ASSOCIAÇÃO
VENDA DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO
COMPETÊNCIA DA ASSEMBLEIA GERAL
TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE
Sumário

Sumário (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil, doravante apenas CPC)
I - Inexistindo norma estatutária ou legal que atribua ao Conselho de Administração de uma associação competência para decidir a venda de património imobiliário, essa competência, por força do disposto no art.º 172º, n.º 1, do Código Civil, assiste à Assembleia Geral;
II - As matérias colocadas à deliberação da Assembleia Geral devem estar claramente definidas, por forma a que os associados possam exercer o seu direito de voto com plena consciência do alcance da deliberação na qual participam;
III - Não pode considerar-se implícita na deliberação da Assembleia Geral de 26.01.2015 que aprovou o orçamento para o ano de 2015 a deliberação de aprovação da venda de património imobiliário, quando nessa mesma Assembleia Geral, antes da deliberação relativa à proposta desse orçamento, foi afirmado que “na próxima Assembleia Extraordinária será apresentada a aprovação a proposta referente à venda do património imobiliário”;
IV - Não pode considerar-se implícita na deliberação da Assembleia Geral de 14.12.2015 que aprovou o orçamento para o ano de 2016 a deliberação de aprovação da venda de património imobiliário, quando no parecer do Conselho Fiscal que acompanha esse orçamento e se pronuncia sobre ele, a venda do referido património imobiliário é considerada como um facto consumado;
V - A decisão do Conselho de Administração relativa à venda de património imobiliário, inexistindo deliberação da Assembleia Geral que aprove essa venda, é nula, por carecer o referido Conselho de Administração de competência para decidir essa venda.

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
AA (…) intentou a presente ação (inicialmente no tribunal administrativo e por força da declaração de incompetência em razão da matéria no tribunal judicial) contra C(…) (inicialmente existindo contra interessados no processo administrativo, a S(…), Lda. e a AJZ (…) Lda., os quais vieram a ser absolvidos da instância em sede judicial), formulando o seguinte pedido que se reproduz:
(…) requer-se que se digne decretar a nulidade ou a anulabilidade das decisões de compra e venda tomadas pelo C.A. do CPFAE com fundamento na sua falta de competência para as decidir, e a suspensão de eficácia do ato administrativo requerido no apenso, consubstanciado nas decisões do R. no sentido:
- De vender o imóvel sito na Rua (…) e de comprar o edifício sito na Estrada (…), ambos em Lisboa e, em consequência, pelo menos, determinar a abstenção da Requerida de prosseguir com a concretização daqueles negócios jurídicos sem a prévia proposta e a válida aprovação por parte do órgão competente para essas decisões, ou seja, por parte da Assembleia-Geral”.
Para tanto, refere que o Presidente do Conselho de Administração da Ré, em assembleia geral de 14/12/2015, informou ter a Ré vendido um imóvel sito na Rua, (…), em Lisboa, por € 2.000.000,00 e ter adquirido um edifício na Estrada (…), igualmente em Lisboa, por € 1.850.000,00.
Refere que a venda não foi submetida a aprovação dos sócios, tendo sido afirmado pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré que não existia essa obrigatoriedade e porque a venda tinha sido autorizada pelo Conselho Fiscal.
Sustenta que o Conselho de Administração tem competência executiva, enquanto a Assembleia Geral tem competência decisória genérica, pelo que o Conselho de Administração não pode deliberar sobre atos de disposição ou de administração extraordinária, sendo a Assembleia Geral o único órgão com competência para o efeito.
Mais refere que os negócios jurídicos em causa, sendo concluídos, vão acarretar prejuízos para a Ré, podendo levar à sua insolvência.
Conclui que os ditos negócios jurídicos estão feridos de nulidade ou anulabilidade.
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Citada, a Ré contestou.
Em sede de impugnação, afirma que na assembleia geral de 14/12/2015 o Presidente do Conselho de Administração da Ré anunciou e confirmou a venda e a compra dos imóveis em apreço e que tal foi incluído na assembleia geral que aprovou o orçamento e o plano de atividades para 2015 e para 2016, sendo que os mesmos foram aprovados pela maioria dos sócios presentes em assembleia geral.
Nessa medida, conclui que os negócios jurídicos não foram efetuados apenas por decisão do Conselho de Administração, mas também pela deliberação da assembleia geral.
Nega que os negócios em causa sejam prejudiciais para a Ré.
Sustenta ainda a não aplicação do disposto no art.º 172 do Código Civil, na medida em que é uma instituição de previdência social.
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Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador.
Da respetiva ata consta, designadamente, o seguinte:
(…) com acordo das partes foi dado como assente a seguinte matéria de facto:
Facto assentes:
Artigo 2.º a 4.º da p.i.
Em 26 de janeiro de 2015 a Assembleia Geral Ordinária do Réu teve o teor de fls. 76 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido.
Os estatutos do Réu à data dos presentes autos são os que constam de fls. 191 a 241 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido.
Por contrato de promessa celebrado no dia 13-11-2015 o Réu declarou vender por € 2. 000.000,00(dois milhões de euros) à S(…), o imóvel sito na Rua (…), em Lisboa.
A deliberação do Conselho de Administração a decidir a venda dos imóveis não foi antecedida por deliberação em Assembleia Geral.
* * *
(…)
De seguida e com acordo das partes foi dado como assente a seguinte matéria de facto:
Facto Assentes:
A Ré deliberou em Assembleia Geral nos termos que constam das atas juntas a 18-03-2024.
* * *
Ambas as partes concordam que no processo não existe factos controvertidos.
(…)”.
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Por requerimento de 07.05.2024, a Ré informou que o contrato promessa de compra e venda do imóvel sito na Estrada (…) foi resolvido e que o respetivo sinal foi devolvido, em face do que conclui “(…) que o pedido de nulidade ou anulabilidade da decisão de compra e venda do imóvel sito na Estrada (…), deixou de ter interesse por o resultado pretendido ter sido atingido com a resolução do contrato de promessa de compra e venda e devolução do sinal pago (…)”.
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Face a essa informação, por requerimento de 20.05.2024, o Autor veio dizer que “(…) Considerando a resolução operada do contrato de promessa de compra e venda do imóvel das Laranjeiras e tendo ocorrido a devolução do sinal ao Réu, o Autor desiste, por inutilidade superveniente, do pedido de nulidade da deliberação do Conselho de Administração (doravante apenas CA) e, consequentemente, do contrato-promessa de compra e venda do imóvel das Laranjeiras (…)”.
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Foi proferida sentença cujo dispositivo aqui se reproduz:
(…)
III. DECISÃO
Por todo o exposto o tribunal julga a presente ação improcedente e absolve a R. do pedido.
Custas a cargo do A..
Registe e notifique.
(…).
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Não se conformando com essa decisão, o Autor dela veio recorrer, formulando as seguintes conclusões:
(…)
II. CONCLUSÕES
1. Por sentença de 28/05/2024, proferida no processo melhor identificado em epígrafe, o tribunal a quo julgou a ação interposta pelo ora Recorrente totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido.
2. Com a decisão proferida, não pode o Recorrente conformar-se.
3. A questão a decidir nos autos consistia em saber “se a decisão do conselho de administração de vender um imóvel sito na rua (…), em Lisboa, é invalida na medida em que não foi antecedida de deliberação da assembleia geral a autorizar esse ato de alienação de património.” (sublinhado nosso)
4. Em primeiro lugar cumpre esclarecer que o órgão competente do Recorrido com poderes para decidir a venda de património imobiliário é a assembleia geral.
5. O artigo 97º dos estatutos do Recorrido exclui das competências especificas do conselho de administração os actos de alienação de património.
6. Tal como decidiu o tribunal a quo, ao Recorrido, que assume a forma jurídica de associação, aplica-se o regime previsto nos artigos 167.º e seguintes do Código Civil (doravante apenas CC).
7. Pelo que nos termos do n.º 1 do artigo 172.º do CC compete à assembleia geral, residualmente, deliberar sobre a alienação de património imobiliário.
8. Ora, no caso sub judice, o Recorrente entende que a venda do imóvel em questão não foi objecto de deliberação em assembleia geral, ao invés do que decidiu o tribunal a quo na sentença recorrida.
9. A assembleia geral ordinária de 26/01/2015 tinha a seguinte ordem de trabalhos:
“1 - apreciação e votação do orçamento ordinário para o ano económico de 2015;
2 – Informações.”, conforme acta junta aos autos recorridos.
10. Como se vê não constava da ordem de trabalhos a discussão e votação de qualquer proposta de venda de património imobiliário.
11. E, do teor da referida acta constata-se que não foi discutida e aprovada a venda de património imobiliário.
12. Tanto assim foi que o presidente do conselho de administração do Recorrido declarou aos associados presentes que “na próxima Assembleia Extraordinária será apresentada a aprovação a proposta referente à venda do património imobiliário.”, V. página 5.ª da referida acta.
13. É também reconhecido pelo tribunal a quo que nunca foi convocada qualquer assembleia geral extraordinária, após 26/01/2015, para deliberar a venda de património imobiliário.
14. Não obstante, em 13/11/2015, o presidente do Conselho de Administração do Recorrido decidiu outorgar o contrato promessa de compra e venda do prédio da Rua (…), contrato junto aos autos a fls. (...).
15. A segunda assembleia geral ordinária do Recorrido reuniu em 14/12/2015, conforme atesta a acta junta aos autos a fls. (...).
16. Novamente, da ordem dos trabalhos não consta qualquer proposta de discussão e votação relativa à alienação de património imobiliário.
17. Nesta assembleia, o Presidente do Conselho de Administração apresenta aos sócios a venda do imóvel já como facto consumado, referindo em resposta à interpelação de um associado que “é bem claro no relatório do Conselho Fiscal a venda da R. (…) e aconselhou o Sr. Associado a ler o relatório do orçamento para 2015 e o parecer do Conselho Fiscal onde isso taxativamente está referido” e que “uma vez aprovado o orçamento tacitamente estava aprovado” o negócio jurídico - a venda.
18. Em suma, foi dito que com a aprovação do orçamento de 2015 tacitamente havia sido aprovada a venda do património.
19. Conclui-se, assim, que na assembleia geral ordinária de 14/12/2015 também não foi discutida e aprovada qualquer proposta de venda de património imobiliário.
20. Assim, é de concluir que em nenhuma das assembleias gerais ordinárias se discutiu e votou a venda de património.
21. Por essa razão errou o tribunal a quo ao considerar que “assiste razão à R. quando afirma que a decisão de venda do imóvel foi sujeita a aprovação da assembleia geral. Não o foi em concreto apenas desse imóvel, mas sim de vários imóveis (compra e venda) e foi discutida nas várias assembleias que antecederam”.
22. E, ainda que se entendesse ter sido discutida e aprovada nas assembleias gerais em questão a proposta de venda do imóvel, essa deliberação seria anulável.
23. Porquanto das respectivas ordens de trabalhos nunca constaram quaisquer propostas de venda de património.
24. Nos termos do n.º 3 do artigo 174.º do CC, seriam anuláveis as deliberações tomadas sobre matéria estranha à ordem dos trabalhos e o recorrente peticionou a anulação da decisão de venda.
25. Acresce que o tribunal a quo considerou, erradamente, que “ao aprovar um orçamento da R. que contempla a venda do imóvel da R. (…) (veja-se o plano de actividades anexo seja de 2015, seja de 2016, fls. 267 onde o imóvel em concreto é referido), está contida a deliberação e votação dessa venda e legitimada a decisão do conselho de administração por via da aprovação feita pelos sócios em assembleia geral”.
26. A aprovação de um orçamento não é mais do que a aprovação de um plano indicativo de receitas e despesas.
27. A sua aprovação não exonera o Recorrido da obrigação de cumprimento dos formalismos legais e estatutários para legitimação da prática de actos jurídicos, como é o caso da alienação de património imobiliário.
28. Nos termos do artigo 172.º e n.º 3 do artigo 174.º do CC, as deliberações da assembleia geral sobre atos de administração extraordinária, como a venda de imóveis, têm de constar claramente na ordem de trabalhos, o que nunca sucedeu!
29. São coisas totalmente distintas a aprovação de um orçamento e a deliberação sobre a venda de um imóvel.
30. Algo que o tribunal a quo não alcançou o que acabou por inquinar a decisão proferida.
31. Conforme se pode verificar pela flagrante contradição entre os factos apurados e a fundamentação constante do extracto decisório que se transcreve e de que se recorre:
Refere o R. que nas actas de assembleia geral de 26/1/2015 e 27/4/2015 o presidente do conselho de administração informou os sócios, e a intenção de venda do património foi integrada no plano de atividades e no orçamento, de 2015 e de 2016, que foi aprovada, e consequentemente foi aprovada essa alienação duas vezes, cfr. art. 59º da contestação.
Vejamos as actas em causa. Na acta da assembleia geral ordinária de 26/1/2015 refere-se a venda do imóvel, na fls 19. Não a coloca a deliberação e votação dos sócios. Apenas a refere. E na fls. 21 pode ler-se mais: “o presidente relembrou que na próxima assembleia extraordinária será apresentada a aprovação a proposta referente à venda do património imobiliário”.
Donde, iria haver efetivamente uma votação sobre a venda de património.
O que cremos que efetivamente sucede. A aprovação do orçamento e do plano de atividades (incluída na acta de dezembro de 2015) é suficiente para se ter a decisão de vender património como aprovada. Vejam-se a acta de 14/12/2015, a fls. 88, da assembleia geral ordinária, foi dito na sua segunda página, a fls. 89 dos autos que ”Apesar de prevista no orçamento a venda de bens de investimento, dada a dificuldade em obter todos os elementos previstos para a sua venda, como é o caso da certificação elétrica apenas se formalizou com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda do prédio da R. (…) por dois milhões de euros”.
O orçamento foi sujeito a votação e foi aprovado na assembleia geral com alguns votos contra.
Assim sendo, cremos que assiste razão à R. quando afirma que a decisão de venda do imóvel foi sujeita a aprovação da assembleia geral. Não o foi em concreto apenas desse imóvel, mas sim de vários imóveis (compra e venda) e foi discutida nas várias assembleias que antecederam esta. Discutida em assembleia geral. Nessa medida, ao aprovar um orçamento da R. que contempla a venda do imóvel da R. (…) (veja-se o plano de actividades anexo seja de 2015, seja de 2016, fls. 267 onde o imóvel em concreto é referido), está contida a deliberação e votação dessa venda e legitimada a decisão do conselho de administração por via da aprovação feita pelos sócios em assembleia geral.
Assim sendo, improcede a pretensão do A. e não vemos que a decisão de venda do imóvel esteja ferida de alguma invalidade que cumpra ser declarada.” (sublinhado nosso)
32. Como tal, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 78.º e 97.º dos estatutos do Recorrido bem como o disposto nos artigos 172.º n.º 1 e 174.º n.º 3 do CC.
33. Com respeito à condenação do ora Recorrente nas custas processuais, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), requer-se a dispensa, no todo, do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, uma vez que tal dispensa se justifica em função da simplicidade da causa, da sua utilidade económica e da conduta processual das partes, sob a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, declarando-se inválida a decisão de venda do imóvel nos termos supra expostos, tudo conforme peticionado e com as legais consequências.
Conforme decorre de todo o supra exposto, o Recorrente não deu causa às custas em que foi condenada, pelo que deverá, nesta parte, ser também revogada a sentença recorrida.
Finalmente, relativamente à condenação do ora Recorrente nas custas processuais, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), requer-se a dispensa, no todo, do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, uma vez que tal dispensa se justifica em função da simplicidade da causa, da sua utilidade económica e da conduta processual das partes, sob a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi corretamente admitido, com o efeito e modo de subida adequados.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- Da validade da decisão do Conselho de Administração do Réu relativa à venda do prédio sito na Rua (…), em Lisboa.
- Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.º 6º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
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III. Fundamentação de Facto:
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
(…)
1.1. Factos provados
Em face do acordo quanto à matéria de facto considero assentes os seguintes factos:
1. O conselho de administração da R. decidiu a concretização de negócios que foi comunicada e confirmada pelo presidente BB (…), o qual durante a assembleia geral de 14 de dezembro de 2015 informou os sócios da venda do prédio sito na rua (…), em Lisboa, pelo valor de €2.000.000, onde atualmente se encontram a funcionar os serviços administrativos da instituição, negócio que será celebrado com a S(…), Lda, e a compra de um edifício na estada (…), em Lisboa, pelo valor de €1.850.000 para “depois de realizadas algumas pequenas obras destina-lo à centralização dos serviços do C(…)”, negocio que seria celebrado com a AJZ (…), Lda;
2. Em 26 de janeiro de 2015 a Assembleia Geral Ordinária do Réu teve o teor de fls. 76 dos autos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. Os estatutos do Réu à data dos presentes autos são os que constam de fls. 191 a 241 dos autos, e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Por contrato de promessa celebrado no dia 13-11-2015 o Réu declarou vender por € 2. 000.000,00(dois milhões de euros) à S(…), o imóvel sito na Rua (…), em Lisboa.
5. A deliberação do Conselho de Administração a decidir a venda dos imóveis não foi antecedida por deliberação em Assembleia Geral;
6. A Ré deliberou em Assembleia Geral nos termos que constam das atas juntas a 18-03-2024.
(…)”.
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IV. Mérito do Recurso:
- Da validade da decisão do Conselho de Administração do Réu relativa à venda do prédio sito na Rua (…), em Lisboa.
Analisados os “Estatutos do C(…)”, juntos a fls. 191 e ss. do processo administrativo (cfr. a certidão junta aos autos em 28.12.2023), vemos que do respetivo art.º 1º, n.º 1, resulta que o Réu “é uma instituição de previdência social de utilidade pública, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira”.
Nos termos do art.º 78º, n.º 1, desses Estatutos, “A administração do C(…) está confiada aos Órgãos Sociais”, acrescentando o n.º 2 que “Os Órgãos Sociais são constituídos pela Mesa da Assembleia-geral, Conselho de Administração e Conselho Fiscal (…)”.
Quanto às competências do Conselho de Administração, o art.º 97º dos Estatutos refere o seguinte:
Além do que especialmente se dispõe noutros preceitos, compete, designadamente, ao Conselho de Administração:
a) Proceder à administração do Cofre;
b) Admitir os trabalhadores que pretendam inscrever-se como sócios e informá-los da sua admissão e da quota que lhes corresponde;
c) Verificar se os sobrescritos com a declaração relativa ao subsídio por morte se encontram nos termos estatutários;
d) Promover a elaboração, pelo menos trienalmente, do balanço técnico;
e) Elaborar os orçamentos suplementares que se mostrem necessários;
f) Elaborar os regulamentos necessários à execução dos presentes Estatutos, esclarecendo, por igual forma, os casos omissos;
g) Solicitar das repartições processadoras de quaisquer abonos aos sócios do Cofre para que sejam efetuados os descontos relativos aos mesmos e, na impossibilidade de fazer transferência das importâncias descontadas nas folhas, determinar que os encargos dos sócios sejam pagos diretamente na tesouraria do Cofre, por meio de cheque ou outra qualquer forma de pagamento que o sócio prefira;
h) Designar os dias da reunião ordinária;
i) Fazer distribuir pelos sócios que o solicitarem o exemplar do relatório;
j) Publicar em dois jornais diários, um de Lisboa e outro do Porto, o balanço e a conta de gerência;
k) Fazer entrega aos novos Conselhos de Administração de todos os valores do Cofre, do que se lavrará termo, assinado por ambos os Conselhos de Administração;
l) Promover a venda de papéis de crédito ou negociar empréstimos, se as disponibilidades em numerário não cobrirem a despesa obrigatória do Cofre;
m) Dar cumprimento às deliberações da assembleia geral;
n) Negociar a fusão com outras instituições congéneres, mesmo de carácter particular, desde que mais de dois terços dos seus associados sejam trabalhadores da função pública”.
Conforme se refere na sentença recorrida e não é questionado em sede de recurso, a Ré é uma associação sem fins lucrativos, o que significa que para além do regime estabelecido nos respetivos Estatutos lhe é igualmente aplicável o regime previsto nos artigos 167º e ss. do Código Civil (doravante apenas CC).
De acordo com o art.º 97º dos Estatutos da Ré, os atos de alienação de património imobiliário, configurando atos de administração extraordinária, não se inserem entre as competências do Conselho de Administração da Ré, já que na al. a) desse artigo apenas estão contemplados os atos de administração ordinária.
Acresce que inexiste qualquer outra norma, legal ou estatutária, que especialmente lhe atribua essa competência.
Assim, importa atender ao disposto no art.º 172º, n.º 1, do CC, nos termos do qual “Competem à assembleia geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa coletiva”.
Ora, dúvidas não se suscitam de que a venda do prédio sito na Rua (…), em Lisboa, traduzindo um ato de alienação de património imobiliário da Ré e, como tal, um ato de administração extraordinária, exorbita as competências do seu Conselho de Administração, estando assim incluída na competência residual da Assembleia Geral prevista no citado art.º 172º, n.º 1, do CC. Ou seja, a venda do referido prédio está sujeita à aprovação da Assembleia Geral.
Assim se decidiu na sentença recorrida e o Autor/Apelante concorda com essa decisão.
A divergência surge quanto à existência ou inexistência de deliberação da Assembleia Geral no sentido da aprovação da venda do referido prédio.
Na sentença recorrida foi dada como provada, no que aqui releva, a seguinte factualidade:
“1. O conselho de administração da R. decidiu a concretização de negócios que foi comunicada e confirmada pelo presidente BB (…), o qual durante a assembleia geral de 14 de dezembro de 2015 informou os sócios da venda do prédio sito na rua (…), em Lisboa, pelo valor de €2.000.000, onde atualmente se encontram a funcionar os serviços administrativos da instituição, negócio que será celebrado com a S(…), Lda, (…);
(…)
4. Por contrato de promessa celebrado no dia 13-11-2015 o Réu declarou vender por € 2. 000.000,00 (dois milhões de euros) à S(…), o imóvel sito na Rua (…), em Lisboa.
5. A deliberação do Conselho de Administração a decidir a venda dos imóveis não foi antecedida por deliberação em Assembleia Geral; (…).”
Pese embora tenha dado como provado que a decisão do Conselho de Administração da Ré de vender o prédio sito na Rua (…), em Lisboa, pelo valor de 2.000.000,00 €, à S(…), Lda., não foi antecedida por deliberação da Assembleia Geral, o Tribunal a quo entendeu que a aprovação dessa decisão do Conselho de Administração acaba por estar contida na deliberação da Assembleia Geral que aprovou o orçamento relativo a 2015.
O Autor/Apelante discorda, defendendo que em nenhuma das assembleias gerais, seja a realizada em 26.01.2015 ou a realizada em 14.12.2015, foi discutida e aprovada a venda de património imobiliário.
Analisamos as atas juntas aos autos.
Começamos pela ata da assembleia geral ordinária de 26.01.2015 (a qual consta de fls. 76 e ss. da certidão junta aos autos em 28.12.2023), cuja ordem de trabalhos era a seguinte: “1 – Apreciação e votação do orçamento ordinário para o ano económico de 2015; 2 – Informações”.
Nessa ata, no âmbito da discussão relativa ao orçamento ordinário para o ano económico de 2015, em sede de explicações quanto aos números que dele constam, e no que em concreto concerne à previsão para 2015 de receitas relativas a vendas, é feita a seguinte referência, a fls. 19 dessa ata: “(…) as receitas de capital e vendas de bens de investimento foram nulas em 2014 prevendo-se em 2015, 6.000.000,00€ (seis milhões), devido à venda do imóvel da R. (…), terreno de Arcozelo e diversos prédios (…)”.
Depois, a fls. 21 dessa mesma ata, consta que “(…) O Presidente relembrou que na próxima Assembleia Extraordinária será apresentada a aprovação a proposta referente à venda do património imobiliário” – sublinhado nosso.
E mais à frente, agora a fls. 22, é mencionado que “(…) foi posto à votação o Orçamento Ordinário para o ano económico de 2015, tendo sido aprovado por maioria (…)”.
Resulta claro da leitura dessa ata que nessa assembleia geral não existiu qualquer deliberação expressa da Assembleia Geral relativa à venda de património imobiliário, muito menos no sentido da aprovação dessa venda. Antes pelo contrário, previu-se a apresentação, para deliberação, da proposta de venda do património imobiliário, para a “próxima Assembleia Extraordinária”.
Temos por seguro que as matérias colocadas à deliberação da Assembleia Geral devem estar claramente definidas, por forma a que os associados possam exercer o seu direito de voto com plena consciência do alcance da deliberação na qual participam. Assim o impõe o princípio da boa fé.
Nesse enquadramento, tendo presente que conforme consta da ata em análise foi expressamente prevista a apresentação, para deliberação, da proposta de venda do património imobiliário para a “próxima Assembleia Extraordinária, nunca essa proposta se poderia considerar contida na deliberação dessa mesma assembleia geral que depois de feita essa afirmação aprovou o orçamento relativo ao ano de 2015.
E mesmo que assim não fosse, entendemos que o teor desse orçamento também não permite essa conclusão.
O orçamento para o ano de 2015, datado de 27.11.2014, consta de fls. 243 e ss. da certidão junta aos autos em 28.12.2023.
No mesmo, no ponto dedicado ao “Resumo do Orçamento das Receitas”, está prevista nas “Receitas de Capital” uma verba com a designação de “Venda de bens de investimento” no valor de 6.000.000,00 €. Depois, no ponto atinente ao “Desenvolvimento do Orçamento das Receitas”, está igualmente prevista nas “Receitas de Capital” uma verba com a designação de “Venda de bens de investimento” no valor de 6.000.000,00 €.
Esse orçamento é acompanhado de um “Parecer do Conselho Fiscal sobre o Plano de Atividades e a Proposta de Orçamento para 2015”. Desse parecer, no que em concreto se refere à “2. Proposta de Orçamento”, consta o seguinte: “(…) 2.1. Quanto ao aumento das receitas (…) ficará a dever-se à venda de bens de investimento não necessários ao C(…), que se prevê atinja 6.000.000 € (prédio da Rua (…) prédios de rendimento em zonas que não permitem arrendamento em termos rentáveis ou cuja degradação não justifique despesas de remodelação e, ainda, a venda do terreno que o C(…) possui em Arcozelo após loteamento do mesmo) (…)”.
Conforme flui do exposto, esse orçamento e o parecer que o acompanha, não identificam em ponto algum as condições da venda do prédio sito na Rua (…). Desde logo, não é identificado o valor pelo qual se pretende vender, não é identificado o modo como esse valor foi encontrado, não é identificada a modalidade da venda e inexiste informação quanto à eventual existência de interessados na compra e respetiva identificação, elementos esses que temos por decisivos para que os associados, em assembleia geral, possam, de forma esclarecida e consciente, deliberar sobre a venda de património imobiliário da Ré. Assim, na situação dos autos, nunca seria possível considerar que através da aprovação do orçamento para o ano de 2015 foi implicitamente aprovada a venda do prédio sito na Rua (…).
Avancemos então para a ata da assembleia geral ordinária de 14.12.2015 (a qual consta de fls. 88 e ss. da certidão junta aos autos em 28.12.2023).
Essa assembleia geral reuniu com a seguinte ordem de trabalhos: “1 – Apreciação e votação do orçamento ordinário para o ano económico de 2016; 2 – Informações”.
Na 2ª página dessa ata (fls. 89), em sede de informações, consta o seguinte: “(…) Apesar de prevista no orçamento a venda de bens de investimento, dada a dificuldade em obter todos os elementos previstos para a sua venda, como é o caso da certificação elétrica apenas se formalizou com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda do prédio da R. (…) por dois milhões de euros (…)”.
Na 3ª e 4ª páginas (fls. 90 e 91) consta: “(…) O primeiro associado, CC (…) questionou relativamente à venda da R. (…) e visto já ser um facto consumado, o valor da avaliação, se houve concurso para a sua venda e como foi feito e o porquê da venda do imóvel não ter vindo a aprovação da Assembleia tal como tinha sido referido na última Assembleia Geral.
O Presidente do C.A., no uso da palavra, elucidou que relativamente à abertura do concurso foram feitos convites a diversas pessoas e que o Sr. DD ficou a cargo desse processo. Seguidamente as propostas foram feitas em cartas fechadas, abertas em acto público perante aqueles que compareceram ao auto depois de notificados os proponentes tendo sido adjudicado ao proponente que apresentou a melhor oferta. A avaliação, feita pelo Dr. BB (…), foi de um milhão e seiscentos mil euros. Relativamente à questão abordada sobre a venda, o Sr. Presidente afirma que é bem claro no relatório do Conselho Fiscal a venda da R. (…) e aconselhou o Sr. Associado a ler o relatório do orçamento para 2015 e o parecer do Conselho Fiscal onde isso taxativamente está referido (…)”.
Ainda na 4ª página é mencionado o seguinte: “(…) O associado CC (…), agradeceu os esclarecimentos prestados mas não foram suficientes visto que a questão era que o património para venda vinha a aprovação da Assembleia Geral e não foi isso que aconteceu (…)”, ao que o Presidente do Conselho de Administração respondeu que “(…) Relativamente à venda do Património (…) uma vez aprovado o orçamento tacitamente estava aprovado (…)”.
Por fim, na última página (fls. 93), é mencionado que “(…) foi posto à votação o Orçamento Ordinário para o ano económico de 2016, tendo sido aprovado por maioria (…)”.
Resulta igualmente claro da leitura desta ata que na assembleia geral de 14.12.2015, apesar de já terem sido praticados atos tendentes à venda do prédio sito na Rua (…) (a celebração de um contrato promessa de compra e venda), também não existiu qualquer deliberação expressa da Assembleia Geral quanto à venda de património imobiliário e desse prédio em concreto. Mais, o próprio Presidente do Conselho de Administração assim o entendeu, porquanto considerou que a referida venda estava tacitamente aprovada com a aprovação do orçamento relativo ao ano de 2015. Isto, note-se, depois de ter sido feito constar da ata relativa à assembleia geral de 26.01.2015 que “(…) O Presidente relembrou que na próxima Assembleia Extraordinária será apresentada a aprovação a proposta referente à venda do património imobiliário”.
Quanto ao orçamento para o ano de 2016, datado de 27.11.2014 (o qual consta de fls. 262 e ss. da certidão junta aos autos em 28.12.2023), vemos que no mesmo, a fls. 267, é feita referência à celebração do contrato promessa relativo à venda do prédio sito na Rua (…) em termos em tudo idênticos aos que constam da ata relativa à assembleia geral realizada a 14.12.2015. Depois, a fls. 278. no ponto dedicado ao “Resumo do Orçamento das Receitas”, está prevista nas “Receitas de Capital” uma verba com a designação de “Venda de bens de investimento” no valor de 6.500.000,00 €. Mais à frente, a fls. 280, no ponto atinente ao “Desenvolvimento do Orçamento das Receitas”, está igualmente prevista nas “Receitas de Capital” uma verba com a designação de “Venda de bens de investimento” no valor de 6.500.000,00 €.
À semelhança do anterior, esse orçamento é acompanhado de um “Parecer do Conselho Fiscal sobre o Plano de Atividades e o Orçamento para 2016”. Desse parecer, a fls. 286, no âmbito do ponto “1. Pano de atividades”, é feita referência à “alienação dos edifícios da Rua (…) e da Rua (…), em termos vantajosos, como já se verificou com o da Rua (…), que foivendido por dois milhões de euros e está escriturado na contabilidade por 1 milhão duzentos e setenta e cinco mil euros (…)” – sublinhado nosso.
Conforme se constata, neste orçamento a venda do prédio sito na Rua (…) é já encarada como um facto consumado (embora apenas exista um contrato promessa de compra e venda). É esse o entendimento que presidiu à sua elaboração e que resulta do seu teor, em sintonia, diga-se, com a afirmação do Presidente do Conselho de Administração referenciada na ata da assembleia geral de 14.12.2015 de que “(…) Relativamente à venda do Património (…) uma vez aprovado o orçamento tacitamente estava aprovado (…)”.
Em tais circunstâncias, sendo essa a perspetiva do orçamento, nunca a deliberação de aprovação da venda do prédio da Rua (…), que naturalmente deveria ser prévia a essa venda, poderia estar contida na deliberação de aprovação desse orçamento.
Aqui chegados, concluímos que assiste razão ao Autor/Apelante quando defende que em nenhuma das assembleias gerais foi discutida e aprovada a venda de património imobiliário, concretamente, a venda do prédio sito na Rua (…), em conformidade, diga-se, com a factualidade dada como provada.
E, assim sendo, a decisão do Conselho de Administração da Ré relativa à venda do prédio sito na Rua (…), carecendo o Conselho de Administração de competência para o efeito, viola diretamente o disposto no art.º 172º do CC, sendo, como tal, nula, o que aqui expressamente se declara.
Em face do exposto, na procedência do recurso, revoga-se a sentença recorrida.
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Quanto ao pedido de suspensão da eficácia do ato administrativo da decisão de vender o imóvel sito na Rua (…), em Lisboa, com a consequente abstenção da Ré de prosseguir com a concretização daquele negócio jurídico sem a prévia proposta e a válida aprovação por parte d Assembleia Geral, o mesmo traduz uma providência conservatória a ser formulada em sede cautelar e não em sede de ação declarativa, motivo pelo qual não será aqui objeto de apreciação.
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- Da dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.º 6º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Preliminarmente, cumpre referir que a questão em análise será apreciada relativamente às duas instâncias.
Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 29.03.2022, proferido no processo n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu no sentido de que “o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes.
Mais se refere nesse acórdão que a justificação para assim se decidir “está desenvolvida na decisão singular do STJ de 20/12/2021 (relator Cons. Abrantes Geraldes), processo nº 2104712.8 TBALM.L1S1, disponível em www dgsi.pt:
“Neste contexto, parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt.
Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado.
No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão do STJ de 12.04.2023, processo n.º 18932/16.2T8LSB.L3.S1, também disponível em www.dgsi.pt.
Feito este esclarecimento cumpre prosseguir.
O artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais (doravante apenas RCP) prevê uma tributação diferente para a ação e para o recurso, determinando o seguinte:
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.”
A referida tabela I-A, por seu turno, prevê como último escalão as ações que se situem entre os valores de 250.000 € e 275.000 €, prescrevendo que “Para além dos (euro) 275 000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25.000 ou fração, 3 UC, no caso da col. A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da col. C.”, sendo esta a denominada taxa remanescente.
O valor da taxa de justiça remanescente, atendendo a que o valor da causa e do recurso é de 3.800.000,00 €, ascende, no que se refere à 1ª instância, ao montante de 43.146,00 € e, no que se refere ao recurso, ao montante de 21.573,00 €.
Determina o artigo 6º, n.º 7, do RCP que “nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Note-se que é jurisprudência corrente que a citada norma deve ser interpretada no sentido de permitir a dispensa do pagamento, quer da totalidade, quer de parte do remanescente da taxa de justiça, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade – veja-se, entre outros, o Ac. do STJ de 12.12.2013, proc. n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt.
Como se explanou no citado acórdão, o Regulamento das Custas Processuais procurou adequar o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respetivos utilizadores.
Nesse sentido, o Acórdão do TC n.º 421/2013, publicado no DR n.º 200, II Série, de 16/10/2013, julgou inconstitucional, designadamente, a norma do artigo 6º, na versão emergente do Dec. Lei n.º 52/11, de 13.04, conjugada com a Tabela I-A, “quando interpretada no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo, não permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
Revertendo para a concreta situação dos autos, e tendo presente o valor do remanescente das taxas de justiça que nos mesmos está em causa, importa então analisar se se justifica a sua dispensa ou redução.
A questão suscitada nos autos e tratada nas duas instâncias prende-se com a validade da decisão do Conselho de Administração da Ré de proceder à venda de património imobiliário.
A questão não ultrapassa a complexidade média.
O seu conhecimento exigiu, nas duas instâncias, a análise cuidada dos documentos juntos aos autos, concretamente, dos Estatutos da Ré e das três atas relativas a três assembleias gerais que tiveram lugar no ano de 2015, incluindo os orçamentos referenciados em duas dessas atas, tarefa que apesar de particularmente morosa também não revestiu complexidade acima da média. Quanto à tramitação dos autos, a mesma decorreu sem incidentes nem expedientes dilatórios, tendo as partes litigado com urbanismo, salientando-se o facto de em 1ª instância a causa ter sido julgada em sede de saneador, sem necessidade de realização de audiência de julgamento.
Tudo ponderado – o valor do remanescente da taxa de justiça (elevado), a complexidade média da ação e do recurso e a postura processual das partes em ambas as instâncias – entendemos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça na totalidade em ambas as instâncias, tal como requerido pelo Apelante.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível abaixo identificados:
- em julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida, em consequência do que se julga a ação procedente, declarando-se a nulidade da decisão do Conselho de Administração da Ré de vender o imóvel sito na Rua (…), em Lisboa;
- em dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida em 1ª e 2ª instâncias.
Custas pela Ré.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 26.06.2025,
Susana Mesquita Gonçalves
Paulo Fernandes da Silva
António Moreira