APOIO JUDICIÁRIO
INDEFERIMENTO
IMPUGNAÇÃO
Sumário

I - O tribunal onde se encontra pendente a ação judicial para que foi pedido o apoio judiciário só tem competência para apreciar as questões relativas a alegados vícios de procedimentos administrativos, como é o caso dos autos, em que os réus alegam falta de notificação pela Segurança Social da decisão de indeferimento de apoio judiciário, a partir do momento em que recebe a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário e só em sede de impugnação judicial pode o tribunal apreciar aquelas questões.
II - Enquanto não for recebida impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário não cabe ao tribunal judicial onde se encontra pendente a ação judicial para que foi pedido o apoio judiciário, qualquer dever de fiscalização dos atos e ou omissões ocorrido no procedimento administrativo onde está a ser apreciado o requerimento de apoio judiciário

Texto Integral

Processo: 629/24.1YLPRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - ...

Relator. Francisca da Mota Vieira

1º Adjunto. José Manuel Monteiro Correia

2º Adjunto. Paulo Duarte Mesquita Teixeira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

1.A..., S.A. apresentou junto do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (de agora em diante, “BAS”) um procedimento especial de despejo contra AA, BB e CC, requerendo a desocupação da fração autónoma designada pela letra “BN”, destinado a habitação, correspondente à habitação no rés-do-chão esquerdo traseiras, do Bloco Nascente, com entrada pelo n.º ...79..., lugar de garagem na cave, devidamente assinalado com a respetiva letra, com entrada pelo n.º ...29, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, assim como o pagamento das rendas vencidas e vincendas não pagas, acrescidas de juros de mora.

2. Regularmente notificados, os Requeridos no dia 10.07.2024 apresentaram nos autos comprovativo de terem pedido de proteção jurídica com nomeação de patrono.

3.A 03.02..2025 foi junta aos autos informação do ISS com o seguinte teor relativamente aos três requeridos:

“O Centro Distrital do Porto vem informar V. Ex.ª de que o requerimento de apoio judiciário supra referenciado, foi objeto de uma proposta de decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento em 2024-12-03

A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implicou a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva (indeferimento), e ocorrendo tal no 1.º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta, com imediata

comunicação ao Tribunal onde se encontre pendente a ação judicial (se for o caso), não se procedendo a qualquer outra notificação, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 23º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto e do art.º 119º do Código do Procedimento Administrativo.

Cumpre informar que, dispõe o n.º 2 do artigo 249.º do CPC que a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou o domicílio escolhido para o efeito de a receber, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do n.º1 do artigo citado.

A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

Assim, decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhe era solicitado, o requerente nada disse, pelo como expressamente refere o nosso ofício, foi o seu pedido considerado indeferido.

Vimos também informar de que ate a presente data não deu entrada neste serviço, qualquer pedido de impugnação judicial referente ao processo mencionado.”

4. Em observância do disposto no art. 15.º-E, n.º 1, alínea a) da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano (doravante, “NRAU”), o BAS converteu o requerimento de despejo em título para desocupação do locado.

5. No dia 03.04.2025 foi proferida decisão judicial, nos termos do art. 15.º-EA, n.º 1, alínea a) do NRAU, cujo Dispositivo se reproduz:

a) Condena-se os Requeridos AA, BB e CC a desocupar, de imediato, a fração autónoma designada pela letra “BN”, destinado a habitação, correspondente à habitação no rés-do-chão esquerdo traseiras, do Bloco Nascente, com entrada pelo n.º ...79..., lugar de garagem na cave, devidamente assinalado com a respetiva letra, com entrada pelo n.º ...29, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia e a entregá-la livre e devoluta de pessoas e bens à Requerente A..., S.A.;

b) Autoriza-se a entrada imediata no imóvel indicado em a) para cumprimento da presente decisão judicial, tendo os Requeridos AA, BB e CC o prazo de 30 (trinta) dias para proceder à entrega do imóvel à Requerente A..., S.A. (art. 15.º-EA, n.º 5 e 15.º-I, n.º 11 do NRAU), sem prejuízo de poderem acordar prazo diferente para o efeito (art. 15.º-I, n.º 12 ex vi art. 15.º-EA, n.º 5 do NRAU);

c) Condena-se os Requeridos AA, BB e CC a pagar à Requerente A..., S.A. a quantia de 3.600,00€ (três mil e seiscentos euros), a título de rendas vencidas à data da instauração do presente procedimento especial de despejo (art. 15.º-EA, n.º 3 do NRAU), acrescida de juros vencidos à taxa de 4% (quatro por cento), desde a data de vencimento das rendas e até efetivo e integral pagamento;

d) Condena-se os Requeridos AA, BB e CC a pagar à Requerente A..., S.A. as rendas que se venceram desde a data da entrada do procedimento especial de despejo até à data de entrega efetiva do imóvel indicado em a) (art. 15.º, n.º 10 do NRAU), acrescida de juros à taxa de 4% (quatro por cento), desde a data de vencimento das rendas e até efetivo e integral pagamento.


*

Consigna-se que o Agente de Execução ou Solicitador poderá solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais sempre que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efetivar a posse do imóvel (art. 15.º-J, n.º 3 do NRAU).

A desocupação do locado deverá ser feita entre as 7 (sete) e as 21 (vinte e uma) horas, devendo o Agente de Execução entregar cópia da decisão judicial a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, o qual pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança que, sem delonga, se apresente no local (art. 15.º-J, n.º 4 do NRAU).

6. Os requeridos foram notificados da sentença e no dia 24.04.2025 juntaram procuração tendo interposto recurso de apelação da sentença, reproduzindo-se aqui as Conclusões na parte que releva:

(… ) II.Os Recorrentes foram citados, no âmbito da presente ação de despejo e pagamento de rendas, intentada pela Recorrida, com trâmite no Balcão do Arrendatário e do Senhorio.

III. Em 05.07.2024, e por não disporem de meios económicos, os Recorrentes requereram apoio

judiciário nas modalidades de “dispensa de taxas de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “nomeação e pagamento da compensação de patrono” – cfr. doc. 1 já junto.

IV. Tal pedido teve como consequência legal imediata a suspensão do processo, conforme previsto no artigo 25.º, da Lei n.º 34/2004, de 27.09 e alterações subsequentes.

V. A 30.09.2024, os Recorrentes AA e BB foram notificados pela Segurança Social para prestação de elementos adicionais no âmbito do pedido de apoio, a que responderam, através da aqui Signatária, em nome dos Recorrentes – cfr. doc. 2 já junto.

VI. Contudo, não houve mais qualquer notificação – nem no seguimento da resposta apresentada, nem quanto à decisão final do pedido de apoio.

VII. A Recorrente Denise, por seu lado, nunca recebeu qualquer notificação, nem para juntar elementos, nem de qualquer decisão, até ser surpreendida com a Sentença proferida.

VIII. Os Recorrentes apenas tomaram conhecimento de que os pedidos de apoio judiciário tinham sido indeferidos após consulta ao processo, e já depois da prolação da Sentença.

IX. Tal circunstância causou-lhes legítima surpresa e indignação, porquanto confiavam na tramitação normal do apoio jurídico requerido e nas notificações legais obrigatórias.

X. Verifica-se, assim, uma clara violação do Direito ao acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º,das CRP.

XI. Com efeito, a não apresentação de oposição à ação não resulta de inércia ou desinteresse dosRecorrentes, mas sim da ausência de notificação da decisão de indeferimento, o que comprometeu o pleno exercício do seu direito de defesa.

XII. Nos termos do artigo 24.º ns.º 4 e 5, da Lei n.º 34/2004, da Lei n.º 34/2004, de 27.09 e alterações subsequentes, o prazo processual interrompido só se reinicia: a) com a notificação da nomeação do patrono; ou b) com a notificação ao requerente da decisão de indeferimento.

XIII. Tal notificação nunca foi realizada nos termos legais.

XIV. Acresce que, nos termos do artigo 112.º, do CPA, a prova da notificação não pode consistir em mera menção ou declaração da entidade notificadora, exigindo-se a junção do comprovativo da notificação formal.

XV. Tal documento não consta dos autos, pelo que o Tribunal a quo não poderia ter dado por reiniciado o prazo processual, nem proferido Sentença com base na ausência de oposição dos Recorrentes.

XVI. Ao assim decidir, o Tribunal violou o disposto nos artigos:

a) 24.º n.º 5 al. b) e 26.º n.º 1, ambos da Lei n.º 34/2004, de 27.09 e alterações subsequentes;

b) 112.º, do CPA e,

c) sobretudo, o artigo 20.º, da CRP.

XVII. Pelo que se impõe a revogação da Sentença recorrida e a anulação de todos os atos processuais subsequentes, com reinício do prazo para contestação após o trânsito em julgado do Acórdão que vier a ser proferido no presente recurso.

Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência ser revogada a Sentença recorrida.

7. Não foram apresentadas contra -alegações.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

As conclusões das alegações de recurso definem o seu objecto e o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão seguinte:

.Apreciar e decidir se ocorreu na tramitação do processo nulidade processual que foi revelada aos recorrentes com a notificação da sentença, tornando-a nula por excesso de pronúncia 615º nº 1, al. d CPC

III. FUNDAMENTAÇÃO .

3.1.Os factos que relevam são aqueles que foram descritos no relatório bem como aqueles que foram julgados provados na sentença recorrida e que aqui se reproduzem:
1. No dia 31 de março de 2023, a Requerente e os Requeridos subscreveram um documento que denominaram como “CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE PRÉDIO URBANO PARA FINS HABITACIONAIS”, no qual a Requerente cedeu o gozo da fração autónoma designada pelas letras “BN”, destinado a habitação correspondente ao rés-do-chão esquerdo traseiras, do Bloco Nascente, com entrada pelo n.º ...79..., lugar de garagem na cave, devidamente assinalado com a respetiva letra, com a entrada pelo n.º ...29, sito na Rua ..., freguesia ..., ... aos Requeridos.
2. No documento referido em 1. pode ler-se “CLÁUSULA SEGUNDA (PRAZO E CESSAÇÃO) 1. O “Contrato” é celebrado pelo prazo certo de 3 (três) anos, com início de vigência a 01 (um) de abril de 2023 (dois mil e vinte e três), sendo automaticamente renovado por períodos sucessivos de 1 (um) ano, salvo se qualquer uma das Partes se opuser à sua renovação, com uma antecedência não inferior a 120 (cento e vinte) dias relativamente à data do termo do prazo inicial ou renovado”.
3. No documento referido em 1. pode ler-se “CLÁUSULA QUARTA (RENDA E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO) 1. A renda mensal devida pelo presente arrendamento será de 900,00€ (novecentos euros) // 2. As Rendas mensais deverão ser pagas até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disserem respeito, através do sistema de débito direto […]”.
4. No documento referido em 1. pode ler-se “CLÁUSULA DÉCIMA SÉTIMA (COMUNICAÇÕES) 1. Quaisquer notificações ou comunicações efectuadas nos termos do presente Contrato considerar-se-ão validamente efectuadas por correio registado com aviso de recepção, salvo se outra forma tiver sido convencionada no presente Contrato, para os seguintes endereços:

Para o SENHORIO:

B... S.A.

A/C: Arrendamentos

Morada: Avenida ..., Lisboa

Para o ARRENDATÁRIO:

AA

BB

CC

Morada: Rua .... Tras. ..., ...”


5. Os Requeridos entregaram à Requerente as referidas quantias monetárias em 3. até ao mês de setembro de 2023.
6. A Requerente liquidou a quantia de 90,00€ (noventa euros), a título de imposto de selo.
7. No dia 18 de dezembro de 2023, a Requerente enviou a cada um dos Requeridos cartas registadas com avisos de receção, para a morada referida em 4., nas quais se pode ler:

“Vimos, pela presente, na qualidade de Procuradora e Representante da Proprietária A..., S.A. […] nos termos e para os efeitos do Artigo 1083.º do Código Civil, comunicar-lhe a Resolução do Contrato de Arrendamento com prazo certo celebrado em 31 de março de 2023, tendo por objeto o Locado a que corresponde a fração “BN”, sito na Rua ... – Bloco Nascente, R/C esquerdo traseiras […]

Como sabe, na presente data V. Exa. encontra-se em mora com o pagamento no valor de € 3 600,00 (três mil e seiscentos euros) relativo a rendas vencidas e não pagas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 e, de janeiro de 2024. […]”
8. No dia 24 de janeiro de 2024, a Requerente enviou a cada um dos Requeridos cartas registadas com avisos de receção, para a morada referida em 4., nas quais se pode ler:

Vimos, pela presente, na qualidade de Procuradora e Representante da Proprietária A..., S.A. […] nos termos e para os efeitos do Artigo 1083.º do Código Civil, comunicar-lhe a Resolução do Contrato de Arrendamento com prazo certo celebrado em 31 de março de 2023, tendo por objeto o Locado a que corresponde a fração “BN”, sito na Rua ... – Bloco Nascente, R/C esquerdo traseiras […]

Como sabe, na presente data V. Exa. encontra-se em mora com o pagamento no valor de € 3 600,00 (três mil e seiscentos euros) relativo a rendas vencidas e não pagas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 e, de janeiro de 2024. […]”.

3.2 DO DIREITO

3.2.1

O artigo 20º da CRP (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) estabelece:

“1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”

Trata-se de um direito fundamental de âmbito social, alicerçando-se no direito que assiste aos cidadãos de que se vertam concretizadas as suas pretensões jurídicas.

O direito à proteção jurídica, consagrado no ordenamento jurídico português, constitui uma das garantias fundamentais do Estado de direito democrático, assegurando a todos os cidadãos o acesso efetivo à justiça.

E porque releva e é pertinente acolhemos o comentário de Jorge Miranda e de Rui Medeiros, quando assumem que «o direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva, impõe, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal» e que «o princípio “pro actione” impede que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efectiva à pretensão formulada. A ideia de “favor actione” aponta, outrossim, para a atenuação da natureza rígida e absoluta das regras processuais» [1]

Neste âmbito, o apoio judiciário – em qualquer das suas modalidades – representa um dos instrumentos essenciais que a ordem jurídica coloca à disposição dos cidadãos que se encontrem em situação de insuficiência económica, permitindo-lhes o exercício e a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, em igualdade de circunstâncias com os demais.

Nos termos da lei, o requerimento de apoio judiciário é tramitado pela Administração Pública, concretamente pelos serviços da Segurança Social, competindo-lhes a instrução e decisão desse procedimento, nos termos e segundo os trâmites previstos na Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e no Código do Procedimento Administrativo.

As modalidades do apoio judiciário estão referidas no artigo 16.º[2] da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e o benefício compreende a nomeação e o pagamento da compensação de patrono, tal como sucedeu na corrente situação.

Assim, quem careça de ser patrocinado em juízo por advogado e não disponha de condição económica suficiente para garantir o pagamento dos serviços de mandatário pode requerer que lhe seja nomeado patrono e que o Estado satisfaça o respectivo custo total ou parcialmente.

E deve fazê-lo, por regra, antes da primeira intervenção processual subsequente a tal necessidade[3], conforme artigo 18º da citada lei, junto dos serviços da segurança social da área de residência ou sede do requerente.

Resulta do art. 24º nº 1 da L 34/2004, de 29 de julho, que “o procedimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite”.

E resulta do nº4 do art 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho que: “ - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

Estabelecendo o nº5 desse normativo que: “ O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 26º da Lei nº 34/2004, a decisão final sobre o pedido de proteção jurídica é notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados.”

E resulta dos dos artigos 27º e 28º” que:

“A decisão sobre o pedido de proteção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo suscetível de impugnação judicial “.

O alcance da decisão final sobre o deferimento do pedido de protecção jurídica e os efeitos da notificação são regulados nos artigos 29.º e 31.º da citada da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.[4]

3.2.2. Da análise conjugada dos normativos referidos resulta que a Lei nº 34/2004 não obriga os Serviços da Segurança Social a comprovarem junto do tribunal em que pende o processo para que é requerida a proteção jurídica a notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica, cingindo-se a competência decisória do tribunal à apreciação da eventual impugnação judicial que venha a ser deduzida contra essa decisão de indeferimento.[5]

Por isso, em princípio, a alegada falta de notificação da decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica deve ser suscitada junto da entidade competente para conhecer desse pedido e não junto do tribunal, uma vez que incumbe aos cidadãos, caso entendam que o procedimento violou os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, reclamar junto da autoridade administrativa competente e, se for o caso, impugnar judicialmente a decisão de indeferimento, nos termos legalmente previstos.

De resto, a propósito desta questão, tem sido enfatizado pelo Supremo Tribunal de Justiça[6]:

“O direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da Constituição) não impede que o legislador ordinário estabeleça prazos, preclusões e ónus processuais, designadamente ancorados no princípio da celeridade e da economia processuais, posto que o faça com respeito pela finalidade do processo e do princípio da proporcionalidade.”

E como assinalado no Ac do STJ acima citado, importa assinalar que a Lei n.º 34/2004 prevê no seu artigo 37.º a aplicação subsidiária do regime adjectivo do procedimento administrativo no que concerne à tramitação do pedido de protecção jurídica.

Daí que a partir do momento em que a apreciação de tais pretensões passou a estar cometida aos serviços da Segurança Social, é aplicável o artigo Artigo 116.ºdo CPA (Prova pelos interessados) que estabelece no nº1 que “ Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao responsável pela direção do procedimento nos termos do n.º 1 do artigo anterior.”

Nos termos do art. 25º nº 1 da L 34/2004, na redação dada pela L 47/2007, de 28 de agosto, “o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1º dia útil seguinte”.

E, por força do art. 25º nº 2 da L 34/2004, na redação dada pela L 47/2007, decorrido o prazo de 30 dias previsto no nº 1 “sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica”.

Nesse caso, e conforme resulta do nº 3 do citado artigo, “é suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito”.

E porque releva, resulta do art. 1º nº 3 da Portaria 1085-A/2004, de 31 de agosto, que a falta de entrega dos documentos referidos no nº 2 desse artigo “suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de proteção jurídica”.

Do art. 100º nº 5 do C.P.A. resulta que a realização da audiência dos interessados “suspende a contagem dos prazos do procedimento administrativo”.

Assim, saber o tribunal a data em que o pedido de apoio judiciário foi apresentado não significa necessariamente saber se há ato tácito.

Mais.

Por força do nº 4 do art. 25º da L 34/2004, na redação dada pela L 47/2007, “o tribunal… deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis”.

Todavia, não cabe, pois, ao tribunal, na ação judicial para que foi pedido o apoio judiciário, apreciar a questão da formação ou não de ato tácito.

O nº4 do citado art 25º da Lei nº 34/2004, na redação dada pela L 47/2007, apenas significa que perante a menção pela parte da formação do ato tácito, o tribunal limita-se a solicitar a confirmação aos serviços da segurança social.

3.3.3. Das considerações expostas e dos normativos referidos, designadamente do art 24º da citada Lei 34/2004, de 29 de julho, resulta evidenciada a autonomia entre o processo judicial e o procedimento administrativo em que é apreciado o requerimento de apoio judiciário, mantendo-se cada um no seu domínio próprio.

E feita essa afirmação, a questão prévia que se coloca no caso dos autos, logo anterior àquela que que está colocada no recurso, traduz-se em apreciar e decidir se o tribunal judicial é competente para apreciar e conhecer do alegado vício ocorrido no procedimento administrativo onde está a ser apreciado o requerimento de apoio judiciário.

Apreciando e decidindo:

Conforme resulta do art. 27º nºs 1 e 3 da L 34/2004, na redação dada pela L 47/2007, “a impugnação judicial… deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de proteção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão”; e, “recebida a impugnação, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de proteção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente”.

Por força do art. 28º nº 1 da L 34/2004, “é competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de proteção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da ação, o tribunal em que esta se encontra pendente”.

Reportando-nos ao caso dos autos, o que consta dos autos, conforme relatório introdutório, é que os pedidos de apoio judiciário formulados pelos réus foram indeferidos pela Segurança Social.

Logo, se os réus- recorrentes, que alegam em sede de recurso interposto da sentença recorrida, que não foram notificados da decisão de indeferimento dos pedidos de apoio judiciário por eles formulados, não concordavam com essa decisão, deveriam tê-la impugnado nos termos previstos no art. 27.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, meio próprio para o efeito.[7]

E não é atendível argumentar “não poder tomar qualquer decisão sobre o que nunca recebeu, mormente a alegada comunicação dos serviços da Segurança Social”.

O prazo para entregar a impugnação judicial conta-se a partir do conhecimento da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário e, pelo menos nos presentes autos, os réus tiveram conhecimento que os seus pedidos de apoio judiciário foram indeferidos.

De resto, convocando de novo o art. 23º nº 2 da L 34/2004, na redação dada pela L 47/2007, “se o requerente de proteção jurídica, devidamente notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação”.

Em face das considerações expostas, é entendimento deste colectivo de juízes, com fundamento na autonomia entre o processo judicial e o procedimento administrativo em que é apreciado o requerimento de apoio judiciário, que o tribunal onde se encontra pendente a ação judicial para que foi pedido o apoio judiciário só tem competência para apreciar as questões relativas a alegados vícios de procedimentos administrativos, como é o caso dos autos, em que os réus alegam falta de notificação pela Segurança Social da decisão de indeferimento de apoio judiciário, a partir do momento em que recebe a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário e só em sede de impugnação judicial pode o tribunal apreciar aquelas questões.

E nessa sequência, enquanto não for recebida impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário não cabe ao tribunal judicial onde se encontra pendente a ação judicial para que foi pedido o apoio judiciário, qualquer dever de fiscalização dos atos e ou omissões ocorrido no procedimento administrativo onde está a ser apreciado o requerimento de apoio judiciário.

E reportando-nos ao caso dos autos, estando uma ação judicial pendente, e sendo comunicada ao tribunal pela Segurança Social uma decisão de indeferimento do apoio judiciário, não cabe ao juiz fazer certificar nos autos se essa decisão foi efetivamente notificada aos requerentes do apoio judiciário.[8]

A significar que não está verificada nos presentes autos a arguida nulidade processual que foi revelada aos recorrentes com a notificação da sentença, tornando-a nula por excesso de pronúncia 615º nº 1, al. d CPC.

Pelo exposto, improcede o recurso interposto, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.

Sumário.

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IV. DELIBERAÇÃO:

Nestes termos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto, e, assim, confiram a sentença recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes.

Porto, 26.06.2025

Francisca da Mota Vieira

José Manuel Monteiro Correia

Paulo Duarte Mesquita Teixeira



____________________________
[1] Jorge de Miranda e Rui de Medeiros, Constituição da Republica Portuguesa Anotada», vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, em anotação ao artigo 20.º, págs. 170-205
[2] Reproduz-se aqui o segmento do art 16º da Citada Lei que releva: Artigo 16.º (Modalidades):
“1 - O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
c) Pagamento da compensação de defensor oficioso;
d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono;
f) Pagamento faseado da compensação de defensor oficioso;
g) Atribuição de agente de execução. ( … )”
[3] Artigo 18.º (Pedido de apoio judiciário):
1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.
2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.
3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 24.º.
4 - O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.
5 - O apoio judiciário mantém-se ainda para as execuções fundadas em sentença proferida em processo em que essa concessão se tenha verificado.
6 - Declarada a incompetência do tribunal, mantém-se, todavia, a concessão do apoio judiciário, devendo a decisão definitiva ser notificada ao patrono para este se pronunciar sobre a manutenção ou escusa do patrocínio.
7 - No caso de o processo ser desapensado por decisão com trânsito em julgado, o apoio concedido manter-se-á, juntando-se oficiosamente ao processo desapensado certidão da decisão que o concedeu, sem prejuízo do disposto na parte final do número anterior.
[4] Artigo 29.º (Alcance da decisão final):
1 - A decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido.
2 - Para concretização do benefício de apoio judiciário nas modalidades previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 16.º, devem os interessados apresentar o documento comprovativo da sua concessão ou da apresentação do respectivo pedido no momento em que deveriam apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
3 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.)
4 - O indeferimento do pedido de apoio judiciário importa a obrigação do pagamento das custas devidas, bem como, no caso de ter sido solicitada a nomeação de patrono, o pagamento ao Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas de Justiça, I. P., da quantia prevista no n.º 2 do artigo 36.º.
5 - Não havendo decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento em que deva ser efectuado o pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo judicial, proceder-se-á do seguinte modo:
a) No caso de não ser ainda conhecida a decisão do serviço da segurança social competente, fica suspenso o prazo para proceder ao respectivo pagamento até que tal decisão seja comunicada ao requerente;
b) Tendo havido já decisão do serviço da segurança social, concedendo apoio judiciário numa ou mais modalidades de pagamento faseado, o pagamento da primeira prestação é devido no prazo de 10 dias contados da data da sua comunicação ao requerente, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão;
c) Tendo havido já decisão negativa do serviço da segurança social, o pagamento é devido no prazo de 10 dias contados da data da sua comunicação ao requerente, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão.
Artigo 31.º (Notificação da nomeação):
1 - A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.
2 - A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado.
3 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.)
4 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.)
[5] Neste sentido, os acórdãos desta Relação do Porto de 24.10.2022 e  10 de dezembro de 2019, proferidos nos processo nºs 1029/11.9TJPRT-P.P2e 9000/18.3T8VNG-B.P , respectivamente.
[6] Recurso n.º 3439/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
[7] Ac Relação de Lisboa de 31.03.2022, Proc. nº 6908/18.0T8SNT-A.L1-8   
[8] Assim, a relatora, reponderando, afasta-se do entendimento seguido no Ac desta Relação do Porto de 06.02.2025,  no proc nº3332/24.9T8PRT.P1 , no qual foi 1ª adjunta.