INJUNÇÃO
DESPESAS COM A COBRANÇA DA DÍVIDA
CLÁUSULA PENAL
INADMISSIBILIDADE
Sumário

I - O procedimento de injunção não pode ser usado para reclamar do devedor inadimplente o valor de uma cláusula penal.
II - Também não pode ser usado para reclamar o pagamento de um valor a título de despesas com a cobrança (dos montantes para cuja cobrança a injunção é apresentada).

Texto Integral

RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2025:2383.19.0T8VLG.A.P1

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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
A A..., S.A., sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., com sede em Lisboa, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ....
No requerimento executivo alegou ser portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, e que constitui título executivo, nos termos do qual a exequente é credora do montante de €1.105,93, mencionado no título executivo, a que acrescem juros de mora e compulsórios e as quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30 de Maio.
No requerimento de injunção a exequente reclamou o pagamento das quantias emergentes de um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações e correspondentes às facturas nos valores de €44.43, €46.10, €39.82 e €721.62, vencidas em 28/07/2018, 28/08/2018, 28/09/2018 e 28/11/2018, respectivamente, e ainda de €170.39, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida.
Aberta conclusão, foi ordenada a notificação da exequente para «esclarecer a que valor respeita a cláusula penal convencionada para a rescisão do contrato».
A exequente esclareceu que o montante de €720,12 da última factura respeita «à cláusula penal pelo incumprimento do contrato, sendo as restantes facturas relativas a serviços prestados e não pagos pelo Executado no âmbito do contrato celebrado».
A seguir foi proferida decisão na qual «ao abrigo do disposto no art. 726º. nº. 2 al. b) e 734º. nº. 1 do Código de Processo Civil» se rejeitou a execução «relativamente à quantia de €892,01».
Para o efeito, entendeu-se que o procedimento de injunção não tem por finalidade a cobrança dos valores que a aqui exequente refere serem de €170,39 «a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida» e de €721,62, a título de «cláusula penal convencionada para a rescisão do contrato» e que pese embora o requerimento de injunção não tenha sido rejeitado, o requerido não ter deduzido oposição e ter sido proferida fórmula executória, o título executivo obtido é ilegal o que constitui uma excepção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que tem como consequência a absolvição da instância «relativamente às quantias reclamada a título de cláusula penal e indemnização pelas despesas de cobrança».
A exequente apelou desta decisão, findando as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Foi indeferido, liminarmente, o requerimento executivo pelo Tribunal a quo, por ter considerado que “estamos perante o uso indevido do procedimento de injunção o que configura erro na forma de processo” relativamente à importância de €721,62 (incumprimento contratual) e a quantia de €170,39 (a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida”).
2. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, uma vez que,
3. O procedimento injuntivo é um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, bem como,
4. A injunção é um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos referidos custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida.
5. Outra conclusão seria manifestamente contrária ao “espírito” legislativo associado à criação do DL 269/98, de 1 de Setembro, conforme decorre, indubitavelmente da leitura do preâmbulo deste diploma legal.
6. Caso assim não se entenda, a apelante, desde já declara que pretende desistir da instância em relação aos montantes em apreço, com a prossecução e aproveitamento dos presentes autos em relação aos restantes valores peticionados.
Nestes termos e nos demais de direito, que doutamente se suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Não foi apresentada resposta a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se os fins para que está configurado o procedimento de injunção comportam a reclamação do pagamento do valor de uma cláusula penal por incumprimento de contrato e a reclamação do pagamento de um valor a título de despesas com a cobrança da dívida emergente do contrato.

III. Fundamentação de facto:
Os factos que relevam para a decisão são os termos do processo que no relatório são descritos.

IV. Matéria de Direito:
i. Da cláusula penal:
A questão de saber se o procedimento de injunção pode ser usado por uma das partes num contrato para reclamar da outra o pagamento do valor referente a uma cláusula penal prevista no contrato para a eventualidade de ocorrer o seu incumprimento, tem sido respondida pelos Tribunais da Relação num sentido que se pode qualificar como quase unânime: não pode.
O regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, compreende uma acção declarativa especial (artigos 1.º a 6.º) e o procedimento de injunção (artigos 7.º a 21.º).
Em ambos os casos, tratam-se de procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
O artigo 7.º define a injunção como sendo «providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro». Presentemente esta remissão considera-se feita para o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, deste diploma que substituiu aquele, revogando-o.
O acesso ao procedimento de injunção pode ocorrer também por via do regime do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais. No caso esta possibilidade não se coloca porque este regime só é aplicável às transacções entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração [artigo 3.º, alínea b)], estando excluído do seu âmbito de aplicação os contratos celebrados com consumidores [artigo 2.º, n.º 2, alínea a)].
A finalidade do procedimento de injunção não é a obtenção de uma decisão jurisdicional sobre um determinado direito de crédito que se arroga no requerimento, mas apenas a obtenção de um acto extrajudicial, a aposição por um agente administrativo num documento de uma fórmula executória que permita ao credor instaurar uma acção executiva sem necessidade de previamente obter uma sentença que declare a existência do crédito e condene o devedor ao seu pagamento.
Daí que o procedimento de injunção tenha essencialmente natureza não jurisdicional [cf. Lebre de Freitas, in Estudos sobre direito civil e processo civil, vol. 2, Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2009, pág. 161 e seguintes, Salvador da Costa, in A injunção e as conexas acção e execução, Almedina, 2008, pág. 165, Paulo Pimenta, in Notificação, citação e revelia, Themis VII, 2006, p. 249, Armindo Ribeiro Mendes, in Recusa de aposição da fórmula executória e apresentação dos autos à distribuição, Themis VII, 2006, pág. 273, Carlos Lopes do Rego, in Aspectos constitucionais da injunção e da acção declarativa especial, Themis VII, 2006, pá. 283].
Mesmo não sendo uma acção judicial, o procedimento de injunção é uma forma de exercício de direitos que possui previsão e configuração legal. O que significa que esse procedimento também só pode ser usado nas circunstâncias e para as finalidades que o legislador definiu. Como vimos, trata-se de um procedimento para obter «o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos».
Entende-se que as obrigações pecuniárias emergentes do contrato são os deveres de prestação em dinheiro que correspondem à remuneração ou preço da prestação realizada pela outra parte nos termos do contrato. Por outras palavras, trata-se da obrigação que é o correspectivo directo dos deveres de prestação decorrentes do contrato, como é o caso do preço da coisa vendida ou do serviço prestado ou da remuneração da obra realizada, etc.
Naturalmente que a relação contratual está sujeita a vicissitudes, designadamente as que se prendem com o seu incumprimento. Daí decorre que a relação contratual pode fazer emergir deveres e direitos de diversa ordem, sejam eles deveres acessórios ou de conduta, em regra não pecuniários, como direitos e deveres sucedâneos, como o direito à indemnização por incumprimento que substitui o direito à prestação devida mas não realizada.
No uso do direito à liberdade negocial e contratual nada obsta que as partes possam antecipar o cenários de algumas dessas vicissitudes e regular os termos desses deveres acessórios ou de conduta, os termos do direito sucedâneo à indemnização ou mesmo os termos da relação de liquidação da relação contratual verificadas determinadas circunstâncias, v.g. havendo impossibilidade de cumprimento, alteração da base negocial ou desinteresse superveniente de uma das partes.
Em qualquer destas situações a obrigação que a parte irá depois reclamar ainda se relaciona com o contrato e pode ter natureza pecuniária, mas já não se trata de uma obrigação emergente do contrato, será sim uma obrigação emergente da factualidade a que as partes, no exercício da sua liberdade contratual, atribuíram o efeito jurídico de gerar um novo e distinto direito e a correspondente obrigação, ainda que por referência a uma relação contratual face à qual aquela factualidade se apresenta como uma anomalia.
Por isso acompanha-se o afirmado no recente Acórdão desta Relação de 10-02-2025, proc. n.º 3501/24.1T8VLG.P1, Manuel Fernandes, segundo o qual «o procedimento de injunção só pode, assim, ter por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível no procedimento de injunção será, pois, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro. […] É, por conseguinte, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito. Na verdade, enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação, já as obrigações de valor não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação. Será pois o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos [Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013], de tal modo que se poderá dizer que “quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objectivo de admissibilidade do processo de injunção”» [neste sentido, cf. Paulo Duarte Teixeira, in Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, Themis, VII, nº 13, pág. 184, a que corresponde à última citação feita naquele aresto].
Acrescente-se que, como já vimos, o nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, dá ao credor o direito de recorrer ao procedimento de injunção no âmbito de transacção comercial entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração [artigo 3.º, alínea b)] quando ocorra um atraso no pagamento, sendo este definido como sendo a «falta de pagamento do montante devido no prazo contratual ou legal» [artigo 3.º, alínea a)], e «o montante devido» definido como aquele que «deveria ter sido pago no prazo indicado no contrato ou na lei, incluindo taxas, direitos ou encargos aplicáveis que constam da factura» [artigo 3.º, alínea h)].
Ora se no âmbito de transacções entre empresas é assim, isto é, devemos estar ainda a falar de valores devidos nos prazos inicialmente aplicáveis e que foram expressamente assinalados na factura enviada ao devedor para pagamento e, portanto, de valores previamente definidos, liquidados e comunicados ao devedor, parece que não poderá ser de modo diferente quando estamos perante transacções com consumidores, caso em que a ordem jurídica tende a fornecer uma protecção acrescida (no caso, note-se, o executado é uma pessoa singular que terá celebrado um contrato de fornecimento de telecomunicações).
Tanto quanto conseguimos verificar este entendimento foi seguido por todos os Acórdãos da Relação que se encontram publicados no endereço www.dgsi.pt e por todos os Acórdãos desta Relação a que conseguimos aceder através da aplicação Magistratus. A única voz discordante, ao que julgamos, é o já longínquo Acórdão da Relação de Lisboa de 18-03-2010, no proc. n.º 37975/08.3YIPRT.L1-8, in www.dgsi.pt, citado pela recorrente.
Não vislumbramos argumentos para defender o contrário, pelo que, em relação a esta questão, é de sufragar a decisão recorrida.

ii. Das despesas com a cobrança:
A decisão recorrida entendeu que o procedimento de injunção também não pode compreender despesas que o credor alega ter com a cobrança das facturas em dívida e que, no caso, a exequente liquida no valor de €170.39.
As despesas de cobrança que podem estar em causa não são as despesas com a emissão e envio das facturas mensais para o cliente pagar o preço estabelecido para os consumos que realizou e o recebimento desse pagamento. Tais despesas estão compreendidas nos custos de organização da própria credora e por isso estão reflectidos na formação dos preços que ela pratica e que, em condições normais de mercado, repercutem já todos os custos de funcionamento e a margem de lucro que ela entende praticar.
Só pode tratar-se das despesas que decorrem do não pagamento daquelas facturas, ou seja, despesas com a realização de diligências para alcançar o pagamento que o cliente devia ter realizado no prazo fixado após a apresentação da factura mensal.
Por outras palavras, tal como a cláusula penal, não se trata de uma obrigação emergente do contrato, ou seja, de um dever de prestação acordado como contrapartida da prestação da outra parte e para o qual estão previamente definidas condições de liquidação, interpelação e vencimento, mas sim de uma obrigação que emerge do incumprimento do contrato, isto é, uma obrigação sucedânea da obrigação contratual, do direito a uma prestação que substitui a prestação que era devida e não foi cumprida.
Não surpreende por isso que pelas razões atrás aduzidas a esmagadora maioria dos Acórdãos das Relações tornados públicos equiparem a exigência de valores a título de cláusula penal à exigência de valores a título de despesas com a cobrança e concluam em ambos os casos pela utilização indevida do procedimento de injunção.
Assim ocorre nos Acórdãos desta Relação de 24.05.2021, proc. n.º 2495/19. 0T8VLG-A.P1, de 27.09.2022, proc. n.º 418/22.8T8VLG-A.P1, de 26.09.2022, proc. n.º 756/22.0T8VLG-A.P1, de 08.11.2022, proc. n.º 901/22.5T8VLG-A.P1, de 23.01.2023, proc. n.º 2587/20.2T8VLG-A.P1, de 18.06.2024, proc. n.º 7006/22.7T8MAI.P1, de 11.12.2024, proc. n.º 1261/24.5T8VLG-A.P1, de 04.07.2024, proc. n.º 3368/ 23.7T8VLG-A.P1, e de 11.03.2025, proc. n.º 1228/24.3T8VLG-A.P1, da Relação de Lisboa de 07.04.2022, proc. n.º 16709/21.2YIPRT.L1-6, e de 23.11.2021, proc. n.º 88236/19.0YIPRT.L1-7, e da Relação de Évora de 07.11.2024, proc. n.º 414/19.2T8ELV.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Todavia, ao contrário do que sucede com as quantias reclamadas a título de cláusula penal, em relação a estas quantia que o credor descreve como «despesas com a cobrança» já existe alguma divergência na jurisprudência conhecida.
Precisamente nesta secção da Relação do Porto foi entendido que tais quantias podem ser reclamadas no procedimento de injunção no Acórdão de 11.10.2018, proc. n.º 99372/17.8YIPRT.P1, depois no Acórdão de 29.09.2022, proc. n.º 2040/21.7T8VLG-A.P1, que repete a argumentação daquele, e por último no Acórdão de 28.09.2023, proc. n.º 237/22.1T8VLG-A.P1, que cita os anteriores. Noutra secção deste tribunal, o mesmo foi entendido no Acórdão de 11.09.2023, proc. n.º 1839/22.1T8VLG-A.P1.
A tese destes Acórdãos decorre essencialmente da alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro. Nos termos desta disposição legal, no requerimento de injunção o requerente deve «formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas».
Para aqueles arestos esta expressão deve ter algum conteúdo e, afastado que tenha em vista os «juros vincendos», porque estes, pela sua própria natureza, não podem ser discriminados antecipadamente, ou a «sanção pecuniária compulsória», porque esta está prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º, parece que só pode referir-se aos encargos com a cobrança da dívida «por princípio existentes».
Sendo embora de aceitar a ideia de que se deve presumir que as palavras da lei devem ter algum sentido útil, não parece, contudo, forçoso que isso nos leve a aceitar que caem no âmbito da expressão «outras quantias» as «despesas de cobrança».
Em primeiro lugar porque estando sempre em causa obrigações pecuniárias qualquer outra quantia que não seja juros corresponde a uma dívida de capital e, portanto, haverá sempre na redacção legal uma contradição insanável.
Em segundo lugar porque a aceitar-se que as despesas de cobrança da dívida contratual estão abrangidas dificilmente se pode defender que a cláusula penal não o esteja, pois, em ambos os casos, estamos perante obrigações que emergem do incumprimento do contrato e têm natureza indemnizatória, ou seja, não são contrapartida de outras prestações assumidas pelas partes no contratos, são valores que visam compensar a parte não inadimplente dos danos que lhe foram causados pelo não cumprimento pela outra dos deveres de prestação de origem contratual. Em rigor, entre o dano das despesas (emergentes) a suportar para cobrar a dívida e o dano da perda do lucro (cessante) estimado com o fornecimento dos serviços ou dos bens que a outra parte se havia obrigado a adquirir e não adquiriu, não há diferença de natureza.
Em terceiro lugar porque conseguimos equacionar «outras quantias» que não correspondem a «despesas com a cobrança». Pensamos, por exemplo, nas situações em que contrato exigiu a prestação de uma caução e fixou que ela deva ser devolvida em determinada circunstância, nas situações em que a celebração do contrato compreendeu a entrega pelo fornecedor de bens ou dinheiro e estipula que tais bens ou o respectivo valor devam ser devolvidos, total ou parcialmente, em determinada situação. O preenchimento da previsão que acciona o direito à restituição pode ser o incumprimento do contrato ou não, e o montante em que se traduz esse direito pode ter natureza indemnizatória ou constituir apenas a regulação contratual que intenta repor o equilíbrio das prestações das partes que o contrato visava mas que não é alcançado ou é quebrado em determinada circunstância.
Em quarto lugar porque no regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, se encontram outras incongruências.
A mais grave delas ocorre precisamente com a alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º. A sanção pecuniária compulsória que se traduz na aplicação de uma sobretaxa de 5% aos juros de mora e se encontra prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, não se aplica às injunções, precisamente porque nos termos desta norma ela apenas é aplicável desde a data em que transitar em julgado a sentença de condenação, o que pressupõe a existência de um processo judicial de condenação e o procedimento de injunção não é uma acção judicial, nem culmina pois numa sentença judicial.
Por conseguinte, para ela ser aplicável a dívidas pecuniárias não reconhecidas por sentença judicial é necessário que exista uma norma substantiva que consagre essa consequência jurídica e defina quando ela é aplicável (v.g. que havendo procedimento de injunção a sanção pecuniária prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil é aplicável automaticamente a partir da aposição da fórmula executória).
Apesar disso o artigo 13.º do referido regime limita-se a definir o conteúdo (n.º 1) e o efeito (n.º 2) das notificações a realizar no procedimento de injunção, criando a situação insólita de a notificação ter um conteúdo que não decorre de nenhuma norma jurídica substantiva, isto é, a notificação informa de uma consequência que não existe na lei substantiva, só é mesmo referida na própria notificação por haver norma processual que manda que a notificação diga isso.
Donde resulta que, como em muitas outras situações, a tentativa de que fazer com que, por via de interpretação, tudo faça sentido nas normas legais é um … esforço inglório.
Em quinto lugar, existe uma diferença entre o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e o disposto no Decreto-Lei n.º 62/2013 de 10 de Maio, que estabeleceu medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, alterando o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Por força destes dois diplomas, o credor abrangido pelo respectivo âmbito de aplicação, pode recorrer ao procedimento de injunção para obter a satisfação dos respectivos créditos pecuniários, de modo que o procedimento de injunção passou a poder ser usado no âmbito do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e no âmbito do disposto no Decreto-Lei n.º 62/2013 de 10 de Maio (já antes do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro).
Ora ao aprovar o Decreto-Lei n.º 62/2013 de 10 de Maio, o legislador preocupou-se precisamente com as despesas de cobrança, estabelecendo no respectivo artigo 7.º que quando se vençam juros de mora em transacções comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de €40,00, sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.
Deste modo, nos procedimentos de injunção instaurados com base no Decreto-Lei n.º 62/2013 de 10 de Maio, o credor pode exigir ainda, mesmo que não tenha interpelado o devedor para pagar esse valor e mesmo o contrato nada estabeleça sobre isso, o pagamento deste valor a título de indemnização por custos de cobrança. Sucede que a mesma disposição não foi introduzida no regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, onde se encontra regulado precisamente o procedimento de injunção.
O que sobra é, pois, o argumento relativo aos inconvenientes da solução de dividir a pretensão do credor por dois processos ou procedimentos: a injunção para cobrar o valor das facturas relativas a valores vencidos e não pagos; a acção judicial para obter a condenação no pagamento da indemnização pelos danos causados pelo incumprimento do devedor quando as despesas com a cobrança parecem inevitáveis e estarem associadas precisamente à cobrança das facturas apresentadas na injunção. É claramente um argumento valioso.
No entanto, pode objectar-se com a natureza do procedimento de injunção. Trata-se, como vimos, de um procedimento de natureza administrativa que culmina apenas com a aposição de uma fórmula por um agente administrativo que atesta a falta de oposição do devedor e confere ao requerimento o valor de título executivo. No fundo, pois, trata-se apenas de um procedimento destinado a conferir valor executivo a um documento.
Isso significa que o procedimento de injunção é já de si uma vantagem, algo que se coloca à disposição do credor para melhorar a sua posição no tocante à cobrança do crédito. Se não houvesse injunção ele estava sujeito à necessidade de recorrer aos meios judiciais porque num Estado de Direito é esse o modo natural de exercer, tutelar ou reconhecer direitos jurídicos.
Pode por isso fazer sentido que o que é dado a mais tenha apenas o âmbito do acréscimo de tutela que o legislador quis dar, ou seja, que aquilo que dispensa o recurso a uma acção judicial e, consequentemente, coloca o devedor numa posição mais favorável que aquela em que se encontrava não existindo procedimento de injunção, valha nos termos definidos pelo legislador processual.
Dito por outras palavras, o legislador pode ter pretendido facilitar o acesso do credor à injunção para cobrança de valores que constem de facturas que respeitam a fornecimentos feitos e que deviam ter sido pagos em datas específicas por ter presumido que se as facturas foram emitidas em conformidade com o contrato a que respeitam e o devedor não deduz oposição à injunção se justifica conferir àquele o imediato acesso à acção executiva por a existência e o montante da dívida ter sido objecto de acertamento.
Mas, não tendo sido claro em dizê-lo, não há que presumir que o mesmo ocorre relativamente a valores que possuem natureza indemnizatória, que pressupõem incumprimentos contratuais e danos e, consequentemente, abrem uma discussão sobre outros pressupostos materiais que estão longe de ser incontroversos e, seguramente, não possuem a verosimilhança dos valores daquelas facturas. A não ser assim, seríamos levados a defender que qualquer credor deve poder recorrer a uma injunção, para cobrar qualquer crédito de que seja titular, e não é esse o sistema legal.
Eis porque entendemos dever seguir a posição claramente maioritária da jurisprudência e rejeitar que a injunção instaurada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, possa abranger a indemnização por despesas com a cobrança. O que conduz à confirmação da decisão recorrida no que a esta questão respeita.

iii. Da possibilidade de conhecer oficiosamente desse vício na execução instaurada com base no título executivo composto pelo requerimento executivo a que foi aposta a fórmula executória:
Questão diferente das anteriores consistia em saber se não tendo o devedor deduzido oposição ao procedimento de injunção e tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento, na execução instaurada a seguir pelo credor, usando o requerimento de injunção como título executivo, o juiz podia conhecer oficiosamente do vício da utilização indevida do procedimento de injunção ou só podia conhecer dele se o executado deduzir embargos de executado com esse fundamento. Após colocava-se a questão de saber, estando reunidas as condições para conhecer do vício na execução, qual é a consequência do vício para a execução.
Sucede que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso. Lidas estas é manifesto que a recorrente não suscitou esta diferente questão que no caso era relevante. Por conseguinte, esta Relação não pode, sob pena de nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia, pronunciar-se sobre tal questão ou revogar a decisão recorrida com o fundamento de a questão ter sido decidida de forma incorrecta.
Refira-se ainda que a recorrente afirma nas conclusões pretender desistir da instância em relação às quantias exequendas provenientes da cláusula penal e das despesas administrativas com a cobrança do crédito caso a Relação confirme o entendimento do tribunal a quo de que o procedimento de injunção não pode ser usado para reclamar essas verbas.
Esta pretensão não faz sentido porque a decisão recorrida foi apenas no sentido da rejeição parcial da execução.
O tribunal a quo apenas rejeitou a execução precisamente na parte em que a quantia exequenda compreende essas verbas, razão pela qual aceitou a execução (não a rejeitou) em relação à parte restante da quantia exequenda.
Logo, estando a execução a prosseguir para cobranças das restantes verbas (as atinentes às facturas nos montantes de €44.43, €46.10 e €39.82, vencidas respectivamente em 28/07/2018, 28/08/2018 e 28/09/2018, e os correspondentes juros moratórios e compulsórios) não há qualquer necessidade de desistir da instância quanto à outra parte para permitir o prosseguimento da execução em relação a esta.
Nada há pois que decidir a este respeito.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, restritas à taxa de justiça já paga porque não tendo sido apresentada resposta às alegações de recurso não há lugar ao pagamento de custas de parte.
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Porto, 26 de Junho de 2025.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 895)
Isabel Peixoto Pereira
José Manuel Correia

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