CONTRATO DE EMPREITADA
FORMA
NULIDADE
RESTITUIÇÃO
Sumário

1. Nos termos do art.º 29º, nº 1, do D.L. 12/2004, de 9/1, em conjugação com a Portaria 1371/08, de 2/12, o contrato de empreitada com valor acima de € 16.600,00 deve ser obrigatoriamente reduzido a escrito.
2. A preterição dessa formalidade ad substantiam determina a nulidade do contrato e a insusceptibilidade da sua demonstração por outro meio que não o documento respectivo.
3. Em consequência dessa nulidade deve ser restituído tudo o que foi prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, a restituição em valor correspondente.
4. Estando demonstrados quais os trabalhos realizados pelo autor e qual o valor que foi acordado a título de preço desses trabalhos com o réu beneficiário dos mesmos, é esse valor que o réu deve restituir ao autor, na medida em que não alegou valor distinto quando invocou a nulidade.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

L. propôs acção declarativa com processo comum contra P., pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de € 30.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese, que:
• O A. e a sua mulher adquiriram um terreno no qual construíram uma moradia, com a intenção de ser vendida a terceiros, depois de obtida a respectiva licença de utilização para habitação;
• Concluída a construção, celebraram com o R. contrato promessa de compra e venda do imóvel, pelo preço global de € 650.000,00;
• Na mesma data da celebração do contrato promessa o A. e a sua mulher acordaram com o R. alterações à construção inicial, correspondentes à colocação de equipamentos que não faziam parte da construção e que foram escolhidos pelo R.;
• O valor global destas alterações foi fixado em € 40.000,00, ficado acordado o pagamento em prestações de € 10.000,00, até à conclusão dos trabalhos;
• O A. executou as alterações nos termos acordados com o R. mas este apenas pagou uma prestação de € 10.000,00, apesar de ter assinado uma declaração em que reconhecia ser devedor do A. pelo valor global de € 40.000,00.
Citado o R., apresentou contestação onde, em síntese, alega que:
• Não assinou o documento com o acordo relativo às alterações nem a referida declaração de dívida, sendo os mesmos nulos;
• O valor de € 30.000,00 destinava-se à aquisição de materiais e equipamentos de construção, não tendo tais obras sido realizadas e não sendo, assim, devedor desse montante.
Em audiência prévia foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa em € 30.000,00, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a realização da audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, julga-se a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, decide-se condenar o Réu (…) no pagamento ao Autor de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescidos de juros de mora, vencidos à taxa legal supletiva, desde a data da citação, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento.
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Custas a cargo do Réu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil)”.
O R. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. A douta sentença é nula, nos termos do nº 1, al) d do artigo 615º do CPC.
2. Porquanto, com base na prova testemunhal, e documentos (2 sem assinatura do R), determinou em termos de Direito, que A. e R., celebraram oralmente, um contrato de empreitada.
3. Mais a p.i. do A., não menciona ter sido celebrado entre as partes, mesmo que oralmente, o referido contrato, ao longo da sua douta p.i., nem no seu pedido.
4. A M. Juiz a quo, verificou a existência do referido contrato de empreitada, através da prova testemunhal produzida em sede de audiência e nos documentos, (sendo 2 não assinados pelo R.)
5. Ora o contrato de empreitada, exige a forma escrita nos termos do art. 26º, nº 1 alíneas a), c) e e) da Lei 41/2015 de 3 de Junho.
6. Pelo o contrato de empreitada é nulo por omissão das formalidades ad substantiam.
7. Depois nos termos do artigo 364º do CC, quando a lei exigir forma de declaração negocial, por documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova...
8. Depois de harmonia, com o artigo 393º, nº 1 do CC, a prova testemunhal não é admitida nos casos em que a declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito.
9. Termos em que, devem as presentes alegações ser consideradas procedentes pelos fundamentos expostos e julgar-se o presente recurso procedente e em consequência declarar a sentença nula.
Pelo A. não foi apresentada alegação de resposta.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com:
• A nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia;
• A nulidade do contrato de empreitada.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. e a sua mulher, M., adquiriram um terreno urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), sito (…).
2. Construíram no referido terreno uma moradia unifamiliar, que foi registada na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora com a inscrição n.º (…).
3. A moradia era constituída por uma cave com garagem, rés do chão com quatro divisões, sala, cozinha, casa de banho e escritório, e 1.º andar, com quatro quartos.
4. O A. e a mulher foram proprietários da moradia contruída no prédio urbano situado em (…), com a área coberta 126,5 m2, como casa para habitação, composta de cave com garagem, rés-do-chão e 1º andar, (…).
5. O A. colocou o imóvel supra descrito para promoção de venda na imobiliária (…).
6. Em 14 de Agosto de 2013, o A. e sua mulher assinaram com o R. um contrato‑promessa de compra e venda que incidia sobre o descrito imóvel, pelo preço global de € 650.000,00.
7. Foi celebrado o contrato definitivo de compra e venda e registada a propriedade a favor do R. pela AP 724 de 2015/12/22 (…).
8. Na data da celebração do contrato-promessa, o A. e sua esposa assinaram um documento denominado “Aditamento ao Contrato de Promessa de Compra e Venda Realizado em 14 de Agosto de 2013”, que continha a seguinte cláusula: «PRIMEIRA : Pelo presente aditamento ao contrato os Promitentes Vendedores e o Promitente Comprador, acordam entre si que serão feitas as seguintes alterações ao imóvel identificado no 1.º considerando do contrato de promessa até ao dia 01 (um) de Outubro de 2013. 1 - Colocar equipamento de ar condicionado na sala e nos quartos da marca Daikin. 2 - Colocar camaras de vigilância nos locais onde já está colocado a pré instalação já existente. 3 - Colocar aparelhos de desumidificação e aquecimento na piscina interior e fazer acesso para embutir um jacúzi. 4 - Revestir a cozinha a azulejo e colocar uma placa a gás e eléctrica. 5 - Colocar móveis com prateleiras na zona da lavandaria. 6 - Trocar a aparelhagem eléctrica já existente por vidro.».
9. O R. e a sua companheira (…), solicitaram diversas alterações na moradia, as quais tiveram, entre o mais, como objecto:
a. Colocação de equipamentos de ar condicionado no piso do rés-do-chão e no primeiro andar;
b. Colocação de aquecimento na piscina interior e construção de acesso e colocação de jacuzzi;
c. Revestimento da cozinha com azulejo e colocação de placa de gás e eléctrica;
d. Colocação de móveis com prateleiras na lavandaria;
e. Troca dos espelhos das caixas de electricidade (interruptores) por espelhos em vidro;
f. Instalação de um furo de água, com bomba.
10. Todos os equipamentos foram escolhidos pela companheira do R.
11. O A. é construtor civil e foi quem construiu a moradia.
12. O R. tinha conhecimento desse facto, razão pela qual lhe confiou as alterações / melhoramentos / construção adicional, aquisição e colocação dos elementos supra descritos e apresentação posterior do valor total do custo para aprovação.
13. Para a execução de várias alterações, entre as quais as descritas em 9., o A. apresentou ao R. um valor global de € 40.000,00.
14. Este valor seria liquidado para além do preço convencionado para a compra da moradia e em momento posterior à escritura de compra e venda.
15. Em Dezembro de 2015, aquando da escritura de compra e venda e consequente registo de aquisição da propriedade, o R. ainda não tinha pago ao A. a quantia de quarenta mil euros.
16. O A. assinou um documento intitulado como “Acordo/Reconhecimento de Dívida”, com o seguinte teor: «P. (…), reconhece para os devidos efeitos que é devedor de L. (…), na quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros). Que a quantia supra indicada é referente a alterações solicitados por P. e efectuadas por L., após a celebração do contrato promessa de compra e venda realizado a 14 de Agosto de 2013, detendo a moradia situada na Rua (…) à data da celebração do mesmo, licença de utilização e toda a documentação necessária e que até à presente data não foi prestada a quantia referente às obras solicitadas, não obstante de se achar vencido o seu pagamento. O montante suprarreferido será pago pelo devedor ao credor em quatro (4) prestações de € 10.000,00 (Dez mil euros) com início a primeira no dia 30 de Março e as restantes no dia 30 de Junho, Setembro e Dezembro, através do NIB (…), titular (…). Na falta de cumprimento de uma prestação, a obrigação torna-se definitivamente exigível conferido ao credor o direito de se fazer pagar pelo remanescente. A falta de pagamento de qualquer das prestações no prazo estabelecido, faz incorrer o devedor no pagamento de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de cláusula penal. Este montante acresce ao remanescente do valor em dívida. A presente declaração vale como título executivo nos termos do disposto no artigo 703." do Código Processo Civil. Lisboa, 21 de Dezembro de 2015».
17. Desta quantia, o R. entregou, até à presente data, o valor de € 10.000,00.
18. O A. executou e terminou todas as alterações/melhoramentos/construção adicional que lhe foram solicitados.
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Na sentença recorrida foi considerada como não provada a seguinte matéria de facto:
1. O R. solicitou/o A. realizou as seguintes obras:
a. Colocação de câmaras de vigilância no local de onde consta, para o efeito, a pré-instalação em projecto;
b. Colocação de aparelhos desumidificadores na piscina interior;
2. O R. assinou o documento intitulado como “Aditamento ao Contrato de Promessa de Compra e Venda Realizado em 14 de Agosto de 2013”, provado sob o número 8.
3. O R. assinou o documento intitulado como “reconhecimento de dívida”, provado sob o número 16.
4. As obras não foram realizadas.
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Da nulidade da sentença
Na sentença recorrida considerou-se que, atenta a matéria de facto provada e o disposto no art.º 1207º do Código Civil, é de qualificar como empreitada o contrato que o A. alegou ter celebrado com o R.
Contra esta qualificação o R. argumenta que “não resulta da douta p.i. e do seu pedido, que estivesse em causa um contrato de empreitada oralmente combinado entre o A. e o R.”, não tendo sido essa a solução jurídica que o A. apresentou ao tribunal, nos termos que ficaram alegados na P.I. E a partir de tal argumentação conclui que se verifica a nulidade a que respeita a al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, porque “a p.i. do A., não menciona ter sido celebrado entre as partes, mesmo que oralmente, o referido contrato, ao longo da sua douta p.i., nem no seu pedido”.
Decorre do art.º 608º do Código de Processo Civil que na sentença o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenha submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.
E do art.º 5º do Código de Processo Civil decorre que as questões suscitadas pelas partes correspondem, do ponto de vista fáctico, aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, a par daqueles em que se baseiam as excepções invocadas, já que estes carecem de ser alegados pelas partes.
Mas do disposto no nº 3 do mesmo art.º 5º resulta que, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o tribunal não está sujeito às alegações das partes.
Assim, e se vem alegado na P.I. que A. e R. convencionaram que o primeiro efectuaria trabalhos de alteração no imóvel que o segundo se encontrava a adquirir, trabalhos esses correspondentes à colocação de equipamentos no imóvel, e convencionando ainda que o valor global desses trabalhos ascendia a € 40.000,00, a circunstância de, na sentença recorrida, tal acordo de vontades ser interpretado como correspondendo ao tipo contratual previsto no art.º 1207º do Código Civil não configura um excesso de pronúncia, já que apenas corresponde ao enquadramento jurídico daquela factualidade (que resultou provada). E sem que, para tanto, fosse necessário que tal interpretação decorresse igualmente da P.I. porque, como já se viu, o princípio do dispositivo que está subjacente à delimitação negativa constante do art.º 608º do Código de Processo Civil não respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas tão só à configuração fáctica de cada uma das questões suscitadas pelas partes.
Ou seja, e sem prejuízo de o acordo de vontades das partes poder estar erradamente qualificado como correspondendo à celebração de um contrato de empreitada, tal não configura a nulidade processual suscitada mas (eventualmente) um erro de julgamento, a sustentar decisão diversa sobre o direito de crédito que o A. faz valer em juízo.
Assim, e sem necessidade de ulteriores considerações, improcedem as conclusões do recurso relativamente a esta questão da nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia.
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Da nulidade do contrato de empreitada
Depois de na sentença recorrida se ter interpretado a vontade concordante das partes (tal como emerge da factualidade provada) como correspondendo à celebração de um contrato de empreitada, mais se identificou a obrigação principal do R. emergente da celebração desse contrato (o pagamento do preço respectivo, no montante de € 40.000,00). E mais se afirmou que, estando demonstrado que o R. apenas entregou ao A. a quantia de € 10.000,00, procedia a condenação do R. no pagamento dos remanescentes € 30.000,00.
Pese embora resulte da factualidade provada que a celebração do contrato de empreitada foi meramente consensual, isto é, não reduzido a escrito, nem por isso o tribunal recorrido deixou de considerar a sua validade, pois que é a partir de tal validade que afirma o surgimento da obrigação pecuniária em questão.
Contrapõe o R. que o contrato de empreitada em questão é nulo porque não foi reduzido a escrito, como exige o art.º 26º, nº 1, da Lei 41/2015, de 3/6. E, embora não o refira expressamente, subentende-se que é em consequência dessa nulidade que não deve ser condenado a pagar ao A. a referida quantia de € 30.000,00 (o que é o mesmo que afirmar que não inexiste o correspondente direito de crédito do A.).
Tendo presente a data em que ocorreu o acordo de vontades das partes, a lei aplicável ao caso em apreço não era (ainda) a Lei 41/2015, de 3/6, mas o D.L. 12/2004, de 9/1 (que depois foi revogado e substituído pela referida Lei 41/2015).
Para o que aqui releva, decorre do nº 1 do art.º 29º do referido D.L. 12/2004 (como subsequentemente passou a decorrer do art.º 26º da Lei 41/2015, de 3/6) que os contratos de empreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a classe 1 são obrigatoriamente reduzidos a escrito, devendo constar dos mesmos, para além do mais, a identificação completa das partes outorgantes, a identificação do objecto do contrato e o valor do mesmo. E mais resulta do nº 4 do mesmo art.º 29º que a inobservância do disposto no nº 1 determina a nulidade do contrato, prevendo ainda o art.º 30º do mesmo diploma que o disposto no precedente artigo “prevalece sobre o regime jurídico das empreitadas previsto no Código Civil, na parte em que com o mesmo não se conforme”.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 210-211), “as exigências de forma têm (…) carácter excepcional”, perante a “regra da consensualidade ou da liberdade de forma” que emerge do art.º 219º do Código Civil. E mais explicam que o “artigo 220º consagra explicitamente, como regra, a solução que considera as formalidades legais da declaração como formalidades ad substantiam (e não como meras formalidades ad probationem)”.
Do mesmo modo, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/11/2010 (relatado por Maria de Jesus Pereira e disponível em www.dgsi.pt), afirma‑se que a forma escrita prescrita no art.º 29º do D.L. 12/2004, de 9/1 “constitui um requisito ad substantiam”, sendo “nulo por força do artigo 220 do CC” o contrato de empreitada cujo valor ultrapasse 10% do valor fixado para a classe 1 e que não haja sido reduzido a escrito.
E mais se explica nesse acórdão que “nos termos do artigo 286 do CC a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal e tem efeito retroactivo devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a sua restituição em espécie não for possível, o seu valor correspondente – art. 289, nº 1, do CC”, explicando-se ainda que “a nulidade ad substantiam distingue-se da nulidade ad probationem pelo facto da primeira constituir a forma exigida para a validade do acto e a segunda para tornar mais fácil e segura a prova. Como ensina o Prof. Galvão Telles in Manual dos Contratos em Geral – Coimb. Ed. 4ª ed. pág. 145 “é clássica a distinção entre documentos substanciais (ad substantiam actus) e documentos probatórios (ad. Probationem actus). Os documentos substanciais constituem a forma especial exigida para a validade do acto; portanto, se não forem elaborados, ou enquanto não o forem, não há negócio jurídico válido. Diversamente, os documentos probatórios não servem para dar validade aos actos, que se possuem independentemente deles; têm apenas por fim tornar mais fácil e segura a prova da sua existência e conteúdo. Os documentos substanciais também fazem prova dessa existência e conteúdo; não é essa, porém, a sua função específica; sua função específica é, antes, a de revestir o negócio da forma especial para ele requerida. Pode acontecer que o documento seja destruído ou, por qualquer modo, se perca ou desapareça. “Se se tratar de mero documento probatório poderá ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório nos termos do artigo 364,nº2, do CC (neste sentido também se pronuncia o Prof. Lebre de Freitas in A Confissão no Direito Probatório Coimb. Ed. 1991 pág. 150 a 152).
Daqui sobressai, pois, que a falta do documento ad substantiam é irremediável e é absolutamente insubstituível por outro género de prova (…). Quanto aos segundos, como são impostos apenas para prova do negócio, a sua falta pode ser suprida por outros meios de prova.
Porque estamos na presença de um documento ad substantiam, uma coisa é a forma exigida para a validade do negócio, outra, bem diferente, é a prova efectiva e real de que o negócio existiu e esta prova pode ser feita por confissão e até por testemunhas (neste sentido Cfr. Ac. STJ de 27-06-2010 in site DGSI).
Como já dito, se esta Relação pode conhecer oficiosamente da nulidade o réu foi, no entanto, demandado no pressuposto da validade do acordo celebrado entre ele e o autor, pelo que se coloca a questão de saber se se pode converter o pedido e a causa de pedir para os efeitos do artigo 289,nº1, do CC.
Esta questão foi colocada ao Plenário do STJ que, em Assento nº 4/95, de 28/03/95, decidiu no sentido de que “quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nº1 do artigo 289 do Código Civil” que como se diz no Ac. de 14-10-2003 in CJSTJ, III, pág. 104 esta doutrina mantém-se válida hoje com o valor de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nos termos do artigo 17,nº 2, do D-L 329-A/95, de 12-12 o que assenta no disposto no artigo 293 do CC”.
Do mesmo modo, ainda, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/12/2015 (relatado por Abrantes Geraldes e disponível em www.dgsi.pt), conclui-se que “nos termos do art. 29º, nº 1, do Dec. Lei nº 12/04, de 9-1, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 18/08, de 29-1, em conjugação com a Portaria nº 1371/08, de 2-12, o contrato de empreitada acima de € 16.600,00 deveria ser obrigatoriamente reduzido a escrito”, mais se concluindo que “na falta de redução a escrito por razões imputáveis ao empreiteiro, para além de o contrato de empreitada ser nulo, é insusceptível de demonstração através de prova testemunhal, nos termos do art. 393º, nº 1, do CC”.
Do mesmo modo, ainda, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/7/2016 (relatado por João Diogo Rodrigues e disponível em www.dgsi.pt), ficou afirmado que, em termos de consequência da nulidade do contrato de empreitada por inobservância da forma escrita prescrita no art.º 29º do D.L. 12/2004, de 9/1, a mesma “não foge à regra instituída pelo artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil; isto é, deve ser restituído tudo o que houver sido prestado, com efeitos retroactivos, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Tudo se deve passar, pois, como se o negócio não tivesse sido realizado”.
Do mesmo modo, ainda, no acórdão de 3/10/2017 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Cristina Coelho e disponível em www.dgsi.pt) conclui-se igualmente que “a preterição de forma escrita [prescrita pelo nº 1 do art.º 29º do D.L. 12/2004, de 9/1] tem, também, uma consequência de natureza processual: exigindo a lei que o contrato seja reduzido a escrito, e estando em causa um requisito ad substantiam, desrespeitado o referido normativo, a prova do contrato, do seu conteúdo - dos elementos que devem ser reduzidos a escrito e constantes do nº 1 do referido art. 29º-, apenas por via documental (de força probatória superior) pode ser feita, não admitindo outro meio de prova, nem testemunhal, nem por confissão (arts. 354º, al. a), 364º e 393º, nº 1 do CC)”. Mas também aí se conclui que, na medida em que dos pontos de facto não impugnados resulte “admitida, porém (…), as prestações a que a A. se obrigou e o preço estipulado, e a execução de parte do mesmo pela A., terá de se atender à prova produzida para aquilatar da justeza do pedido formulado pela A., atendendo à consequência resultante da invalidade formal do contrato, e norteados pelo princípio da boa fé que rege a disciplina dos contratos” (porque, como se evidencia em nota de rodapé, “a situação em apreço não foge à regra constante do art. 289º, nº 1 do CC, devendo ser restituído tudo o que houver sido prestado, com efeitos retroactivos, ou, se a restituição em espécie não for possível, como é o caso, o valor correspondente, tudo se passando como se o negócio não tivesse sido realizado”).
Ou seja, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto, tal como o mesmo emerge dos factos provados (e tendo desde logo presente que o R. não impugnou a decisão de facto, nos termos e para os efeitos do art.º 640º do Código de Processo Civil), é patente que o negócio pretendido entre as partes se reconduz a um contrato de empreitada (segundo a definição constante do art.º 1207º do Código Civil, porque está em causa a realização de uma obra de alterações num imóvel mediante um preço). Também é patente que tal contrato de empreitada estava sujeito à forma escrita, dado que o seu valor excedia € 16.600,00 (10% do limite fixado para a classe 1 nos termos da Portaria 1371/2008, de 2/12, com referência à data em que o acordo entre as partes foi efectuado).
Por outro lado, e porque a forma escrita se apresenta como requisito da validade do negócio visado pelas partes, resulta do que acima ficou exposto que o mesmo é insusceptível de ser demonstrado por outro meio que não o documento respectivo, com os requisitos indicados no nº 1 do art.º 29º do D.L. 12/2004, de 9/1.
Ou seja, na inobservância dessa forma escrita para o negócio jurídico visado pelas partes, há que declarar a nulidade do mesmo e daí retirar as consequências de tal nulidade, nos termos e para os efeitos do art.º 289º, nº 1, do Código Civil.
Como resulta da factualidade apurada (que, recorde-se, não foi objecto de qualquer impugnação em sede do presente recurso, assim se devendo considerar estabilizada a instância, nesta parte), estão demonstradas as alterações que o A. realizou, tal como se obrigou perante o R., mais estando demonstrado o valor que as partes lhe atribuíram, e estando ainda demonstrado que o R. beneficiou dessas alterações executadas pelo A., porque realizadas no imóvel adquirido pelo R., tal como era sua intenção ao acordar com o A. as mesmas.
Pela sua própria natureza os materiais utilizados pelo A. e a respectiva mão de obra não podem ser restituídos pelo R. ao A., tendo presente que as alterações daí resultantes se encontram incorporadas no imóvel do R. O que significa, tendo presente a parte final do nº 1 do art.º 289º do Código Civil, que a consequência da nulidade verificada é a restituição, pelo R. ao A., do valor desses materiais e da respectiva mão de obra.
Deve ainda ter-se em consideração que competia ao R., por ser quem invocou a nulidade do contrato de empreitada, alegar os factos correspondentes ao valor da mão de obra e dos materiais utilizados pelo A., e que fica obrigado a restituir por força dessa nulidade. Assim, e não tendo o R. cumprido com esse seu ónus de alegação do valor em questão, há-de valer o que foi estipulado pelas partes, não enquanto preço do contrato de empreitada, mas enquanto mera valorização consensual de trabalhos realizados.
O que equivale a afirmar, neste caso concreto, que se torna necessário recorrer ao montante acordado pelas partes, enquanto expressão consensual do valor da mão de obra e dos materiais utilizados pelo A.
Ou seja, por efeito da nulidade do negócio jurídico visado entre as partes o R. ficou obrigado a restituir ao A. o montante de € 40.000,00.
O que significa que, tendo o R. entregue ao A. a quantia de € 10.000,00, é devedor do remanescente (€ 30.000,00), e a que devem acrescer juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, tendo presente o disposto nos art.º 804º a 806º do Código Civil (tal como consta melhor explicitado na sentença recorrida).
Ou seja, ainda que emergindo de fonte distinta, importa reconhecer a obrigação pecuniária do R. acima determinada, assim havendo lugar à condenação deste a pagar ao A. a referida quantia de € 30.000,00, acrescida dos referidos juros de mora, tal como ficou a constar do dispositivo da sentença recorrida.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações, é de manter a sentença recorrida.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo R.

26 de Junho de 2025
António Moreira
João Paulo Raposo
Arlindo Crua