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FALTA OU DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
PRAZO
NULIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
FACTO CONTINUADO OU DURADOURO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
QUESTÃO NOVA
Sumário
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. A situação de eventualmente não terem sido ponderados todos os documentos probatórios juntos ao processo ou factos relevantes para a decisão da causa, tem a sua sede própria de avaliação no âmbito da apreciação da decisão de facto e da sua suficiência ou insuficiência, não determinando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC. 2. O art.º 155.º n.º 4 do CPC veio clarificar o regime de arguição da falta ou deficiência da gravação, questão que no âmbito do anterior Código de Processo Civil se apresentava controvertida na jurisprudência, dispondo agora no sentido de que tal vício tem de ser suscitado pela parte no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação lhe é disponibilizada, sendo que não o fazendo, fica precludida a possibilidade de o fazer mais tarde, designadamente em sede de recurso. 3. Não cabe ao tribunal de recurso pronunciar-se, em primeira linha, sobre a validade do depoimento de uma testemunha, quando a situação não foi oportunamente submetida à apreciação e decisão do tribunal a quo, designadamente quando da prestação do depoimento, não tendo sido questão abordada na sentença, pelo que não é do reexame da decisão que se trata, mas antes de questão nova, não invocada anteriormente e só suscitada em sede de recurso. 4. O art.º 1085.º n.º 1 do C.Civil vem estabelecer que a resolução do contrato de arrendamento deve ser efetivada no prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade, salientando-se que o início do prazo de caducidade não é o da verificação do facto que serve de base à resolução, mas antes o do seu conhecimento por parte do senhorio, já que o exercício de tal direito supõe que o senhorio tenha conhecimento dos fundamentos que podem justificá-lo. 5. Fundando-se o pedido de resolução do contrato de arrendamento comercial no não uso do locado por parte da arrendatária e na sua cedência não autorizada a terceiro, estamos perante um facto continuado, pelo que o prazo de caducidade do direito de resolução não se completa antes de decorrido um ano da cessação do facto que lhe deu origem, nos termos previstos no art.º 1085.º n.º 3 do C.Civil. 6. O arrendatário pode ceder a exploração do estabelecimento comercial de bar que funciona no locado a uma outra empresa, sem necessidade de autorização do senhorio, estando porém obrigado a comunicar-lhe a realização de tal negócio, no prazo de 30 dias após a sua efetivação, em cumprimento do disposto no art.º 1109.º n.º 2 do C.Civil, sob pena de tal transmissão ser ineficaz quanto ao senhorio.
Texto Integral
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
A Glamour Dragon – Unipessoal Ld.ª, vem intentar a presente ação declarativa de condenação, contra aAA, Lda., pedindo que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento por força do não uso do locado há mais de um ano e da cedência do seu uso não autorizada e que a R. seja condenada a entregar o locado à A. livre de pessoas e bens.
Alega, em síntese, que é proprietária e senhoria do imóvel que identifica e de que a R. é arrendatária e não o ocupa há mais de um ano, tendo-o cedido a terceiro sem autorização, não sabendo a que título.
Devidamente citada, a R. veio contestar, defendendo-se por exceção, arguindo a nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial e invocando a caducidade da ação. Aceita a propriedade do locado pela A. e admite a exploração por terceiro do estabelecimento que aí funciona, impugnando os demais factos alegados, referindo que se mantém arrendatária do imóvel, pagando a renda, tendo apenas ocorrido uma cessão de exploração de estabelecimento comercial que foi verbalmente autorizada pelo senhorio, sendo que de qualquer modo a cedência da exploração do estabelecimento não tinha que ser autorizada ou comunicada ao senhorio. Conclui pela improcedência da ação.
A convite do tribunal, a A. veio responder às exceções suscitadas, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção dilatória da nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial, relegando para final o conhecimento da exceção da caducidade, afirmando no mais a regularidade da lide.
Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença a 04.06 2021 que decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência: a) declaro a nulidade do contrato de arrendamento da divisão independente denominada “LJ41” sita no n.º 43 do prédio sito na Rua... Lisboa, artigo matricial n.º …, celebrado com a ré J.A. AA, Lda.; b) condeno a ré J.A. AA, Lda. na entrega à autora Glamour Dragon – Unipessoal Ld.ª, da divisão independente denominada “LJ41” sita no n.º 43 do prédio sito na Rua... Lisboa, artigo matricial n.º …, livre e devoluto de pessoas e bens.”
Não se conformando com a sentença proferida, veio a R. dela interpor recurso para este tribunal, tendo sido proferido Acórdão em 07.04 2022 que decidiu a final: “Mostra-se, assim, necessário apurar com segurança a data em que foi celebrado o contrato, o que deve ser apurado em 1ª instância, anulando-se a decisão proferida em 1ª instância, nos termos do art. 662, nº2, c), do CPC e determinando que se apure em julgamento, com precisão, quando foi celebrado o contrato de arrendamento. Fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à caducidade do invocado direito da Recorrida pela não utilização do local objecto do contrato pela Recorrente. Face ao exposto, acorda-se em anular a sentença recorrida, nos termos do art. 662, nº2, c), do CPC, devendo ser apurado em julgamento, em 1ª instância, com a necessária segurança, a data em que foi celebrado o contrato.”
Devolvido o processo ao tribunal de 1ª instância, foi proferido despacho a convidar as partes a apresentarem os meios de prova adicionais que tivessem por convenientes, com vista a apurar a data da celebração do contrato de arrendamento em questão.
A R. veio juntar aos autos documento relativo ao contrato de trespasse e arrendamento que lhe conferiu a qualidade de arrendatária.
Foi oferecido o contraditório à A. que nada veio dizer e notificadas as partes para apresentarem as suas alegações por escrito.
Ambas as partes vieram apresentar alegações concluindo, respetivamente, pela procedência e improcedência dos pedidos.
Foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada, decidindo pela improcedência da exceção da caducidade, declarando a resolução do contrato de arrendamento e condenando a R. a entregar o locado à A., livre e devoluto de pessoas e bens.
É com esta decisão que a R. não se conforma e dela vem interpor recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que julgue improcedente a ação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
I-A Apelante vem apresentar recurso da douta sentença proferida em 05/06/2024, por entender, pese embora o devido respeito, que não se respeitou a lei.
II-O presente recurso incide sobre matéria de facto e de direito.
III-Sucede, porém, que a gravação das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento estão inaudíveis ou imperceptiveis.
IV-Com efeito, ocorrem graves deficiências na gravação dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas BB, CC e DD, que tornam os seus depoimentos completamente impercetíveis ou inaudíveis.
V-Como é sabido, a omissão de gravação e a gravação inaudível ou imperceptível, que equivalem à falta de gravação, constituem nulidades previstas no art. 201º do CPC, uma vez que influem no exame e decisão da causa, nulidade que desde já se evoca para todos os efeitos legais.
VI- No presente recurso a Recorrente pretende a reapreciação da matéria de facto, motivo pelo qual a falta ou a deficiência de gravação impedem-na de dar cumprimento às disposições legais aplicáveis (artigo 685.º-B do CPC).
VII-Acresce ainda que também o douto tribunal fica impedido, em qualquer caso, de proceder à reapreciação de tal matéria.
VIII-Mais se dirá que não é exigível à parte - ou ao seu mandatário – que proceda à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso, sendo no decurso deste prazo que surge a necessidade de análise rigorosa do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação, pelo que é tempestiva a sua invocação na própria alegação de recurso entretanto interposto.
IX-A recorrente desde já junta a desgravação da prova de forma a comprovar as alegadas deficiências técnicas da gravação da audiência.
X-A acção recorrida tinha como questões a decidir; a existência e imputação da obrigação de restituir o locado livre de pessoas e bens em face da resolução do contrato de arrendamento fundada em não uso do locado / cedência não autorizada”.
XI-São as seguintes as causas de discordância da Recorrente;
A) Violação do disposto no art. 201º do CPC (nulidade - a omissão de gravação e a gravação inaudível ou imperceptível)
B) A sentença recorrida enferma de erros na apreciação da prova, mais especificamente na interpretação da prova testemunhal., como se verá adiante (cf. artigo 662 do CPC).
C)Nulidade do depoimento da testemunha BB por violação do disposto nos artigos 99 n.º1 do EOA, 497.º do CPC, art. 470.º, nº 1, com o art. 115.º, nº 1, al. h), do CPC.
D) Violação do disposto no artigo 1060 do Código Civil.
E) Caducidade da acção.
F) A douta sentença em crise é nula, por incorrer em omissão de pronuncia, violando assim o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º, n.º 2 do artigo 608.º e n.º 1 do artigo 609.º, todos do Código de Processo Civil.
XII-Artigo 662.º - Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
XIII- Nos presentes autos está em causa apurar à existência e imputação da obrigação de restituir o locado livre de pessoas e bens, em face da resolução do contrato de arrendamento fundada em não uso do locado / cedência não autorizada”.
XIV-O Tribunal “a quo” considerou provada nos autos a seguinte factualidade:
A) A Autora adquiriu o prédio sito na Rua... Lisboa, artigo matricial n.º (…).
B) Sendo que o gozo da divisão independente denominada “LJ41” e sita no n.º 43 do prédio identificado encontrava-se arrendada à ré desde 07/02/1946.
C) Face à aquisição, passou a autora a ser a senhoria da ré, no aludido contrato de arrendamento, tendo tido a última conhecimento de tal facto.
D) Após a aquisição do imóvel, em 20/07/2019, a autora tomou conhecimento de que a ré já não se encontrava no locado.
E) Desde 23 de Janeiro de 2018 que a Sociedade Visionary Soul, Ld.ª explora no locado o “Grogs Bar”.
F) A ré paga rendas.
G) O contrato de arrendamento referenciado em B) e C) foi celebrado por escrito em 07/02/1946.
H) Dita a cláusula segunda do contrato referenciado em B), C) e G) que: “A loja destina-se a estabelecimento de drogaria ou a qualquer outro ramo de comércio, com excepção de carvoaria e vinhos.”.
I) Dita a cláusula quinta do contrato referenciado em B), C), G) e H) que: “É proibida a sublocação, no todo ou em parte, da loja arrendada.”.
J) A presente acção foi instaurada a 11/10/2019.
XVI-A sentença recorrida deu como não provado;
1) A cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul Lda. foi verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel.
XVII-Sem prejuízo das deficiências técnicas da gravação, e apenas com base nos depoimentos audíveis, a Recorrente, por cautela e dever de patrocinio, na medida do possível vem requerer a reapreciação da prova.
XVIII-A Recorrente entende que ficou mal julgado, nos termos e para os efeitos do artigo 640 do CPC, o ponto D da matéria de facto dada como provada;
XIX-Entende a Recorrente, que, face à prova produzida deveria ter sido dado como provado;
A- Autora teve conhecimento da cessão de exploração da Ré em Janeiro de 2018.
XX-Entende a Recorrente que os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD. foram mal avaliados, consistindo em erro na avaliação da prova produzida.
XXI-Assim, requer-se a reavaliação dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD.
XXII-A Autora apenas apresentou uma testemunha, BB, a qual identificou-se como advogado estagiário do mandatário da Autora.
XXIII-O douto tribunal “a quo” deu credibilidade a este depoimento, que atenta a qualidade do depoente é nulo por violação do disposto no artigo 87 do EOA.
XXIV- Na sentença em crise pode ler-se;
“Com credibilidade e em consonância com a factura simplificada constante de fls. 9 verso, deu conta de que visitou o Grogs Bar em 20 de Julho. Fê-lo a pedido e reconheceu o número de contribuinte aposto na dita factura com a qual foi confrontada”.
XXV-A testemunha DD, pese embora o facto de não ter assistido directamente à comunicação da cessão de exploração aos senhorios, revelou conhecer bem EE.
XXVI-DD esclarece o tribunal que EE tinha uma boa relação com os senhorios, e que lhes tinha dado conhecimento.
XXVII-Mais resulta claro que, ao longo de dezenas de anos os senhorios sempre autorizaram as obras necessárias ao estabelecimento.
XXVIII-O depoimento da testemunha CC fica muito prejudicado por ser, na sua grande maioria imperceptivel, mas resulta do mesmo que a testemunha frequentava o Grogs Bar há muitos anos, revelando a boa relação existente com os Senhorios.
XXIX-A prova indirecta, conjugada com a prova documental junta aos autos (contrato de cessão de espaço, recibos fiscais e declaração fiscal) permitem concluir que se tratou de negocio transparente e naturalmente comunicado aos senhorios, ainda que de forma informal.
XXX-Pelo que o douto Tribunal “a quo” decidiu mal ao dar como provada a D) Após a aquisição do imóvel, em 20/07/2019, a autora tomou conhecimento de que a ré já não se encontrava no locado.
XXXI-Também a matéria dada como não provada 1) A cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul Lda. foi verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel - foi mal avaliada, resultando dos autos a transparência da cessão de quotas, titulada por um contrato e declarada à Autoridade Tributária.
XXXII-Como referido supra, a Autora, consciente que a acção de despejo tinha caducado, apresentou como testemunha o advogado estagiário do mandatário da Ré.
XXXIII- Como é sabido o depoimento de um advogado estagiário do mandatário da Autora , deve ser entendido como se depoimento do Advogado da Autora no processo em que tem mandato se tratasse, já que, como é sabido, o advogado estagiário, atento o estágio, intervém através do seu patrono, a quem está subordinado.
XXXIV-A testemunha BB afirmou em Tribunal que foi o seu patrono, Dr. FF, quem lhe pediu para ir beber uma bebida ao bar e pedir uma fatura.
XXXV-O depoimento da testemunha BB é nulo, não podendo ser considerado, por violação do disposto nos artigos 99 n.º1 do EOA, 497.º do CPC, art. 470.º, nº 1, com o art. 115.º, nº 1, al. h), do CPC, nulidade que desde já se evoca para todos os efeitos legais
XXXVI- Na data de entrada em juízo a presente acção já havia caducado.
XXXVII-A acção deu entrada em juízo em Janeiro de 2020, sendo a Ré citada no mesmo mês.
XXXVIII- Os factos alegados na petição inicial e que servem de fundamento à acção, remontam a Janeiro de 2018, ou seja, cerca de dois anos antes.
XXXIX-Tais factos, sempre foram do conhecimento dos Senhorios, que autorizaram que o “Grogs Bar” fosse explorado pela sociedade “Visionary Soul Lda.”.
XL-Em 2 de Outubro de 2018, já a Autora transmitia à Ré, ora Recorrente, a sua posição de nova proprietária.
XLI-E em 05 de Setembro de 2019, já recebia rendas nessa qualidade.
XLII-Dispõe o n.º1 do artigo 1085.º do CC que “A resolução deve ser efetivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade”.
XLIII-A presente acção de despejo caducou, tendo sido a caducidade uma excepção invocada em sede de contestação, que deverá resultar provada, levando à absolvição da Recorrente do pedido.
XLIV-A sentença recorrida fundamenta a decisão de julgar procedente o despejo da seguinte forma;
“Atendendo à data da celebração do contrato em causa (07/02/1946), ainda há a atender ao regime transitório do Novo Regime do Arrendamento Urbano, acolhido pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (artigos 27.º e 28.º).
“In casu”, tendo entre as partes (antecessora da autora) sido celebrado contrato de arrendamento comercial nos termos supra exarados, a cedência de gozo do imóvel por parte da autora fez emergir na esfera jurídica da ré a obrigação de o ocupar efectivamente, por um lado, e de não o subarrendar, por outro.
Avançando para o incumprimento da ré.
Está assente que, desde 23 de Janeiro de 2018, a Sociedade Visionary Soul, Ld.ª explora no locado o “Grogs Bar”.
Mais está assente que a cláusula quinta do contrato de arrendamento proíbe a sublocação, no todo ou em parte, da loja arrendada.
E ficou por assentar que a cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul Lda. tenha sido verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel.
À luz dos deveres enunciados (uso efectivo do locado e autorização /comunicação da cedência do gozo), temos que a ré os incumpriu, violando o princípio do cumprimento pontual dos contratos, sediado no artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil.
Deste modo, não tendo a ré realizado as ditas prestações a que se encontrava vinculada, incumpriu as suas obrigações, nos termos do disposto no artigo 762.º do Código Civil.
Incumprimento que é fundamento de resolução, nos termos dos artigos 1083.º, n.º 1 e 2, als. d) e e) e 1109.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
Resolvido o contrato, tem, por conseguinte, acolhimento a pretensão da autora de restituição do locado livre de pessoas e bens”.
XLV-Pese embora o devido respeito por diferente entendimento, entende a Recorrente que a “Meritíssima Juiz a quo” confunde os conceitos de subarrendamento e cessão da exploração.
XLVI-Sem prejuízo de se considerar que a Ré comunicou a cessão de exploração (ainda que verbalmente) desde já se dirá que o contrato de arrendamento não proíbe a cessão de exploração, mas sim a sublocação.
XLVII-A locação diz-se sublocação quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo, vide artigo 1060 do Código Civil.
XLVIII-Por sua vez, o contrato de cessão de exploração consiste na cedência temporária e onerosa do estabelecimento comercial ou industrial. A sua função económica e social tem em vista que o titular do estabelecimento comercial (um café, um restaurante, uma fábrica, entre outros) transfira a sua exploração a favor de outrem, mediante o pagamento de uma remuneração.
XLIX-Como é sabido, a lei exclui o mencionado contrato de cessão de exploração do âmbito do contrato de locação, sujeitando-o ao princípio da liberdade contratual (a este propósito, vide, por todos, a posição do Exmo. Juiz Conselheiro Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7.ª edição, Livraria Almedina, pág. 647 e seguintes).
L-Não estava assim a Ré obrigada a pedir autorização à sua senhoria para celebrar tal contrato, nem tinha que proceder à comunicação a que se reporta a alínea g) do artigo 1038.º do Código Civil, pelo que não se verifica existir qualquer fundamento para a resolução do contrato de arrendamento existente entre Autora e Ré.
LI-Como é sabido a cessão de exploração do estabelecimento comercial não envolve a transferência do arrendamento sobre o imóvel já que o cedente conserva a sua posição jurídica de arrendatário.
LII-A falta de autorização (ainda que fosse o caso, e não é) não é fundamento para despejo imediato, desde logo, porque estamos perante um contrato de cessão de estabelecimento comercial, o qual encontra-se nos autos.
LIII-A douta sentença em crise é nula, por incorrer em omissão de pronuncia, violando assim o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º, n.º 2 do artigo 608.º e n.º 1 do artigo 609.º, todos do Código de Processo Civil.
LIV-Por douto despacho proferido em audiência de discussão e julgamento veio GG notificado, relativamente ao processo supra identificado, ao abrigo do disposto no art.º 411º e 417º, ambos do C. Processo Civil, conforme determinado por despacho constante da acta de audiência de 12-04-2021, para, no prazo de 10 dias, vir juntar aos autos o original do contrato que disse ter com a ré e todas as facturas desde Janeiro de 2018 que terão sido emitidas e pagas pela Sociedade Visionary Soul Lda, com sede na Rua...Lisboa, sociedade da qual disse ser sócio e representante, com a advertência de que, não satisfazendo o pedido, poderá incorrer no pagamento de uma multa processual por falta de colaboração com o Tribunal (art.º 417º, n,º 1 do C.P. Civil) , conforme determinado por despacho constante da acta de audiência de 11-05-2021.
LV-Com efeito, a Meritíssima Juiz “a quo” considerou fundamental a junção aos autos do referido contrato de cessão da posição contratual.
LVI-Em cumprimento do supra referido despacho, foram juntos aos autos o contrato de cessão da posição contratual, certidão da sociedade e recibos de renda.
LVII-Ora, em momento algum a sentença “em crise” se pronuncia sobre o teor dos referidos documentos.
LVIII- Impunha-se ao “douto tribunal a quo” pronunciar-se sobre o teor dos referidos documentos, nomeadamente sobre o teor do contrato de cessão da exploração contratual e tirar daí as respectivas conclusões, o que não aconteceu.
A A. não veio responder ao recurso.
Foi proferido despacho a admitir o recurso, pronunciando-se o tribunal a quo sobre a nulidade da gravação da prova cuja arguição teve por extemporânea, bem como sobre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, no sentido da mesma não se verificar.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608 n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- da nulidade resultante da gravação da prova ser impercetível;
- da nulidade do depoimento da testemunha BB;
- da impugnação da decisão da matéria de facto;
- da caducidade da ação;
- da cessão de exploração do estabelecimento não ter de ser autorizada ou comunicada ao senhorio.
III. Nulidade da sentença - da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC referindo que apesar do juiz a quo ter considerado fundamental a junção aos autos do contrato celebrado entre a R. e a Visionary Soul, Ld.ª e de outros documentos, o que foi feito, não se pronunciou sobre eles, daí retirando as respetivas conclusões.
Em sede de audiência de julgamento foi determinado pelo tribunal a quo a junção aos autos do contrato celebrado entre a R. e a Visionary Soul, Ld.ª, na sequência de depoimento de testemunha que a ele aludiu, bem como da certidão do registo comercial desta sociedade e recibos de rendas.
Em 19 de maio de 2021 vieram a ser juntos aos autos os elementos solicitados pelo tribunal, entre os quais se integra um documento denominado Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial que apresenta como outorgantes a R. e a Visionary Soul. Ld.ª, reportado ao estabelecimento comercial que funciona no locado, datado de 15.10.2018.
O art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC comina com a nulidade a sentença em que se verifica a omissão ou excesso de pronúncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Pela sua clareza socorremo-nos aqui do sumário do Acórdão do STJ de 11-10-2022 no proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 inwww.dgsi.pt que sobre esta questão nos diz de forma conclusiva: “I - As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão,que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito. II - A Nulidade de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas. III - O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.”
As razões invocadas não se confundem com a questão a decidir, embora a falta de ponderação de alguns argumentos relevantes para a decisão possa determinar a falta de acerto da mesma.
A situação de eventualmente não terem sido considerados todos os documentos probatórios juntos ao processo ou factos relevantes para a decisão, tem a sua sede própria de avaliação no âmbito da apreciação da matéria de facto e da sua suficiência ou insuficiência, não determinando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
De qualquer modo, ao contrário do que refere a Recorrente, não é verdade que o tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre os documentos que vieram a ser juntos, designadamente o que representa o contrato em questão, bastando atentar na motivação da decisão de facto apresentada, para constatar que tal não ocorreu, aí se referindo a dada altura: “Sem prejuízo da admissão por acordo mas demandando prova documental, a factualidade consignada em A) e E), já acima aflorada: - a caderneta predial urbana do locado (fls. 6 verso a 7 verso); - a certidão permanente predial do locado (fls. 14 e seu verso); - a publicação de acto societário respeitante à Visionary Soul, Ld.ª (fls. 10); - a certidão permanente comercial da Visionary Soul, Ld.ª (fls. 47 a 48 verso); - o “contrato de cessão de estabelecimento comercial” celebrado entre a ré e a Visionary Soul, Ld.ª e as respeitantes “facturas-recibo” (fls. 53 a 57). (…) Ouviu-se em primeiro lugar a testemunha GG, empresário que explora o Grogs Bar. De acordo com a prova documental (publicação de acto societário respeitante à Visionary Soul, Ld.ª contante de fls. 10, certidão permanente comercial da Visionary Soul, Ld.ª constante de fls. 47 a 48 verso, “contrato de cessão de estabelecimento comercial” celebrado entre a ré e a Visionary Soul, Ld.ª e as respeitantes “facturas-recibo constantes de fls. 53 a 57), disse conhecer o legal representante da ré do local em questão, onde estava há cerca de trinta anos.”
Também em sede de apreciação jurídica da causa o tribunal a quo, alude ao não uso do locado pela arrendatária e à cedência do seu gozo não autorizada, afirmando que ficou por assentar que a cessão do espaço pela R. tenha sido autorizada/comunicada ao senhorio, invocando o art.º 1109.º n.º 2 do C.Civil.
Alguma deficiência da decisão ao nível dos factos provados ou não provados, ou da sua qualificação jurídica, não pode ser vista como uma omissão de pronúncia do tribunal sobre questão que lhe competia resolver, de acordo com o art.º 608.º n.º 2 do CPC, sendo apenas suscetível de constituir um erro de julgamento de facto ou de direito, suscetível de ser apreciado nessa sede.
Verifica-se que a sentença sob recurso conheceu de todas as questões que se lhe impunha decidir, não ocorrendo a sua nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
III. Fundamentos de Facto - Questões prévias à fixação dos factos relevantes para a decisão da causa - da nulidade resultante da gravação da prova ser impercetível
Vem a Recorrente alegar que ocorreram graves deficiências na gravação do depoimento das testemunhas BB, CC e DD, que está inaudível ou impercetível, pelo que a omissão da gravação é suscetível de influenciar o exame e decisão da causa, impedindo-a de dar cumprimento às exigências da impugnação da matéria de facto, e ao tribunal de recurso de dela conhecer, ocorrendo uma nulidade, nos termos do art.º 201.º do CPC que pode ser invocada em sede de recurso.
O art.º 155.º do CPC vem regular o regime e procedimentos da gravação da audiência final e demais atos presididos pelo juiz, estabelecendo logo no seu n.º 1 que a audiência final é sempre gravada, dispondo o n.º 3 de tal artigo que a gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.
A falta ou deficiência da gravação, enquanto omissão de procedimento que a lei prevê, constitui uma nulidade secundária, quando se mostre suscetível de influir no exame ou decisão da causa, nos termos do art.º 195.º do CPC, o que acontece, designadamente, se inviabiliza a impugnação da matéria de facto pela parte, atentos os requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 e 2 do CPC.
A regra geral sobre o prazo de arguição das nulidades secundárias vem prevista no art.º 199.º do CPC, constatando-se, porém, que relativamente à omissão ou deficiência da gravação, o legislador veio estabelecer um prazo especial no n.º 4 do art.º 155.º do CPC ao determinar expressamente que: “A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.”
Veio esta norma clarificar o regime da arguição da falta ou deficiência da gravação, questão que no âmbito do anterior Código de Processo Civil se apresentava controvertida na jurisprudência, dispondo agora no sentido de que a falta ou deficiência da gravação tem de ser suscitada pela parte no prazo de 10 dias a contar do momento em que esta lhe é disponibilizada, pelo que, não o fazendo, fica precludida a possibilidade de vir invocar tal vício mais tarde – também neste sentido vd. o Acórdão do TRP de 05-06-2023 no proc. 634/17.4T8FLG-C.P1 inwww.dgsi.pt
Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 130: “Suscitavam as partes com frequência questões relacionadas com a deficiência da gravação de depoimentos oralmente produzidos, não obtendo na lei anterior resposta inequívoca o modo como poderia ser introduzida tal questão. O art.º 155.º n.º 4 veio resolver as dificuldades, imponto à parte o ónus de invocação da regularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação. (…) Tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso.”
A nulidade da gravação não pode ser arguida pela parte em sede de recurso, sendo omissão ou irregularidade que não compete ao tribunal de recurso apreciar e decidir em primeira linha, tendo de ser suscitada perante o tribunal a quo, cuja decisão será suscetível de recurso.
No caso em presença, a tramitação processual mostra que:
- a audiência de julgamento com gravação do depoimento das testemunhas em questão foi realizada em 21.04.2021;
- foi proferida sentença em 04.06.2021 de que a Recorrente também interpôs recurso em 07.07.2021 sem ter suscitado esta questão, nem ter impugnado a matéria de facto;
- na sequência do Acórdão que veio a ser proferido foi determinada a ampliação da matéria de facto;
- foi proferida a sentença sob recurso em 31.05.2024;
- em 04.06.2024 a Recorrente solicitou ao tribunal a quo que lhe fosse disponibilizada a gravação da prova produzida, o que lhe foi facultado a 05.06.2024;
- só com a interposição do presente recurso em 08.07.2024 vem a Recorrente suscitar a nulidade, invocando que o depoimento de três testemunhas ouvidas na audiência de julgamento de 21.04.2021 está inaudível ou é impercetível.
Atentando nestes factos, verifica-se que a Recorrente excedeu manifestamente o prazo de 10 dias a contar da data em que a gravação lhe foi disponibilizada para suscitar a questão da sua alegada falta ou deficiência, pelo que ficou precludida a possibilidade de o fazer mais tarde, designadamente agora em sede de alegações de recurso, nos termos previstos no art.º 155.º n.º 4 do CPC, não cabendo a este tribunal conhecer a mesma. - da nulidade do depoimento da testemunha BB
Defende a Recorrente que o depoimento da testemunha BB é nulo, por violação do disposto no art.º 99.º n.º 1 do EOA, 497.º, 470.º n.º 1 e 115.º n.º 1 al. h) do CPC, na medida em que tal testemunha foi apresentada como advogado estagiário do mandatário da A., afirmando ter-se deslocado ao bar que funciona no locado a seu pedido, para tomar uma bebida e pedir uma fatura.
Constata-se que a Recorrente nunca veio suscitar esta questão anteriormente, designadamente quando a testemunha em causa prestou o seu depoimento e se identificou, não se opondo em audiência a que a mesma o prestasse ou de alguma forma questionasse a possibilidade de o fazer ou a sua validade, apenas o fazendo agora em sede de recurso, sendo certo que a sentença recorrida sobre ela não tomou qualquer posição.
O tribunal a quo não se pronunciou sobre a nulidade do depoimento da testemunha em causa, que anteriormente não foi invocada.
A situação do juiz ter admitido o depoimento da testemunha e valorado o mesmo, alegadamente sem o poder fazer, apenas pode ser qualificada como uma nulidade processual ou de procedimento, suscetível de integrar a previsão do art.º 195.º n.º 1 do CPC, não obstante em sede de recurso e no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto o Recorrente possa invocar a falta de credibilidade da testemunha.
A reclamação de uma nulidade processual tem, por regra, de ser feita junto do tribunal que alegadamente a cometeu, nos termos do art.º 199.º do CPC e só da decisão que venha a ser proferida sobre a mesma é que poderá caber recurso.
Como nos diz Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 21-22: “A ocorrência de nulidades processuais pode derivar da omissão de acto que a lei prescreva ou da prática de acto que a lei não admita, ou admita sob forma diversa da que foi executada. Sem embargo dos casos em que as nulidades são de conhecimento oficioso, devem ser arguidas pelos interessados perante o juiz (arts. 196º e 197º). É a decisão que vier a ser proferida que pode ser impugnada por via recursória.”
O recurso constitui uma forma de impugnação das decisões judiciais, conforme decorre do disposto no art.º 676.º n.º 1 do CPC e tem por isso em vista a revisão e alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido e não a tomada de posição sobre questões novas que anteriormente não foram suscitadas pelas partes e objeto de apreciação pelo juiz.
É jurisprudência pacífica, que os recursos ordinários visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões anteriormente apreciadas e decididas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia sobre questões novas- vd. neste sentido, entre outros, Acórdão do TRL de 14-02-2013 no proc. 285482/11.6YIPRT.L1-2 inwww.dgsi.pt
Com esta questão que agora coloca, o objetivo da R. é que este tribunal se pronuncie em primeira linha sobre a validade do depoimento da testemunha em causa, o que não submeteu oportunamente à decisão do tribunal a quo, designadamente quando da prestação do depoimento, situação que a sentença proferida também não abordou, pelo que nesta parte não é do seu reexame que se trata, mas antes da prolação de decisão sobre questão nova não invocada, que só neste momento a Recorrente traz ao processo.
A situação contra a qual a R. agora se insurge em sede de recurso é prévia à prolação da sentença, situando-se no âmbito da audiência de julgamento realizada em 1ª instância em 21.04.2021, pelo que estamos perante questão nova que não cabe ao tribunal de recurso conhecer em primeira linha.
*
São os seguintes os factos que resultaram provados e não provados, com interesse para a decisão da causa, assinalando-se o aditamento de um novo ponto aos factos provados, com a al. L):
Factos provados
A) A Autora adquiriu o prédio sito na Rua... Lisboa, artigo matricial n.º (…).
B) Sendo que o gozo da divisão independente denominada “LJ41” e sita no n.º 43 do prédio identificado encontrava-se arrendada à ré desde 07/02/1946.
C) Face à aquisição, passou a autora a ser a senhoria da ré, no aludido contrato de arrendamento, tendo tido a última conhecimento de tal facto.
D) Após a aquisição do imóvel, em 20/07/2019, a autora tomou conhecimento de que a ré já não se encontrava no locado.
E) Desde 23 de Janeiro de 2018 que a Sociedade Visionary Soul, Ld.ª explora no locado o “Grogs Bar”.
F) A ré paga rendas.
G) O contrato de arrendamento referenciado em B) e C) foi celebrado por escrito em 07/02/1946.
H) Dita a cláusula segunda do contrato referenciado em B), C) e G) que: “A loja destina-se a estabelecimento de drogaria ou a qualquer outro ramo de comércio, com excepção de carvoaria e vinhos.”.
I) Dita a cláusula quinta do contrato referenciado em B), C), G) e H) que: “É prohibida a sublocação, no todo ou em parte, da loja arrendada.”.
J) A presente acção foi instaurada a 11/10/2019.
l) Em 15 de outubro de 2018 a R. celebrou com a Visionary Soul Ld.ª o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, com respeito ao estabelecimento instalado no locado, nos termos do documento junto aos autos a 25.05.2021, que se dá como reproduzido. (aditado)
Factos não provados
1) A cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul Lda. foi verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel.
* - da impugnação da decisão da matéria de facto - da prova da existência de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre a R. e a Visionary Soul, Ld.ª
Vem a Recorrente afirmar que nos art.º 19.º a 23.º da sua contestação alegou factos relativos ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial que celebrou com a sociedade Visionary Soul, Ld.ª, não tendo o tribunal de 1ª instância emitido pronuncia sobre o teor de tal contrato, não obstante tenha considerado necessária a junção aos autos daquele contrato e dos recibos, o que determinou em audiência de julgamento, tendo tais documentos sido juntos ao processo, sem que tenham sido valorados.
Verifica-se que, embora esta questão tenha sido impropriamente qualificada pela Recorrente como uma omissão de pronúncia da sentença suscetível de determinar a sua nulidade, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC, a verdade é que o tribunal a quo não fez constar expressamente da decisão de facto a invocada celebração do contrato de exploração de estabelecimento comercial pela R., justificativa do facto de não estar a ocupar o locado, ainda que tenha dado como não provado que “a cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul. Ld.ª foi verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel.”
A Recorrente invoca os documentos relativos ao contrato celebrado, bem como os recibos dos pagamentos realizados pela Visionary Soul, Ld.ª, juntos aos autos na sequência do despacho do tribunal de 11.05.2021.
Os referidos documentos, juntos a 25.05.2021 não foram impugnados, e correspondem a um contrato denominado de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre a R. e a Visionary Soul, Ld.ª, datado de 15 de outubro de 2018, com referência ao estabelecimento que funciona no locado, e a recibos de pagamentos emitidos pela R. em nome daquela sociedade.
Tendo em conta o disposto no art.º 662.º n.º 1 do CPC, o acordo das partes, salientando-se que a A. alega na sua p.i. que a R. não ocupa o locado e que cedeu o mesmo, não sabe a que título à Visonary Soul, Ld.ª que desde 23 janeiro de 2018 ali tem a sua sede, bem como o teor dos documentos juntos aos autos a 25.05.2021, determina-se o aditamento de um novo ponto aos factos provados, com o seguinte teor:
L) Em 15 de outubro de 2018 a R. celebrou com a Visionary Soul Ld.ª um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, com respeito ao estabelecimento instalado no locado, nos termos do documento junto aos autos a 25.05.2021, que se dá como reproduzido. - quanto à al. D) dos factos provados e ponto 1 dos factos não provados
Vem a R. manifestar a sua discordância da decisão do tribunal de 1ª instância que considera errada, quanto à al. D) dos factos provados e ponto 1 dos factos não provados, que têm o seguinte teor:
D) Após a aquisição do imóvel, em 20/07/2019, a autora tomou conhecimento de que a ré já não se encontrava no locado. (provado)
1) A cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul Lda. foi verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel. (não provado).
Pretende a alteração da al. D) dos factos provados, no sentido de se ter como provado que: “A A. teve conhecimento da cessão de exploração da R. em janeiro de 2018” e que o ponto 1 dos factos não provados se dê como provado.
Invoca para o efeito o depoimento das testemunhas BB, CC e DD, nos excertos da gravação que indica e transcreve.
Procedeu-se à audição integral do depoimento das referidas testemunhas, verificando-se que a gravação realizada é audível e as declarações que as mesmas prestam são percetíveis.
Não obstante a Recorrente venha suscitar a nulidade da decisão, com fundamento na omissão/deficiência da gravação, constata-se que na maioria dos casos em que a mesma invoca a falta de perceção, designadamente quando o indica na transcrição da gravação dos depoimentos das testemunhas que apresenta, basta aumentar o som da gravação para se entender o que as testemunhas referem, sendo que uma palavra ou outra que não está inteiramente audível não impede minimamente a perceção do sentido do depoimento prestado, não comprometendo de foram alguma o direito da R. a impugnar a matéria de facto, o que aliás decorre da mera leitura das alegações de recurso.
O tribunal a quo considerou admitida por acordo, entre outra a matéria constante da al. D) dos factos provados, mais adiantando a seguinte fundamentação da resposta a esta matéria e sobre o facto não provado no ponto 1): “Como base probatória da facticidade vertida em D), sendo o conhecimento por parte da autora da não ocupação do locado por parte da ré: - a factura simplificada (fls. 9 verso); - a certidão de citação (fls. 31 a 32). Tudo conjugado com a prova produzida em sede de audiência final, tal como infra se perscruta. Esta cingiu-se à audição de uma testemunha por parte da autora, BB. Com credibilidade e em consonância com a factura simplificada constante de fls. 9 verso, deu conta de que visitou o Grogs Bar em 20 de Julho. Fê-lo a pedido e reconheceu o número de contribuinte aposto na dita factura com a qual foi confrontada. Do lado da ré, vieram a juízo as testemunhas GG, CC e DD, cujos depoimentos se revelaram consentâneos entre si, merecendo crédito na medida da razão de ciência de cada qual. Ouviu-se em primeiro lugar a testemunha GG, empresário que explora o Grogs Bar. De acordo com a prova documental (publicação de acto societário respeitante à Visionary Soul, Ld.ª contante de fls. 10, certidão permanente comercial da Visionary Soul, Ld.ª constante de fls. 47 a 48 verso, “contrato de cessão de estabelecimento comercial” celebrado entre a ré e a Visionary Soul, Ld.ª e as respeitantes “facturas-recibo constantes de fls. 53 a 57), disse conhecer o legal representante da ré do local em questão, onde estava há cerca de trinta anos. Entre ambos foi celebrado um contrato de cessão de exploração, na forma escrita, disse. Sendo que o legal representante da ré transmitiu à testemunha que havia falado com o senhorio sobre tal cessão, quando questionado por autorização / comunicação. Depois, a testemunha CC corroborou que frequenta o Grogs Bar há cerca de 20/25 anos, desde então conhecendo como seu “proprietário” o legal representante da ré. Neste momento, tem conhecimento de que está outra pessoa a explorar o aludido bar. Igualmente perguntado sobre a autorização / comunicação do/ao senhorio para tal cessão, retorquiu que o legal representante da ré lhe havia dito que o senhorio nada tinha a opor. Tinham uma boa relação, aditou. Finalmente, em idêntica linha, a testemunha DD relatou conhecer o Grogs Bar, onde estava o legal representante da ré há cerca de 30 anos. Mais relatou que este falou em cedência do bar, a qual se veio a concretizar. Sendo que o legal representante veiculou que já tinha falado com as senhorias (filhas). Nestes termos, foram assim consignados os factos correspondentes como provados. Relativamente ao facto tido por não provado, assim foi consignado porquanto não se logrou quanto ao mesmo fazer prova suficientemente credível, segura e cabal. Acresce que é total ou parcialmente contrário aos provados. Concretizando. O facto não provado sob o n.º 1 quedou inquinado pelo absoluto conhecimento indirecto (através do legal representante da ré). Para mais, o facto provado em H) revela-se em oposição ao facto não provado apreciando.”
Ouvidos os depoimentos das testemunhas em questão, não pode deixar de concordar-se em absoluto com a motivação apresentada na sentença recorrida quanto a estes factos impugnados.
A testemunha HH, refere ter-se dirigido ao estabelecimento em questão, a pedido do Mandatário da A., com o objetivo de obter uma fatura com indicação do número de contribuinte, de forma a permitir identificar quem se encontrava a explorar o mesmo.
A circunstância de não ser a R. que se encontrava a explorar o estabelecimento, nem sequer é por ela posta em causa, pelo contrário, é a própria R. que alega na contestação que cedeu a exploração do estabelecimento a outrem, em data anterior. O documento junto aos autos que representa a fatura obtida pela testemunha, atesta a credibilidade do seu depoimento nesta parte, permitindo dizer que pelo menos a partir dessa data a A. passou a saber que não era a R. que ocupava o locado.
A testemunha DD, conhece o Sr. EE, sócio da R., que anteriormente explorava o bar, referindo que ele lhe disse que ia ceder o bar, que estava na altura de parar e que já tinha falado com o senhorio, com quem tinha bom relacionamento, e que este lhe disse que “fizesse como sempre fiz”, já tendo anteriormente autorizado a realização de obras. Refere que a ideia que tem é que o Sr. EE lhe disse: “a casa é minha, faço como entender”, adiantando que ele disse ter falado com as filhas que eram as senhorias.
Também a testemunha CC, diz que o Sr. EE estava cansado e que falou em passar o bar e disse-lhe que ele falou nisso com o senhorio que lhe dizia para estar à vontade, refere, no entanto, que não sabe em que termos é que ele passou o bar, adiantando que tinha uma boa relação com o senhorio.
Estas duas testemunhas não têm qualquer conhecimento direto destes factos, sendo que o que afirmam tem origem no sócio da R., verificando-se, além do mais, que o seu depoimento se apresenta como extremamente vago e nada circunstanciado quanto a esta matéria, não esclarecendo sequer em que altura ou com quem é que a R. falou em concreto a comunicar ou a pedir autorização para ceder o estabelecimento, que também não sabem em que termos é que se concretizou, além de que nenhuma destas testemunhas se pronuncia no sentido de que a A. teve conhecimento da cessão de exploração da R. em janeiro de 2018.
Verifica-se, além do mais que a credibilidade destas testemunhas resulta afetada, pelo facto do contrato de cessão de exploração do estabelecimento ter sido celebrado em 15 de outubro de 2018, de acordo com o documento junto ao processo e por isso numa data em que era a A. a proprietária do imóvel locado, pelo que se estranha a menção ao anterior senhorio que havia autorizado obras, ou às suas filhas.
Improcede impugnação apresentada quanto à al. D) dos factos provados.
Pelo que ficou exposto, conclui-se que os meios de prova indicados pela Recorrente não se apresentam também como bastantes para convencer o tribunal de que “a cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul Lda. foi verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel”, não admitindo por isso que se tenha como provada a matéria que consta do ponto 1 dos factos não provados, improcedendo nesta parte a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente.
IV. Razões de Direito - da caducidade da ação
Alega a Recorrente que os factos que servem de fundamento à ação remontam a janeiro de 2018, pelo que tendo a ação dado entrada em juízo em janeiro de 2020 já caducou o direito da A. à resolução do contrato e ao despejo do locado, atendo o disposto no art.º 1085.º do C.Civil.
A sentença sob recurso julgou improcedente a exceção da caducidade suscitada pela R.
Sobre a caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento estabelece o art.º 1085.º do C.Civil: “1 - A resolução deve ser efetivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade. 2 - O prazo referido no número anterior é reduzido para três meses quando o fundamento da resolução seja o previsto nos n.os 3 ou 4 do artigo 1083.º. 3 - Quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação.”
O n.º 1 deste artigo vem estabelecer que a resolução do contrato de arrendamento deve ser efetivada no prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, no que se apresenta como uma manifestação da proteção da estabilidade da posição do arrendatário e de certeza ou segurança jurídica.
Salienta-se que o início do prazo de caducidade não é o da verificação do facto que serve de base à resolução, como parece pretender a Recorrente, mas antes o do seu conhecimento por parte do senhorio, já que o exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento supõe que o senhorio tenha conhecimento dos fundamentos que podem justificá-lo.
Acrescenta ainda o n.º 3 deste artigo, numa redação não muito feliz, que quando se trate de facto continuado ou duradouro o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação.
Como bem se refere no Acórdão do TRL de 04-02-2025 no proc. 26876/22.2T8LSB.L1-7 inwww.dsgi.pt : “Apesar da enviesada redacção da norma, o que dela se retira é que o prazo de caducidade de um ano não se inicia antes da cessação do facto ilícito, ou seja, conta-se a partir da data da sua cessação – cf. Jorge Pinto Furtado, op. cit., pág. 570; António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, III – Dos Contratos em Especial, CIDP, 2024, pág. 526; Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9ª Edição, pág. 150; José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume III – Contratos em Especial, 2014, pág. 269; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6-05-1999, 2161/99, CJ Ano XXIV, Tomo III, pág. 93.”
Na situação em presença a A. fundamenta o seu pedido de resolução do contrato de arrendamento no não uso do locado por parte da arrendatária e na sua cedência não autorizada a terceiro, constatando-se por isso que estamos perante um facto continuado, suscetível de integrar a previsão do n.º 3 deste artigo, pelo que o prazo de caducidade do direito de resolução não se completa antes de decorrido um ano da cessação do facto que lhe deu origem.
Como ensina Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, pág. 325, a cedência do uso do locado a terceiros constitui um facto duradouro, pelo que o prazo de um ano para a senhoria resolver o contrato apenas teria início a partir da data da cessação de tal cedência.
Além do mais, a Recorrente vem defender que se verifica a exceção da caducidade, com fundamento no facto da A. alegadamente ter tido conhecimento da cessão em janeiro de 2018, quando tal não encontra qualquer correspondência nos factos provados, antes se tendo apurado que foi em 20.07.2019 que a A. teve conhecimento de que a R. não se encontrava no locado a explorar o estabelecimento.
Tendo sido em 20.07.2019 que a A. teve conhecimento que a R. não se encontrava no locado e que havia cedido o seu uso a terceiro, e tendo a presente ação sido instaurada a 19.10.2019, nunca pode considerar-se que nesta data já havia decorrido o prazo de um ano para a A. exercer o seu direito a resolver o contrato de arrendamento, sendo manifesta a improcedência da exceção da caducidade suscitada pela R., tal como entendeu a sentença sob recurso. - da cessão de exploração do estabelecimento não ter de ser autorizada ou comunicada ao senhorio
Alega a Recorrente que não está em causa qualquer contrato de sublocação, nos termos previstos no art.º 1060.º do C.Civil, como entendeu a sentença recorrida, confundindo a sublocação com o contrato celebrado que foi de cessão de exploração de estabelecimento, pelo que a R. não estava obrigada a pedir a autorização do senhorio, nem tinha que proceder à comunicação a que alude o art.º 1038.º al. g) do C.Civil, concluindo pela inexistência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
A sentença sob recurso pronunciou-se nos seguintes termos: “Na versão da ré – cessão de exploração do estabelecimento comercial ao invés de subarrendamento – importa colacionar o artigo 1109.º, n.º 2, do Código Civil: “A transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês.” Atendendo à data da celebração do contrato em causa (07/02/1946), ainda há a atender ao regime transitório do Novo Regime do Arrendamento Urbano, acolhido pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (artigos 27.º e 28.º). In casu, tendo entre as partes (antecessora da autora) sido celebrado contrato de arrendamento comercial nos termos supra exarados, a cedência de gozo do imóvel por parte da autora fez emergir na esfera jurídica da ré a obrigação de o ocupar efectivamente, por um lado, e de não o subarrendar, por outro. Avançando para o incumprimento da ré. Está assente que, desde 23 de Janeiro de 2018, a Sociedade Visionary Soul, Ld.ª explora no locado o “Grogs Bar”. Mais está assente que a cláusula quinta do contrato de arrendamento proíbe a sublocação, no todo ou em parte, da loja arrendada. E ficou por assentar que a cessão de espaço à Sociedade Visionary Soul Lda. tenha sido verbalmente autorizada pelos proprietários do imóvel. À luz dos deveres enunciados (uso efectivo do locado e autorização / comunicação da cedência do gozo), temos que a ré os incumpriu, violando o princípio do cumprimento pontual dos contratos, sediado no artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil. Deste modo, não tendo a ré realizado as ditas prestações a que se encontrava vinculada, incumpriu as suas obrigações, nos termos do disposto no artigo 762.º do Código Civil. Incumprimento que é fundamento de resolução, nos termos dos artigos 1083.º, n.º 1 e 2, als. d) e e) e 1109.º, n.º 2, ambos do Código Civil.”
Não merece controvérsia que estamos perante um contrato de arrendamento que vigora entre as partes desde 07.02.1946, para fins não habitacionais, com o seu regime agora previsto nos art.º 1108.º ss do C.Civil, aplicável ao caso atento o disposto no art.º 27.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro (
NRAU) ao reportar-se aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro.
Contrariamente ao que refere a Recorrente, a sentença sob recurso não admitiu a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na sublocação, ainda que faça alusão ao facto do contrato de arrendamento proibir a sublocação, mas antes com fundamento no não uso do locado por parte da arrendatária e na cessão do espaço à Visionary Soul, Ld.ª, não autorizada, nem comunicada, invocando os art.º 1083.º n.º 1 e 2 al. d) e e) e 1109.º n.º 2 do C.Civil.
O que importa saber, em face da discordância manifestada pela Recorrente, é se a falta de autorização e/ou de comunicação ao senhorio da cessão de exploração do estabelecimento que funciona no locado, pode constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento, defendendo aquela que tal não é necessário.
No que se refere à locação de estabelecimento rege o art.º 1109.º do C.Civil, nos seguintes termos: “1- A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações. 2 - A transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês.”
O n.º 2 do art.º 1109.º do C.Civil vem estabelecer expressamente que a transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado no locado não necessita de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês.
Ao admitir a transferência do estabelecimento instalado no arrendado, pelo locatário, sem autorização do senhorio, dispensando-a, o legislador vem aqui estabelecer uma exceção à regra do art.º 1038.º al. f) do C.Civil, artigo que, enunciando os deveres do locatário, estipula naquela alínea que este tem a obrigação de não proporcionar a outrem o gozo da coisa, por meio de cessão da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, exceto se a lei o permitir ou o locador o autorizar.
No entanto, quanto à comunicação ao senhorio da cedência do estabelecimento, o art.º 1109.º n.º 2 do C.Civil impõe a necessidade do locatário a ela proceder no prazo de 30 dias, apenas divergindo da regra do art.º 1038.º al. g) do C.Civil, pelo prazo mais alargado que vem consagrar, já que nesta última previsão a comunicação da cedência do gozo da coisa, quando permitida ou autorizada, deve ser realizada no prazo de 15 dias.
No caso, não se discute a eventual necessidade da autorização do senhorio para a transferência pelo locatário do estabelecimento comercial que funciona no arrendado, o que se mostrou controvertido durante largo período de tempo, mas que o art.º 1109.º n.º 2 do C.Civil veio resolver.
O que está aqui em discussão é a obrigação de comunicar ao senhorio a cedência do estabelecimento que funciona no locado que a R. defende não existir, sendo certo que a mesma não logrou provar que deu conhecimento ao senhorio do contrato de cessão de exploração do estabelecimento que celebrou.
É certo, como alega a Recorrente, que o contrato de cessão de exploração do estabelecimento não opera qualquer modificação no contrato de arrendamento, continuando a mesma a ocupar a posição de arrendatária. Neste sentido, sobre situação idêntica, pronunciou-se o Acórdão do TRL de 27-01-2005 no proc. 379/2005-6 inwww.dgsi.pt onde se refere: “O contrato de locação ou de cessão de exploração do estabelecimento comercial ou industrial caracteriza-se pela cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa, mediante retribuição. Com semelhante contrato transfere-se apenas, temporariamente, o estabelecimento, não se operando, devido à sua autonomia, qualquer modificação do contrato de arrendamento, que tem por objecto o prédio onde o mesmo está instalado (Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 100.º, págs. 269 e 270, e A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I Vol., pág. 250).”
Antes do art.º 1109.º n.º 2 do C.Civil vir consagrar expressamente esta obrigação de comunicação da cedência ao senhorio por parte do locatário, a doutrina e jurisprudência dividiam-se quanto à necessidade de tal comunicação, ainda que maioritariamente fosse considerado que a mesma existia, por aplicação do art.º 1038.º al. g) do C.Civil. Neste sentido pronunciaram-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 10-07-2007 no proc. 07B2409 inwww.dgsi.pt ou o já citado Acórdão do STJ de 27-01-2005, nos seguintes termos: “Tendo-se, pois, no caso, concretizado os efeitos jurídicos da cessão de exploração do estabelecimento comercial, a arrendatária estava obrigada, porém, a efectuar a sua comunicação ao senhorio. Com efeito, essa obrigação resulta da interpretação lógica do disposto na alínea g) do art.º 1038.º do Código Civil, sendo certo que ao senhorio assiste o direito de conhecer quem, efectivamente, goza da fruição do prédio dado de arrendamento, de forma a poder acautelar os seus interesses e direitos. Por outro lado, e como bem realça o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 1992 (BMJ, n.º 420, pág. 524), aquela norma não é “limitativa da liberdade de contratar própria dos arrendamentos vinculísticos”. Na verdade, a referida comunicação não representa qualquer obstáculo à negociação do estabelecimento comercial, dado o senhorio não poder condicionar o respectivo negócio. No sentido que vimos seguindo, que é largamente dominante na jurisprudência e na doutrina, cita-se A. Pais de Sousa, Cardona Ferreira e Lemos Jorge (Arrendamento Urbano, Notas Práticas, pág. 165), bem como ainda a numerosa jurisprudência, da qual se salienta os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 1992, antes referido, e de 7 de Fevereiro de 1995 (BMJ, n.º 444, pág. 618), e da Relação de Lisboa, de 2 de Julho de 1998 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, t. 4, pág. 84), e a doutrina indicadas por Aragão Seia (Arrendamento Urbano, pág. 622).”
De qualquer modo, atualmente tal divergência encontra-se ultrapassada pelo art.º 1109.º n.º 2 do C.Civil, não existindo dúvidas quanto à obrigação de comunicação ao senhorio da cessão do estabelecimento por parte do arrendatário, tendo vindo inclusivamente a ser entendido que esta norma se reveste de natureza interpretativa – vd. neste sentido o Acórdão do STJ de 24-01-2012 no proc. 466/06.5TBCBT.G1.S1 inwww.dgsi.pt
No caso, ficou provado que a R. arrendatária cedeu a exploração do estabelecimento comercial de bar que funciona no locado a uma outra empresa, o que podia fazer sem necessidade de autorização do senhorio, estando porém obrigada a comunicar-lhe a realização de tal negócio, no prazo de 30 dias após a sua efetivação, em cumprimento do art.º 1109.º n.º 2 do C.Civil.
Em conclusão, tal falta de comunicação torna ineficaz a cessão ocorrida relativamente ao senhorio, constituindo fundamento de resolução do contrato de arrendamento, nos termos previstos no art.º 1083.º n.º 1 e n.º 2 al. e) do C.Civil, revelando o incumprimento do contrato por parte do locatário, tal como entendeu a sentença proferida.
Resta concluir pela improcedência da apelação, com a consequente manutenção da decisão proferida.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela R., mantendo-se a sentença proferida.
Custas pela R. por ter ficado vencida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 26 de junho de 2025
Inês Moura
Higina Castelo
Ana Cristina Clemente