanhado

C) fez-se passar por representante do acompanhado no processo fiscal espanhol, sem ter poderes para tal, em processos de elevado valor patrimonial o acompanhado, com resultados dramáticos;

D) não apresentou contestação, não colheu aconselhamento jurídico e fiscal em Espanha e o acompanhado sem saber de nada foi condenando em pagamento de Impostos sobre o património que nunca havia pago.

III – Após a resposta dos 4 requerentes, em nome do AP, verificou-se outro comportamento ainda mais gravoso:

- aproveitou-se do seu cargo e exigiu pagamentos de dívidas não tituladas alegadamente devidos pelo acompanhado, a um seu filho para lhe dar informações

IV – Transcreve-se o que foi escrito em email de 2/11/2023 pelo acompanhante provisório ao filho DD:

“ A informação sobre os processos fiscais será enviada caso estejam preenchidas as seguintes condições:

a) Reembolso das despesas suportadas por mim até esta data, uma vez que, estando as cotas bloqueadas pelo facto de a sentença da minha nomeação como acompanhante não ter transitado em julgado, eu não tenho conseguido o reembolso bancário;

b) Pagamento dos meus honorários relativo ao tratamento da situação fiscal do vosso pai (em ESPANHA e PORTUGAL), desde 2011 (13 anos até agora).

V – O tribunal limitou-se a constatar que o AP não tinha poderes para representar o acompanhado, ignorou e omitiu a denuncia de chantagem do AP a um filho do acompanhado e laconicamente sem mais nenhuma consideração, limitou-se a concluir não haver qualquer censura ao comportamento do AP, sem se pronunciar concretamente pelos factos denunciados.

VI – Ocorreu nulidade da sentença porque o Tribunal não se pronunciou sobre este comportamento denunciado – chantagem – que suporta entre outros os pedidos de destituição do AP pendente na Relação do Porto

VII – Aparentemente o Tribunal a quo entende não merecer qualquer censura o AP

- Não informar por mais de uma ano a existência de um processo fiscal instaurado pelo Estado Espanhol, contra o acompanhado

- Não informar por mais de uma ano a existência de um processo fiscal instaurado pelo Estado Português, contra o acompanhado

- aproveitar-se do seu cargo e exigir pagamentos não titulados alegadamente devidos pelo acompanhado, a um seu filho para lhe dar informações

- representar em processos de elevado valor patrimonial o acompanhado, sem ter poderes para o fazer.

Para o acompanhado afigura-se inultrapassável a gravidade do comportamento do AP.

VIII – Ora entende o acompanhado que o AP não se porta como um bom pai de família, falta ao cumprimento dos seus deveres, revela uma inaptidão gritante e age em manifesto conflito de interesses com o próprio acompanhado.

IX – Atentas as disposições previstas nos artigos 146, 150 e 1948 do CC este senhor não pode continuar a representar o acompanhado, porque é incompetente, porque é ligeiro e omissivo e porque é indigno, atento os comportamentos denunciados e provados por documentos

Pelo que urge que seja dado provimento ao presente recurso e assim

A – a imediata destituição do cargo de acompanhante provisório, do Sr BB

B – a nomeação conjunta da filha EE e do filho FF, com poderes para contratar aconselhamento fiscal em Espanha;

C – A notificação ao FE, por parte do Tribunal a comunicar que o acompanhado não tem capacidade de querer e entender, que quem respondeu o Sr BB não tinha poderes para o fazer, que o acompanhado não foi devidamente notificado no processo fiscal e indicar os novos acompanhantes;

D – notificar o AP para vir aos autos informar que processo existe contra o acompanhado, a correr por iniciativa do Fisco Português.

Fazendo-se a verdadeira e sã Justiça!”.

O acompanhante apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocada pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- se a sentença padece de nulidade;

- se o acompanhante deve ser destituído e substituído no cargo.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos/incidências processuais relevantes para o conhecimento do objecto do recurso são os descritos no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1. Da invocada nulidade da decisão recorrida.

Dispõe o n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil:

“ É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

A nulidade da sentença - ou de despacho[1] - constitui vício intrínseco da decisão, desde que ocorra alguma das circunstâncias taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que, pela sua gravidade, comprometem a sentença ou o despacho qua tale.

Como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[2], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[3].

Sustenta o apelante que a decisão que impugna por via recursiva padece de nulidade por omissão de pronúncia, alegando que “não se pronunciou sobre este comportamento denunciado – chantagem – que suporta entre outros os pedidos de destituição do AP pendente na Relação do Porto”.


O artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil correlaciona-se com o estatuído no n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma legal, onde se determina que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. O vício tipificado na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre quando haja falta de apreciação de questão que o tribunal devesse conhecer, cuja resolução não tenha ficado prejudicada por solução dada a outras.
Exige-se, com efeito, uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão deduzida.
Como esclarecia Anselmo de Castro, ainda no âmbito da aplicação da pretérita lei adjectiva[4], «o vício relaciona-se com o dispositivo do art.° 660.°, n.° 2.° e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, como nesse preceito se dispõe.
A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a “fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sobre os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”.
E Alberto dos Reis[5] já alertava que não se pode confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões: "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."
Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, apenas deve conhecer destas e das que oficiosamente lhe caiba conhecer[6].
No caso em apreço, nenhuma questão ficou por apreciar.
De facto, a decisão impugnada conheceu de todas as pretensões formuladas pelo acompanhado (exoneração do acompanhante e sua substituição e demais diligências requeridas), indeferindo-as.
Não tinha aquela decisão de se pronunciar especificamente acerca de argumentos, ou considerações invocadas pelo acompanhado para justificar as pretensões deduzidas, designadamente sobre o comportamento do acompanhante que rotula de chantagem.
Assim, claramente não padece a decisão recorrida do vício denunciado pelo apelante.
Por conseguinte, improcede, nesta parte, o recurso.
2. Do mérito da decisão recorrida.
Sob a epígrafe Acompanhante, prescreve o artigo 143.º do Código Civil:
“1. O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.
2. Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores;
f) A qualquer dos avós;
g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;
i) A outra pessoa idónea.
3. Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores”.
O preceito citado enuncia os critérios legais atendíveis para a nomeação judicial do acompanhante, devendo tal nomeação recair sobre pessoa de maioridade e no exercício pleno dos seus direitos e devendo o cargo ser deferido à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
Determinante para a nomeação do acompanhante é a vontade do beneficiário do acompanhamento, quando por ele expressa, de forma consciente e esclarecida.
Deve-se, assim, conferir preferência à vontade do acompanhado quando ele possa exprimir essa vontade nos apontados moldes, e desde que o faça.
Não ocorrendo tal circunstancialismo, a nomeação terá de nortear-se pelos critérios supletivos convocados pelo n.º 2 do citado normativo.
Com efeito, como sublinha o acórdão da Relação do Porto de 24.10.2019[7] “[e]ste é o critério supletivo a observar pelo tribunal, o que significa que o rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 143.º do Código Civil é meramente exemplificativo – «designadamente» refere o texto da norma – e, sobretudo, que a sequência pela qual eles são indicados não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal, sem prejuízo de a ordem seguida revelar uma graduação influenciada por regras da experiência e ser por isso atendível.
Na decisão em que define as medidas de acompanhamento o juiz designa o acompanhante. O juiz pode designar vários acompanhantes com diferentes funções, especificando as atribuições de cada um., tal como pode ainda designar um acompanhante substituto (artigo 980.º do Código de Processo Civil).
A finalidade do acompanhamento do maior é o seu bem-estar e a sua recuperação, razão pela qual a escolha do acompanhante e o exercício da função do acompanhante deve nortear-se sempre pela salvaguarda do interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação”
Diz-se ainda no acórdão da Relação do Porto de 26.09.2019[8]: “…a designação judicial do(s) acompanhante(s) deve estar igualmente centrada na pessoa maior que em concreto, e não em abstracto, vai ser legalmente acompanhada, concluindo-se que aquela está em melhor posição para assumir as funções de acompanhamento legal, o que passa por: (i) assegurar as medidas de apoio que foram determinadas pelo tribunal; (ii) prestar-lhe os cuidados devidos, atento o respectivo contexto pessoal, social e ambiental; (iii) participar juridicamente na representação legal determinada pelo tribunal; (iv) assegurar em todos os domínios a vontade e os desejos da pessoa acompanhada, tanto a nível pessoal, como patrimonial, que não foram judicialmente reservados ou restringidos.”
E extrai-se do sumário do acórdão da mesma Relação de 27.09.2022[9]: “O acompanhamento terá por fim assegurar o bem estar do beneficiário, o pleno exercício dos seus direitos e a salvaguarda do seu interesse, que o legislador classificou como “imperioso”, designadamente para o distinguir de outros interesses, designadamente os daqueles que possam ser designados como acompanhantes”.
No caso dos autos, para as funções de acompanhante do beneficiário do acompanhamento, AA, foi nomeado o seu irmão, BB.
Para tanto, considerou a sentença que decretou a medida de acompanhamento que a “relação de conflito entre os filhos, centrada mais nos seus interesses pessoais do que primordialmente salvaguardar a condição clínica do pai”, aconselhava que se elegesse para essas funções alguém fora desse núcleo familiar mais restrito, recaindo a nomeação sobre o identificado irmão do acompanhado “não apenas por manter uma posição equidistante sobre os interesses pessoais patenteados pelos filhos do Requerido, mas porque também foi a pessoa em quem o Requerido sempre se socorreu para o ajudar a administrar o seu património, tanto assim que lhe deu pleno conhecimento dos montantes que tinha depositados em diversas instituições bancárias, que até então os filhos desconheciam”.
Porém, como era expectável nestas circunstâncias, tal decisão não foi acatada por todos os interessados, tendo a mesma sido impugnada recursivamente, o que obstou à formação de caso julgado.
Não tendo a sentença, por conseguinte, transitado em julgado, achando-se pendente recurso no Tribunal Constitucional quando a decisão recorrida foi proferida, implicou tal circunstancialismo que o acompanhante não tivesse podido assumir o exercício normal das funções próprias do cargo para o qual foi nomeado, providenciando, designadamente, pela gestão do valioso património do acompanhado, promovendo, no âmbito de tal gestão, as diligências necessárias para o efeito junto das autoridades tributárias espanhola e portuguesa.
Recorde-se que, em virtude da sentença que decretou a medida de acompanhamento de AA e que nomeou o seu irmão, ora apelado, para o cargo de acompanhante não haver transitado em julgado, mas tornando-se indispensável a adopção de medidas cautelares que, designadamente, pudessem garantir o pagamento das despesas com o sustento e cuidados médicos do beneficiário do acompanhamento, foi, ao abrigo do artigo 891.º, n.º 2 do Código de Processo Civil decretada medida cautelar de autorização de movimentação das suas contas bancárias, até ao limite de € 3.500,00 por mês, deferindo essa autorização provisória ao acompanhante nomeado, BB.
Tal significa que os poderes do acompanhante se limitam, enquanto não ocorre o trânsito em julgado da sentença que o nomeaou, à autorização conferida no âmbito da dita medida cautelar[10], não podendo ir além dela.
E, não podendo exercer em plenitude os poderes inerentes ao cargo de acompanhante para o qual fora nomeado, precisamente por tal decisão não haver transitado em julgado, não lhe cabia tomar quaisquer providências junto do Fisco espanhol ou da Autoridade Tributária portuguesa, até porque tal lhe estava vedado.
Não lhe pode, por isso, ser assacada qualquer responsabilidade pela inércia apontada pelo recorrente, não tendo o mesmo omitido qualquer dever funcional de diligência que lhe fosse exigível, porquanto, mais uma vez se relembra, os seus poderes estavam limitados à autorização para a movimentação de contas bancárias de que o acompanhado era titular, até ao montante de € 3.500,00 por mês, e, quanto ao exercício destes limitados poderes, nenhuma falha lhe é apontada.
Ainda que o acompanhante pudesse, eventualmente, ter omitido informações, como que lhe é imputado pelo recorrente – e nem sequer é seguro que o mesmo haja sonegado essas informações -, não recaía sobre ele dever de as prestar pois que, insiste-se, de outros poderes não dispunha para além dos conferidos através da medida cautelar decretada.
E também porque assim é, nenhuma consequência poderá advir da sua conduta que o recorrente rotula de chantagem.
Não se vislumbra, pois, na actuação do acompanhante qualquer violação de deveres funcionais inerentes ao cargo para o qual foi nomeado que justifique a sua destituição ou remoção desse mesmo cargo.
A pretendida remoção do acompanhante e a sua subsequente substituição constitui, ao que tudo indica, forma de impedir o exercício do cargo para o qual foi nomeado, a que o recorrente sempre se opôs, e, ao que parece, até hoje sem sucesso.
Quanto às diligências requeridas, designadamente em relação ao Fisco espanhol, reitera-se aqui, por merecerem inteira adesão, os fundamentos invocados no despacho recorrido para justificar o seu indeferimento.
Improcede, consequentemente, o recurso, mantendo-se o decidido.

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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam as juízes desta Relação em julgar improcedentes o recurso do apelante, confirmando o despacho recorrido.

Custas – pelo apelante: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 26.06.2025

Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.

Judite Pires

Maria Manuela Machado

Francisca Micaela da Mota Vieira



______________________
[1] Artigo 613.º, n.º 3 do Código de Processo Civil
[2] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[4] “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 142.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 1981, pág. 143.
[6] Artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[7] Processo n.º 887/18.0T8PVZ.P1, www.dgsi.pt.
[8] Processo n.º 13569/17.1T8PRT.P1, www.dgsi.pt
[9] Processo n.º 2506/19.9T8AVR.P1, www.dgsi.pt.
[10] Sendo que outras autorizações cautelares lhe vieram a ser deferidas a 14.02.2025, data em que também foi proferido o despacho aqui sindicado.