Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONDOMÍNIO
CONFISSÃO
CITAÇÃO
Sumário
I. Tendo o condomínio dois administradores, a citação do condomínio opera-se na pessoa de qualquer deles. II. O condomínio não é uma pessoa coletiva, não tem personalidade jurídica nem, consequentemente, capacidade jurídica; trata-se de entidade a que a lei atribui personalidade judiciária, ou seja, a suscetibilidade de ser parte, de estar em juízo em substituição dos condóminos. III. O condomínio réu (parte processual que substitui os condóminos e que é representada pelo administrador), não tendo personalidade jurídica nem, consequentemente, capacidade jurídica, não pode confessar factos relativos às pessoas jurídicas que substitui, ou seja, os condóminos [o condomínio está abrangido pela exceção à revelia operante constante da alínea b) do art. 568.º do CPC].
Texto Integral
Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
O Condomínio do Prédio sito na Avenida ..., n.º 3 e 3-A, em Lisboa, réu na presente ação declarativa de condenação que lhe é movida por “AA”, notificado da sentença condenatória proferida em 09/10/2024, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.
A compreensão do litígio demanda um relatório circunstanciado.
Na petição inicial, o autor alegou que:
- É proprietário da fração autónoma designada pela letra “A”, a que corresponde o r/c com cave do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa;
- Desde que adquiriu a fração que o prédio a que pertence necessitou de diversas obras e, seja pela urgência destas, seja por negligência do réu, o autor viu-se obrigado a substituí-lo na realização das obras para evitar consequências mais gravosas;
- As primeiras obras que o autor realizou por conta do réu e de que este não assumiu a responsabilidade pelo seu pagamento ocorreram no ano de 2007 e tornaram-se necessárias após a construção de um edifício contíguo ao das partes, que fez com que as terras que suportam o imóvel assentassem;
- Esse assentamento levou a que o prédio desnivelasse em 11 centímetros, o que criou fendas em todo o edifício, torceu e partiu sistemas de eletricidade, gás, águas, ventilação e abriu fendas nas colunas de suporte do imóvel que se encontram na cave (propriedade do autor – Fração “A”);
- O autor, proprietário da cave do imóvel onde as colunas de suporte racharam e abriram fendas, foi obrigado (pela urgência da obra) a injetar betão nessas colunas e nas restantes paredes, tendo, para isso, de refazer os sistemas de água, luz, gás e ventilação, bem como a substituir o chão e os tetos;
- As colunas danificadas que representavam perigo para a estrutura do prédio encontravam-se dentro das paredes, que tiveram de ser refeitas por forma a se aceder à estrutura pilar;
- Nesse acesso às colunas foi destruído parte do chão e do teto, que tiveram de ser reconstruídos, bem como todos os sistemas acima referidos (eletricidade, gás, etc.) que passavam pelas paredes;
- Com a cedência do edifício, a manilha da fossa do edifício partiu, pelo que os detritos não escoavam para a rua, o que levou a que a cave ficasse submersa numa altura de 23 cm, o que acabou por danificar irremediavelmente o mobilizado que lá se encontrava;
- O autor procedeu, então, à reparação da fossa e à sua limpeza;
- Com a cedência do edifício, a porta de entrada da cave, propriedade do autor, empenou, pelo que o autor teve, igualmente, de a substituir, no valor de 575 €;
- O réu apenas assumiu o reembolso das despesas tidas com a porta e com a limpeza e reparação da fossa, apesar de todas as intervenções se terem realizado em partes comuns, por conta de partes comuns, e de o autor ter reclamado todas as despesas;
- O autor despendeu a quantia de 148.704,42 € na restauração da cave (onde se exclui a porta e a fossa);
- Em relação à fossa, parte do valor despendido pelo autor foi reembolsado pelo réu, e o remanescente, no valor de 1.310 €, ficou por saldar (apesar de o réu ter reconhecido a dívida em 2011);
- Quanto à porta, esse valor foi novamente reconhecido em Assembleia de Condóminos, apesar de o réu ainda não ter procedido ao pagamento;
- Em 13 de junho de 2018, por infiltrações decorrentes de fissuras em partes comuns (terraço), a fração “A” do autor sofreu danos, tendo o autor despendido 1.600 € na reparação de uma parede;
- O autor despendeu 8.885 € na compra de um novo sistema de ar condicionado para o restaurante que opera na cave e no rés-do-chão, porque o anterior aparelho, que era propriedade do autor, ficou destruído na sequência da queda de um bloco de pedra pertencente à parede exterior do prédio aqui em questão, pertencente a uma parte comum;
- Por diversas vezes, o autor requereu ao réu o envio das atas das Assembleia de Condóminos dos anos passados, o que inclusive foi discutido e o réu comprometeu-se a fazê-lo em Assembleia de Condómino, sem que, no entanto, o tenha feito.
- O réu recebeu e retém valores do seguro para entregar ao autor por conta dos danos provocados à porta e parede, devendo o réu indemnizar o autor por essa retenção em valor nunca inferior a 5.000 €.
Terminou pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e o réu condenado a entregar ao autor as atas das reuniões de condomínio desde o ano de 2013, bem como o valor de 166.039,42 €, acrescido de juros legais desde a citação até ao integral pagamento.
Juntou 4 documentos, a saber:
- Certidão predial da fração A, constando da mesma que o autor adquiriu usufruto sobre ½, registado em 04/11/2009, e adquiriu usufruto sobre o restante ½, registado em 27/09/2018;
- Documento intitulado «Obra: de beneficiação no andar sito na Avenida …, n.º 3A, Lisboa Orçamento /custo) /n.º 0852/07», sem identificação, nomeadamente fiscal, de destinatário ou remetente;
- Conjunto de fotos da fachada e exterior do prédio, não datadas, que mostram a falta de uma pedra de revestimento de fachada e um aparelho no chão;
- Ata de assembleia de condóminos de 07/01/2022.
Citado, o réu não deduziu contestação.
Em 27/02/2024 foi proferido o seguinte despacho:
«Considerando-se regularmente citada a ré e não tendo a mesma apresentado contestação no prazo legal, ao abrigo do disposto no art.º 567º, nº1 do CPC, declaro confessados os factos articulados pelo A, sem prejuízo da exceção prevista no art.568º, al. d). Dê cumprimento ao previsto no nº2 do art.567º.»
O autor apresentou alegações de direito, ao abrigo da disposição por último citada no transcrito despacho.
Em seguida, foi proferido o despacho que, no essencial, se transcreve:
«(…) pedindo, a condenação da Ré a: - Entregar ao A. as atas das reuniões de condomínio desde o ano de 2013; - A entregar ao A. o valor de €166.039,42 acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento. Citado, o R. não contestou, tendo sido declarados provados os factos alegados pelo A. Analisados os autos verifica-se, porém, que ao 1º pedido formulado corresponde a ação especial prevista no art.º 1045º do Código Civil. A competência do Juízo Cível da Instância Central encontra-se prevista no art. 117.º da LOSJ, onde não se insere a competência para preparar e julgar ações especiais, cuja competência cabe, inequivocamente, à Instância Local Cível, nos termos do art. 130.º, n.º 1 al. a), da LOSJ. Acresce que a entrega de tais documentos se afigura prejudicial para o conhecimento do segundo pedido formulado – pagamento de indemnização – sendo mesmo necessário para a demonstração e aferição da legitimidade passiva do condomínio representada, apenas, pela administração (pressupondo a invocada deliberação constante da ata 23, cuja ata se pretende obter). Assim, o primeiro pedido é prévio à apreciação do 2º sendo que àquele cabe uma forma de processo especial cuja tramitação não se compagina com a apreciação do 2º pedido que sempre terá que ser apreciado em ação comum. Impõe-se, pois, concluir que estamos perante uma situação de ineptidão da petição inicial por falta incompatibilidade de pedidos (…), o que determina a nulidade de todo o processado, consequentemente, a absolvição do Réu da instância. Pelo exposto, julgo verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolvo o Réu da instância (…).»
O autor não se conformou e recorreu, tendo a apelação sido julgada procedente por nosso acórdão de 04/07/2024, que, julgando que os pedidos formulados em cumulação eram substancial e formalmente compatíveis, e acertada forma de processo, determinou que os autos prosseguissem os seus ulteriores termos.
Devolvidos os autos à 1.ª instância, foi aí proferida sentença condenatória, em 09/10/2024.
Em 31/10/2024, o réu suscitou a nulidade da citação e dos atos posteriores por ela afetados.
Alegou, em síntese, que:
- o autor sabia que a administradora era “GG” e não “GHG”, sabia que são duas pessoas diferentes e quis confundir o tribunal (artigos 1.º a 22.º);
- o condomínio apenas se obriga mediante a assinatura das duas administradoras, L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., representada por “HH”, e “GG”;
- no momento em que entregou a nota de citação, o agente de execução informou verbalmente a citanda “HH” que o prazo para contestar a ação começaria a correr após a citação pessoal da outra administradora, “GG”, o que iria concretizar em breve (artigo 26.º), e nunca chegou a ocorrer (artigos 27.º e 28.º);
- as ulteriores cartas para notificação do condomínio réu – da sentença de 19/03/2024, do despacho de admissão do recurso interposto pelo autor da citada sentença, do acórdão de 04/07/2024 – foram expedidas para “GHG”, com domicílio na Av.ª …, n.º 3, 2.º andar, Lisboa, tendo sido devolvidas pelos CTT (artigos 31.º a 43.º);
- apenas a carta expedida, em 10/10/2024, para notificação ao réu da sentença de 09/10/2024 foi dirigida, pela primeira vez nos autos, a L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., em ... (artigos 44.º e 45.º).
Juntou a ata avulsa da assembleia geral de condóminos de 06/02/2023, da qual, entre o mais, consta:
«Encontravam-se presentes os seguintes condóminos: - O Sr. “AA”, usufrutuário da fração "A", correspondente à loja, representado 350/1000 votos do capital investido; - A Sra. “GG”, em representação dos seus pais, “II” e mulher “JJ”, titulares do direito de propriedade da fração "B", correspondente ao 1.° andar, representando 100/1000 votos do capital investido e também em representação da Sra. “KK”, proprietária da fração "H", correspondente ao sétimo andar recuado, representando 50/1000 do capital investido; - A Sra. “GHG”, cabeça de casal da herança da aberta por óbito de “LL”, de cuja herança faz parte a fração "C", correspondente ao 2.º andar, representando 100/1000 do capital investido; - Sra. “MM”, usufrutuária da fração "D", correspondente ao 3.º andar, representando 100/1000 do capital investido; - Dr. “NN”, proprietário da fração "F", correspondente ao 5.° andar representando 100/1000 do capital investido; (…) No ponto 1 da ordem de trabalhos o Presidente da Mesa da Assembleia deu a palavra à Administradora, Sra. “GG”, para apresentar a proposta para a adjudicação dos serviços de gestão do condomínio. Neste ponto da ordem de trabalhos foi apreciada a proposta apresentada pela empresa L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em ..., que gira sob a denominação comercial "Lisboa Condomínios", datada de 31 de outubro de 2022. Após apreciação da proposta para a adjudicação dos serviços de gestão do condomínio foi aprovado, por unanimidade, adjudicar à. identificada proponente a proposta apresentada na modalidade de Gestão Administrativa, com o custo mensal de 70,00 € (setenta euros), acrescido de IVA. Na sequência da deliberação tomada, passam a integrar a Administração de Condomínio a Sra. “GG” e um representante a nomear pela sociedade L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em ..., que gira sob a denominação comercial "Lisboa Condomínios", por carta escrita.»
Notificado, o autor respondeu em 14/11/2024, invocando a extemporaneidade da arguição.
Não se conformando com a sentença de 09/10/2024, em 12/11/2024, o condomínio réu interpôs recurso, com as seguintes conclusões:
«(i) O presente recurso é interposto da sentença proferida em 09-10-2024 (ref.ª 438952993), que condenou o Réu a entregar ao A. cópia das atas de condomínio desde o ano de 2013 e a pagar ao A. a quantia de 166.039,42€ acrescido de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral e efetivo pagamento,
(ii) No caso de revelia do réu, e uma vez que o processo declarativo é um processo cominatório semipleno, a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu, cabendo ao juiz proceder ao respetivo enquadramento jurídico, abstendo-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância, julgar a ação apenas parcialmente procedente, ou mesmo julgar a ação improcedente, sempre em função do resultado da aplicação das normas de direito material.
(iii) No momento de proferir a sentença, o tribunal está vinculado ao disposto no art. 604.º, n.º 4, do CPC, isto é, a proceder a uma cuidada apreciação dos factos alegados, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
(iv) O Recorrido apenas em 04-11-2009 adquiriu, por doação, metade do direito de usufruto sobre a fração em causa na presente ação, e adquiriu, também por doação, a segunda metade do direito de usufruto sobre a mencionada fração autónoma em 27-09-2018.
(v) A aquisição, por doação, do direito de usufruto sobre a fração em causa na presente ação, metade em 04-11-2009 e a outra metade em 27-09-2018, são incompatíveis com os factos alegados pelo Recorrido, quanto aos danos da fração, porquanto estes são anteriores à aquisição, por doação, do direito de usufruto sobre a fração autónoma.
(vi) Perante a discrepância e por força do disposto no citado art. 604.º, n.º 4, do CPC, os referidos factos devem ser julgados como não provados, ou, em obediência ao princípio cominatório semipleno do processo declarativo, em que a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu, o Tribunal a quo, perante o enquadramento fáctico e jurídico, está vinculado a julgar a ação improcedente, em função do resultado da aplicação das normas de direito adjetivo e material.
(vii) Os factos e a prova invocados pelo Recorrido — designadamente a certidão do registo predial respeitante à fração autónoma em causa, o orçamento de obras e a ata da reunião da assembleia de condóminos do prédio — são insuscetíveis de fundamentarem o pedido de indemnização deduzido contra a Recorrente, por este pedido não ser subsumível ao regime geral dos arts. 483.º e seguintes do Código Civil (CC), uma vez que na data em que os factos ocorreram o Recorrido não era titular de um direito real (de propriedade ou outro) sobre a fração em causa.
(viii) Considerando a data dos factos em causa na presente ação, concluiu que o Recorrido não dispõe de legitimidade que lhe permita demandar contra a Recorrente o pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual.
(ix) A legitimidade processual, enquanto pressuposto processual fundamental, reporta-se à relação de interesse das partes com o objeto da ação, de acordo com o concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa.
(x) A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Recorrido na petição inicial.
(xi) A ilegitimidade, constituindo uma exceção dilatória, ou seja, uma deficiência do processo, obsta a que o tribunal conheça do mérito, determinando a absolvição da instância (art. 278.º, n.º 1, alínea d) e 576.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC).
(xii) Por outro lado, considerando o teor do documento n.º 3, correspondendo à ata da reunião da Assembleia de Condóminos de 07-01-2022, cujo teor, por economia processual, aqui se dá integralmente por reproduzido, o Tribunal a quo não pode dar como provado o facto alegado pelo Recorrido que “o pagamento desta dívida ao autor [Recorrido] foi reconhecido em Assembleia de Condóminos”, porquanto, de acordo com o referido documento (ata), junto pelo Recorrido, na referida reunião da Assembleia de Condóminos “foi aprovado reembolsar o Condómino “AA” pela obra realizada na sua fração, no valor de 1.600,00 € (mil e seiscentos euros), sob a condição da apresentação da fatura e recibo da referida.”
(xiii) O Recorrido, que juntou cópia da ata, para a qual remete a respetiva alegação, não alegou ou invocou qualquer outro facto, nomeadamente que apresentou a fatura e o recibo da referida despesa.
(xiv) A totalidade dos factos alegados pelo Recorrido, devem, ao abrigo do disposto no art. 604.º, n.º 4, do CPC, ser julgados como não provados, ou em obediência ao princípio cominatório semipleno do processo declarativo, em que a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu, o Tribunal a quo, perante o enquadramento fáctico e jurídico, está vinculado a julgar a ação improcedente, em função do resultado da aplicação das normas de direito adjetivo e material.
(xv) Na data em que ocorreram os factos em causa na presente ação, o invocado direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, em causa na presente ação, a existir, seria titulado pelos respetivos proprietários, isto é, “BB”, “DD” e “EE”, por serem estes quem, na data dos factos, eram titulares do direito em causa.
(xvi) O Recorrido, na data dos factos em causa, não era titular de qualquer direito que o legitimasse ou legitime a deduzir a presente ação contra o Recorrente.
(xvii) Os então proprietários da fração em causa, “BB”, “DD” e “EE”, deduziram pedido de indemnização, pelos mesmos factos, na ação que correu termos sob o n.º …/04.8TVLSB, na extinta 3.ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (atual Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 5).
(xviii) O pedido então deduzido pelos então proprietários “BB”, “DD” e “EE” foi julgado improcedente, por prescrição, por sentença já transitada em julgado.
(xix) A presente ação ofende, pois, o princípio da autoridade do caso julgado.
(xx) O caso julgado é definido a partir da preclusão dos meios de impugnação, traduzido na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado (art.s 619.º, n.º 1 e 628.º, ambos do CPC).
(xxi) A intangibilidade (tendencial) do caso julgado é um princípio fundamental do ordenamento jurídico português, com que se pretende evitar a contradição de julgados, isto é, a existência de decisões, em concreto, incompatíveis.
(xxii) A insuscetibilidade de impugnação de uma decisão decorrente do seu trânsito em julgado (art. 628º do CPC) é uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica, obstando a que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, impedindo que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.
(xxiii) O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa exceção dilatória própria (art. 577º, alínea i), do CPC).
(xxiv) No caso sub iudicio, em ambas as mencionadas ações (a presente e aquela outra, que correu termos sob o n.º …/04.8TVLSB), está-se perante uma situação de identidade entre os objetos de ambas as ações.
(xxv) A exceção da força e autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão (transitada em julgado) de determinadas questões que já não podem voltar a ser discutidas e, diversamente da exceção de caso julgado, pode (e deve) funcionar independentemente da verificação de identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
(xxvi) A força obrigatória do caso julgado incide sobre a parte decisória propriamente dita, bem como sobre a decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, ou seja, decisões proferidas sobre todas as questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada, já que a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem, como sejam os fundamentos, aos quais se refere.
(xxvii) A força obrigatória reconhecida ao caso julgado material repousa na necessidade de assegurar estabilidade às relações jurídicas, não permitindo que litígios, entre as mesmas partes e com o mesmo objeto, se repitam indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica.
(xxviii) Resulta, claramente, do teor da sentença proferida na ação que correu termos sob o n.º …/04.8TVLSB, que os anteriores proprietários da fração em causa, “BB”, “DD” e “EE”, intervieram nessa ação e aí deduziram pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, pedido este idêntico ao pedido deduzido na presente ação.
(xxix) A sentença proferida na ação n.º …/04.8TVLSB, transitada em julgado, depois de dois recursos interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal e Justiça, que mantiveram a sentença proferida pela Primeira Instância, é ofendida pela sentença proferida nos presentes autos, por identidade de objeto das duas ações.
(xxx) A decisão (transitada) proferida na ação n.º …/04.8TVLSB, com a inerente autoridade do caso julgado, veda, agora, em nome da segurança jurídica, perante o insucesso daqueles pedidos, a possibilidade do Recorrido ter acesso a uma segunda ação.
(xxxi) A ofensa da autoridade do caso julgado constitui uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, sendo que esta exceção é de conhecimento oficioso, ou seja, pode ser conhecida em qualquer momento do processo até ao trânsito em julgado da decisão, o que se invoca para todos os devidos e legais efeitos (arts. 586.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea i) e 578.º, todos do CPC).
Nestes termos e no mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
No mesmo dia 12/11/2024, o réu juntou aos autos comprovativo de pagamento de multa por ato praticado no 1.º dia após o termo do prazo (artigo 139.º, n.º 5, al. a), do CPC).
O autor respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Por despacho de 27/01/2025, do qual em seguida se extrata o essencial, foi julgada não verificada a invocada nulidade da citação:
«é pacífico quer na doutrina quer na jurisprudência que a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está, ainda que indireta ou implicitamente, coberta por um qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o ato viciado, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respetivo despacho pela interposição do competente recurso. (…) o Tribunal a quo considerou confessados os factos alegados na petição inicial por despacho de 27.02.2024. Posteriormente, foi proferida sentença em 09.10.2024 que reiterou o R. foi citado não tendo contestado.
Assim, porque o Tribunal conheceu já, por despacho expresso, a questão da validade da citação, e tendo já proferido sentença, a questão da nulidade de citação deixa de poder ser impugnada através do regime das nulidades processuais, tendo que ser atacada por meio de recurso. Efetivamente, tendo havido uma decisão final, não se está a tratar apenas da nulidade processual, mas também das consequências da nulidade processual para a decisão que é posteriormente proferida. Este entendimento é, aliás, compatível com o regime dos recursos. Veja-se que a decisão que defira ou indefira a nulidade de citação não admite recurso imediato, podendo ser impugnado no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão final (art.º 644º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Ora, tendo sido já proferida a decisão final, é no recurso dessa decisão que a Ré tem que invocar a nulidade de citação, dos despachos intercalares e, consequentemente, da sentença.»
Não se conformando com o despacho de 27/01/2025, que indeferiu a nulidade da citação, o réu recorreu, em 18/02/2025, com as seguintes conclusões:
«(i) As nulidades processuais previstas nos art.s 186.º e seguintes do CPC, por versarem sobre vícios processuais determinantes da nulidade do processo, respeitando ao cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjetiva postula como essencial ou de natureza secundária para a correta tramitação do processo, para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão, têm, sempre, de ser arguidas perante o tribunal “a quo”.
(ii) As nulidades em causa, suscitadas pela Ré, aqui Recorrente, correspondem a formalidades processuais a se de natureza e índole intimamente adjetiva, atos formais inerentes à própria tramitação do processo, pelo que, ao abrigo do disposto nos art.s 197.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 200.º, n.º 3, todos do CPC, estão sujeitas a reclamação perante o Tribunal “a quo” e devem por este ser apreciadas logo que sejam reclamadas.
(iii) As nulidades suscitadas pela Ré, aqui Recorrente, não correspondem a nulidades concernentes com os vícios da sentença, integráveis no dinamismo já substantivo e material do processo decisório e com este se compaginando.
(iv) As nulidades previstas nos art.s 186.º e seguintes do CPC, podem e devem ser arguidas perante o Tribunal “a quo”, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.s 197.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 200.º, n.º 3, todos do CPC.
(v) O despacho mencionado na decisão sub iudicio, proferido em 27-01-2024, que considerou confessados os factos alegados na petição inicial, proferido na convicção da regularidade da citação, corresponde a um despacho tabelar ou de mero expediente, não se operando quanto a ele caso julgado formal, e não obsta a que o assunto nele tratado possa vir, numa fase subsequente, a ser ponderado e fundamentadamente decidido.
Nestes termos e no mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a realização dos atos processuais, designadamente instrutórios, com vista à apreciação do mérito do incidente sobre as nulidades processuais em causa, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
O autor respondeu, pugnando pela improcedência deste recurso.
Submetido a despacho o requerimento de recurso relativo ao indeferimento da nulidade da citação, em 20/03/2025, foi proferido o seguinte:
«Considerando que o R. interpôs já recurso da decisão final, que se mostra já admitido por despacho de 27.01.2025, entende-se que os fundamentos do presente requerimento/recurso poderão integrar o objeto daquele, não se justificando nova admissão de recurso».
Chegados os autos a esta Relação, e nada obstando ao conhecimento do mérito, foram colhidos os legais vistos.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Considerando as alegações dos recursos do recorrente, colocam-se as seguintes questões:
a. A arguição da nulidade da citação foi tempestiva?
b. Na positiva, a citação do réu enferma de nulidade, devendo ser anulado o processado ulterior à petição?
c. O autor não tem legitimidade processual para deduzir os pedidos que formulou?
d. Idêntica ação foi interposta pelos proprietários e julgada improcedente por prescrição do direito invocado, por decisão transitada em julgado? Verifica-se, portanto, a exceção de caso julgado?
e. A ação deve ser julgada improcedente, pelo menos, em parte?
Não obstante, há uma questão de que vamos conhecer ex officio: a da impossibilidade de confissão ficta dos factos pelo condomínio, representado pelo administrador. O réu não a suscitou diretamente, mas alegou no recurso que parte dos fatos não se podiam considerar provados por falta de meios de prova e que os provados não conduziam à procedência da ação.
Conheceremos da dita questão depois das primeiras quatro acima enunciadas, antes do conhecimento do fundo da causa, relativo aos direitos reclamados pelo autor.
II. Da nulidade da citação
II.1. Factos relativos à administração do condomínio e às diligências de citação:
1. Da ata avulsa da assembleia geral de condóminos de 06/02/2023, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta, entre o mais:
«Encontravam-se presentes os seguintes condóminos: - O Sr. “AA”, usufrutuário da fração "A", correspondente à loja, representado 350/1000 votos do capital investido; - A Sra.“GG”, em representação dos seus pais, “II” e mulher “JJ”, titulares do direito de propriedade da fração "B", correspondente ao 1.º andar, representando 100/1000 votos do capital investido e também em representação da Sra. “KK”, proprietária da fração "H", correspondente ao sétimo andar recuado, representando 50/1000 do capital investido; - A Sra. “GHG”, cabeça de casal da herança da aberta por óbito de “LL”, de cuja herança faz parte a fração "C", correspondente ao 2.º andar, representando 100/1000 do capital investido; - Sra. “MM”, usufrutuária da fração "D", correspondente ao 3.º andar, representando 100/1000 do capital investido; - Dr. “NN”, proprietário da fração "F", correspondente ao 5.º andar representando 100/1000 do capital investido; (…) No ponto 1 da ordem de trabalhos o Presidente da Mesa da Assembleia deu a palavra à Administradora, Sra. “GG”, para apresentar a proposta para a adjudicação dos serviços de gestão do condomínio. Neste ponto da ordem de trabalhos foi apreciada a proposta apresentada pela empresa L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em ..., que gira sob a denominação comercial "Lisboa Condomínios", datada de 31 de outubro de 2022. Após apreciação da proposta para a adjudicação dos serviços de gestão do condomínio foi aprovado, por unanimidade, adjudicar à. identificada proponente a proposta apresentada na modalidade de Gestão Administrativa, com o custo mensal de 70,00 € (setenta euros), acrescido de IVA. Na sequência da deliberação tomada, passam a integrar a Administração de Condomínio a Sra. “GG” e um representante a nomear pela sociedade L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em ..., que gira sob a denominação comercial "Lisboa Condomínios", por carta escrita.»
2. Na petição, o autor intenta ação contra «Condomínio do Prédio sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa», sem indicar a identidade, nem a morada do administrador.
3. Remetida carta registada com aviso de receção para «Condomínio do Prédio sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa», a mesma foi devolvida ao remetente com a indicação «Encerrado».
4. Expedida segunda carta registada com aviso de receção para «Condomínio do Prédio sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa», a mesma foi devolvida ao remetente com a indicação «Endereço insuficiente».
5. Notificado para se pronunciar, o autor informou que seria administradora «”GHG”, solteira, maior, com o NIF … e domicílio na Av. …, n.º 3, 2.º andar, em Lisboa».
6. O autor explicou que sustentava esta informação nos factos de: ter sido notificado para assembleia de condóminos por carta alegadamente efetuada e assinada pela condómina “GG” na qualidade de Administradora (carta que junta e na qual não é indicada morada da administradora, referindo-se apenas os número de polícia do prédio); e, tendo consultado as certidões prediais do prédio, constar desde 12/03/2023 como comproprietária da fração autónoma designada com a letra “C” correspondente ao 2.º andar a Sr.ª “GHG”, solteira, maior, com o NIF ...
7. Expedida carta registada com aviso de receção para «”GHG”, Avenida …, n.º 3 2.º andar, Lisboa», a mesma foi devolvida ao remetente com a indicação «Encerrado».
8. Notificado da devolução, o autor solicitou a citação por agente de execução.
9. Em 22/12/2023, o AE juntou certidão de citação por contacto pessoal da qual consta que, em 21/12/2023, pelas 15:40, na Av. …, 3, r/c, Lisboa, citou o condomínio do prédio sito na Av. …, 3 e 3-A, em Lisboa, na Sociedade Administradora L. Ribeiro – Gestão de Imóveis Unipessoal, Lda., ali representada por “HH”, cuja identificação verificou e que assinou a certidão e a folha de citação, nomeadamente após a frase «Recebi o original e documentos anexos»; da folha de citação consta, entre o mais, que fica citada para em 30 dias contestar e que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo autor; da certidão consta, no campo «Observações», que a diligência de citação efetivada na sociedade administradora do condomínio, tendo esta recebido a citação e documentos anexos, que a certidão de citação foi assinada por “HH”, identificada acima no ponto 3, e que a Senhora “GHG” não é administradora do condomínio.
10. As ulteriores cartas para notificação do condomínio réu – da sentença de 19/03/2024, do despacho de admissão do recurso interposto pelo autor da citada sentença, do acórdão de 04/07/2024 – foram expedidas para “GHG”, com domicílio na Av.ª …, n.º 3, 2.º andar, Lisboa, tendo sido devolvidas pelos CTT (artigos 31.º a 43.º);
11. Apenas a carta expedida em 10/10/2024 para notificação ao réu da sentença de 09/10/2024 foi dirigida, pela primeira vez nos autos, a L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., em ... (artigos 44.º e 45.º).
O facto 1 está provado pela respetiva ata da assembleia de condóminos, aceite por ambas as partes.
Os factos 2 a 11 são processuais, estando provados pelo documento constituído pelo processo e suas parte integrantes.
II.2. Apreciando, à luz dos descritos factos, a suscitada invalidade da citação
Relembramos que o réu na presente ação é o «Condomínio do Prédio sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa», contra o qual a ação foi intentada. O condomínio, como é sabido, corresponde ao conjunto dos condóminos e, não sendo embora uma pessoa coletiva stricto sensu, é uma entidade dotada de personalidade judiciária (art. 12.º, al. e), do CPC), sendo representada em juízo pelo respetivo administrador (art. 1437.º do CC). Apesar de intentar a ação contra o condomínio, o autor, logo no art. 2.º da p.i., afirma «Enquanto a Ré é a administradora desse condomínio». Note-se que em nenhum momento da p.i. o autor identifica o administrador do condomínio e no introito intenta a ação contra o condomínio, não contra qualquer pessoa que tivesse identificado como administradora daquele. Podemos ultrapassar estas imprecisões, desconsiderando o art. 2.º da p.i. como manifesto lapso e considerando que o réu é o «Condomínio do Prédio sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa», conforme identificado no lugar próprio da peça processual e não o administrador do mesmo, que em nenhum local da p.i. foi nomeado ou de algum modo identificado.
A primeira intervenção do condomínio réu nestes autos ocorre após a prolação da sentença condenatória proferida em 09/10/2024, ora objeto de recurso. Essa primeira intervenção sucede em 31/10/2024, quando, por requerimento autónomo, o réu argui a nulidade da citação e subsequente processado (dias antes, em 18/10/2024, o Il. Advogado que viria a ser constituído seu mandatário tinha requerido a consulta do processo).
O autor pugnou pela não admissão da nulidade, por extemporaneidade do respetivo requerimento.
Em 27/01/2025, o tribunal a quo proferiu despacho de indeferimento da nulidade da citação, do qual o réu apelou, em 18/02/2025.
Entretanto, o réu havia interposto recurso da sentença final, sem referência à previamente arguida nulidade da citação.
A tempestividade de uma arguição de nulidade da citação depende do tipo de nulidade arguida e dos factos em que se sustenta.
O CPC prevê vários tipos de nulidade da citação, com regimes distintos sobre o momento da sua arguição e as consequências da falta de arguição nesse momento.
A espécie de nulidade de citação mais forte é a que se reconduz a falta de citação, que o artigo 187.º divide em dois grupos:
a) falta de citação do réu,
b) falta de citação do Ministério Público, logo no início do processo, nos casos em que deva intervir como parte principal.
O primeiro grupo, de falta de citação do réu, subdivide-se nos casos previstos no artigo 188.º do CPC, a saber:
i. Total omissão do ato;
ii. Erro de identidade do citado;
iii. Indevido emprego da citação edital;
iv. Ato posterior ao falecimento do citando pessoa singular ou à extinção da citanda pessoa coletiva;
v. Prova de que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Os casos de falta de citação (todos, seja do réu, seja do Ministério Público interveniente como parte principal) determinam a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta (artigo 187.º); a menos que o réu ou o Ministério Público intervenha no processo sem arguir logo a falta da sua citação, caso em que se considera sanada a nulidade (artigo 189.º).
Em qualquer dos casos de falta de citação, a nulidade é de conhecimento oficioso (a não ser que deva considerar-se sanada, como se refere superfluamente no artigo 196.º do CC), e pode ser arguida em qualquer estado do processo (enquanto não dever considerar-se sanada, como se afirma, mais uma vez superfluamente, no artigo 198.º, n.º 2).
A falta de citação no caso de pluralidade de réus tem regras anulatórias específicas constantes do artigo 190.º
Adiante-se já que o condomínio réu não alegou qualquer caso de falta de citação, nem os factos que articulou no respetivo requerimento se reconduzem a qualquer dos tipos de falta de citação. O que o réu alegou, como melhor veremos, reconduz-se a uma nulidade de citação atípica. Antes, porém, continuemos a sistematizar os caos de nulidade de citação.
Além da espécie mais gravosa de nulidade da citação a que já nos referimos (a falta de citação), o CPC prevê no artigo 191.º outras nulidades de citação, com regimes distintos.
Identificamos nesse artigo três casos típicos e uma cláusula aberta:
a) Citação edital em caso em que devia ser efetivamente usada essa modalidade de citação, mas realizada sem observância de formalidades prescritas na lei (artigo 191.º, n.º 2, 2.ª parte);
b) Omissão da indicação do prazo para a defesa (artigo 191.º, n.º 2, 2.ª parte);
c) Indicação de prazo para a defesa superior ao que a lei concede (artigo 191.º, n.º 3);
d) Citação realizada sem observância de outras formalidades prescritas na lei (artigo 191.º, n.º 1).
As nulidades que acabámos de identificar com as alíneas a) e b) são de conhecimento oficioso (artigo 196.º) e podem ser arguidas quando da primeira intervenção do citado no processo (artigo 191.º, n.º 2, in fine).
Nas demais nulidades, o prazo de arguição é o que tiver sido indicado para a contestação (artigo 191.º, n.º 2, 1.ª parte) e só podem ser conhecidas sobre reclamação dos interessados, salvos casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso (artigo 196.º, 2.ª parte).
Em todos estes (do artigo 191.º) casos de nulidade da citação, a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (n.º 4 do artigo 191.º).
Esclarecidos sobre os vários tipos de nulidade da citação e os seus regimes, vejamos o caso concreto.
No requerimento de 31/10/2024, o réu admite que a pessoa citada (“HH”) é administradora do condomínio, admite que a mesma foi citada nos termos da certidão do AE, mas alega a nulidade da citação com os seguintes fundamentos:
- há uma outra administradora (o condomínio tem duas administradoras) e a citação apenas seria válida se fosse feita nas duas pessoas;
- o AE, aquando da citação na pessoa de “HH”, informou verbalmente esta última que o prazo para contestar a ação começaria a correr após a citação pessoal da outra administradora, “GG”, o que iria concretizar.
A alegação do autor não se reconduz a nenhuma das facti species de falta de citação do réu (previstas, como vimos, no artigo 188.º). O réu, diga-se, também não faz essa recondução. Pelo contrário, subsume os factos que alega ao disposto no artigo 191.º, n.ºs 1, 2 e 4 (art. 59.º do req. de 31/10/2024).
Não pode haver dúvidas de que, a existir irregularidade, tratar-se-ia de uma nulidade atípica de citação, e não de uma falta de citação. Com efeito, não se discute que “HH” era administradora do condomínio como admitido pelo réu: a administração do condomínio na data da propositura da ação é a que saiu da assembleia geral de condóminos de 06/02/2023; deliberou-se nela que passavam a integrar a administração do condomínio a Sra. “GG” e um representante a nomear pela sociedade L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em ... (dois administradores); resulta da mesma ata que “GG” é representante dos seus pais, titulares da fração B, correspondente ao 1.º andar; não consta da ata a morada da referida pessoa, “GG”; da mesma ata consta haver uma condómina cujo o primeiro nome é parecido e o último igual, “GHG”, cabeça de casal de uma herança da qual faz parte a fração "C", correspondente ao 2.º andar.
Na petição, o autor identificou como réu o «Condomínio do Prédio sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa», sem indicar a identidade, nem a morada do administrador. Duas cartas foram remetidas com o referido destinatário, ambas devolvidas, uma com a menção «Encerrado» e outra com «Endereço insuficiente».
Veio, então, o autor indicar que seria administradora «”GHG”, solteira, residente na Av. …, n.º 3, 2.º andar, em Lisboa», que, já vimos, não tinha essa qualidade (nem tão-pouco resulta da ata acima mencionada que ali resida, sendo apenas cabeça de casal de herança de que faz parte uma fração). Expedida carta registada com aviso de receção para «”GHG”, Avenida …, n.º 3, 2.º andar, Lisboa», a mesma foi devolvida ao remetente com a indicação «Encerrado». Notificado da devolução, o autor solicitou a citação por agente de execução.
Em 22/12/2023, o AE juntou certidão de citação por contacto pessoal da qual consta que, em 21/12/2023, citou o condomínio do prédio sito na Av. …, 3 e 3-A, em Lisboa, na Sociedade Administradora L. Ribeiro – Gestão de Imóveis Unipessoal, Lda., representada por “HH”, na Av. Luís Arantes de Oliveira, 3, r/c, Lisboa. Da folha de citação consta, entre o mais, que a citada recebeu os originais da petição e documentos, e que ficou citada para, em 30 dias, contestar, importando a falta de contestação a confissão dos factos articulados pelo autor; da certidão consta ainda, no campo «Observações», que a diligência de citação foi efetivada na sociedade administradora do condomínio, tendo esta recebido a citação e documentos anexos, que a certidão de citação foi assinada por “HH”, e que a Senhora “GHG” não é administradora do condomínio.
Da ata avulsa da assembleia geral de condóminos de 06/02/2023 (cujo teor se deu por reproduzido no facto 1, além de aí se ter extratado o essencial), consta que «passam a integrar a Administração de Condomínio a Sra. “GG” e um representante a nomear pela sociedade L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em ...», não constando em qualquer parte do texto da mesma ata o endereço da administradora “GG”. Lê-se nessa ata que “GG” está presente na assembleia «em representação dos seus pais, “II” e mulher “JJ”, titulares do direito de propriedade da fração "B", correspondente ao 1.° andar, representando 100/1000 votos do capital investido e também em representação da Sra. “KK”, proprietária da fração "H", correspondente ao sétimo andar recuado, representando 50/1000 do capital investido». Ou seja, “GG” não é condómina, é um terceiro face ao condomínio e da ata não consta o seu domicílio.
Claramente, o condomínio teria de ser citável na sociedade L. ...Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em ....
É sabido que o CC se reporta sempre ao administrador do condomínio no singular, entendendo-se comummente que o administrador seja um órgão singular. Escreve Rui Pinto Duarte que «[a]pesar de a solução ser irracional (e ser contrariada pela prática), parece inevitável concluir que a lei vigente impõe que o administrador do condomínio seja necessariamente um órgão singular: todas as referências que o CC faz ao administrador vão nesse sentido (arts. 1430, n.º 1, 1432, n.º 9, 1433, n.ºs 2 e 6, 1434, n.º 1, 1435 – nos seus cinco números –, 1435-A, n.ºs 1 e 3, 1436, 1437 – nos seus três números – e 1438), o mesmo acontecendo com as do Dec.-Lei 268/94, de 25 de outubro (arts. 1.º, n.º 3, 2.º, 3.º, 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, 7.º, 8.º, 9.º e 11)» - A Propriedade Horizontal, Almedina, 2019, p. 94.
Certo é que, no caso, havia dois administradores e, quando assim é, a citação do condomínio há de ser feita na pessoa de qualquer deles, por norma extraída do artigo 223.º, n.º 3, do CPC, por maioria de razão.
Mesmo que a citação tivesse sido irregular – mesmo que, nos casos em que há dois administradores, a citação do condomínio apenas se completasse quando efetuada na pessoa de ambos os administradores –, o que não se concede, o prazo para a arguição desta nulidade seria o que tinha sido indicado para a contestação; assim o determina a 1.ª parte do n.º 2 do artigo 191.º do CPC. Está errado o réu quando afirma (art. 61.º do req. de 31/10/2024) que «está em tempo para a arguição da nulidade da citação, nos termos do n.º 4 do citado art. 191.º, que permite que a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo. Esta afirmação não é verdadeira. Os únicos casos em que a nulidade da citação pode ser arguida aquando da primeira intervenção no processo são:
- os de falta de citação (que não ocorreu, nem sequer foi alegada, cf. artigo 188.º);
- o de citação edital quando se verificam os pressupostos da mesma, mas que seja realizada sem observância de formalidades prescritas na lei (artigo 191.º, n.º 2, 2.ª parte); e,
- o de omissão da indicação do prazo para a defesa (artigo 191.º, n.º 2, 2.ª parte).
Nenhuma destas situações ocorreu.
Assim sendo, a nulidade (a existir) teria de ter sido arguida no prazo que foi assinalado para a contestação quando a citação se processou na pessoa da administradora “HH”. Não o tendo sido, a arguição é extemporânea.
Torna-se irrelevante discutir o argumento que serviu de fundamento ao despacho de 27 de janeiro, no qual o tribunal a quo julgou improcedente a arguida nulidade da citação. O argumento foi o de que essa arguição devia ter sido feita no recurso da decisão final proferida, uma vez que tribunal já tinha conhecido, por despacho expresso, a questão da validade da citação (quando julgou confessados os factos).
A questão suscitada pelo tribunal a quo apenas teria razão de ser se estivesse em causa uma falta de citação (188.º) ou um dos dois casos referidos na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 191.º, casos em que a nulidade poderia ser arguida aquando da primeira intervenção do citado no processo. Quando assim é, e a primeira intervenção nos autos ocorre após a prolação da sentença condenatória, e antes do trânsito desta, coloca-se a questão de saber se a nulidade deve ser arguida em requerimento autónomo ou se o deve ser no recurso da sentença final (pressupondo a questão, naturalmente, que esta seja recorrível). É matéria sobre a qual há decisões divergentes.
No caso sub judice, a questão não releva uma vez que a nulidade invocada nos autos teria de ter sido arguida no prazo da contestação, que efetivamente foi comunicado à administradora do condomínio.
Por tudo o exposto, o recurso da decisão que indeferiu a requerida nulidade de citação improcede.
III. Da ilegitimidade processual ativa
No que respeita à invocada ilegitimidade ativa, o disposto no artigo 30.º do CPC estabelece que autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; e que este interesse se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação. Mais se acrescenta no mesmo artigo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Ora, na sua petição, o autor afirmou: ser proprietário de uma fração do prédio; que a dada altura o imóvel – todo ele, não apenas a sua fração – sofreu danos graves causados pela construção de um edifício contíguo, e cuja reparação era urgente; como o condomínio não avançou com essas reparações, o autor empreendeu-as. Pede, em consequência, que o réu seja condenado a pagar-lhe o que despendeu com as obras necessárias e urgentes em partes comuns, bem como os valores despendidos para reparar estragos causados em partes ou bens próprios com na falta de conservação das partes comuns.
Perante o alegado na petição, é manifesto que o autor é parte legítima, pois, tal como delineado o litígio e a provarem-se os factos, a ação podia proceder e, nesse cenário, o autor ficaria com um crédito sobre o réu correspondente ao pedido (eventualmente descontado da quota parte que teria de ser suportada pela sua fração, na respetiva proporção).
Diz o réu que o autor é parte ilegítima porque não é proprietário, ao contrário do que alegou, mas usufrutuário.
Diga-se em abono da verdade, está provado pela competente certidão predial, aliás junta aos autos pelo autor com a petição inicial, que o autor não é nem nunca foi proprietário, sendo usufrutuário, de metade desde 2009 e da totalidade desde 2018.
Com efeito:
1. O autor é usufrutuário da fração autónoma designada pela letra "A", a que corresponde o rés-do-chão com cave do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa, inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …/…09-A, da Freguesia Coração de Jesus.
2. Em 04/11/2009 foi inscrita a favor do autor a aquisição pelo autor a “BB” (cônjuge do mesmo) do direito de usufruto sobre ½ do imóvel; e, em 27/09/2018, foi inscrita a favor do autor a aquisição a “EE” e a “DD” do direito de usufruto sobre o outro ½.
3. Os proprietários da fração são “EE” e a “DD”, por terem adquirido ½ a em 1999, ainda menores, por compra a “FF” (provavelmente tio materno); e, ii. o outro ½, em 2009, por doação de “BB”, casada com o autor no regime da separação de bens.
Nesta fase, estes factos são importantes para a apreciação do mérito da causa, mas não beliscariam, à partida, a legitimidade processual ativa, que se afere face ao alegado na petição.
Mesmo que o réu tivesse alegado na p.i. ser apenas usufrutuário, e a data de início deste seu direito, ele teria legitimidade para deduzir parte dos pedidos formulados, nomeadamente os que se prendem com reparação da parede (no âmbito do seu poder de administração da coisa), e com a indemnização de danos causados pelas partes comuns e bem seu (aparelho de ar condicionado).
IV. Do caso julgado
Em sede de apelação, o réu excecionou, ainda, o caso julgado, alegando que a presente causa já se encontraria julgada por decisão transitada, que julgou o direito prescrito. Juntou aos autos uma sentença proferida em 29/09/2009, pela então 3.ª Vara Cível de Lisboa.
A exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
A causa repete-se quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedido quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (artigo 581.º do CPC).
Na ação sub judice, o fundamento da responsabilidade imputada pelo autor ao réu consiste na violação do dever de reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, que além de afetarem partes comuns também causaram danos na fração do autor e num sistema de ar condicionado do mesmo. Está em causa o dever do administrador de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas parte comuns do edifício, dever que, não sendo cumprido, legitima a intervenção de qualquer condómino (art. 1427.º do CC); o dever de todos os condóminos de contribuírem para essas despesas (art. 1424.º do CC); e a responsabilidade dos condóminos pelas partes comuns e pelos danos que estas causem em fração ou bem de um condómino ou de terceiro (art. 493.º do CC).
Na presente ação não está em causa a origem última dos danos, nem a sua imputação a terceiros; nesta ação, parte-se da existência desses danos e da sua urgente reparação em algum momento, sendo dessa existência e urgência que nascem os deveres em causa na ação.
A ação que o réu defende fazer caso julgado relativamente à presente é completamente distinta. Tal ação foi intentada pelo ora réu contra terceiros (construtor, dono de obra e respetivas seguradoras) pelas obras que levaram efeito em prédio contíguo ao do aqui réu, ali autor, e que causaram danos no prédio sito no n.º 3 e 3-A da Av. …. O fundamento jurídico residia ali em responsabilidade civil extracontratual, decorrente da violação culposa do direito de propriedade dos condóminos do prédio n.º 3 e 3-A. Nessa ação, interposta pelo administrador do condomínio, intervieram também do lado ativo os vários condóminos, entre os quais “BB”, “DD” e “EE”, donos da fração correspondente ao rés-do-chão e cave, onde funcionava um restaurante, da qual o ora autor é usufrutuário (por doação em ½ de sua mulher “BB”, e noutro ½ de “DD”, seus filhos). A dita ação foi julgada improcedente por prescrição do invocado direito de indemnização por responsabilidade aquiliana, prescrição que foi invocada pelos ali réus.
Inexiste, portanto, identidade entre as duas ações, diferentes quanto aos sujeitos (na presente, usufrutuário contra o condomínio, na anterior, condóminos contra terceiros) e quando às causas de pedir (na presente, realização pelo autor de obras urgentes, da responsabilidade de todos os condóminos, na anterior, reparação de danos causados por terceiros na propriedade dos condóminos).
V. Da confissão ficta julgada pelo tribunal a quo
Como vimos, o réu condomínio foi pessoal e regularmente citado e não contestou.
O tribunal a quo, invocando o disposto no art. 567.º, n.º 1, do CPC, deu por confessados, logo, provados por confissão, os factos alegados pelo autor e entendeu-os suficientes e aptos para a total procedência da causa.
No que respeita ao direito do autor sobre a fração “A” – que o autor alegou ser de propriedade, mas que resulta de certidão predial junta com a p.i. que é de usufruto, e posterior à maioria dos factos que são causa de pedir na ação –, poderíamos retificá-lo, considerando o citado documento autêntico.
Mas que dizer relativamente aos demais factos alegados? Podemos considerá-los confessados pela falta de contestação do réu condomínio? Ou seja, a revelia do réu condomínio é operante, surte os efeitos mencionados no art. 567.º do CPC, como foi decidido em primeira instância?
Ou, pelo contrário, verifica-se uma das exceções previstas no art. 568.º do CPC, que impede a operacionalidade da revelia?
O réu na ação é o condomínio. O condomínio é nada mais que o conjunto dos condóminos de um prédio em propriedade horizontal. Não se trata de uma pessoa coletiva, não tem personalidade jurídica nem, consequentemente, capacidade jurídica (sobre a dependência da capacidade jurídica da personalidade jurídica, v. arts. 157.º, 158.º e 160.º do CC, quanto às pessoas coletivas, e 66.º e 67.º do mesmo Código, quanto às singulares).
Não obstante, a lei atribui-lhe personalidade judiciária, ou seja, a suscetibilidade de ser parte, de estar em juízo em substituição dos condóminos (arts. 11.º, n.º 1, e 12.º, al. e), do CPC).
Já o administrador do condomínio representa o condomínio em juízo (e não só).
Isso afigura-se-nos mais claro face à redação do art. 1437.º do CC conferida pela Lei n.º 8/2022, agora epigrafado «Representação do condomínio em juízo», e que afirma que o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador. Na redação anterior, a epígrafe «Legitimidade do administrador» e o texto respetivo suscitavam dúvidas sobre a posição do administrador na ação – seria representante da parte (condomínio) ou seria parte em substituição processual dos condóminos? Como é sabido, o pressuposto processual da legitimidade tem de se aferir na parte, pessoa a quem respeita a relação material controvertida. Sobre esta questão e a sua superação pela Lei 8/2022, leiam-se os Acs. TRL de 27/10/2022, proc. 2131/21.4T8AMD.L1-2, relatado pelo ora 1.º Adjunto, e de 10/11/2022, proc. 1000/22.5T8OER.L1-2, relatado pelo ora 2.º Adjunto.
O administrador do condomínio é, portanto, representante deste e não seu substituto processual, nem, consequentemente, substituto processual do condóminos.
Já o condomínio, pessoa judiciária, mas não pessoa jurídica, é parte em juízo em substituição dos condóminos. Nas palavras de Rui Pinto, «apesar de ser uma parte meramente judiciária ou formal, o condomínio não dispõe de personalidade jurídica material. O condomínio não é uma pessoa coletiva. Por isso, “uma sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes” (RC 15-10-2013/Proc. 379/03.2TBOFR.C1, JOSÉ AVELINO GONÇALVES) “ou seja, a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual – condomínio – pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual – condóminos”. Isto sem prejuízo de o administrador também pode ser demandado, em representação do condomínio, conforme art.º 1437º nº 2.» («A execução de dívidas do condomínio», in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 183).
O condomínio (parte processual que substitui os condóminos e que é representada pelo administrador), não tendo personalidade jurídica nem, consequentemente, capacidade jurídica, não pode confessar factos relativos às pessoas jurídicas que substitui, ou seja, os condóminos.
O condomínio réu está abrangido pela exceção à revelia operante constante da alínea b) do art. 568.º do CPC: «Não se aplica o disposto no artigo anterior: (…) b) Quando o réu (…) for incapaz (…) e permaneça na situação de revelia absoluta».
Com fundamentação diversa, colocando a tónica no âmbito dos poderes do administrador (representante), e não na falta de capacidade jurídica da parte (condomínio), o Ac. TRP de 23/11/2023, proc. 5025/18.7T8VNG.P1, chega também à conclusão de que a revelia não opera num caso análogo em que era réu um condomínio.
Pelo exposto, não julgamos provados por confissão ficta os factos alegados pelo autos.
Não obstante, a ação é em larga medida manifestamente improcedente, ou seja, mesmo que se considerassem provados os factos relativos às obras alegadamente efetuadas em 2007, eles não conduziriam à procedência do respetivo pedido. Como tal, vamos apreciar essa parte da ação em seguida, determinando o ulterior prosseguimento dos autos, já expurgado da dita parte, para apreciação dos pedidos que podem vir a ser julgados procedentes, se se vierem a provar os necessários factos.
VI. Da manifesta improcedência da ação no que respeita às obras que o autor alega ter realizado em 2007
VI.1. Factos a considerar
Excecionando os factos relativos à reparação da parede, em 2018 e ao ar condicionado, que deixaremos para a parte VII, ainda que se considerassem provados os demais factos alegados pelo autor, com as correções que se impõem por via da certidão predial que o próprio autor juntou com o articulado inicial, a ação seria, nessa parte, manifestamente improcedente.
Os factos em causa seriam os seguintes:
12. O autor é usufrutuário da fração autónoma designada pela letra "A", a que corresponde o rés-do-chão com cave do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, Lisboa, inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …/…09-A, da Freguesia Coração de Jesus.
13. Em 04/11/2009 foi inscrita a favor do autor a aquisição feita a “BB” (mulher do autor) do direito de usufruto sobre ½ do imóvel; e, em 27/09/2018, foi inscrita a favor do autor a aquisição a “EE” e a “DD” do direito de usufruto sobre o outro ½.
14. Os proprietários da fração são “EE” e a “DD”, por terem adquirido ½ a em 1999, ainda menores, por compra a “FF” (provavelmente tio materno); e, ii. o outro ½, em 2009, por doação de “BB”, casada com o autor no regime da separação de bens.
15. As primeiras obras que o autor realizou e que o réu não pagou ocorreram no ano de 2007 e foram necessárias após a construção de um edifício contíguo, que fez com que as terras que suportam o imóvel assentassem (5.º e 6.º p.i.).
16. Esse assentamento levou a que o prédio desnivelasse em 11 centímetros, o que criou fendas em todo o edifício, torceu e partiu sistemas de eletricidade, gás, águas, ventilação e abriu fendas nas colunas de suporte do imóvel que se encontram na cave – fração "A" (7.º p.i.).
17. A seguradora que segurava a construção do imóvel contíguo, assumiu a responsabilidade de indemnizar os proprietários das frações do imóvel das partes, bem como indemnizar o condomínio pelos danos causados nas partes comuns, e ressarciu os titulares das frações pelos danos causados às partes próprias das suas frações, ficando o condomínio responsável pela reivindicação dos valores gastos em obras nas partes comuns, sendo que, caso tivessem sido os condóminos a realizá-las igualmente requereria à seguradora os valores para, posteriormente, os restituir aos condóminos (8.º e 9.º p.i.).
18. O autor injetou betão nas colunas da cave e nas restantes paredes, tendo, para isso, de refazer os sistemas de água, luz, gás e ventilação, bem de substituir o chão e os tetos (11.º p.i.).
19. As colunas danificadas encontravam-se dentro das paredes, que tiveram de ser refeitas por forma a se aceder à estrutura pilar (12.º p.i.).
20. Nesse acesso às colunas foi destruído parte do chão e do teto, que tiveram de ser reconstruídos, bem como todos os sistemas acima referidos (eletricidade, gás, etc.) que passavam pelas paredes (13.º p.i.).
21. Igualmente com a cedência do edifício, a fossa do edifício partiu — mais concretamente a sua manilha — pelo que os detritos não escoavam para a rua, o que levou a que a cave ficasse submersa numa altura de 23 cm, o que acabou por danificar irremediavelmente o mobilizado que lá se encontrava (14.º p.i.).
22. O autor procedeu à reparação da fossa e à sua limpeza (15.º p.i.).
23. Com a cedência do edifício, a porta de entrada da cave empenou, pelo que o autor a substituiu, no que despendeu 575,00 € (16.º p.i.).
24. O autor comunicou ao réu as despesas tidas na cave, mas o réu apenas assumiu o reembolso ao autor das despesas tidas com a porta e com a limpeza e reparação da fossa (17.º p.i.).
25. O autor despendeu a quantia de 148.704,42 € na restauração da cave (onde se exclui a porta e a fossa), sem que lhe tivesse sido restituído qualquer valor (19.º p.i.).
26. Em relação à fossa, parte do valor despendido pelo autor foi reembolsado pelo réu, e o remanescente, no valor de 1.310,00 €, ficou por saldar (20.º p.i.).
27. O valor da porta ainda não foi pago ao autor (22.º p.i.).
28. Em 7 de janeiro de 2022, decorreu Assembleia-Geral de Condóminos, cujo ponto 6 da ata foi «apreciação e deliberação das reclamações apresentadas pelo Condómino “AA”», a respeito do qual, entre o mais, se deliberou:
«No ponto 6 da ordem de trabalhos foram apreciadas as reclamações apresentadas por escrito pelo Condómino, Senhor “AA” e após apurada análise, esclarecimentos complementares e cuidada ponderação foi deliberado o seguinte: (…)
iii) por unanimidade dos Condóminos presentes com direito de voto foi deliberado reembolsar o Condómino “AA” 575,00 € (quinhentos e setenta e cinco euros) respeitante à reparação da porta de acesso à fração "A", incluída na indemnização paga pela companhia de seguros. (…) (ata de 07/01/2022 junta com a p.i.).
Os factos 12 a 14 resultam de documento autêntico apto a prová-los – certidão predial do imóvel, junta pelo autor com a p.i. como doc. 1. Apesar de o autor ter alegado no art. 1.º da p.i. que «é legítimo e único proprietário», prova-se que é apenas usufrutuário, nunca tendo sido proprietário (pelo menos no período relevante para os autos).
Os factos 15 a 27 foram alegados pelo autor – designadamente nos artigos 5.º a 9.º, 11.º a 17.º, 19.º, 20.º e 22.º da p.i. –, e o 28 contém extrato da ata da assembleia junta pelo autor com a p.i.
Dos factos alegados, ainda que se considerassem confessados, sempre teríamos de excluir (como fizemos) as referências à propriedade do autor quanto ao imóvel, que sabemos não existir, bem como expressões e afirmações conclusivas e ou indeterminadas, sem suficiente suporte na factualidade descrita, como por exemplo que o autor “foi obrigado pela urgência da obra” (art. 11.º da p.i.) ou que “as coluna danificadas representavam perigo para a estrutura do prédio” (art. 12.º da p.i.).
Ou seja, se a revelia fosse operante, os factos a considerar (descontando, por ora, a matéria a ser considerada no ponto VII) seriam os acima elencados.
VI.2. Apreciação do mérito dos descritos factos para a procedência dos correspondentes pedidos
Coloquemos a hipótese de estarem provados os factos listados em VI.1.
O autor intenta a ação como se proprietário fosse, alegando ser titular do direito de propriedade e condómino do prédio. Afirma no art. 1.º da p.i. «O Autor é legítimo e único proprietário da fração autónoma designada pela letra "A", a que corresponde ao R/C com Cave do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida …, n.º 3 e 3-A, em Lisboa, inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o artigo … da Freguesia Coração de Jesus». Como sabemos a afirmação é falsa, o autor não é nem nunca foi proprietário da fração.
Para sustentar os pedidos, o autor invoca ter realizado várias obras, em vários momentos, com diferentes causas e diversos fundamentos jurídicos.
As primeiras obras que, segundo alega, realizou remontam a 2007, ano em que não era proprietário (nunca o foi), nem sequer era usufrutuário (só se tornou usufrutuário de metade em 2009 e da totalidade em 2018).
As obras que afirma ter realizado em 2007 – e pelas quais reclama 150.589,42 € [148.704,42 (ditas “obras estruturais na cave”) + 1.310,00 (parte da fossa) + 575,00 (porta)] – têm origem em danos causados por terceiro (condomínio contíguo), que não os reparou nem indemnizou. Tais obras foram todas realizadas na cave, da qual eram proprietários, à data, a mulher do autor, com quem era casado em regime de separação de bens, e os filhos de ambos. Claro que, para justificar a ação contra o condomínio (conjunto dos condóminos, representados nesta ação pelo respetivo administrador), o autor alega que fez intervenções em partes que, apesar de situadas na fração da cave, seriam comuns, e que a não reparação colocava em perigo a estrutura do prédio (arts. 11.º a 13.º da p.i.). Em todo o caso, as ditas obras foram realizadas numa fração de familiares, naturalmente em benefício direto destes. Tê-lo-á feito no âmbito da cooperação devida ou habitual na sociedade conjugal e parental (em 2007, ambos os filhos eram maiores de idade, cf. https://pagfam.geneall.net..., não tendo, portanto, atuado em representação legal de comproprietários da fração). Ainda que essas obras tenham tido impacto em partes comuns e beneficiado a estrutura do prédio, não assiste ao autor o direito, não sendo proprietário, nem mantendo com o condomínio qualquer outra relação que justifique a realização das ditas obras, de reclamar as respetivas despesas do condomínio. Apenas os proprietários da fração (por conta dos quais o autor há de ter realizado ou encomendado as obras) o podem fazer. E para terem sucesso em tal pleito muito mais teriam de alegar (e provar), além do que foi feito nesta ação, nomeadamente ao nível da urgência da obra para justificar a sua realização à revelia dos demais condóminos.
A despesa com a porta aqui reclamada foi aceite na assembleia de condóminos de 07/01/2022, tendo-se deliberado pagar o respetivo valor ao autor, a sair da indemnização paga pela companhia de seguros (facto 29); tanto basta para que o autor tenha o direito a que lhe seja entregue o respetivo valor, devendo o tribunal a quo ter isso em conta na decisão final, pois o processo vai prosseguir, em parte.
VII. Da parte sobrante – parede reparada em 2018 e ar condicionado danificado
No mais alegado pelo autor – artigos 23.º a 28.º e 42.º a 44.º da p.i. – a ação não enferma de manifesta improcedência e, considerando o exposto em V., impõe-se o prosseguimento dos autos.
Estão em causa:
- Os danos na parede da fração “A”, para cuja reparação o autor terá despendido 1.600 €, que terão tido origem em infiltrações decorrentes de fissuras em partes comuns; o autor terá feito a reparação em 2018, altura em que era usufrutuário da fração; em assembleia foi-lhe reconhecido o direito ao reembolso da quantia despendida se a provasse por fatura e recibo; trata-se de factos que podem ser provados por qualquer meio.
- Um aparelho de ar condicionado do autor, que terá ficado destruído devido à queda de um bloco de pedra pertencente à parede exterior do prédio, tendo despendido na compra de um novo 8.885 €.
- Indemnização de 5.000 € por alegada retenção injustificada de valores pagos pela seguradora.
VIII. Decisão
Face ao exposto, os juízes desta Relação julgam improcedente a apelação interposta do despacho de 27/01/2025, e julgam parcialmente procedente a apelação interposta da sentença proferida em 09/10/2024, revogando-a na parte objeto de recurso (n.º 2 do dispositivo), nos seguintes termos:
a. Julgam a ação manifestamente improcedente no que respeita às obras alegadamente executadas em 2007, absolvendo o condomínio réu do respetivo pedido, sem prejuízo de dever entregar ao autor o valor 575,00 €, devidos pela substituição de uma porta, conforme deliberado na assembleia de 07/01/2022;
b. Determinam o prosseguimento dos autos em relação à factualidade alegada nos artigos 23.º a 28.º e 42.º a 44.º da p.i.
Custas da apelação interposta do despacho de 27/01/2025 pelo apelante; custas da apelação interposta da sentença de 09/10/2024 por apelante e apelado, na proporção de 10% e 90%, respetivamente.
Lisboa, 26/06/2025
Higina Castelo
António Moreira
Pedro Martins