Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESPONSABILIDADE CIVIL
ADVOGADO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
SEGURADORA
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) Na ação fundada em responsabilidade civil profissional de advogado é admissível, por iniciativa da ré/advogada, a intervenção principal provocada, como sua associada, em litisconsórcio voluntário passivo, da Seguradora com a qual a Ordem dos Advogados celebrou o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório e com a qual a própria ré, como tomadora do seguro, celebrou um outro contrato de seguro de responsabilidade civil profissional em que o capital seguro é o excesso do limite garantido pela Apólice titulada Pela Ordem dos Advogados (incluindo a eliminação da franquia prevista nessa apólice) – cf. artigos 316.º, n.º 3, al. a), do CPC, 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e 140.º e 146.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
AA, Ré na ação declarativa de condenação que, contra si e AON PORTUGAL, S.A., foi intentada por BB interpôs o presente recurso de apelação do despacho proferido em 23-01-2025 que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada que aquela (Ré) deduziu em 20-06-2024.
Os autos tiveram início em 24-05-2024, com a apresentação de Petição Inicial em que a Autora peticionou a condenação solidária das Rés a pagar-lhe, a título de indemnização por perda de chance derivada da conduta omissiva da 1.ª Ré, o montante de 23.241,34 €, que a ex-entidade empregadora da Autora foi condenada a pagar-lhe por créditos laborais nos autos n.º 258/13.5TTBRR, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde a data da citação nos presentes autos até integral e efetivo pagamento; Ou, caso assim não se entenda, a condenação solidária das Rés a pagar à Autora, o montante de 14.037,33 €, a título de indemnização por perda de chance derivada da conduta omissiva da 1.ª Ré, correspondente ao montante da quantia exequenda da ação executiva que a Autora moveu contra a sua ex-entidade empregadora (cf. sentença proferida nos autos n.º 4507/15.7T9BRR), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde a data da citação nos presentes autos até integral e efetivo pagamento .
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- a Autora foi trabalhadora da sociedade Mahotas – Panificadora Lda., a qual, em ação intentada pela Autora, foi condenada, por sentença transitada em julgado em 23-09-2015, a pagar-lhe a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa a quantia de 8.183 €, bem como outras quantias, tudo no total de 23.241,34 €;
- Como essa quantia não lhe foi paga, a Autora, no âmbito da assistência jurídica do sindicato de que é associada, outorgou procuração forense pela qual constituiu a 1.ª Ré, advogada, como sua mandatária;
- Veio a ser apresentada participação criminal contra aquela entidade patronal e seus representantes legais que deu origem ao processo de inquérito no âmbito do qual foi deduzida acusação, tendo a Autora sido notificada de que dispunha do prazo de 20 dias para deduzir pedido de indemnização civil e disso dado conta à sua mandatária, ora 1.ª Ré;
- A 1.ª Ré não deduziu, em representação da Autora, pedido de indemnização civil dentro do prazo de que dispunha para o efeito, tendo comunicado à Autora, no dia 22-06-2021 que deixava de a patrocinar;
- A Autora sofreu dano de perda de chance, na medida em que a conduta da 1.ª Ré não lhe permitiu obter a condenação do legal representante da sua ex-entidade empregadora no pagamento do montante em que esta havia sido condenada por sentença transitada em julgado e que apenas foi parcialmente executada;
- Face à condenação do arguido CC pela prática de um crime de frustração de créditos agravado, por ter dissipado património da sociedade Mahotas – Panificadora Lda. e, nessa medida, ter impedido a Autora de ver satisfeito o seu crédito laboral judicialmente reconhecido, era fortemente expectável que aquele arguido fosse condenado em sede de pedido de indemnização civil a pagar à ora Autora, pelo menos, o montante pela qual esta executou a sociedade Mahotas – Panificadora Lda.;
- Por força do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, mediante apólice n.º ES……..E…A, a responsabilidade civil profissional da 1.ª Ré encontra-se transferida para a 2.ª Ré, que assim está obrigada a pagar a referida indemnização.
Em 05-06-2024, a 2.ª Ré (AON PORTUGAL, S.A.) apresentou Requerimento em que alegou ser parte ilegítima, por não ter celebrado nenhum contrato de seguro, sendo uma mera mediadora de seguros, acrescentando que a seguradora responsável é a XL Insurance Company, Sucursal em Espanha.
Em 20-06-2024, a 1.ª Ré apresentou Requerimento em que deduziu incidente de intervenção principal provocada da XL Insurance Company, Sucursal em Espanha, alegando o seguinte: 1. A Ré contratou seguro de responsabilidade civil com a mediadora de seguros AON, que a Autora indicou como Ré; 2. Porém, o contrato de seguro, foi celebrado com a companhia de seguros XL INSURANCE COMPANY SE, com a Apólice RC Profissional ES........EO..A. 3. Atenta a natureza de mera mediadora a Aon Portugal SA é parte ilegítima da acção. 4. Uma vez que a Ré transferiu a responsabilidade civil para a sociedade XL INSURANCE COMPANY SE, esta será parte legitima na acção. Termos em que se requer seja deferido por provado o presente incidente de intervenção principal provocada e, por consequência, seja a companhia de seguros XL INSURANCE COMPANY SE citada para contestar, querendo, o presente incidente e a acção. Requerendo-se a notificação da Autora para se pronunciar sobre o incidente de intervenção principal. Mais se requer seja a companhia de seguros XL INSURANCE COMPANY SE notificada para juntar aos autos o contrato de seguro celebrado com a ora requerente, vigente no ano de 2024.”
Juntou documentos, designadamente:
- as Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil Particular (Apólice n.º ES........E...A-....), cujo teor se dá por reproduzido, em que consta como Corretor/Agente a “AON Portugal – Corretores de Seguros, S.A.”, como Tomador do seguro a 1.ª Ré e como Seguradora a “XL Insurance Company SE, Sucursal em Espanha”, sendo o capital seguro “Limite 100.000,00 EUR por sinistro em excesso de 150.000,00 por sinistro (Em excesso da Apólice ES........E...A Titulada Pela Ordem dos Advogados)”, incluindo a garantia da eliminação da franquia prevista na Apólice ES........E...A;; estando previsto, além do mais, que o segurador poderá acionar o seguro pelo montante das indemnizações que tenha satisfeito como consequência do exercício de ação direta aos lesados, quando o dano ou prejuízo causado tenha sido devido a procedimento provadamente fraudulento ou ilícito do segurado, sem prejuízo da cobertura de dolo pela presente apólice;
- Um recibo comprovativo do pagamento do prémio do referido seguro relativo ao período de 01-01-2023 a 31-12-2023;
- Um aviso de débito atinente ao prémio do seguro do aludido contrato de seguro de responsabilidade civil profissional (Apólice n.º ES........E...A-....) celebrado entre a 1.ª Ré e a seguradora XL Insurance Company Limited relativo ao período de 01-01-2024 a 01-01-2025.
Notificadas as demais partes, nada vieram dizer.
Em 23-01-2025, foi proferido o Despacho (recorrido) com o seguinte teor: “Incidente de intervenção principal provocada Nesta ação declarativa comum, que BB instaurou contra AA, AON PORTUGAL, S.A.. Citada, a 1.ª ré deduziu incidente de intervenção principal provocada de XL INSURANCE COMPANY SE, com sede em Madrid. A 1.ª ré alega que contratou seguro de responsabilidade civil com a chamada, sendo mediadora a 2.ª ré, que é parte ilegítima. A autora e a 2.ª ré nada disseram. ** Cumpre decidir: Neste incidente, o interveniente faz valer um direito próprio, assumindo a posição de parte principal na causa em que intervém, como associado do autor ou do réu. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 316.º do Código do Processo Civil (CPC), o réu pode requerer a intervenção de terceiros no caso de litisconsórcio necessário. O réu pode igualmente requerer a intervenção principal de litisconsortes voluntários do réu, sujeitos passivos da relação material controvertida, mas apenas quando mostre interesse atendível, nos termos do disposto no disposto na alínea a) do n.º 3, do artigo 316.º do CPC. O réu pode ainda requerer a intervenção principal provocada de “possíveis contitulares do direito invocado pelo autor”, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 3, do artigo 316.º do CPC. A este propósito, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código do Processo Civil Anotado, 3.ª Edição, Volume 1.º, pagina 616, consideram que esta alínea corresponde às situações de litisconsórcio voluntário ativo, que no novo Código podem constituir-se por iniciativa livre do réu. No caso, a ré pretende a intervenção de terceiro como parte principal, como associado da ré. Para o efeito, alega a existência de um contrato de seguro celebrado com o terceiro. Todavia, a ré não alega factos dos quais resulte a existência de litisconsórcio, relativamente o peticionado nesta ação. Importa julgar improcedente o incidente de intervenção principal provocada. *** Decisão: Pelo exposto, julga-se improcedente o incidente e indefere-se a requerida intervenção principal provocada. Custas do incidente pela requerente, 1.ª ré. Registe-se e Notifique-se.”
É com esta decisão que a 1.ª Ré não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 32º, 316º, e 615º, nº 1, alíneas c) e d), bem como nos artigos 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro, 137º e 146º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril, e as cláusulas do contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil celebrado entre a Ordem dos Advogados e a chamada. Pois, com efeito, 2. A Autora/Recorrida intentou a acção contra a Recorrente e contra a sociedade AON PORTUGAL SA alegando que a Recorrente tinha, por força do exercício da sua profissão, transferido para esta sociedade, mediante a apólice de responsabilidade civil profissional n.º ES………EO..A, contratada pela Ordem dos Advogados. 3. Autora e Recorrida peticionou que as Rés fossem condenadas solidariamente, por via desse contrato de seguro, a pagar-lhe uma indemnização por perda de chance. 4. A Ré AON PORTUGAL SA deduziu excepção de ilegitimidade atenta a sua natureza de mediadora no contrato de seguro celebrado entre a companhia de seguros XL INSURENCE COMPANY, SE. e a Ordem dos Advogados e, também, com a Recorrente. 5. De acordo com a excepção deduzida pela AON PORTUGAL, a Recorrente requereu o incidente de intervenção principal da companhia de seguros XL INSURENCE COMPANY S.E. 6. Alegando que efectivamente havia transferido a responsabilidade civil profissional para esta companhia de seguros e que, inclusivamente, celebrara um seguro extra o qual cobre o valor da franquia, cujo contrato e documento comprovativo juntou com o referido requerimento. 7. Notificada a Autora/Recorrida e a Ré AON Portugal, nenhuma se pronunciou, ou seja, nenhuma se opôs à intervenção da XL INSURENCE COMPANY, SE, nem formulou qualquer restrição, designadamente que a mesma só pudesse intervir como interveniente acessória. 8. Pois conforme resulta da petição inicial a Autora/ Recorrida pretendia accionar solidariamente a companhia de seguros para a qual fora transferida a responsabilidade civil. 9. E, por outro lado, a Ré AON PORTUGAL tinha invocado a excepção da ilegitimidade. 10. Motivo pelo qual não tinham qualquer interesse em responder ou de se por. 11. Conforme Acórdão da Relação de Lisboa, 2ª Secção, proferido a este respeito no Processo 5658/21.4T8LRS-A.L1-2: “O seguro de responsabilidade civil dos advogados é obrigatório, como se retira do artigo 104º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro. II- Nos termos do artigo 140º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, “o segurador pode intervir em qualquer processo judicial (…) em que se discuta a obrigação de indemnização cujo o risco ele tenha assumido (,,,)”.Consagra-se, aqui, a admissibilidade da “acção direta” (num dos sentidos do termo), no âmbito do contrato de seguro, podendo a acção ser intentada também exclusivamente contra a seguradora. III- Se o pedido de indemnização por perda de chance formulado na petição inicial o foi exclusivamente contra as Rés, alegadas ex-advogadas da Autora e não, também, contra qualquer seguradora das rés, uma vez formulada a título principal, por uma das co-rés, o pedido de intervenção principal da seguradora, ao abrigo do disposto no art.º 316n.º 3 /a do Código de Processo Civil para, no caso de procedência da acção ser condenada solidariamente com a referida seguradora, é manifesto e atendível o interesse da co-ré nesse chamamento e nesses moldes.” E, ainda: 12. III- Se o pedido de indemnização por perda de chance formulado na petição inicial o foi exclusivamente contra as Rés, alegadas ex-advogadas da Autora e não, também, contra qualquer seguradora das rés, uma vez formulada a título principal, por uma das co-rés, o pedido de intervenção principal da seguradora, ao abrigo do disposto no art.º 316n.º 3 /a do Código de Processo Civil para, no caso de procedência da acção ser condenada solidariamente com a referida seguradora, é manifesto e atendível o interesse da co-ré nesse chamamento e nesses moldes.” 13. Não é indiferente para a Ré/Recorrente ser condenada solidariamente com a seguradora Chamada - na hipótese de procedência da acção - ou ser condenada singularmente com a possibilidade de exercer o direito de regresso contra a seguradora, pelo que não se demonstra que estejamos perante um caso de litisconsórcio necessário. 14. Nem para a Autora recorrida, a qual intentou a acção contra a Ré Recorrente e contra a AON PORTUGAL, por supor que seria esta parte contraente do seguro profissional, demandando ambas solidariamente. 15. “A decisão de condenação do segurado ou da seguradora, em acção em que apenas uma seja demandada um deles, em nada afecta o efeito útil normal da decisão: condenação a indemnizar. Com o que se pode concluir não se verificar uma situação de litisconsórcio necessário, afastando a possibilidade de enquadramento no regime do artigo 316.º, n.º 1, do CPC.” 16. Conforme o exposto e “o disposto nos artigos 137º e segs. da LCS e, designadamente, no artigo 146º, nº 1, da mesma lei, bem como o preceituado nos artigos 32º e 316º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Civil, é permitido à ora Recorrente provocar a intervenção principal da Seguradora de responsabilidade civil (ao abrigo do contrato de seguro obrigatório), com vista a que, sendo a ação procedente, ambas sejam condenadas e/ou que a sentença de mérito, a proferir nesta ação, aprecie a relação jurídica entre a Ré/Requerente e a Chamada, e constitua, quanto a esta, caso julgado, sendo, por isso, manifesto o interesse atendível da R. no deferimento deste incidente.”
Terminou a Apelante requerendo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por decisão que admita a intervenção da Seguradora XL INSURENCE COMPANY, SE como interveniente principal ao abrigo do disposto no art. 316.º, n.º 3, al. a), e determinado o prosseguimento dos autos, com a citação da mesma e os termos subsequentes.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se não devia ter sido indeferida a intervenção principal provocada da XL Insurance Company SE, Sucursal em Espanha.
Os factos com relevância para o conhecimento do objeto do recurso são os que constam do relatório supra, resultando dos mesmos (i) a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório (Apólice n.º ES……..E…A), celebrado entre a referida XL Insurance Company SE, e a Ordem dos Advogados, bem como (ii) a existência de um outro contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, em que a Tomadora do seguro é a Ré AA, sendo o capital seguro o excesso do limite garantido pela referida Apólice n.º ES........E...A Titulada Pela Ordem dos Advogados (incluindo a eliminação da franquia prevista nessa apólice).
Sobre o âmbito do incidente de intervenção principal provocada, preceitua o art. 316.º do CPC que: “1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. 2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. 3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.”
É sabido que o seguro de responsabilidade civil profissional de advogado tem natureza obrigatória, conforme decorre do disposto no art. 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09-09.
Aliás, na página da Ordem dos Advogados (https://portal.oa.pt/advogados/seguro-profissional/seguro-de-grupo-de-responsabilidade-civil-profissional-2024/), encontra-se disponível abundante informação a esse respeito, designadamente nos seguintes termos: «Decorre do disposto no artigo 104.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados que a Ordem é obrigada a subscrever um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, para todos(as) os(as) Advogados(as), no valor mínimo de €50.000 (cinquenta mil euros). O Conselho Geral, numa atitude de apoio aos Colegas, deliberou, manter a subscrição do referido seguro de grupo pelo montante de capital seguro individual de €150.000 (cento e cinquenta mil euros). Assim, pela presente, informa-se que a Ordem dos Advogados, na qualidade de Tomador do Seguro, na sequência de um procedimento de Concurso Público com publicidade internacional efetuado no corrente ano, para vigorar nos anos de 2024 e 2025, adjudicou ao agrupamento de concorrentes, constituído pela Corretora de Seguros AON Portugal, S.A. e pela Seguradora XL INSURANCE COMPANY SE (Sucursal em Espanha), o Seguro de Grupo de Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados, uma vez que apenas esse agrupamento de concorrentes apresentou proposta. Pelo que, todos(as) os(as) Advogados(as) com inscrição em vigor estão abrangidos pelo seguro contratado pela Ordem, beneficiando, assim, automaticamente, de um Seguro Base de Responsabilidade Civil Profissional, com o limite de indemnização de €150.000 (cento e cinquenta mil euros), sem necessidade de qualquer tipo de adesão, com as seguintes condições: COBERTURA BASE: São garantidos os pagamentos de indemnizações que possam ser exigidas aos Segurados (Advogados(as) com inscrição em vigor), a título de Responsabilidade Civil Profissional, designadamente, com base em erro, omissão, ou negligência, no exercício da atividade profissional de Advocacia, com as seguintes condições principais: - Capital por Advogado Segurado / Sinistro: €150.000 - Limite Agregado Anual de Apólice: Ilimitado - Franquia: €5.000 (não oponível a terceiros lesados) - Retroatividade: Ilimitada - Danos a Registos e Documentos - Gastos de defesa envolvidos na defesa do profissional em reclamações ou ações judiciais - Fianças civis e penais - Âmbito Territorial: Todo o Mundo, excluindo E.U.A., Canadá e territórios sob sua jurisdição - Âmbito temporal: Base “claims made”, isto é, a data do sinistro é a data da primeira reclamação. Informa-se ainda que as Condições Particulares, Especiais e Gerais da referida Apólice de Seguro de Grupo de Responsabilidade Civil Profissional (Apólice n.º ES........EO..A) estão disponíveis para consulta, na área reservada do portal da Ordem dos Advogados. Cumpre salientar que a contratação desta Apólice de Seguro de Grupo, tendo em conta os crescentes níveis de sinistralidade, a imposição de provisões às Seguradoras, bem como, o limite de indemnização contratado, representa um grande esforço financeiro para a Ordem dos Advogados, o qual é exclusivamente suportado pelo orçamento do Conselho Geral.»
Uma vez que estamos perante um contrato de seguro obrigatório, importa ter presente, de entre as disposições especiais de seguro obrigatório, o disposto no art. 146.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16-04), estando expressamente previsto que “O lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador.”
Ademais, mesmo no âmbito do regime comum do seguro de responsabilidade civil, a admissibilidade da demanda direta ou da intervenção principal da seguradora decorre do disposto nos n.ºs 1 a 3 do art. 140.º do RJCS: “1 - O segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes. 2 - O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado. 3 - O direito de o lesado demandar directamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador.”
De salientar que a possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora, mormente nos termos do citado art. 146.º, n.º 1, não exclui o direito de ação relativamente ao responsável civil, conforme se explica no acórdão da Relação do Porto de 05-02-2024, proferido no proc. n.º 22569/18.3T8PRT.P1 (disponível em www.dgsi.pt), afirmando-se no ponto I do respetivo sumário que: “A circunstância de existir um seguro obrigatório apenas faculta ao lesado o direito de ação direta (artigo 146º, nº 1, da Lei do Contrato de Seguro aprovada pelo decreto-lei nº 72/2008 de 16 de abril) mas não lhe retira o direito de demandar o lesante, nos termos gerais e que responderá solidariamente com a seguradora para a qual foi transferida a obrigação de indemnizar, na parte em que valha a garantia do seguro, tratando-se de solidariedade imprópria na medida em que o responsável poderá fazer repercutir na seguradora o que for obrigado a cumprir e dentro da cobertura do seguro.”
Sendo a demanda direta da seguradora, em ação intentada também contra o (alegado) responsável civil, uma opção do lesado, é claro que não se está perante um caso de litisconsórcio necessário, mas de litisconsórcio voluntário (cf. art. 32.º do CPC).
Nesta conformidade, a maioria da jurisprudência, que acompanhamos, tem convergido no sentido de reconhecer (em detrimento da tese que apenas considera admissível a intervenção acessória da seguradora – cf., por exemplo, o ac. da RL de 03-12-2020, no proc. n.º 6918/18.7T8LRS.L1-8, disponível em www.dgsi.pt) a admissibilidade da intervenção principal provocada da seguradora em situações como a dos autos, sendo ilustrada, a título exemplificativo, pelo acórdão da Relação de Lisboa de 12-09-2024, proferido no proc. n.º 5658/21.4T8LRS-A.L1-2, referido pela Apelante (disponível para consulta em www.dgsi.pt), em cujo sumário se explica que: «I- O seguro de responsabilidade civil dos advogados é obrigatório, como se retira do artigo 104º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro. II- Nos termos do artigo 140º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, “o segurador pode intervir em qualquer processo judicial (…) em que se discuta a obrigação de indemnização cujo o risco ele tenha assumido (,,,)”.Consagra-se, aqui, a admissibilidade da “acção direta” (num dos sentidos do termo), no âmbito do contrato de seguro, podendo a acção ser intentada também exclusivamente contra a seguradora. III- Se o pedido de indemnização por perda de chance formulado na petição inicial o foi exclusivamente contra as Rés, alegadas ex-advogadas da Autora e não, também, contra qualquer seguradora das rés, uma vez formulada a título principal, por uma das co-rés, o pedido de intervenção principal da seguradora, ao abrigo do disposto no art.º 316/3/a do Código de Processo Civil para, no caso de procedência da acção ser condenada solidariamente com a referida seguradora, é manifesto e atendível o interesse da co-ré nesse chamamento e nesses moldes.»
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, é inevitável concluir que a Autora podia, ab initio, ter demandado diretamente a referida Seguradora, em litisconsórcio voluntário com a Sr.ª Advogada, 1.ª Ré / Segurada, podendo ainda, por iniciativa desta última, ser admitida a intervenção principal da Seguradora, como sua associada.
Aliás, a própria Autora estava convencida de que havia intentado a ação contra a Seguradora com a qual havia sido celebrado pela Ordem dos Advogados o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório (cf. o n.º de apólice indicado), sendo fora de dúvida que a sua opção foi demandar diretamente a Seguradora.
É também evidente que a 1.ª Ré, como Segurada, tem interesse atendível, do ponto de vista jurídico, em chamar a intervir a Seguradora, considerando o regime aplicável à obrigação em causa, em particular a circunstância de esta última, no caso de procedência da ação, ficar obrigada a pagar à Autora a quantia peticionada nos presentes autos, já que, por força dos referidos contratos de seguro, acaba por ser a Seguradora a principal devedora, competindo-lhe suportar o pagamento de toda a dívida pela qual a 1.ª Ré venha (eventualmente) a ser considerada responsável (solidariedade imprópria).
Portanto, tendo o incidente em apreço sido deduzido pela 1.ª Ré, há que reconhecer que a XL Insurance Company SE pode ser chamada a intervir como litisconsorte voluntária daquela, ora Apelante, a qual tem interesse atendível em chamá-la a intervir, como sua associada, ao abrigo do disposto no art. 316.º, n.º 3, al. a), do CPC.
Nesta conformidade, o recurso merece provimento, impondo-se revogar a decisão recorrida e, ao invés do aí decidido, deferir o incidente de intervenção principal, com custas a cargo da Autora, por ter dado causa ao mesmo (cf. artigos 527.º e 529.º do CPC e art. 7.º, n.º 4, e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais).
A Autora-Apelada é responsável pelo pagamento das custas processuais por ter dado causa ao incidente e ao recurso (tudo indicando que, só por lapso seu, não demandou inicialmente a Seguradora Interveniente) e, além disso, retirar (maior) proveito da respetiva procedência (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). Não será, todavia, condenada no pagamento das custas do recurso, uma vez que beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (conforme doc. junto com a PI) – cf. artigos 1.º e 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e artigos 20.º, 26.º e 29.º do RCP.
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e decide-se, em substituição, admitir a intervenção principal provocada da seguradora XL Insurance Company SE, Sucursal em Espanha, assim deferindo o incidente deduzido pela 1.ª Ré-Apelante, devendo o Tribunal recorrido efetuar as diligências processuais subsequentes.
As custas do incidente e do recurso são da responsabilidade da Autora-Apelada, que nada deverá pagar, atento o apoio judiciário de que beneficia.
D.N.
Lisboa, 26-06-2025
Laurinda Gemas
João Paulo Raposo
Higina Castelo