ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
PROCURAÇÃO
REPRESENTAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
Sumário

SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I – A ação de prestação de contas, cuja tramitação vem regulada nos artigos 941.º a 952.º do CPC, tem por objeto o apuramento e a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios (quer se trate de negócios alheios, quer se trate de negócios que sejam, do mesmo passo, próprios e alheios), devendo ser intentada por quem tenha o direito de exigi-las (ou por quem tenha o dever de prestá-las).
II – Não é forçoso que a outorga de poderes de representação mediante procuração (cf. artigos 262.º a 267.º do CC) tenha subjacente uma relação jurídica de gestão com base num contrato de mandato (um mandato com poderes de representação - cf. artigos 1157.º a 1179.º do CC), nem, quando isso ocorra, daí decorre sem mais que exista a obrigação de prestar contas, sendo indispensável que tenham sido praticados pelo procurador/mandatário atos concretos, para realização da prestação contratual do mandato a que está vinculado, em termos passíveis de suscitarem no mandante uma dúvida fundada acerca da existência de saldo a seu favor e respetivo montante.
III – Portanto, o procurador/representante poderá ou não estar obrigado a prestar contas, consoante os concretos atos que pratique “munido” da procuração outorgada pelo terceiro, ou seja, se a usou para administrar/gerir negócios desse terceiro.
IV – Resultando das alegações feitas pela Autora que tem perfeito conhecimento dos negócios de alienação dos direitos de compropriedade e do quinhão hereditário do seu falecido marido que foram celebrados pelas Rés, em representação deste último, pretendendo, na verdade, obter o pagamento da quantia que indicou - correspondente ao preço desses negócios descontado o valor já recebido -, bem como os respetivos juros de mora “contabilizados desde as datas de transferência do património imobiliário do falecido”, nada indicando que, no período temporal em apreço, tenha havido, por parte das Rés, enquanto procuradoras/mandatárias uma qualquer administração de bens geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar na presente ação, para apresentar em forma de conta-corrente, é inevitável concluir pela inexistência da obrigação de prestarem contas.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
AA interpôs o presente recurso de apelação do saneador sentença que julgou improcedente a ação de prestação de contas que intentou contra BB e CC.
Na Petição Inicial, apresentada em 34-09-2020, a Autora peticionou que as Rés fossem condenadas a apresentar as contas referentes à alienação dos bens imóveis do falecido DD (identificados nos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da PI) e dos juros contabilizados desde as datas de transferência do património imobiliário do falecido DD para o património das Rés, no prazo e sob a cominação legal, e a pagarem à Autora o saldo e os juros que venham a apurar-se.
Para tanto e em síntese, a Autora alegou que:
- A Autora é a viúva e única herdeira de DD, falecido em 16-02-2020;
- No dia 23 de junho de 2012, DD outorgou procuração conferindo às Rés, suas irmãs, “os poderes necessários para, em conjunto ou isoladamente, com livre e geral administração civil”, entre outros, administrar os seus bens;
- Munidas das referidas procurações, as Rés, mediante escrituras públicas outorgadas a 22-11-2012, 29-11-2012 e 13-12-2012 alienaram, em representação do falecido DD, partes indivisas dos prédios de que este era comproprietário (a sexta parte indivisa de cada um prédios identificados nos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º e 18.º da PI), pelos preços de 27.945,00 €, 27.945,00 €, 56.870,00 €, 56.870,00 €, 6.650,80 € e procederam à partilha parcial da metade indivisa de outro prédio urbano (identificado no art. 19.º da PI) declarando o pagamento de tornas ao falecido no valor de 6.650,80 €, tudo ascendendo ao valor total de 182.931,60 €;
- No dia 12 de março de 2013, o referido DD revogou a dita procuração;
- As Rés não transferiram a totalidade dos montantes monetários indicados nas escrituras para o falecido DD;
- Após a celebração dessas escrituras, as Rés (sendo que a 1.ª Ré era a cabeça de casal) continuaram a transferir para o DD a parte proporcional das rendas dos aludidos prédios (os quais se encontravam todos arrendados), no valor mensal de 1.246,99 €, o que fizeram até novembro de 2017, durante 57 meses [no art. 16.º da alegação de recurso, a Autora diz que se trata de lapso de escrita, sendo sim 48 meses], no total de 71.078,43 € [montante que, no art. 16.º da alegação de recurso, a Autora indica ser de 59.855,52 €], procedendo como se os imóveis ainda pertencessem àquele, assim o induzindo e à Autora em erro;
- Em 20-11-2017, as Rés foram interpeladas pelo falecido para procederem ao pagamento das quantias que as Rés individualmente indicaram nas escrituras terem recebido, acrescidas dos respetivos juros de mora contabilizados desde a data da última escritura, conforme cartas juntas como docs. 13 e 14, em que comunicou a cada uma o seguinte: “Ex.ma Senhora, Venho por este meio informar V. Exa., para que proceda ao pagamento da quantia € 54.156,10 (cinquenta e quatro mil, cento e cinquenta e seis euros e dez cêntimos) sobre a qual acresce juros – à taxa legal, 4% - desde 15 de dezembro de 2012 a 30 de novembro de 2017, no montante de € 10.748,13 (dez mil, setecentos e quarenta e oito euros e treze cêntimos). Assim sendo, fixo o prazo até ao dia 30 de novembro do ano em curso, para que V. Exa. se digna proceder ao pagamento das quantias acima mencionadas, podendo fazê-lo através de transferência bancária ou cheque. Nesta conformidade, tendo em conta o exposto, aguarda-se a efetivação do pagamento por parte de V. Exa. findo o prazo acima mencionado, sem que o mesmo ocorra, ver-me-ei forçado, sem necessidade de outra interpelação, a recorrer à via judicial para cobrança da quantia em dívida acrescida de juros. Sem outro assunto de momento, subscrevo-me”.
As Rés apresentaram Contestação, na qual, se defenderam por exceção (ilegitimidade processual ativa e caducidade do direito de ação) e por impugnação, de facto e de direito, alegando, em síntese, que: o falecido marido da Autora nunca pediu contas às Rés, porquanto, ao longo dos anos, sempre foram pagas as quantias que lhe eram devidas, tendo ele recebido 60 transferências mensais no total de 74.819,40 €, bem como outras quantias, tudo no valor total de, pelo menos, 149.253,94 €, não se discutindo nos autos a validade dos negócios celebrados pelas Rés, na qualidade de procuradoras e em representação do falecido marido da Autora.
Convidada a exercer por escrito o contraditório, a Autora pugnou pela improcedência das exceções invocadas, concluindo que as Rés devem prestar contas do mandato que lhes foi conferido pelo falecido marido da Autora.
O Tribunal considerou que os autos reuniam os elementos necessários para o conhecimento do mérito da causa, concedendo às partes o prazo de 10 dias para, querendo, proferirem as suas alegações por escrito.
Após, foi proferido o Saneador-sentença, em que, além de terem sido julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade e caducidade, se decidiu, conforme consta do segmento decisório final, o seguinte:
“Nos termos e com os fundamentos supra expostos, decide-se declarar que as Rés BB e CC não estão obrigadas a prestar contas à Autora AA na decorrência dos atos praticados pelas Ré ao abrigo da Procuração outorgada pelo falecido DD a 23/07/2012.
Fixo à ação o valor de €123.076,08 (cento e vinte e três mil, setenta e seis euros e oito cêntimos).
Custas pela Autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Registe e notifique.”
É com esta decisão que a Autora não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto da douta decisão do Tribunal a quo que julgou “a procuração outorgada a 23/07/2017 por DD estava associada a um contrato de mandato, necessário seria que tivessem sido provados (e alegados) factos que traduzissem que a procuração em causa era um instrumento de concretização dum contrato de mandato, pelo qual as Rés ficavam obrigadas a praticar os atos jurídicos que tinham sido acordados, como vontade real das partes (art. 238.º do Código Civil)”.
II - Requerendo-se à instância de recurso que revogue a Decisão Recorrida e a substitua por outra que em sede de julgamento da causa, possam ser provados e verificados os elementos fácticos constitutivos do direito que assiste à Autora ora Recorrente.
III - Além de se discordar in totum da douta decisão ora posta em crise, estando a Recorrente convicta que o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao decidir como decidiu, na medida em que o acervo factual, por si só, implicaria uma decisão diferente.
IV - Certo é que, o Tribunal recorrido não tomou em consideração uma série de factos com relevo, nomeadamente, documentos e o disposto na al. k) do instrumento denominado “Procuração”, demonstrativo do mandato que o falecido marido da Recorrente – que desde sempre - havia conferido às Recorridas que geriam o seu património, evidenciado, na prestação de contas referente aos anos de 2007 a 2013, nota manuscrita entregue em 2 de março de 2013, pelas recorridas com a resposta às exceções.
V - Cita-se de forma exemplificativa o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa3, elucidativo do direito que assiste à Recorrente, segundo o qual:
“Nos termos da alínea d) do artigo 1161.º do Código Civil, o mandatário é obrigado a prestar contas “findo o mandato ou quando o mandante as exigir”, sendo que, e como acima já se insinuou, a procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação (artigo 262.º, n.º 1 do Código Civil), enquanto o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outro (artigo 1157.º do Código Civil) – Vaz Serra, RLJ, 112-222.
O mandatário pode, ou não, ser representante do mandante.
Mas sendo-o, detém poderes e obrigações relativamente ao mandante-representante, nos termos dos artigos 1161.º e 1178.º do diploma citado. (P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, II, notas ao artigo 1178.º).
Tratando-se de mandato com representação são aplicáveis as regras de ambos os institutos.
Ora, no caso, administrando o réu bens alheios é obrigado a prestar contas, independentemente do tipo de procuração.”
VI - De facto, por missiva datada de 20 de novembro de 2017, o falecido marido da Recorrente interpelou as Recorridas para de per si, prestarem contas e entregarem o dinheiro que lhe pertencia pela venda das frações e da adjudicação pelas recorridas de 1/6 da partilha, acrescida de juros contabilizados desde 13 de dezembro de 2012, para o efeito fixou o prazo limite para pagamento de 30 de novembro de 2017 – documentos 13 e 14 juntos com o requerimento inicial.
VII - Porém, as Recorridas devidamente interpeladas não prestaram contas do dinheiro da venda dos imóveis e da partilha parcial, indicados nas respetivas escrituras.
VIII - Consequentemente, a obrigação de prestar de contas pode ser exigida não obstante a natureza pessoal do mandato, pelos herdeiros do falecido mandante (art.º 2025º do C.C. à contrario), posto que, a obrigação de prestar contas reveste natureza patrimonial, sendo por isso, transmissível pela via sucessória.
IX - Quanto ao objeto da ação de prestação de contas, determina o art.º 941.º do Código de Processo Civil que “A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
X - Remetendo para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/20114, Proc. n.º 3717/05.0TVLSB.L1, do qual, a propósito, se transcreve o seguinte: “Conforme refere Vaz Serra, Scientia Iuridica, Vol. XVIII, 115, a obrigação de prestar contas «tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios. Umas vezes, é a própria lei que impõe expressamente tal obrigação; noutras, o dever de apresentar contas resulta de negócio jurídico ou de princípio geral da boa fé. Por consequência, a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte».
XI - Por outro lado, “esta prestação de contas enquadra-se numa relação jurídica de natureza patrimonial, a qual pode ser objeto de sucessão, transmitindo-se, enquanto obrigação, aos herdeiros do mandatário, e, enquanto direito, aos herdeiros do falecido mandante (cfr. art.º 2024º do C.C.).
XII - Neste conspecto, deve, portanto, entender-se que a procuração outorgada pelo falecido marido da recorrente consistia num poder/dever de informação e de prestar contas do mandato que lhes havia sido conferido.
XIII - Ademais, o procedimento de prestar contas sempre foi assumido pelas recorridas, em alienações anteriores a 2012 e nos valores que mensalmente foram transferindo para o falecido marido da recorrente até 2017 – munidas de procurações semelhantes.
XIV - Sendo a conclusão necessária é a de que o Tribunal recorrido fez uma interpretação descontextualizada, decidindo sem permitir que em sede de julgamento se verificasse a vontade real do mandante e o dever das Recorridas.
XV - Por conseguinte, só em sede de decisão final é que julgador deverá, em face das provas produzidas, proceder à integração dos factos, para além das disposições legais, com vista a apurar das responsabilidades das Recorridas.
XVI - Por cautela de patrocínio, atento o ónus da prova e de adopção de uma conduta processual adequada que a jurisprudência fixou, desde já se suscita a inconstitucionalidade – por violação do princípio da subordinação dos tribunais à lei, consagrado no artigo 203ºda C.R.P. – de uma qualquer interpretação da norma do artigo 414º do C.P.C., que permita sobrepor o pré-entendimento do Tribunal sobre a relação jurídica controvertida ao entendimento que foi adoptado pela Recorrente.
Terminou a Apelante requerendo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento da instância ou, decida, face à prova produzida, da obrigação de as Rés prestarem contas e entregarem à Autora o montante de 123.076,08 € [182.931,60 – 59.855,52 € ꞊ 123.076,08 €], acrescido de juros desde 13 de dezembro de 2012, até integral e efetivo pagamento.
Foi apresentada alegação de resposta, em que as Apeladas concluíram, em síntese, que não merece qualquer censura o decidido na sentença recorrida, a qual não violou qualquer disposição legal nem enferma de inconstitucionalidade, não padece de erro de julgamento e não fez uma interpretação descontextualizada dos factos em apreciação, antes bem andou o Tribunal a quo ao proferir tal decisão, com a qual se concorda inteiramente, devendo manter-se nos seus precisos termos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se as Rés devem prestar contas à Autora nos termos requeridos.
Factos provados
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos (decisão de facto que a Apelante não impugnou na sua alegação de recurso, sendo, assim, descabida a referência que faz ao art. 414.º do CPC; acrescentámos, para melhor esclarecimento, nos pontos 1 e 7, o que consta entre parenteses retos):
1) No dia 23 de julho de 2012, DD outorgou procuração, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, conferindo às Rés “os poderes necessários para, em conjunto ou isoladamente, com livre e geral administração civil”, entre outros, administrar os seus bens [da mesma constando designadamente que os poderes conferidos são “a) Gerir e administrar todos os bens, móveis, imóveis ou direitos de que é ou venha a ser proprietário ou comproprietário; e assim:
(…) e) mais lhe confere poderes para assinar escrituras, incluindo de retificação e/ou aditamentos, ou outros documentos ou contratos, incluindo de promessa, de qualquer espécie ou tipo, públicos ou particulares, podendo prometer vender e/ou vender, prometer permutar e/permutar ou dar de hipoteca quaisquer bens móveis, imóveis e direitos no todo ou em parte, pelos preços, termos e condições que entender, por convenientes, pagar, receber os preços e deles dar quitação, transmitir e receber domínio, posse, direito e acção (…)
j) representá-lo em qualquer juízo, instância e tribunal, ainda que especial, requerendo e alegando o que convier, em todos os processos criminais, cíveis, fiscais e administrativos em que seja autor, réu ou assistente, ou por qualquer modo interessado, seguindo os seus termos e os de quaisquer incidentes ou recursos até final, alegando os direitos de justiça, fazendo protestos, deduzindo embargos, requerendo toda a espécie de documentos, assinando os respectivos termos e praticando tudo o mais necessário ou conveniente para esses fins, para o que poderá substabelecer em advogado; e
k) usar de todos os recursos e poderes admitidos em direito, para o cabal desempenho do mandato nesta conferido, com poderes para o foro em geral, em qualquer instância ou tribunal, receber citações e notificações, avisos e intimações, interpor recursos, confessar, desistir, transigir, fazer acordos, aceitar e dar quitação de tudo o que vier a receber em juízo ou fora dele, assinando cheques judiciais, ou precatórios cheques, assinando e requerendo tudo quanto venha a ser útil e necessário aos indicados fins”. – cf. doc. 3 junto com a PI]
2) No dia 22 de novembro de 2012, em representação de DD, a 2.ª Ré alienou à 1.ª Ré, uma sexta parte indivisa do prédio urbano, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia do Lumiar, pelo preço de 27.945,00 € (vinte e sete mil, novecentos e quarenta e cinco euros e zero cêntimos), com a indicação de “já recebido”.
3) No dia 22 de novembro de 2012, em representação de DD a 1.ª Ré alienou à 2.ª Ré, uma sexta parte indivisa do prédio urbano, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia do Lumiar, pelo preço de 27.945,00 € (vinte e sete mil, novecentos e quarenta e cinco euros e zero cêntimos), com a indicação de “já recebido”.
4) No dia 29 de novembro de 2012, em representação de DD, a 1.ª Ré alienou à 2.ª Ré, uma sexta parte indivisa da fração “A”, “B” e “C”, do prédio urbano, sito na ... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número (…), da freguesia de São Jorge de Arroios, pelo preço de 56.870,00 € (cinquenta e seis mil, oitocentos e setenta euros e zero cêntimos), com a indicação de “já recebido”.
5) No dia 29 de novembro de 2012, em representação de DD, a 2.ª Ré alienou à 1.ª Ré, uma sexta parte indivisa da fração “A”, “B” e “C”, do prédio urbano, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número (…), da freguesia de São Jorge de Arroios, pelo preço de 56.870,00 € (cinquenta e seis mil, oitocentos e setenta euros e zero cêntimos), com a indicação de “já recebido”.
6) No dia 13 de dezembro de 2012, em representação de DD, a 1.ª Ré alienou à 2.ª Ré, uma sexta parte indivisa do prédio urbano, sito na ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número (…), da freguesia do Beato, pelo preço de 6.650,80 € (seis mil, seiscentos e cinquenta euros e oitenta cêntimos), com a indicação de “já recebido”.
7) No dia 13 de dezembro de 2012, as Rés de per se, e em representação do falecido DD, procederam à partilha parcial de metade indivisa (três sextos) do prédio urbano, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número (…), da freguesia do Beato, sendo adjudicado à 1.ª Ré 1/3, correspondente ao quinhão hereditário de DD [na herança de BB, mãe das Rés e do falecido DD – doc. 9 junto com a PI] naquele imóvel, tendo referido que pagaram a título de tornas ao falecido o montante de 6.650,80 € (seis mil, seiscentos e cinquenta euros e oitenta cêntimos).
8) No dia 12 de março de 2013, DD revogou a procuração descrita em 1).
9) No dia 13 de março de 2013, o falecido DD informou as Rés que havia revogado a procuração descrita em 1).
10) Os imóveis referidos em 2) a 7), encontravam-se naquelas datas arrendados.
11) Após as datas referidas em 2) a 7), as Rés continuaram a transferir, até novembro de 2017, a parte proporcional das rendas que até então pertenciam ao falecido DD.
12) Na sequência do descrito em 11), ao dia 15 de cada mês as Rés depositavam a parte proporcional das rendas no montante de 1.246,99 € (mil, duzentos e quarenta e seis euros e noventa e nove cêntimos) na entidade bancária onde DD tinha conta domiciliada.
13) A Ré BB era há muitos anos procuradora de DD.
14) O conteúdo da procuração referida em 1) é igual ao conteúdo da procuração outorgada por DD em 17-12-2008, apenas à 1.ª Ré.
15) No dia 16 de fevereiro de 2020, DD faleceu no estado de casado, sucedendo-lhe como única herdeira a cônjuge AA.
16) As Rés foram citadas para os presentes autos em 14-10-2020.
Enquadramento jurídico
Na decisão recorrida teceram-se, no que ora importa, as seguintes considerações de direito:
«Resulta da factualidade assente que o falecido DD, mediante procuração por si assinada em 23/07/2012, concedeu poderes às Rés para a prática de vários atos. Cumpre antes de mais distinguir o conceito jurídico de procuração e de mandato.
Rege o artigo 262.º do Código Civil, quanto ao conceito jurídico de procuração, que a procuração é um ato unilateral mediante o qual se concedem poderes de representação voluntária a outrem.
Já quanto ao mandato, preceitua o artigo 1157.º do mesmo compêndio que se trata de um contrato através do qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar atos jurídicos por conta de outrem (o mandante).
Da confrontação das duas figuras jurídicas depreende-se que a concessão de poderes de representação através de procuração, sendo um ato unilateral, nunca poderá ser considerado um mandato, com ou sem representação, porquanto este reveste as vestes de negócio jurídico, portanto bilateral.
O mandato é um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário, o qual age de acordo com as indicações e instruções do mandante, quer quanto ao objeto, quer quanto à própria execução.
Os serviços do mandatário são, pois, prestados de acordo com as orientações do mandante; só sendo permitido ao mandatário deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas nos casos previstos no art. 1162.º do Código Civil, isto é, “...quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil.”.
Cf. podemos ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 13/05/2021, em que foi Relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt:
“A procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos (art. 262º, nº 1; o mandato, diversamente, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art. 11579) (...)
A procuração é, pois, o acto pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação, tendo por consequência que, se o procurador celebrar o negócio jurídico para cuja conclusão lhe foram dados esses poderes, o negócio produz os seus efeitos em relação ao representado (...)
O mandato é independente da procuração, podendo ser com representação (arts. 1178º e segs.) ou sem ela (arts. 1180º e segs.) (...) A procuração, salvo disposição legal em contrário, tem de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar (art. 262º, nº 2), ao passo que o mandato não está sujeito a forma especial, podendo, por isso, ser concluído livremente, nos termos gerais (CC, art. 219º)»[9]. Ainda batendo na distinção entre procuração e mandato, bastará atentar, por exemplo, que não é essencial à existência do mandato a outorga da procuração.”.
De todo o exposto se depreende que da procuração, em si mesma, não resulta nenhuma obrigação de prestar contas, tal como não decorre nenhuma obrigação de praticar os atos para os quais foram concedidos poderes ao procurador.
Sendo a procuração um negócio jurídico formal e unilateral, a sua interpretação está sujeita às regras definidas pelo art. 238.º do Código Civil.
Para se concluir que a procuração outorgada a 23/07/2012 por DD estava associada a um contrato de mandato, necessário seria que tivessem sido provados (e alegados) factos que traduzissem que a procuração em causa era um instrumento de concretização dum contrato de mandato, pelo qual as Rés ficavam obrigadas a praticar os atos jurídicos que tinham sido acordados, como vontade real das partes (art. 238.º do Código Civil).
Ora, os atos plasmados na procuração outorgada a 23/07/2012 por DD, seriam os que as Rés, por força da procuração que por este lhes fora passada, poderiam efetuar porquanto a tal estavam autorizadas, nada resultando, em concreto, que tivessem assumido essa obrigação mediante acordo (cf. artigo 1157.º do Código Civil) com o falecido DD.
Dito de outro modo: dimana da factualidade assente que, mediante procuração, DD conferiu às Rés o poder de celebrar atos jurídicos em seu nome. Todavia, nada resulta no sentido de ter existido um acordo de vontades no sentido das Rés ficarem obrigadas a celebrar atos jurídicos por conta de DD.
Neste enquadramento, não resulta da factualidade assente que a relação estabelecida entre o falecido DD e as Rés criou sobre estas o dever de prestar contas ao mesmo e, subsequentemente, face do decesso do mesmo, à Autora, na qualidade de única herdeira daquele.
Não pode, pois, concluir-se no sentido da verificação da obrigação das Rés prestarem contas, razão pela qual a ação improcederá.»
A Apelante defende, em síntese, que: o Tribunal recorrido fez uma interpretação descontextualizada, decidindo sem permitir que em julgamento pudessem ser provados os elementos fácticos constitutivos do direito que assiste à Autora e se verificasse a vontade real do mandante e o dever das Rés; do acervo factual disponível já resulta que as Rés devem prestar contas conforme requerido; a procuração outorgada pelo falecido marido da Autora consistia num poder/dever de informação e de prestar contas do mandato que lhes havia sido conferido, tendo as Rés sido interpeladas pelo falecido marido da Autora por missiva datada de 20-11-2017 para prestaram contas do dinheiro da venda dos imóveis e da partilha parcial, indicados nas respetivas escrituras, o que não fizeram.
Vejamos.
A ação de prestação de contas, cuja tramitação vem regulada nos artigos 941.º a 952.º do CPC, tem por objeto o apuramento e a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios (quer se trate de negócios alheios, quer se trate de negócios que sejam, do mesmo passo, próprios e alheios), devendo ser intentada por quem tenha o direito de exigi-las (ou por quem tenha o dever de prestá-las).
A obrigação de prestar contas tem a sua razão de ser e assenta estruturalmente na obrigação de informação, consagrada, desde logo, no art. 573.º do CC, nos termos do qual, “A obrigação de informação existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.”
Estão previstas na lei várias situações especiais em que existe obrigação de prestar contas, como por exemplo, nos casos do curador provisório (cf. art. 95.º do CC), do acompanhante de maior (cf. art. 151.º do CC), do gestor de negócios (cf. artigos 464.º e 465.º do CC), do mandatário (cf. art. 1161.º do CC), do administrador do condomínio [cf. artigos 1431.º, n.º 1, 1436.º, n.º 1, al. l), do CC], do tutor (cf. art. 1944.º do CC), e do cabeça de casal da herança (cf. art. 2093.º do CC).
Inexistindo uma tal previsão normativa especial quanto ao procurador/representante (cf. artigos 262.º a 267.º do CC), é sabido que este poderá ou não estar obrigado a prestar contas consoante os concretos atos que pratique “munido” da procuração outorgada pelo terceiro, ou seja, se a usou para administrar/gerir negócios desse terceiro.
Na verdade, muito embora, com frequência, a outorga de poderes de representação mediante procuração possa ter subjacente uma relação jurídica de gestão, tendo na sua base um contrato de mandato (um mandato com poderes de representação - cf. artigos 1157.º a 1179.º do CC), não é forçoso que tal suceda (a este respeito, veja-se, por todos, com abundantes citações de doutrina e jurisprudência, o ac. da RL de 05-11-2020, proferido no proc. n.º 9471/09.9TBOER.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).
Ademais, mesmo quando isso suceda, daí não se segue automaticamente que exista a obrigação de prestar contas, sendo indispensável que tenham sido praticados pelo procurador/mandatário atos concretos, para realização da prestação contratual do mandato a que está vinculado, em termos passíveis de suscitarem no mandante uma dúvida fundada acerca da existência de saldo a seu favor e respetivo montante.
Nesta linha de pensamento, destacamos os seguintes acórdãos do STJ (todos com sumário disponível em www.stj.pt):
- de 09-02-2006 na Revista n.º 4061/05 - 7.ª Secção:
“I - A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573.º do CC) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.
II - Está obrigado a prestar contas o procurador que age com poderes de representação, administrando bens ou interesses do representado, independentemente da existência ou da natureza de negócio de que resultou a procuração.
III - Não é o fim para que a procuração é emitida nem o conteúdo dos poderes que dela constam como conferidos ao procurador, mas apenas os actos realizados, que justificam a prestação de contas.
IV - Do disposto nos art.s 1014.º e seguintes do CPC infere-se que a prestação de contas só tem interesse para o requerente (representado) quando haja, em relação às partes, créditos e débitos recíprocos, não sendo de aplicar este processo quando o acto não tenha tido, nas relações entre mandatário e mandante, reflexos patrimoniais.
- de 14-11-2006 na Revista n.º 3592/06 - 6.ª Secção:
“I - A procuração pode ser o meio de executar um contrato de mandato que tenha sido celebrado, mas, por se tratar de um acto unilateral, nunca pode ser considerada um mandato, com ou sem representação, que é uma figura contratual, logo bilateral.
II - Pelo mandato constitui-se um vínculo, através do qual o mandatário se vincula à prática de um ou mais actos jurídicos. Mas a procuração não tem o efeito de obrigar o representante a uma actividade de gestão: este fica simplesmente legitimado perante terceiros e autorizado ao desenvolvimento da gestão.
III - Provando-se que, para além da outorga da procuração pelo falecido marido da Autora a favor do Réu, este comprou àquele um táxi e respectivas licenças, utilizando formalmente o nome do mesmo para fruir o táxi, não se tendo provado que o réu geria o negócio do falecido, daqui não resulta a obrigação de prestar contas pelo Réu aos herdeiros deste último.”
- de 16-04-2009 na Revista n.º 77/07.8TBCTB.C1.S1:
“I - Não se confundem a procuração e o mandato; podem coexistir, e haverá mandato com representação, ou não, e existirá eventualmente, ou um mandato sem representação, ou uma procuração relacionada com qualquer outro acto jurídico.
II - A concessão de poderes de representação, por si só, não cria na esfera jurídica do procurador nenhuma obrigação de os exercer e pode ter causas diversas.
III - É porque o mandatário se obriga a praticar actos jurídicos por conta de outrem que a lei lhe impõe que preste contas, se a execução do mandato tiver repercussões patrimoniais entre as partes.
IV - Da procuração em si mesma não resulta nenhuma obrigação de prestar contas.
V - Cabe àquele que invoca o direito a prestação de contas o ónus de provar os factos constitutivos desse direito.
VI - Sendo a procuração, no caso, um negócio formal, a sua interpretação está sujeita às regras definidas pelo art. 238.º do CC.
VII - Na falta de alegação e prova de factos tendentes a demonstrar um acordo de vontades, nos termos do qual os poderes de representação tivessem sido concedidos como meio de permitir a execução de um mandato, não pode concluir-se pela existência de tal contrato.”
- de 30-01-2013 na Revista n.º 1705/08.3TBVNO.C1.S1 (também disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT):
“(…) II - Por isso, fundando os autores a obrigação de prestação de contas na prática de atos de administração com base em procuração que, para tanto, conferia poderes ao procurador, o entendimento de que a procuração é constitutiva de um mandato é questão de mera qualificação que não vincula o julgador (art. 664.º do CPC).
III - A procuração não impõe a obrigação de celebrar atos jurídicos por conta de outrem, confere o poder de os celebrar em nome de outrem e, por conseguinte, a obrigação de prestação de contas apenas advém para o procurador quando pratica atos de administração ao abrigo da procuração que lhe foi conferida (art. 1014.º do CPC).
IV - A outorga de procuração não é constitutiva de contrato de mandato, podendo valer como proposta de mandato, formando-se o contrato nos termos gerais dos contratos.
V - A outorga do negócio jurídico unilateral que é a procuração afetuada em Portugal e ao abrigo da qual foram realizados atos de administração noutro Estado constitui um dos factos que integram a aludida causa de pedir complexa de que resulta a obrigação de prestar contas, preenchendo-se, assim, o segmento da parte final do art. 65.º, n.º 1, al. c), do CPC (ter sido praticado em território português algum dos factos que integram a causa de pedir) e, por conseguinte, os tribunais portugueses são competentes em razão da nacionalidade para exigir a prestação de contas respeitante aos aludidos atos de administração.”
- de 23-06-2016 na Revista n.º 4902/14.9T2SNT.L1.S1: “Contrariamente ao que sucede no mandato do qual resulta para o mandatário a obrigação de prestar contas ao mandante, da procuração não resulta para o procurador nem a obrigação de praticar os actos para os quais lhe foram concedidos poderes, nem a obrigação de prestar contas (arts. 1157.º, 1161.º, al. d), e 262.º, todos do CC).”
- de 08-09-2016 na Revista n.º 2900/08.0TVLSB.L2.S1 (também disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT): “IV - A distinção entre o mandato e a procuração é clara, pois enquanto aquele constitui um contrato de prestação de serviços destinado à prática de atos jurídicos, independentemente da representação, a procuração é um negócio jurídico através do qual se conferem poderes de representação, não carecendo da coexistência do mandato. V - Não se verificando qualquer relação jurídica entre as partes, designadamente de mandato, não há obrigação de prestar contas.”
- de 10-09-2019 na Revista n.º 1546/15.1T8CTB.C1.S1 (também disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT):
«I - No confronto entre “procuração” e “mandato”, a procuração inclui sempre e apenas poderes representativos, ao passo que o mandato, ligado à ideia de agir por conta doutrem, pode ou não envolvê-los.
II - A procuração é um negócio jurídico formal e unilateral, que outorga poderes de representação (art. 262.º do CC), cuja interpretação está sujeita às regras definidas pelo art. 238.º do CC.
III - Devido a esta diferença conceptual e juridicamente regulada (arts. 262.º e 1157.º do CC) temos que, da procuração, em si mesma, não resulta nenhuma obrigação de prestar contas, tal como não decorre, nenhuma obrigação de praticar os atos para os quais foram concedidos poderes ao procurador.
IV - A concessão de poderes de representação através de procuração, sendo um ato unilateral, nunca poderá ser considerado um mandato com ou sem representação que é uma figura contratual, logo bilateral.»
Transpondo estas considerações para o caso sub judice, importa salientar que, como resulta da simples leitura da Petição Inicial, a Autora não pretende exigir contas da administração que porventura as Rés possam ter feito dos bens do falecido marido daquela, mas sim – e apenas – a prestação de contas referentes à alienação dos bens imóveis do falecido DD identificados nos pontos 2 a 7 do elenco dos factos provados, formulando um pedido genérico (ilíquido) de condenação no pagamento de quantia, para cujo cálculo, sublinhe-se, alega todos os elementos de facto que reputa relevantes. Aliás, na sua alegação de recurso, a Autora até procedeu à liquidação do montante que considera devido, concluindo (em face da retificação de alegação feita na PI) ser de 123.076,08 € (que coincide com o valor da causa fixado na decisão recorrida), não mostrando ter qualquer espécie de dúvida quanto à existência de uma tal obrigação de pagamento por parte das Rés.
Da procuração outorgada pelo falecido DD não resulta, sem mais, que tenha sido celebrado entre este e as Rés, suas irmãs, um contrato de mandato, até porque a singela referência feita em k) se reporta à possibilidade de outorga de mandato forense pelas Rés, para representação em juízo daquele. A Autora não alegou quaisquer factos substantivamente relevantes dos quais pudesse resultar que as Rés estavam obrigadas a prestar-lhe contas de uma suposta administração de bens do falecido DD no período em referência (a partir de dezembro de 2012). Na verdade, não alegou que as Rés, após a descrita alienação do património do falecido marido daquela, tenham agido como administradoras de bens alheios, pertencentes a este último.
Apenas alegou (e ficou provado) que as Rés continuaram, até novembro de 2017, a transferir verbas por contas de rendas a que o falecido já não tinha direito (uma vez que já haviam sido alienados os direitos de compropriedade e quinhão hereditário). Na Petição Inicial, a Autora alegou, en passant, que essas transferências continuaram a ser feitas pelas Rés “como sempre o fizeram, atento o facto da 1ª Ré ser a Cabeça de Casal”. Porém, esta última circunstância é irrelevante para o caso, já que a causa de pedir e o pedido formulado nada têm a ver com a administração dos bens da herança da falecida mãe das Rés (e do irmão destas), sendo certo que nem sequer foi alegado que, a partir de dezembro de 2012, a 1.ª Ré continuou, enquanto cabeça de casal, a administrar bens da herança indivisa.
Não indica a Apelante, na sua alegação de recurso, quaisquer outros factos (supostamente) relevantes e controvertidos, para cuja prova seja necessária a realização de audiência de julgamento, em ordem a demonstrar a existência da invocada obrigação de prestar contas.
Antes resulta claro, desde o início da presente ação, que a Autora não pretende ser informada de rigorosamente nada, revelando um perfeito conhecimento das alienações dos direitos de compropriedade e do quinhão hereditário do seu falecido marido, pretendendo obter o pagamento do preço desses negócios (que foram celebrados pelas Rés, em representação do falecido DD), descontado o valor já recebido, bem como os respetivos juros de mora, “contabilizados desde as datas de transferência do património imobiliário do falecido”, contas que são fáceis de fazer e que a Autora fez, em face das suas alegações de factos.
Ou seja, da matéria assente (e do mais alegado) não resulta que, no período temporal indicado, tenha havido, por parte das Rés, enquanto procuradoras/mandatárias uma qualquer administração de bens geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar na presente ação, para apresentar em forma de conta-corrente.
Por isso, é inevitável concluir, ante os factos assentes e os demais alegados, pela inexistência da obrigação de as Rés prestarem as contas conforme peticionado pela Autora, improcedendo as conclusões da alegação de recurso, ao qual não pode deixar de ser negado provimento.
Vencida a Autora-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Mais se decide condenar a Autora-Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 26-06-2025
Laurinda Gemas
Susana Mesquita Gonçalves
João Paulo Raposo