ADMISSÃO DE PROVA
PARTILHA DE BENS DO CASAL
DÍVIDA DE CÔNJUGES
Sumário

I. Se o juiz, na diligência que agendou para inquirição de pessoas arroladas como testemunhas e que como tal foram notificadas para comparecer, afirma que essas pessoas não podem ser ouvidas como tal, por terem qualidade de parte, e não as ouve, isso corresponde a um indeferimento de requerimento de prova, passível de recurso, no prazo de 15 dias a contar da diligência.
II. A falta da transcrição na ata da não admissão dos credores a depor como testemunhas não se reconduz a nenhuma das causas de nulidade da sentença, constantes das alíneas do n.º 1 do art. 615.º do CPC; trata-se de mera desconformidade da ata que podia ter sido suscitada no prazo de cinco dias a contar da notificação da sua incorporação nos autos (art. 155.º, n.ºs 5 e 6, do CPC); não o tendo sido, a ata consolidou-se e a omissão da transcrição em causa não tem influência no desfecho da ação.

Texto Integral

Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
“A”, por apenso aos autos de divórcio que correram entre si e “B”, veio requerer que se proceda a inventário para partilha dos bens do dissolvido casal.
Para tanto e em síntese alegou que, por sentença proferida em 20 de junho de 2012, foi decretado o divórcio entre as partes, que tinham sido casados em regime de comunhão de bens adquiridos e que há bens comuns partilhar, não havendo acordo quanto à forma de o fazer.
O requerido, ex-cônjuge mais velho, foi nomeado cabeça de casal e apresentou a seguinte relação de bens:
ATIVO
DINHEIRO
VERBA UM
Compensação fixada pela adjudicação à Região Autónoma da Madeira da propriedade do prédio urbano sito na Vereda …, no processo de expropriação n.º …/21.7T8FBNC, que correu termos no Tribunal Judicial da Madeira — Juízo Local Cível do Funchal —Juiz 1, no valor de ___________________________ €223.207,00
VERBA DOIS
Indemnização decorrente do processo de expropriação, cf. Resolução 1014/2012, de 6 de dezembro de 2012, no valor de €40.000,00
VERBA TRÊS
Valor patrimonial decorrente da transmissão onerosa do automóvel da marca Volkswagen, matrícula …FM, no valor de€250,00
VERBA QUATRO
Valor patrimonial decorrente da transmissão onerosa do automóvel da marca Renault, matrícula …90, no valor de €3.000,00
VERBA CINCO
Valor patrimonial ativo decorrente da transmissão onerosa da motorizada da marca Kawasaki, matrícula …18, no valor de3.000,00
BENS MÓVEIS
Não existem bens móveis a relacionar.
BENS IMÓVEIS
Não existem bens imóveis a relacionar.
PASSIVO
VERBA SEIS
Valor patrimonial passivo relativo ao crédito ao consumo contraído a favor da credora “C” no valor de ________________ €10.000,00
VERBA SETE
Valor patrimonial passivo relativo ao crédito ao consumo contraído a favor do credor “D”, no valor de __________________ €3.000,00
VERBA OITO
Valor patrimonial passivo relativo ao crédito ao consumo contraído a favor da credora Cetelem, no valor de______________ €4.500,00
VERBA NOVE
Valor patrimonial passivo relativo a honorários por processo de expropriação devidos Abreu & Associados, Sociedade de Advogados, RL, no valor de_______________________ €2.000,00
VERBA DEZ
Valor patrimonial passivo relativo ao crédito pessoal a favor do credor “E”, no valor de __________________________ €17.633,40
VERBA ONZE
Valor patrimonial passivo relativo ao crédito pessoal a favor do credor “F”, no valor de _________________________ €34.410,41
Notificada, a requerente impugnou todas as verbas constantes do passivo, nos seguintes termos:
- As verbas seis, sete e oito correspondem a dívidas contraídas pelo CC, cujos valores foram depositados na conta do mesmo, para seu exclusivo benefício, sem proveito para o casal;
- A verba oito não foi reconhecida pelo credor;
- Da verba nove não foi apresentada nota de honorários, nem indicado o período temporal a que se reporta;
- As verbas dez e onze correspondem a créditos contraídos exclusivamente pelo cabeça de casal;
- Em relação à dez há um título executivo única e exclusivamente sobre o requerido, em virtude de ter celebrado acordo de assunção de dívida, que incumpriu;
- Em relação à onze há uma sentença homologatória de transação com assunção da dívida, pelo requerido.
Citados, os credores apresentaram as seguintes reclamações:
- “C” reclamou crédito no valor de € 10.000,00 (dez mil euros).
- “F” reclamou crédito no valor de € 35.410,41 (trinta e cinco mil quatrocentos e dez euros e quarenta e um cêntimos).
- O cabeça de casal veio informar que liquidou completamente o crédito contraído junto da Cetelem, invocando direito de regresso relativo à verba oito, em metade do valor daquele crédito.
- “D” reclamou crédito no valor de € 3.000,00 (três mil euros).
- Abreu & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL reclamou crédito no valor de € 2.362,08 (dois mil trezentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos).
Notificada, a requerente impugnou o passivo entretanto reclamado, por se tratar de dívidas contraídas pelo cabeça de casal em seu proveito próprio e exclusivo, algumas em data posterior ao divórcio.
Após produção de prova, realizada em 17/02/2025, foi proferida sentença, em 20/02/2025, que julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada à relação de bens e, em consequência, determinou:
a) a eliminação das verbas seis, sete, oito, dez e onze do passivo; e
b) a redução da verba nove, considerando-se os serviços prestados até 31 de dezembro de 2012, constantes da nota de honorários subjacente à fatura emitida em 12-11-2015.
O cabeça de casal não se conformou e, por requerimento de 31/03/2025, recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1. Ser admitida a produção de prova testemunhal dos credores do casal para esclarecerem qual o destino dos créditos elencados e se tal foi feito em proveito comum do casal ou apenas em proveito do cabeça de casal, revogando-se a decisão não inscrita em ata, de não ouvir os credores por se tratarem de verdadeiras partes.
2. Ser a aquisição de uma moradia em nome do filho do casal, em que os ambos os seus pais figuram como fiadores e na qual tem residência fiscal e na segurança social a ex-cônjuge até os dias de hoje, considerada como contraída em proveito comum do casal e como tal aceite o passivo descrito nas verbas 6, 7, 8, 10 e 11 nos termos ali descritos.
3. Alternativamente e porque ninguém questionou o destino e utilização dos valores emprestados ao casal, relativamente ao fim em que foram aplicados, deverão tais dívidas ser consideradas comuns, nos termos do artigo 1691º, n.º 1, alínea a) do CC, por se tratarem de dívidas contraídas por um com o conhecimento e consentimento do outro.
4. A manutenção da decisão de que se recorre nos termos ali descritos direciona-nos ao ridículo de se impor o ónus da responsabilidade pelo passivo ao ex-cônjuge que não beneficia e nunca beneficiou do imóvel relativamente ao qual se referem as dívidas ali melhor identificadas.
5. Nestes termos, deve este Tribunal ad quem declarar nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo, determinando-se a repetição da audiência de inquirição das testemunhas, com a inquirição de todos os credores quanto ao destino e conhecimento da ex-cônjuge quanto aos valores ali descriminados, assim se fazendo a costumada justiça.»
A requerente contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se, seguindo a ordem da respetiva peça processual, as seguintes questões:
a. Deve ser admitida a produção de prova testemunhal dos credores do casal, revogando-se a decisão não inscrita em ata, de não ouvir os credores por se tratarem de partes?
b. A sentença é nula e o julgamento deve ser repetido a com a inquirição de todos os credores quanto ao destino dos valores e ao conhecimento da ex-cônjuge?
c. O passivo descrito nas verbas 6, 7, 8, 10 e 11 foi contraído em proveito comum do casal?
d. O mesmo passivo foi contraído com o consentimento da requerente?
II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos:
1- “B” e “A” contraíram casamento entre si em 12 de novembro de 1983, sem convenção antenupcial.
2- Por sentença proferida em 20 de junho de 2012, foi decretado o divórcio de “B” e “A”.
3- A ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge foi instaurada em 7 de maio de 2012.
4- Em 29 de julho de 2010, “C” transferiu a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) para o cabeça-de-casal.
5- Em 27 de setembro de 2011, o cabeça-de-casal emitiu um cheque no valor de € 17.000,00 (dezassete mil euros) à ordem de “E”.
6- Em 9 de maio de 2012, o cheque foi devolvido por falta de provisão.
7- “E” apresentou requerimento executivo contra o cabeça-de-casal para pagamento da quantia de € 17.633,40 (dezassete mil seiscentos e trinta e três euros e quarenta cêntimos), referente ao cheque devolvido, despesas bancárias, juros de mora e taxa de justiça.
8- Em 18 de novembro de 2015, “F” e “B” celebraram um acordo de regularização da dívida, no âmbito do qual este se confessou devedor da quantia de € 33.100,00 (trinta e três mil e cem euros), tendo declarado que a mesma foi contraída por si, então casado com a interessada, e teve como destino a compra do prédio urbano sito na Estrada …, freguesia e concelho de Câmara de Lobos, efetuada a 3 de setembro de 2010, por seu filho, “G”.
9- Ao valor em dívida acresceram despesas efetuadas por “F”, tudo num total de € 35.100,00 (trinta e cinco mil e cem euros).
10- O cabeça de casal obrigou-se a pagar aquela quantia em 20 prestações mensais e sucessivas no valor de € 1.755,00 (mil setecentos e cinquenta e cinco euros) com início em novembro de 2015.
11- Por sentença proferida em 1 de março de 2016, no Processo n.º …/15.2T8FNC, do Funchal, Instância Local, Secção Cível 3, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por “F” e “B” terem chegado a acordo para pagamento da quantia peticionada naquele processo.
12- Abreu & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL emitiu uma fatura em nome do cabeça de casal, em 30-09-2013, por prestação de serviços relativamente a uma oposição à execução, no valor total de € 275,40 (duzentos e setenta e cinco euros e quarenta cêntimos).
13- Abreu & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL emitiu uma fatura em nome do cabeça de casal, em 12-11-2015, por prestação de serviços relativamente ao processo de expropriação revogada e oposição à execução, no valor total de € 2.000,01 (dois mil euros e um cêntimo).
14- Abreu & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL emitiu nota de honorários referente ao período de 17-01-2012 a 02-07-2015, por prestação de serviços relativamente a um processo de expropriação e oposição à execução, no valor total de € 2.000,01 (dois mil euros e um cêntimo).
15- Em 4 de janeiro de 2016, a Abreu & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL apresentou requerimento de injunção contra o cabeça-de-casal para pagamento da quantia total de € 2.362,08 (dois mil trezentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos), referente àquela fatura e nota de honorários, tendo-lhe sido aposta fórmula executória em 29 de fevereiro de 2016.
B – Factos Não Provados
Com relevância para a decisão, não resulta provado que:
a. a- Na pendência do casamento, o cabeça-de-casal contraiu junto da Cetelem um crédito ao consumo no valor de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
b- O cabeça-de-casal pagou o crédito à Cetelem.
III. Apreciação do mérito do recurso
a) Da omissão de produção de prova testemunhal
No primeiro requerimento apresentado pelo cabeça de casal nos autos, em 20/05/2024, o cabeça de casal, entre o mais, juntou a relação de bens e arrolou como testemunhas “C” e “F”. Estes duas pessoas correspondem às indicadas como credoras das verbas 6 e 11, respetivamente.
Não foi proferido despacho expresso sobre o referido rol.
Por despacho de 11/12/2024, foi designado o dia 17/02/2025 para inquirição de testemunhas.
Não há nos autos qualquer outro rol de testemunhas além do acima referido, do requerimento de 20/05/2024.
Ambas as arroladas pessoas – “C” e “F” – compareceram na diligência de 17 de fevereiro, conforme atestado na respetiva ata, mas não foram ouvidas, não constando da ata qualquer referência à razão da sua não inquirição.
Ouvida a gravação da diligência, percebe-se uma conversa inicial na qual a senhora juíza diz “são credores, não podem depor aqui como testemunhas”.
Esta afirmação constitui um indeferimento de requerimento de prova, relativamente ao qual o cabeça de casal podia ter reagido por meio de recurso, no prazo de 15 dias a contar da diligência.
Com efeito, nos termos do disposto no art. 644.º, n.º 2, al. d), do CPC, cabe recurso de apelação do despacho de rejeição de meio de prova proferido por tribunal de 1.ª instância; o prazo para a interposição de tal recurso é de 15 dias, conforme estabelecido no n.º 1 do art. 638.º do CPC, para os casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º; tratando-se de despacho oral, o prazo corre do dia em que foi proferido, se a parte esteve presente no ato (n.º 3 do citado artigo 638.º).
O recurso ora interposto pelo cabeça de casal na parte referente à rejeição da inquisição de “C” e de “F” é extemporâneo, não podendo, por isso, ser conhecido do respetivo mérito.
b) Da nulidade da sentença
Nas conclusões do recurso, o recorrente afirma que a sentença é nula e que o julgamento deve ser repetido a com a inquirição de todos os credores quanto ao destino dos valores e ao conhecimento da ex-cônjuge.
As causas de nulidade da sentença estão listadas no art. 615.º do CPC, não se alcançando na conclusão do apelante possibilidade de recondução a qualquer delas.
Lendo o corpo das alegações, nelas o recorrente invoca a nulidade da sentença por «falta de pronúncia quanto a questões de que o tribunal deveria ter tomado conhecimento». Concretiza essa «falta de pronúncia» na falta de inscrição na ata da audiência de um facto com especial relevo para a decisão da causa, a saber, o de as pessoas que arrolou como testemunhas terem sido impedidas de depor.
A falta da transcrição na ata da não admissão dos credores a depor como testemunhas não se reconduz a nenhuma das causas de nulidade da sentença, constantes das alíneas do n.º 1 do citado art. 615.º do CPC.
Trata-se de mera desconformidade da ata que o ora apelante podia ter suscitado no prazo de cinco dias a contar da notificação da sua incorporação nos autos (art. 155.º, n.ºs 5 e 6, do CPC). Não o tendo feito, a ata consolidou-se e a omissão da transcrição em causa não tem qualquer influência no desfecho da ação. Já acima nos pronunciámos sobre o conteúdo da omissão da ata e a decisão que proferimos é idêntica à que teríamos proferido se constasse escrito na ata o indeferimento da inquirição das pessoas arroladas como testemunhas.
Para fundamentar a invocada nulidade da sentença, o recorrente refere, ainda, a não admissão dos credores como testemunhas. Tal situação, porém, não se reconduz a qualquer situação de nulidade da sentença (tipificadas no art. 615.º do CPC). Como acima dissemos, trata-se da não admissão de um meio de prova, sobre a qual o ora recorrente não reagiu adequada e atempadamente.
Finalmente, o apelante alicerça a suscitada nulidade da sentença na desconsideração das declarações escritas dos credores, como se estas fossem meios de prova das dívidas por via delas reclamadas. As reclamações de créditos, apresentadas ao abrigo do disposto no art. 1088.º do CPC, são requerimentos e não meios de prova; e se o fossem, a solução seria a mesma – não recondução a nulidade da sentença.
O facto de na sentença não se ter apreciado um determinado requerimento ou documento não conduz à sua nulidade (por via do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ou de qualquer outra disposição); o que poderia determinar nulidade seria a falta de apreciação de questões sobre as quais o tribunal se devesse pronunciar. As questões relevantes reconduzem-se a saber se as dívidas contraídas pelo apelante são também da responsabilidade da apelada e o tribunal a quo pronunciou-se sobre elas na sentença. Saber se o fez de forma adequada é questão de mérito (não de validade), cuja apreciação pode conduzir à revogação da sentença (não à anulação).
c) Da responsabilidade da apelada pelas dívidas descritas nas verbas 6, 7, 8, 10 e 11
Antes do mais, importa dizer que o apelante não impugnou a matéria de facto, ou seja, não pôs em causa (pelo menos de forma válida e eficaz) que, perante os meios de prova produzidos, a matéria de facto tenha sido bem julgada. Para o fazer teria de obrigatoriamente especificar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (v. art. 640.º, n.º 1, do CC. O recorrente não cumpriu nenhum dos indicados ónus. Limitou-se a pretender que venham a ser ouvidas como testemunhas os credores das verbas seis e onze, adivinhando o apelante que dos seus hipotéticos depoimentos resultaria uma matéria de facto diferente da adquirida.
Não estando impugnada a matéria de facto, dela não resulta que qualquer dos créditos identificados na relação de bens como verbas 6, 7, 8, 10 e 11 tenha sido contraído pelo apelante em proveito comum do casal ou com conhecimento da apelada.
Com efeito, da verba 6 sabe-se apenas que, em 29 de julho de 2010, “C” transferiu a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) para o cabeça-de-casal (facto n.º 4).
As verbas 7 e 8 não constam dos factos assentes.
Relativamente à verba 10, apurou-se que, em 27 de setembro de 2011, o cabeça-de-casal emitiu um cheque no valor de € 17.000,00 à ordem de “E”, cheque que, apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão, tendo o titular intentado execução contra o devedor, aqui cabeça de casal e recorrente (factos 5 a 7).
Quanto à verba 11, provou-se que, em 18 de novembro de 2015 “F” e “B” celebraram um acordo de regularização da dívida, no âmbito do qual este se confessou devedor da quantia de € 33.100,00, tendo declarado que a mesma foi contraída por si, então casado com a interessada, e teve como destino a compra de um prédio urbano pelo seu filho “G”; tendo, ainda acordado que àquele valor acresciam juros e que a dívida, no montante global de € 35.100,00, seria regularizada em 20 prestações mensais e sucessivas no valor de € 1.755,00, com início em novembro de 2015 (factos 8 a 11).
Como passamos a expor, estes factos não são suficientes para responsabilizar a requerente por qualquer das dívidas ora em causa.
As partes contraíram casamento entre si em 12 de novembro de 1983, sem convenção antenupcial, portanto, sob o regime de bens supletivamente estabelecido no art. 1717.º do CC, o regime da comunhão de adquiridos. Divorciaram-se em 20 de junho de 2012.
Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas, no que respeita às relações patrimoniais entre os cônjuges, retrotraem-se à data da propositura da ação – assim o determina o disposto no art. 1789.º, n.º 1, do CC.
A ação de divórcio foi intentada em 7 de maio de 2012.
Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro (art. 1690.º, n.º 1, do CC), mas as dívidas contraídas por um deles (como é o caso das que se provaram nos autos e permanecem em discussão no recurso) apenas serão da responsabilidade de ambos, em regime de comunhão de adquiridos, nas seguintes circunstâncias (constantes das alíneas do n.º 1 do art. 1691.º do CC):
a) se tiverem sido contraídas com o consentimento do outro;
b) se tiverem sido contraídas para acorrer aos encargos normais da vida familiar;
c) se tiverem sido contraídas pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração;
d) se tiverem sido contraídas no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal;
e) se forem dívidas comunicáveis nos termos do n.º 2 do artigo 1693.º
Nos casos em discussão provou-se que as dívidas foram contraídas pelo apelante, e não se provou o consentimento da apelada, estando, assim, afastada o circunstancialismo da al. a).
O da al. b) não está em causa, pois da alegação do apelante resulta que as dívidas não foram contraídas para acorrer aos encargos normais da vida familiar, mas sim para adquirir uma casa para o filho.
O circunstancialismo da al. c) também não se verifica, não estando provado o proveito comum do casal – que, aliás, não se presume, cf. art. 1691.º, n.º 3, do CC. A aquisição de uma casa para o filho é contraditória com um possível proveito comum do casal.
Como se lê na sentença, «independentemente de o cabeça de casal e a interessada até puderem equacionar residir naquele imóvel com o filho, após a expropriação do imóvel que constituía a casa de morada de família, tal, só por si, não nos permite concluir que as dívidas foram contraídas em proveito comum do casal. Na verdade, a aquisição daquele imóvel teve, antes, em vista o benefício do filho do casal, não se destinando a satisfazer diretamente os interesses deste. Mais se refira que, a norma em causa, impõe ainda que as dívidas tenham sido contraídas no âmbito e nos limites dos poderes de administração do cônjuge que as contraiu. Ora, nos termos do art. 1678.º, n.º 3, do Código Civil, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de atos de administração dos bens comuns do casal. Os restantes atos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges. Atentos os montantes dos valores que estão em causa, não se afigura que aquelas dívidas tenham sido contraídas dentro do âmbito dos limites dos poderes de administração do cabeça de casal. Com efeito, a participação na aquisição de um prédio para um filho, com recurso a empréstimos, é um ato de administração extraordinária, para cuja prática o art. 1678.º, n.º 3º, 2.ª parte, do Código Civil, exigia o consentimento da interessada».
Assim, bem andou o tribunal a quo ao concluir que não se mostra provado que as dívidas ora discutidas no recurso sejam também da responsabilidade da apelada.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 26/06/2025
Higina Castelo
Arlindo Crua
Rute Sobral