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BALCÃO DO ARRENDATÁRIO E DO SENHORIO
REQUERIMENTO DE DESPEJO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO DO SENHORIO
Sumário
I. A competência do BAS, quanto à recusa dos requerimentos formulados pelos senhorios, respeita apenas à verificação de um conjunto de formalidades, enumeradas taxativamente no art. 15º-C, n.º1, do NRAU, não lhe cabendo apreciar o respectivo mérito. II. Quando a comunicação da cessação do contrato de arrendamento prevista no art. 1084º, n.º2, do Cód. Civil, tenha sido tentada por notificação avulsa (art. 9º, n.º7, al. a), do NRAU) e não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do seu envio, atento o disposto no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU. III. Considerando o fundamento invocado, o requerimento de despejo apresentado pela recorrente, para respeitar o exigido no art. 15º-B, n.º2, al. f), do NRAU, deve mostrar-se instruído, além do mais, com documento comprovativo do envio da aludida comunicação à requerida arrendatária, para o local arrendado, de carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU. IV. Caso o requerimento de despejo não se mostre instruído com o documento comprovativo do envio da comunicação referida, à requerida arrendatária, para o local arrendado, por carta registada com aviso de recepção, verifica-se fundamento para a sua recusa, pelo BAS, ao abrigo do art. 15º, n.º2, al. b), do NRAU. V. A junção, com o requerimento de despejo, de cópia de documento impresso por CTT, SA., respeitante a expedição de serviço postal registado, tendo colado talão de aceitação datado e com impressão da respectiva referência, preenchido manualmente nos espaços destinados à identificação do destinatário, onde consta o nome da requerida e, como morada, o endereço do locado referido no requerimento inicial, do remetente, onde se encontra a identificação da requerente, e dos serviços especiais a requisitar, onde consta a escolha da expedição da correspondência por via postal registada com aviso de recepção, demonstra o cumprimento da formalidade prevista no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO.
Laprade – Imobiliário, Restauração e Importação, Lda., intentou, contra AA e cônjuge BB, procedimento especial de despejo alegando, em síntese, que:
- é dona e legítima proprietária do prédio urbano em propriedade total sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia dos Anjos, sob o nº (…), e inscrito na matriz predial respectiva do Serviço de Finanças 3301-Lisboa, 4º Bairro, sob o nº (…);
- por contrato de arrendamento celebrado entre si, como senhoria, a requerida AA, como arrendatária, e o requerido BB (cônjuge da requerida), como fiador, com início no dia 01-10-2021, foi dado de arrendamento o (…) Andar, com entrada pelo nº (…), do prédio urbano supra referido, com destino a habitação, pela renda de € 800,00;
- está pago o Imposto de Selo;
- sucede que os requeridos falharam sistematicamente no pagamento das rendas, tendo-se constituído em mora superior a 4 meses (sendo que, entretanto, continuaram a falhar no pagamento das rendas, sendo o valor actual em dívida muito superior);
- através de Notificação Judicial Avulsa requerida de acordo com o preceituado no art. 9º, n.º7, al. a), do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, diligenciou por comunicar aos requeridos o montante das rendas em dívida e resolver o aludido contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art. 1084º, n.º2, do CC, com fundamento na falta de pagamento de rendas por tempo igual ou superior a três meses – art. 1083º, n.º3, do CC (vide doc. nº 6);
- à data da entrega, em Tribunal, da Notificação Judicial Avulsa (31-10-2023), encontrava-se em dívida a totalidade das rendas que se venceram em Janeiro de 2023 (referente ao mês de Fevereiro), Agosto de 2023 (referente ao mês de Setembro), Setembro de 2023 (referente ao mês de Outubro) e Outubro de 2023 (referente ao mês de Novembro), as quais têm o valor mensal de € 800,00, o que correspondia à quantia total de € 3 200,00 (4 x € 800,00);
- o requerido BB foi devidamente notificado a 22-12-2023 (vide doc. nº 7);
- a notificação da requerida AA não foi realizada, porquanto não foi possível localizar a mesma no dia 22-12-2023, por se encontrar ausente na Ucrânia, não se sabendo quando regressaria, conforme atestado pelo Exmo. Senhor Agente de Execução na certidão negativa enviada à mandatária da requerente a 27 de Dezembro de 2023 (vide doc. nº 8);
- face à impossibilidade de localização da requerida AA para cumprimento da Notificação Judicial Avulsa, foi-lhe remetida para o local arrendado, através de carta registada com aviso de recepção enviada a 19-02-2024, cópia da mencionada notificação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 10º, n.º 5, al. b), do NRAU (vide doc. nº 9);
- à data do envio da carta registada com aviso de recepção supra mencionada, encontrava-se em dívida a totalidade das rendas que se venceram em Novembro de 2023 (referente ao mês de Dezembro), Dezembro de 2023 (referente ao mês de Janeiro de 2024), Janeiro de 2024 (referente ao mês de Fevereiro) e Fevereiro de 2024 (referente ao mês de Março), as quais têm o valor mensal de € 800,00, o que correspondia à quantia total de € 3 200,00 (4 x € 800,00);
- a referida carta registada com aviso de recepção foi recebida por pessoa diversa do destinatário, pelo que a requerida AA considerou-se notificada no 10º dia posterior ao do seu envio, ou seja, no dia 29-02-2024;
- assim sendo, consideraram-se ambos os requeridos como notificados para restituir à requerente o imóvel em apreço, completamente livre de pessoas e bens, caso não pusessem fim à mora no prazo de um mês - artigo 1084º, nº 3, e artigo 1087º, ambos do CC;
- apesar de decorrido mais de um mês, os requeridos não procederam à entrega do locado, nem fizeram uso da faculdade prevista no artigo 1084º, nº 3, do CC (já tendo decorrido o prazo para o efeito);
- encontra-se em dívida a totalidade das rendas que se venceram em Novembro de 2023 (referente ao mês de Dezembro), Dezembro de 2023 (referente ao mês de Janeiro de 2024), Janeiro de 2024 (referente ao mês de Fevereiro), Fevereiro de 2024 (referente ao mês de Março), Março de 2024 (referente ao mês de Abril), Abril de 2024 (referente ao mês de Maio), Maio de 2024 (referente ao mês de Junho), Junho de 2024 (referente ao mês de Julho), Julho de 2024 (referente ao mês de Agosto), Agosto de 2024 (referente ao mês de Setembro), Setembro de 2024 (referente ao mês de Outubro), Outubro de 2024 (referente ao mês de Novembro), Novembro de 2024 (referente ao mês de Dezembro), Dezembro de 2024 (referente ao mês de Janeiro de 2025), Janeiro de 2025 (referente ao mês de Fevereiro) e Fevereiro de 2025 (referente ao mês de Março), o que corresponde ao montante total de € 12 800,00;
- por conta da dívida, os requeridos procederam ao pagamento das quantias que especifica, nas datas também por si enunciadas, reduzindo o débito para o montante de € 6 400,00, a que acresce os juros de mora vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, no montante de € 93,64, perfazendo a quantia total de € 6 493,64;
- a tal quantia, deverão acrescer as rendas vincendas até efectiva entrega do local objecto do contrato de arrendamento, bem como os juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, e que pretende haver por meio desta execução.
Ao requerimento inicial anexou, além do mais (que não releva para a economia da presente decisão), cópia de documento impresso por CTT, SA., respeitante a expedição de serviço postal registado, tendo colado talão de aceitação datado de 19-02-2024 e com a referência “RH………PT”.
Tal documento mostra-se preenchido manualmente nos espaços destinados à identificação do destinatário, onde consta o nome da requerida e, como morada, o endereço do locado referido no requerimento inicial, do remetente, onde se encontra a identificação da requerente, e dos serviços especiais a requisitar, onde se afere a escolha da expedição da correspondência por via postal registada com aviso de recepção, (doc. n.º 9).
Em anexo ao mesmo requerimento, consta, também, cópia de pesquisa electrónica do envio da correspondência registada a que respeita o documento mencionado no parágrafo anterior, onde consta que a sua entrega, a pessoa denominada CC, no dia 20-02-2024, pelas 10-21-05 (doc. n.º 9).
A 28-02-2025, o Balcão do Arrendatário e do Senhorio (de ora em diante denominado BAS) emitiu decisão, em que recusou o requerimento inicial, com os seguintes termos:
“Não foi junto o aviso de receção. O aviso de receção, é uma formalidade “ad substantiam”, insubstituível por outro meio de prova, ou por outro documento que não seja de força probatória superior, ao abrigo do art. 364º, n.º1, do C.C. A carta registada é meio válido para efetuar a comunicação mas a prova da receção ou é feita através do aviso de receção ou nos termos do art. 364 n.2 CC. Para corrigir o requerimento Procedimento Especial de Despejo, deverá assinalar a opção requerimento de substituição, juntar novamente toda a documentação, acrescido do que está em falta.”
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A 12-03-2025, a requerente apresentou reclamação da decisão do BAS referida onde, além de juntar documentos, concluiu pugnando pela anulação da recusa do recebimento do requerimento de despejo e pela emissão de decisão que ordene o prosseguimento do procedimento.
Alegou, em síntese, que:
- por se tratar de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas, juntou ao requerimento de despejo, para cumprimento do disposto na primeira parte do art. 15º, n.º2, alínea e) do NRAU), o contrato de arrendamento, como
documento nº 3 e o comprovativo da comunicação prevista no art. 1084º, n.º2, do CC, como documentos n.º 6, 7, 8 e 9;
- como se pode ainda verificar através do documento n.º 8 junto com o requerimento de despejo, não foi possível localizar a requerida AA, por se encontrar ausente na Ucrânia, não se sabendo quando regressaria, tendo o Exmo. Senhor Agente de Execução lavrado “certidão negativa”, enviada à mandatária da requerente a 27 de Dezembro de 2023;
- face à impossibilidade de localização da requerida AA, foi-lhe remetida, em 19-02-2024, carta registada com aviso de recepção, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU, tendo o registo postal obtido a referência de CTT, SA., “RH………PT, como se pode verificar através do documento nº 9, junto com o requerimento de despejo;
- sucede que o aviso de recepção se extraviou, conforme foi confirmado por e-mail enviado pelos CTT Correios de Portugal, S.A. datado de 07-03-2025, cuja cópia juntou com a reclamação;
- no mesmo e-mail, foi informada de que a correspondência havia sido entregue a 20-02-2024;
- o distribuidor postal não logrou obter 2ª via do aviso de recepção, pelo que lhe entregou comprovativo da referida entrega conforme se apura do documento n.º 9 junto com o requerimento de despejo;
- o BAS não tem legitimidade para recusar o requerimento de despejo com o fundamento invocado, posto que o mesmo não se insere nos fundamentos previstos no art. 15º-C, n.º1, do NRAU, sendo que foi dado cumprimento ao disposto no art. 15º, n.º2, do NRAU;
- se a carta enviada, ao abrigo do disposto no artigo 10º, nº 5, al. b), do NRAU, é, ou não, válida, é uma questão que não cabe ao BAS apreciar, por não ter legitimidade para o efeito;
- como tal, não existe qualquer motivo para a recusa do recebimento do requerimento de despejo;
- ainda que assim se não entendesse, resulta do documento n.º 9 junto com o requerimento de despejo que foi enviada a carta prevista no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU, para a requerida AA e que a referida carta foi enviada registada com aviso de recepção;
- é irrelevante aferir quem é que recebeu a referida carta registada com aviso de recepção, uma vez que resulta expressamente do disposto no artigo 10º, nº 5, al. b), do NRAU que a comunicação se considera recebida no 10º dia posterior ao do seu envio, conforme se invocou em sede de requerimento de despejo;
- como tal, não existe qualquer motivo para a recusa do recebimento do requerimento de despejo.
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O procedimento foi remetido ao Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa onde, a 07-04-2025, foi proferida decisão que julgou a reclamação deduzida pela requerente improcedente, com os seguintes termos:
“LAPRADE - IMOBILIÁRIO, RESTAURAÇÃO E IMPORTAÇÃO, LDA, instaurou procedimento especial de despejo contra AA e BB, relativamente ao arrendado sito na ..., com fundamento em resolução pelo senhorio nos termos do disposto no artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil, com pedido cumulativo de pagamento de rendas, encargos ou despesas. O Balcão do Arrendatário e Senhorio (de ora em diante, BAS) recusou o requerimento, com o seguinte fundamento: A Requerente, notificada da recusa, veio reclamar de tal acto (tendo igualmente junto documentos), por o BAS não ter legitimidade para recusar o recebimento do requerimento de despejo com tal fundamento, só podendo o requerimento de despejo ser recusado nos termos do artigo 15º-C, nº 1, do NRAU, e no caso concreto o requerimento apenas poderia ter sido recusado se não estivesse acompanhado dos documentos previstos no n.º 2 do artigo 15º do NRAU - o comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084º do Código Civil, conforme dispõe a alínea e) do nº 2 do artigo 15º do NRAU), o que não é o caso, sendo que os comprovativos das comunicações efectuadas foram juntos com o requerimento de despejo e se a carta enviada ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 5, alínea b), do NRAU, é, ou não, válida, é uma questão que não cabe ao BAS apreciar, por não ter legitimidade para o efeito, concluindo no sentido da anulação da recusa do recebimento do requerimento de despejo e ser ordenado o respectivo prosseguimento. Perante tal reclamação o BAS remeteu os autos à distribuição a este Tribunal. ××× Estatui da seguinte forma o artigo 15.º - C, n.º 1, do NRAU: “O requerimento só pode ser recusado se: a) Não estiver endereçado ao BAS; b) Não indicar o fundamento do despejo ou não for acompanhado dos documentos previstos no n.º 2 do artigo 15.º; c) Não estiver indicado o valor da renda; d) Não estiver indicada a modalidade de apoio judiciário requerida ou concedida, bem como se não estiver junto o documento comprovativo do pedido ou da concessão do benefício do apoio judiciário; e) Omitir a identificação das partes, o domicílio do requerente, os números de identificação civil e fiscal, ou o lugar da notificação do requerido; f) Não estiver assinado; g) Não constar do modelo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior; h) Não se mostrar paga a taxa; i) Não se mostrar pago o imposto do selo ou liquidado o IRS ou IRC pelas rendas relativas ao locado, nos últimos quatro anos, salvo se o contrato for mais recente; j) O pedido não se ajustar à finalidade do procedimento.”. Resulta destes termos legais, em estrita articulação com os termos do disposto no artigo 15.º -B, n.º 2 do NRAU, que apenas pode ocorrer recusa do requerimento de despejo se nele não forem observados tais requisitos, que são taxativos; cabendo ao BAS a prática do acto de verificação dos elementos do requerimento, e sua eventual recusa caso de verifique alguma das situações previstas no artigo 15.º - C, n.º 1, do NRAU. A recusa pelo BAS funda-se em não ter sido dado cumprimento ao artigo 10.º, n.º 5, al. b), do NRAU, por não junção do aviso de recepção. No caso concreto verifica-se que o aviso de recepção não se mostra junto. Independentemente do alegado pela Requerente quantos às vicissitudes ocorridas com tal expediente postal (designadamente quanto a extravio do aviso de recepção) após a frustração da notificação judicial avulsa da Requerida, a carta a remeter após tal frustração da notificação judicial avulsa é, nos termos do disposto no referido artigo 10.º, n.º 5, al. b), do NRAU, registada com aviso de recepção. Não estando junto o aviso de recepção verifica-se a falta de um documento legalmente exigido e, consequentemente, fundamento de recusa do requerimento de procedimento especial de despejo. Pelo exposto, julgo a reclamação improcedente. Custas do incidente pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça devida em uma unidade de conta – artigo 7.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa ao mesmo. Notifique. Oportunamente, comunique ao BAS.”
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A 25-04-2025, a autora interpôs recurso da decisão referida, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. Para além do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, a Requerente celebrou com a Requerida AA, como arrendatária, e com o Requerido, cônjuge da arrendatária, BB, como fiador, outros contratos de arrendamento, relativamente a outros andares do prédio urbano em propriedade total sito na ....
2. A Requerente resolveu todos os contratos de arrendamento celebrados com a Requerida AA, como arrendatária, e com o Requerido, cônjuge da arrendatária, BB, como fiador, com fundamento na falta de pagamento de rendas.
3. Para além do presente procedimento especial de despejo, a Requerente instaurou outros procedimentos especiais de despejo, relativamente a cada contrato de arrendamento, tendo os requerimentos de despejo sido recusados pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, com o mesmo fundamento, pelo que a Requerente apresentou reclamações contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, dos supra mencionados requerimentos de despejo.
4. Numa situação em tudo similar à dos presentes autos, relativa ao contrato de arrendamento que tinha por objecto o (..) Andar, com entrada pelo nº (…), do prédio urbano supra referido, a reclamação contra a recusa do requerimento de despejo, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, foi julgada procedente, por decisão datada de 19 de Março de 2025, no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 11, sob o nº de processo 426/25.7YLPRT, tendo sido determinada a remessa dos autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio, para prosseguimento da lide (Vide Documento nº 1, que se junta e cujo teor se dá por reproduzido).
5. Apesar de se tratar de um diferente contrato de arrendamento (relativo a outro andar do mesmo prédio), o que está em causa na reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 11, sob o nº de processo 426/25.7YLPRT, e nos presentes autos, é a mesma exacta questão.
6. Vem a Requerente requerer a junção, com as presentes alegações de recurso, da certidão judicial relativa ao processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 11, sob o nº de processo 426/25.7YLPRT, que inclui as seguintes peças processuais:
- Despacho de recusa do requerimento de despejo proferido pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio;
- Reclamação contra a recusa do requerimento de despejo apresentada pela Requerente, no processo supra referenciado;
- Decisão datada de 19 de Março de 2025, que julgou procedente a reclamação contra a recusa do requerimento de despejo apresentada pela Requerente, e ordenou a remessa dos autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio, para prosseguimento da lide;
- Certidão de registo da decisão.
7. No caso concreto, trata-se de um documento superveniente, uma vez que a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, nos presentes autos, foi apresentada a 12 de Março de 2025, e a decisão proferida no processo nº 426/25.7YLPRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa Juiz 11, apenas foi proferida a 19 de Março de 2025.
8. Não obstante a decisão do douto Tribunal a quo ser datada de 7 de Abril de 2025, o referido processo foi concluso, para decisão, a 18 de Março de 2025, pelo que, ainda assim, terá de se considerar que se trata de um documento, cuja apresentação não seria possível, até ao momento presente.
9. Por outro lado, trata-se igualmente de um documento que se tornou necessário, em virtude da decisão proferida, nos presentes autos, pelo douto Tribunal a quo, uma vez que, embora esteja em causa um contrato de arrendamento que tem por objecto outro andar do mesmo prédio, a decisão proferida é relativa às mesmas partes e reporta-se, essencialmente, às mesmas questões de facto e de direito.
10. No caso concreto, é manifesto que a certidão judicial que ora se junta como Documento nº 1, cumpre o disposto nos artigos 425º e 651º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser admitida a sua junção.
11. O douto Tribunal a quo apenas se pronunciou sobre a legitimidade do Balcão do Arrendatário e do Senhorio para recusar o requerimento de despejo, e não proferiu qualquer decisão relativamente à validade da carta enviada, ao abrigo do disposto no artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU, para a Requerida AA, a qual foi enviada registada com aviso de recepção e cujo aviso de recepção se extraviou.
12. O douto Tribunal a quo não apenas não teve, de todo, em consideração os documentos juntos pela ora Recorrente com a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, como não se pronunciou relativamente à validade da carta enviada ao abrigo do disposto no artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU, considerando que a mesma foi enviada com aviso de recepção e que o artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU prevê que a mesma se considera recebida no 10º dia posterior ao do seu envio (ainda que o destinatário não a receba, efectivamente).
13. A decisão do douto Tribunal a quo é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, uma vez que o douto Tribunal a quo se absteve de se pronunciar sobre questões de que devia ter conhecimento.
14. O Balcão do Arrendatário e do Senhorio não tem competência para apreciar questões de natureza jurídica, relativamente à validade (ou não) das comunicações previstas no artigo 15º, nº 2, alínea e), do NRAU, apenas podendo recusar o requerimento de despejo nos casos previstos no artigo 15º-C, nº 1, do NRAU.
15. A Requerente, aqui Recorrente, juntou com o requerimento de despejo a comunicação prevista no artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU, e resulta indiscutivelmente da página nº 33 do Documento nº 9 junto com o requerimento de despejo que a carta foi enviada registada com aviso de recepção, e das páginas 34 e 35 do mesmo Documento nº 9 junto com o requerimento de despejo, que a entrega do objecto postal foi conseguida.
16. Acresce que, conforme resulta do Documento nº 3 junto com a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, foi possível obter um documento assinado pela pessoa que recebeu a carta registada com aviso de recepção em causa nos autos, com o nº de registo “RH………PT”, o qual, embora contenha um lapso na morada, na parte relativa ao andar, confirma, efectivamente, que a carta em questão foi recepcionada.
17. Não cabe ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio pronunciar-se ou tomar decisões sobre o valor probatório dos documentos juntos com o requerimento de despejo, mas apenas confirmar a sua junção, com o requerimento de despejo, a qual ocorreu.
18. Por outro lado, e como bem referenciou a decisão proferida no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 11, sob o nº de processo 426/25.7YLPRT, em situação idêntica à dos presentes autos, não é imputável à aqui Recorrente, como também não o pode ser nos presentes autos, a falta da junção do aviso de recepção, uma vez que o mesmo foi extraviado pelos CTT – Correios de Portugal, S.A. (conforme resulta provado através dos Documentos nºs 1 e 2 juntos com a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo).
19. Resulta, indiscutivelmente, do Documento nº 9 junto com o requerimento de despejo que foi enviada a carta prevista no artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU, à Requerida AA, e que a mesma foi enviada com aviso de recepção.
20. Resulta, também, indiscutivelmente, dos Documentos nºs 1 e 2 juntos com a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, que o aviso de recepção da carta enviada à Requerida AA se extraviou.
21. Resulta ainda, indiscutivelmente, do Documento nº 3 junto com a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, que a carta prevista no artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU foi entregue (ainda que, a pessoa diversa da destinatária).
22. Conforme resulta expressamente do disposto no supra citado artigo 10º, nº 5, alínea c), do NRAU, o que releva, para efeitos da validade da carta, é que esta seja enviada pelo senhorio, registada com aviso de recepção, para o local arrendado e não se esta foi ou não, efectivamente, recepcionada.
23. Independentemente de a comunicação ser, ou não, recepcionada, a mesma considera-se recebida no 10º dia posterior ao do seu envio.
24. Não releva, para a validade da carta enviada ao abrigo do disposto no artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU, se foi recepcionada e por quem.
25. Não existe qualquer invalidade na comunicação enviada, que possa obstar a que a mesma se considere recebida no dia 29 de Fevereiro de 2024 (10º dia posterior ao do seu envio), tendo a mesma sido enviada registada com aviso de recepção, pela ora Recorrente, conforme alegado em sede de requerimento de despejo.
26. O aviso de recepção é uma prova da recepção da carta, não sendo, contudo, o único documento que possa provar que a mesma foi enviada, e que foi enviada com aviso de recepção (o qual se extraviou).
27. Os CTT – Correios de Portugal, S. A. disponibilizaram outros Documentos à aqui Recorrente (nomeadamente, o documento constante das páginas 34 e 35 do Documento nº 9 junto com o requerimento de despejo e ainda o Documento nº 3 junto com a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, que comprovam a efectiva recepção da carta registada enviada com aviso de recepção).
28. Apenas é exigível, face ao disposto no artigo 10º, nº 5, alínea b), do NRAU, que se logre provar que a carta foi enviada registada com aviso de recepção e não o seu recebimento, uma vez que a data em que a Requerida se considera notificada decorre da lei.
29. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 10º, nº 5, alínea b), e 15º-C, nº 1, do NRAU.
30. A decisão proferida pelo douto Tribunal a quo deverá ser revogada e substituída por outra, que julgue procedente a reclamação contra a recusa, pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, do requerimento de despejo, e determine a remessa dos autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio, para prosseguimento da lide.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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A 02-06-2025, o recurso foi admitido, com subida nos autos e com efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal.
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II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final,ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões, considerando a sua dependência:
1. Saber se a decisão impugnada padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC;
2. Saber se a decisão impugnada incorre em erro de direito ao confirmar a recusa do requerimento de despejo proferida pelo BAS.
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2.
A factualidade a ponderar na presente decisão é a que resulta da marcha do processo, acima descrita, que aqui se dá por reproduzida.
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3.
Antes do conhecimento da primeira questão enunciada, cumpre apreciar da admissibilidade da junção aos autos, com o presente recurso, da certidão, com cópia de decisão proferida no processo n.º 426/25.7YLPRT, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa / Juízo Local Cível de Lisboa / J 11.
O documento em referência, mostra-se junto como comprovativo de jurisprudência convocada pela recorrente para suporte da argumentação jurídica pela mesma alegada no recurso.
Nessa perspectiva, entende-se que a junção de tal certidão não se mostra sujeita ao regime previsto no art. 651º, n.º1, do CPC, que respeita tão só aos documentos juntos como meio de prova de factos que sirvam de fundamento para a acção ou para a defesa (arts. 423º, n.º1, e 425º do CPC) e não com a finalidade verificada nos autos.
Por outro lado, tal junção também não se mostra regulada pelo número 2 do mesmo artigo, que se refere apenas à junção de pareceres de jurisconsultos, o que, manifestamente, não ocorre no caso em apreço.
Perante a ausência de norma que a proíba, entende-se que a junção da aludida certidão se mostra admissível.
Pelo exposto, admite-se a junção aos autos da certidão, com cópia de decisão proferida no processo n.º 426/25.7YLPRT, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa / Juízo Local Cível de Lisboa / J 11, apresentada com o requerimento de recurso.
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4.
Na apreciação da primeira questão acima enunciada, importa reter que a sentença – e, por força do disposto no art. 613º, n.º3, do CPC, os despachos judiciais – pode padecer de duas causas distintas de vícios: por conter erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in judicando –, tendo, como consequência, a sua revogação pelo tribunal superior; por sofrer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o decisor ter ficado aquém ou ter ido além do que lhe cabia decidir (thema decidendum), sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art. 615º do CPC. Nas primeiras situações referidas, ocorrem vícios do acto de julgamento; nas segundas situações mencionadas, verificam-se vícios formais, externos ao acto de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites.
Uma das causas de nulidade da sentença inclui a denominada omissão de pronúncia, que se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 615º, n.º1, n.º1, al. d), do CPC), o que se coaduna com o estatuído no art. 608º, n.º2, do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
As “Questões” referidas no último artigo mencionado são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112), sendo que não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).”
Importa, assim, distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos apresentados pelas partes para defesa da solução que defendem para cada questão a resolver. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, p. 143).
As questões postas, a resolver, "suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)" (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, "as "questões" a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões" (Ac. do STJ, de 16-04-2013, processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, acessível em dgsi.pt) e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Assim, a omissão de pronúncia reconduz-se às questões de que o Tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou da invocação de um argumento pela parte sobre os quais o Tribunal não se tenha pronunciado.
A nulidade em referência só ocorrerá quando não exista pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo, contudo, da questão (cf. ac. do STJ de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, acessível em dgsi.pt).
A referida nulidade da sentença por omissão de pronúncia não ocorre, no entanto, quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (cf. ac. do STJ de 03-10-2002, processo n.º 02B1844, e ac. do STJ de 11-10-2022, processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, ambos acessíveis em dgsi.pt), o que se compreende, posto que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (cf. ac. do STJ de 08-03-2001, processo n.º 00A3277, acessível em dgsi.pt).
Também "não se verifica a nulidade de uma decisão judicial quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou" (cf. ac. do STJ de 20-03.2014, processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1, acessível em dgsi.pt).”
Passando ao caso dos autos, constata-se que a recorrente arguiu a nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC, invocando que o Tribunal a quo proferiu o despacho impugnado sem se pronunciar sobre a questão, por si suscitada na reclamação nele apreciada, da validade da carta remetida, ao abrigo do art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU, para a requerida AA, expedida por via postal registada com aviso de recepção, cujo aviso de recepção se extraviou.
A referência à validade da aludida carta por parte da recorrente respeita, tão só, à sua aptidão para demonstrar o cumprimento da exigência prevista no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU.
É certo que a questão identificada pela recorrente, nos termos acima referidos, foi suscitada na reclamação da recusa do requerimento de despejo. Porém, ao invés do alegado pela recorrente, a decisão impugnada pronunciou-se expressamente sobre a mesma, como se afere do seguinte segmento, que se transcreve:
“No caso concreto verifica-se que o aviso de recepção não se mostra junto. Independentemente do alegado pela Requerente quantos às vicissitudes ocorridas com tal expediente postal (designadamente quanto a extravio do aviso de recepção) após a frustração da notificação judicial avulsa da Requerida, a carta a remeter após tal frustração da notificação judicial avulsa é, nos termos do disposto no referido artigo 10.º, n.º 5, al. b), do NRAU, registada com aviso de recepção. Não estando junto o aviso de recepção verifica-se a falta de um documento legalmente exigido e, consequentemente, fundamento de recusa do requerimento de procedimento especial de despejo.”
Como se afere do segmento transcrito, no despacho impugnado conheceu-se da questão acima enunciada, entendendo-se que a documentação apresentada pela recorrente para demonstrar a remessa, à requerida, de comunicação de resolução expedida por via postal registada com aviso de recepção nos termos do art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU, não tinha tal aptidão probatória, sendo a mesma reconhecida apenas ao documento que titula o aviso de recepção.
Face ao referido, entende-se que a sentença recorrida não padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC, arguida pela recorrente.
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5.
Passando ao conhecimento da segunda questão supra elencada, cumpre referir, na esteira do assumido no acórdão proferido por esta Secção a 08-05-2025, processo n.º 424/25.0YLPRT.L1, subscrito pelos aqui relator e segunda adjunta, que, de acordo com o disposto no art. 15º, n.º1, do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redacção dada pela Lei n.º 56/2023, de 06-10, o procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
Decorre do art.º 15º-A do NRAU, que criou o Balcão Nacional de Arrendamento, actualmente designado por Balcão do Arrendatário e do Senhorio (alteração operada pelo art. 36º da Lei n.º 56/2023, de 06-10), reforçado pelo teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro que o instalou, que o mesmo é uma entidade administrativa, criada na dependência da Direcção-Geral da Administração da Justiça, destinada a tramitar, no essencial, a primeira fase do Procedimento Especial de Despejo, que tem natureza administrativa e injuntória (cf. neste sentido, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 2013, pág. 1069), tendo em vista, na falta de oposição do arrendatário, a emissão do respectivo título de desocupação do locado (cf., acórdãos do TRE de 26-09-2019, processo n.º 262/19.0T8BNV.E1, acessível em dgsi.pt).
O Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), enquanto entidade administrativa, exerce uma actividade extra-judicial, embora funcione junto de uma secretaria judicial.
Nessa perspectiva, a recusa dos requerimentos de despejo formulados perante a referida entidade, está limitada, genericamente, à verificação de determinados formalismos, não lhe cabendo apreciar o respectivo mérito, designadamente, a bondade jurídica da sua fundamentação (cf. acórdão do TRE de 13-05-2022, processo n.º 47/22.6T8SSB.E1, acessível em dgsi.pt, bem como o acima referido).
Assim, a competência do BAS, quanto à recusa dos requerimentos formulados pelos senhorios, respeita apenas à verificação de um conjunto de formalidades, enumeradas taxativamente no art. 15º-C, n.º1, do NRAU, como se depreende da expressão “o requerimento só pode ser recusado se” nele constante.
As causa de recusa dos requerimentos de despejo são as seguintes, que se mostram elencadas no aludido art. 15º-C, n.º1, do NRAU:
a) O requerimento não estiver endereçado ao BAS;
b) O requerimento não indicar o fundamento do despejo ou não for acompanhado dos documentos previstos no n.º 2 do artigo 15.º;
c) O requerimento não indicar o valor da renda;
d) O requerimento não indicar a modalidade de apoio judiciário requerida ou concedida, bem como não ter anexo o documento comprovativo do pedido ou da concessão do benefício do apoio judiciário;
e) O requerimento foi omisso na identificação das partes, do domicílio do requerente, dos números de identificação civil ou do lugar da notificação do requerido;
f) O requerimento não estiver assinado;
g) O requerimento não constar do modelo a que se refere o n.º 1 do art. 15º-B;
h) Não se mostrar paga a taxa;
i) Não se mostrar pago o imposto do selo ou liquidado o IRS ou IRC pelas rendas relativas ao locado, nos últimos quatro anos, salvo se o contrato for mais recente;
j) O pedido não se ajustar à finalidade do procedimento.
Ao Tribunal é atribuída a competência para a apreciação do mérito jurídico do requerimento de despejo, designadamente, se for deduzida oposição ao requerimento inicial nos termos do art.º 15º-F do NRAU, ou apresentada impugnação do título para desocupação do locado nos termos do art.º 15º-P do NRAU.
No caso em apreço, entende-se na decisão recorrida, confirmando a recusa do requerimento de despejo, apresentado pela recorrente, proferida pelo BAS, que tal requerimento não se mostra acompanhado por documento comprovativo da remessa, à requerida arrendatária, da comunicação postal prevista no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU, sendo que o mesmo se reconduz, tão só, ao aviso de recepção.
Por força do disposto no art. 15º-B, n.º 1, do NRAU, o requerimento de despejo é apresentado em modelo próprio no Balcão do Arrendatário e Senhorio.
O requerente, além do mais (que não releva para a economia da presente decisão), deve indicar o fundamento do despejo e juntar os documentos previstos no art. 15º, n.º 2, do NRAU, por força do estatuído no art. 15º-B, n.º2, al. f), do mesmo regime.
A requerente invoca, como fundamento do despejo, a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, nos termos do art. 1084º, n.º2, do Cód. Civil.
Face ao fundamento invocado, o requerimento de despejo, para respeitar o exigido no art. 15º-B, n.º2, al. f), do NRAU, deve mostrar-se instruído com documento comprovativo da comunicação prevista no art. 1084º, n.º2, do Cód. Civil, por força do qual, a resolução pelo senhorio, quando fundada na falta do pagamento de rendas, opera por comunicação à outra parte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida.
Por força do disposto no art. 9º, n.º 7, do NRAU, tal comunicação destinada à cessação do contrato de arrendamento por resolução prevista no art. 1084º, n.º2, do Cód. Civil, é efectuada mediante:
a. Notificação avulsa;
b. Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação ou cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c. Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º1 do mesmo artigo, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este estiver autorizado a modificação.
Com relevo para a decisão, importa referir que, nos casos referidos nas alíneas a) e b) supra, designadamente quando a comunicação da cessação do contrato de arrendamento tenha sido tentada por notificação avulsa ou por solicitador ou agente de execução, e não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do seu envio, atento o disposto no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU.
A recorrente alega, em sede de requerimento de despejo, que a comunicação pessoal à requerida arrendatária da resolução do contrato de arrendamento prevista no art. 9º, n.º7, al. b), do NRAU, não foi conseguida por não ter sido possível localizar a destinatária, o que se mostra assumido no despacho recorrido.
Considerando o referido, bem como o acervo normativo mencionado, o requerimento de despejo apresentado pela recorrente, para respeitar o exigido no art. 15º-B, n.º2, al. f), do NRAU, deve mostrar-se instruído, além do mais, com documento comprovativo do envio da aludida comunicação à requerida arrendatária, para o local arrendado, de carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no art. 10º, n.º5, al. b), do NRAU.
Caso o requerimento de despejo não se mostre instruído com o documento comprovativo do envio da comunicação referida, à requerida arrendatária, para o local arrendado, por carta registada com aviso de recepção, verifica-se fundamento para a sua recusa, pelo BAS, ao abrigo do art. 15º, n.º2, al. b), do NRAU.
Entende-se na decisão recorrida que a recorrente, com o requerimento de despejo, não juntou documento que evidencie a remessa da aludida comunicação por correio registado com aviso de recepção, por se ter como idóneo a tal apenas o próprio impresso do aviso de recepção.
Ora, resulta dos autos que a requerente anexou ao requerimento de despejo cópia de documento impresso por CTT, SA., respeitante a expedição de serviço postal registado, tendo colado talão de aceitação datado de 19-02-2024 e com a referência “RH………PT”.
Tal documento mostra-se preenchido manualmente nos espaços destinados à identificação do destinatário, onde consta o nome da requerida e, como morada, o endereço do locado referido no requerimento inicial, do remetente, onde se encontra a identificação da requerente, e dos serviços especiais a requisitar, onde consta a escolha da expedição da correspondência por via postal registada com aviso de recepção, (doc. n.º 9).
Em anexo ao mesmo requerimento, consta, também, cópia de pesquisa electrónica do envio da correspondência registada a que respeita o documento mencionado no parágrafo anterior, onde consta que a sua entrega, a pessoa denominada CC, no dia 20-02-2024, pelas 10-21-05 (doc. n.º 9).
Ora, tal como defendido pela recorrente, entende-se que o primeiro documento mencionado (impresso por CTT, SA) se mostra idóneo a evidenciar a remessa da comunicação em referência à requerida arrendatária, para o local arrendado, por carta registada com aviso de recepção, atento o modo como o mesmo se mostra preenchido e o talão de aceitação nele colado pelo distribuidor postal, datado de 19-02-2024 e com a referência “RH………PT, dele se retirando que este aceitou tal incumbência.
Acresce que a evidência referida se mostra reforçada pelo segundo documento mencionado que, respeitando à expedição em causa, a considera como realizada.
Note-se que o que está em causa é a demonstração do cumprimento de uma formalidade, que se reconduz, à remessa da comunicação em referência por correio registado com aviso de recepção. O senhorio não se mostra onerado com a demonstração de que tal comunicação foi recebida, como resulta do art. 9º, n.º5, al. b), do NRAU, parte final, onde se estatui a presunção desse recebimento no 10º dia posterior ao do seu envio.
Sendo certo que o impresso do aviso de recepção, com a inscrição da referência ao registo postal, reforça a evidência do cumprimento da formalidade mencionada, entende-se que tal elemento não se revela determinante para tal, mormente em situações como a alegada pela recorrente, que a decisão impugnada não colocou em causa, em que o mesmo foi dado como extraviado pelo distribuidor postal por motivo alheio à requerente senhoria. Doutro modo, a requerida ficaria impossibilitada de recorrer ao procedimento especial de despejo apesar de ter cumprido as exigências legais para tal, por motivo imputável ao distribuidor postal, resultado que não se mostra coerente com o pretendido pelo Legislador, que nem sequer exige a prova da recepção da comunicação pelo destinatário (sujeita ao regime previsto no art. 364º, n.º 2, do Cód. Civil), como se referiu.
Conclui-se, face ao referido, pela ausência do fundamento legal para a recusa do requerimento de despejo invocado pelo BAS.
A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por outra que julgue a reclamação procedente e, em consequência, determine a remessa dos autos ao BAS para prosseguimento da respectiva tramitação.
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Conclui-se, assim, pela procedência do recurso.
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6.
A recorrente, porque dele tirou proveito, deverá suportar as custas do recurso (art. 527º, n.º1, do CPC).
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso procedente e, em consequência:
a. Revogam a decisão recorrida;
b. Julgam a reclamação deduzida pela requerente a 12-03-2025 procedente;
c. Determinam a remessa dos autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio para prosseguimento da respectiva tramitação.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 26 de Junho de 2025.
Os Juízes Desembargadores, Fernando Caetano Besteiro Ana Cristina Clemente Inês Moura