LIBERDADE CONDICIONAL
JUIZO DE PROGNOSE
Sumário

I. O regime do instituto da liberdade condicional tem previsão nos artigos 61º a 64º do Código Penal e decorre do artigo 61º do referido diploma que a mesma reveste duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.
II. A concessão facultativa da liberdade condicional está dependente da ponderação sobre a adequação de tal medida às necessidades preventivas do caso concreto, sejam necessidades de prevenção especial (artigo 61º nº2 al. a) do CPP) sejam necessidades de prevenção geral (artigo 61º nº2 al. b) do CPP), ponderação essa cujos contornos variam consoante o momento da execução da pena em que é apreciada: tendo lugar ao meio da pena poderá ser concedida quando for adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial e geral e tendo lugar cumpridos os dois terços da pena, deverá ser concedida quando for adequada às necessidades de prevenção especial, ainda que possa não ser em absoluto adequada às necessidades de prevenção geral.
III. A ausência de ressonância crítica é um claro exacerbador das exigências de prevenção especial, posto que sinal evidente que o comportamento ilícito já adotado anteriormente pode ser facilmente reiterado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1-RELATÓRIO:
No Juiz 5 do Tribunal de Execução de Penas, em 11 de maio de 2025 foi proferida decisão ao que nos interessa com o seguinte dispositivo:
III. DECISÃO
Em face do exposto, não concedo a liberdade condicional a AA.
(…)
*
Inconformado recorreu o referido condenado extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
1ºO recluso cumpre, à ordem do processo nº 679/03.1... do juiz 1 do juízo central criminal de ... – que, para além da própria, cumulou as penas aplicadas ao recluso nos processos nº 11/04.7..., nº 286/05.4..., e nº 147/05.7... – a pena de 12 anos de prisão pela prática (entre 2002 e 2006), de crimes de burla informatica, burla, burla qualificada, falsidade informatica, falsificação de documento, abuso de confiança, e furto.
Iniciou o cumprimento da pena em 18/12/2019, tendo já atingido o meio da pena em 13/04/2023, os dois terços da pena ocorreram em 13/04/2025, e atingirá os cinco sextos em 13/04/2027, sendo o termo da pena em 13/04/2029.
Em termos de flexibilização da pena, nunca beneficiou de uma saída jurisdicional, poruque a pratica generalizada em todos os Estabelecimentos Prisionais, e apenas serem apreciadas medidas de flexibilização da pena depois do meio da pena, como nunca foi ouvido para a liberdade condicional ao meio da pena, sendo esta a primeira vez que foi ouvido para a liberdade condicional já no marco dos dois terços da pena, não usufruiu nenhuma medida
de flexibilização.
4º No entanto, decidiu o Tribunal “a quo” não conceder a liberdade condicional ao recluso, ora recorrente, alicerçando a convicção do Tribunal, no processo 4390/18.0..., e no processo 457/18.3..., processo onde o recorrente é arguido, mas ainda aguarda o inicio dos julgamento, tendo sido solicitado ao processo 4390/18.0..., se o mesmo teria algo a referir relativamente a concessão da liberdade condicional do arguido, se queria a sua prisão preventiva, onde o mesmo vem referir que não tinha nada a opor a que fosse concedida a liberdade condicional, sendo este processo, foi o processo onde o recorrente esteve contumaz, sendo que, se a este processo não interessa a sua prisão preventiva, o Tribunal esta a dizer tacitamente, que as provas que tem no processo são bastante tenues e que possivelmente levaram a sua absolvição.
5º O sistema jurídico Português, rege-se pelo princípio da legalidade e pelo princípio da presunção da inocência, sendo que, se o arguido, mesmo estando acusado de um crime, não foi julgado pelo mesmo com uma decisão transitada em julgado, o mesmo é presumivelmente inocente, perante a lei.
No caso vertente, o recluso já atingiu os dois terços da pena em 13/04/2025, bem como prestou consentimento à concessão do regime de liberdade condicional.
7º Estão, assim, verificados os pressupostos formais da concessão do regime de liberdade condicional de acordo com o plasmado nos nºs 1 e 3 do artigo 61º do CP – já ocorreu o cumprimento pelo recorrente de dois terços da pena de prisão (período que foi superior a 6 meses) e o mesmo manifestou a sua concordância.
8º Acresce que constitui requisito substancial, ou material, da concessão da liberdade condicional cumpridos que estejam dois terços da pena, nos termos do nº3 e al. a) do nº2 do artigo 61º do CP, que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, da vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Para efeitos do disposto no artigo 61º, nº3 do CP, deve efectuar-se um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
10º A esta luz, o que releva é a capacidade de readaptação do mesmo, analisada por parâmetros objectivos e objectiváveis, de modo a poder concluir-se que as expectativas de reinserção são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição à liberdade do condenado.
11º E face a tais critérios e pressupostos, a decisão da qual se recorre fundamenta a recusa da concessão do, ora recorrente, do regime de liberdade condicional nos seguintes termos:”
… da ficha de avaliação após conclusão do programa “GPS” (referencia ...9...72, de .../.../2023 relatorio junto aos autos, elaborados pela reinserção social e pelos serviços prisionais, dos esclarecimentos prestados pelo conselho tecnico e das declarações do recluso.”
12º Verifica-se tambem que ao Tribunal, relativamente á materia de facto, vem chamar a colação um relatorio de avaliação final da conclusão do programa “GPS”, onde refere “Pelo exposto, afuigura-se-nos que apesar do recluso se ter disponibilizado para frequentar o programa, ainda são notorias algumas fragilidades que não foram ultrapassadas, sendo importante que o mesmo tenha abertura para as trabalhar com mais profundamente.” programa este segundo a indicação da referencia …9…72, foi iniciado em 11/11/2022 e finalizado em 29/09/2023, e fundamentada uma decisão sobre um relatorio que tem mais de dezanove meses, fazendo querer, que depois disso não existiu nenhuma evolução no pensamento e na posição do recorrente.
13º Se nos estamos a basear num relatorio com mais de 19 meses, como se fosse atual, só pode querer dizer uma coisa, os serviços de reinserção social falharam, onde está a reinserção do arguido, o relatorio não retratar a situação atual do recluso a data da audição para a liberdade condicional.
14º O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional, conselho técnico este que se reuniu, sem a educadora do recluso, por esta estar de férias, a educadora que foi ao conselho técnico não tem uma proximidade com o arguido, nem faz o seu acompanhamento, não deveria o mesmo ter sido feito com a educadora que acompanha o arguido?
15º Como é amplamente ensinado pela Doutrina e Jurisprudência, tal parecer não tem natureza vinculativa, constituindo um mero elemento de informação com vista a auxiliar a decisão judicial, como vai este relatório do conselho técnico auxiliar na decisão judicial, se consta uma educadora, que não é a que acompanha o arguido?
16º O relatório do conselho técnico, é um elemento que visa auxiliar a decisão judicial, o que consta desse relatório, qual a base desse parecer desfavorável?
17º Não consta do Citius, para poder ser questionado, respondido, e analisado, verificando a sua veracidade, onde está o contraditório relativamente a este parecer?
Apenas se sabe que é desfavorável, PORQUÊ?
18º É referido tambem que a decisão, se baseou nas declarações do arguido, quais declaração?
• No aceitar a liberdade condicional,
• Na indicação que quando sair quer ir trabalhar, em qualquer coisa que arranjar para ajudar a familia,
• Que quer acompanhar e ajudar a mulher, a cuidar da filha, que tem uma doença oncologica desde os quatro anos de idade, tendo a filha agora 17 anos, e que a deixou novamente sem mobilidade, necessitando de terceiros para todas as situações do dia a dia, desde alimentação á higiene pessoal, tendo a sua esposa deixado de trabalhar para cuidar da filha, estando de baixa de apoio a familia.
Foram estas declarações, porque o arguido, não fez outras da diligencia.
19º O recluso demonstra arrependimento e verbaliza-o, indica tambem a sentença que o recorrente possui antecedentes criminais pela pratica de ilicitos de natureza similar, mas, mostra arrependimento e vontade de refazer a sua vida, e o que demonstar que a prevenção especial do caso seja diminuta e não elevada, o recorrente no estabelecimento prisional, ao longo destes anos sempre se pautou por uma canduta exemplar, tendo apenas uma sanção disciplinar em 2025 (conforme consta do inquerito interno e do castigo que sofreu dessa infração), que foi quando a filha perdeu novamente a marcha e a esposa teve que meter baixa para apoio á familia, para cuidar da filha de ambos, e como qualquer pai, entrou em desespero e pediu um telemovel emprestado para fazer chamada para a familia, para falar com a mulhe e e filha, para mesmo longe tentar dar algum apoio, para alem dos cinco minutos de conversa permitidos nas chamadas, na altura dos factos.
20º Vem adoptando, desde que entrou no meio prisional, adoptou sempre um comportamento adequado, quer ao nível das regras institucionais, que ao nível da interacção social.
Apresenta um estado de equilíbrio e controlo pessoal, fruto das sua características e temperamento, o que lhe tem permitido gerir a actual situação de privação da liberdade e manter um comportamento adequado aos normativos sociais. No que concerne à manutenção de contactos com o exterior, o recorrente tem apoio consistente da mãe e da esposa, tentando acompanhar a evolução da doença da filha, o recluso evidencia competências profissionais e hábitos de trabalho. No futuro perspectiva vir a trabalhar para ajudar a familia e refezer a sua vida familiar, social e economicamente, o recluso apresenta como factores de protecção o apoio familiar por parte da companheira, da filha de ambos, da mãe, a perspectiva de colocação laboral a curto prazo e ainda as suas competências pessoais e profissionai.
21º O recorrente possui sentido crítico, reconhece o desvalor das suas condutas, bem como as circunstâncias que o levaram à prática dos referidos crimes – como refere a douta decisão – perante as mesmas circunstâncias terá o discernimento, advindo do tal sentido crítico e da própria evolução conseguida pela ressocialização, que lhe permitirá afastar essa possibilidade. Pois esta é a definição de sentido critico e reconhecimento do desvalor das suas condutas.
22º Acresce que, a concessão de liberdade condicional não implica o afastamento total do condenado com o sistema de reinserção social. Muito pelo contrário, este permanecerá em contacto com o instituto de reinserção social que monitorizará a sua evolução, bem como ficará igualmente sujeito a determinadas injunções obrigatórias sob pena de ver a sua liberdade condicional revogada.
23º O nº3 do artigo 61º do CP, faz depender a concessão da liberdade condicional única e exclusivamente da capacidade de readaptação do recluso, analisada por parâmetros objectivos e objectiváveis, de modo a poder concluir-se que as expectativas de reinserção são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição à liberdade do condenado.
24ºAssim, por tudo o atrás exposto, e ponderados todos os aspectos que estribam a decisão da qual se recorre, entende o recluso que o Tribunal “a quo” avaliou de forma excessivamente rigorosa o quadro global apurados, porque, todos os elementos objectivos e subjectivos para que fosse concedida a liberdade condicional ao recluso estão preenchidos.
25º Na determinação da concessão da liberdade condicional a um condenado deverá se ter em conta os objectivos traçados pela política criminal, isto porque, esta é transversal a todas as orientações em termos de aplicação da justiça, quer se trate de investigação, determinação da sanção a aplicar, cumprimento da pena e saída do condenado para a liberdade, a política criminal estabelece uma clara diferença entre pequena, média e alta criminalidade, e esta distinção deverá ser ponderada em todas as fases do procedimento criminal, nomeadamente no momento da apreciação da liberdade condicional a um condenado, até por uma questão de unidade de direito.
26º Ora, se o condenado cumpre pena por um crime que a própria politica criminal não confere uma alta gravidade, a apreciação do momento da sua libertação condicional deverá espelhar essa mesma política, sob pena de se sujeitar o condenado a um encarceramento destinado a crimes com uma maior gravidade.
27º No caso em concreto, sujeitar o recluso, ora recorrente ao limite máximo de cumprimento da pena (5/6 da pena), é impor ao mesmo um encarceramento desproporcionalmente longo face à gravidade dos crimes cometidos atendendo às orientações impostas pela política criminal, no caso em apreço e tendo em atenção a gravidade dos crimes cometidos, a não concessão da liberdade condicional, cumpridos que estão os 2/3 da pena, é uma decisão tomada ao arrepio das próprias orientações impostas pela política criminal, sujeitando o recluso a um encarceramento desproporcional aos crimes por ele praticados.
28º Devendo o mesmo, ser colocado em liberdade condicional, para assim, prosseguir com o seu processo de ressocialização.
Ao analisarmos a decisão recorrida verificamos que todos os elementos objectivos e subjectivos para que fosse concedida a liberdade condicional ao recluso estão preenchidos.
29.º Sendo essa libertação obrigatoriamente fiscalizada e supervisionada até à libertação definitiva.
30º Por todo o exposto, e por o recorrente considerar que existiu um acrescido subjectivismo na análise e interpretação do fixado acervo de factos, atento o conteúdo que transparece do citado artigo 61, nº2, al. a) do CP, que aqui impera, entende o recluso que no caso vertente, atingidos que foram, em 13/04/2025, os dois terços da pena em que foi condenado, será de correr o implícito risco da concessão da liberdade condicional, na medida em que a imagem global retida a partir dos factos apurados, permite amplamente suportar o estatuído juízo de prognose favorável.
31.º Devendo em consequência ser a decisão da qual se recorre revogado e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente nos termos da al. a) do nº2 do artigo 61º do CP.
Termina requerendo o provimento do seu recurso com a consequente revogação da decisão recorrida e concessão de liberdade condicional.
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Admitido o recurso no tribunal recorrido o Ministério Público apresentou a sua resposta extraindo da mesma as seguintes conclusões:
a)Numa medida graciosa como é a da concessão da liberdade condicional, que não se trata dum direito subjetivo do recluso, que apenas tem direito à apreciação da LC e não mais, será numa perspetiva de integração POSITIVA, em que os factos terão ser apreciados de forma a construir o juízo de prevenção especial integrativa que, manifestamente ainda não existe no caso em apreço.
b) Diremos que é ao recluso que cabe construir e percorrer o seu percurso prisional, afastando as razões de prevenção especial e da proteção de bens jurídicos que determinaram a aplicação da pena, partindo-se também da sua vida passada, onde constam naturalmente as diversas condenações que já ocorriam antes do infortúnio da doença da sua filha...
c)Na atualidade mantém-se a natureza da estrutura familiar com pouca contenção familiar numa situação de necessidade que potencia o risco criminal pois a menor ainda necessita de cuidados médicos.
d) O recluso viu a sua atividade laboral suspensa por motivos disciplinares;
e)A avaliação do programa onde resulta que se mantem notórias fragilidades não ultrapassadas, as quais importa trabalhar de forma mais aprofundada;
f) Razão pela qual não beneficiou, até à data, de medidas de flexibilização da pena, não formulando pedido para o efeito desde Março de 2024
g) E assim sem mérito o percurso prisional e o recluso encontra-se ainda em regime comum, e pela foi pela falta de mérito que não flexibilizou
h)Desta forma após audição judicial permitimo-nos concluir que o relatório do programa efetuado mantém atualidade, e retrata a situação atual do recluso à data da audição para a liberdade condicional
Assim no caso concreto, face à gravidade e reiteração dos fatos e do percurso prisional do recluso, ainda inconclusivo, o mencionado equilíbrio na prevenção especial não foi ainda atingido, pois face ao desvalor das condutas em termos de prevenção especial e face assim às necessidades de consolidação do percurso do recluso, bem andou a sentença recorrida.
Termina pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer em que acompanha os argumentos da resposta do Ministério Público do tribunal recorrido.
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Uma vez que o parecer não aduz novos argumentos não houve (nem tinha de haver) cumprimento do disposto no artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso cumprindo, assim, apreciar e decidir.
2-FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente condenado invoca nas suas conclusões a questão a decidir é se no caso se impunha a prolação de decisão que concedesse ao condenado a liberdade condicional.
2.2-APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara a decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
I-RELATÓRIO
Identificação do recluso: AA
Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.° n.° 1 e 173.° e ss., todos do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL) com referência ao marco dos dois terços da pena.
Foram elaborados relatórios pela reinserção social e pelos serviços prisionais (art. 173.° n.° 1 ais. a) e b) do CEPMPL).
O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.° do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional (art. 176.° do CEPMPL).
O ministério público emitiu parecer desfavorável (art. 177.° n.° 1 do CEPMPL).
II-FUNDAMENTAÇÃO
A) De facto
i) Factos mais relevantes:
1. Circunstâncias do caso: o recluso encontra-se em cumprimento da pena de 12 anos de prisão, aplicada no processo n.° 679/03.1... do juiz 1 do juízo central criminal de ..., que, além das próprias, cumulou as penas que haviam sido aplicadas ao condenado nos processos n.° 11/04.7..., n.° 286/05.4... e n.° 147/05.7..., pela prática, entre 2002 e 2006 de 1 crime de abuso de confiança, 1 crime de furto, 1 crime de burla informática, 1 crime de furto qualificado, 1 crime de burla, 9 crimes de burla qualificada, 4 crimes de falsificação de documentos e 1 crime de falsidade informática, consubstanciados, designadamente, em apoderar-se de dinheiro que lhe fora entregue para que depositasse no cofre da empresa para a qual trabalhava, em subtrair cartões bancários da mesma empresa e, acedendo aos respetivos códigos, ter procedido a levantamentos e transferências em seu favor, em simular a aquisição de viaturas e a realização de negócios e em proceder à clonagem de cartões, realizando operações bancárias com os mesmos.
2.Cumprimento da pena: início em 18/12/2019 (assinalando-se, ainda, 2 anos, 8 meses e 5 dias de desconto), meio em 13/04/2023, dois terços em 13/04/2025, cinco sextos em 13/04/2027 e termo em .../.../2029.
3.Vida anterior do recluso: tem 42 anos de idade; cresceu no seio de uma família normativa; os pais separaram-se quando o recluso tinha 9 anos de idade; concluiu o 12.° ano de escolaridade através de um curso de formação profissional de dupla certificação, na área da informática; refere ter frequentado o ensino universitário até ao 3.° ano do curso de informática e gestão, o que não foi possível confirmar; aos 21 anos de idade começou a trabalhar, o que fez durante dois anos, por conta própria, na comercialização de automóveis; seguidamente terá trabalhado durante seis meses como informático; após trabalhou com a sua progenitora no ramo da restauração e de distribuição e venda de jornais; encetou um relacionamento afetivo aproximadamente em ..., do qual nasceu uma filha, em ...; antes da reclusão vivia com a companheira e a filha; esta padece, desde os quatro anos de idade, de problema oncológico que sempre exigiu dedicação de cuidados à menor; o recluso esteve contumaz até 2019; tem antecedentes pela prática dos crimes de furto qualificado, emissão de cheque sem provisão e burla.
4.Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime - verbaliza arrependimento; denota ténue sentido crítico, atribuindo a prática criminal ora ao facto de na altura estar revoltado porquanto o seu pai “lhe roubara tudo” (perante o tribunal), ora ao custo elevado do tratamento da doença oncológica da filha (perante os serviços prisionais); tem dificuldades em reconhecer os danos causados pelas suas condutas; saúde - esteve internado em ...1.../2018, por doença respiratória; comportamento - averba uma sanção disciplinar, de 14 dias de permanência obrigatória no alojamento, por factos de 04/02/2025 (posse de telemóvel); atividade ocupacional/ensino/formação profissional - trabalhava como faxina da copa, mas recentemente foi suspenso da atividade laborai, por motivos disciplinares; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais - frequentou, entre 11/11/2022 e 09/09/2023, o programa “Gerar Percursos Sociais”, tendo a respetiva avaliação concluído que mantem notórias fragilidades não ultrapassadas, as quais importa trabalhar de forma mais aprofundada; medidas de flexibilização da pena - não beneficiou, até à data, de medidas de flexibilização da pena, não formulando pedido para o efeito desde março de 2024; encontra-se em regime comum.
5.Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/projetos futuros -recebe visitas semanais dos seus familiares mais próximos; em liberdade pretende voltar a viver com a companheira (coarguida no processo n.° 4390/18.0..., com julgamento agendado para junho do corrente ano) e a filha, à data com 17 anos de idade; a filha do casal continua a padecer de doença oncológica, com repercussões ao nível da marcha e manutenção de tratamentos de quimioterapia; a menor carece de cuidados diários e do apoio de terceiros, para o que atualmente a companheira do recluso está com baixa médica de assistência à família; em liberdade AA pretende procurar trabalho; a mãe do recluso encontra-se reformada por invalidez, fazendo trabalhos domésticos em casas particulares, auferindo cerca de €600 mensais; os pais da companheira do recluso contribuem monetariamente para o pagamento das despesas relativas à filha do casal.
6.O recluso tem pendente de julgamento - com audiência de julgamento agendada para 24/06/2025 - o processo n.°4390/18.0... do juiz 1 do juízo central criminal de ..., em que se mostra acusado pela prática, entre 2017 e 2019. de dois crimes de falsidade informática, um crime de burla informática e nas comunicações e um crime de branqueamento, tendo tal processo informado que, em caso de concessão de liberdade condicional a AA, não interessa a prisão preventiva do recluso à sua ordem.
7.No processo referido em 6. são coarguidas a companheira do recluso e a mãe deste.
8.O recluso tem pendente ainda o processo n.°457/18.3... da lª secção do DIAP de Coimbra, em que se mostra acusado pela prática, em 2017, de um crime de falsidade informática e a sua mãe pela prática de um crime de recetação.
ii) Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão cumulatória junta aos autos, do auto de primeiro interrogatório, efetuado em 18/12/2019, no processo n.°4390/18.0... (do qual resulta a anterior contumácia do recluso), da ficha biográfica atualizada do recluso (junta sob a referência...8...94, de .../.../2025), do certificado de registo criminal do recluso, da informação prestada pelo processo n.°4390/18.0... quanto à medida de coação relativa ao recluso (conforme referência...8...31, de .../.../2025), da decisão instrutória junta pelo mesmo processo (referência …8…81, de .../.../2024, da qual resulta o estatuto de coarguidos da companheira do recluso e da mãe deste), da acusação proferida no processo n.°457/18.3... (junta sob a referência ...8...94 de .../.../2025), da ficha de avaliação após conclusão do programa “GPS” (referência...9...72, de .../.../2023), dos relatórios juntos aos autos, elaborados pela reinserção social e pelos serviços prisionais, dos esclarecimentos prestados pelo conselho técnico e das declarações do recluso.
B) De direito
“A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).
Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. art. 61.° n.°3 do código penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expetativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa).
Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes.
Na avaliação da prevenção especial negativa o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena (art. 61.° n.° 2 al. a) do CP).
A quantidade de crimes pelos quais AA está em reclusão e o facto de possuir antecedentes criminais pela prática de ilícitos de natureza similar, apontam para que sejam elevadas as exigências de prevenção especial do caso em apreço.
E, pese embora o recluso já haja alcançado os 2/3 da pena, a matéria de facto acima elencada não permite concluir que tais exigências à data se mostrem suficientemente debeladas. Isto por várias razões.
Primeiramente, porquanto AA, embora verbalize arrependimento, revela fraco sentido autocrítico, ao adotar, quanto aos crimes por que cumpre pena, uma postura essencialmente desculpabilizante e de manipulação da verdade (efetivamente, o recluso atribui a sua conduta ora ao facto de na altura estar revoltado com o seu pai, ora ao custo elevado do tratamento da doença oncológica da filha, quando é certo que à data dos crimes praticados que foram entre 2002 e 2006 a sua filha sequer havia nascido), denotando, também, dificuldade em reconhecer os (avultados) danos causados pelas suas condutas.
Ora, em face desta atitude face aos crimes (a que manda atender o art. 173.° n.°1 al. a), parte final, do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade), não logra o tribunal formular o juízo de que, em meio livre, o condenado atuará em conformidade com o direito. Efetivamente, quem não logra reconhecer a sua responsabilidade e perceber a dimensão do mal cometido, dificilmente tem condições de não voltar a cometer mal idêntico no futuro, principalmente se circunstâncias exteriores facilitarem tal cometimento (como é o caso, considerando, por um lado, o cenário economicamente frágil com que à data se depara o agregado que o recluso quer integrar e o facto de a companheira com quem pretende residir se mostrar acusada de participar em factos de idêntica natureza). Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização cabal da responsabilidade, dificilmente será possível alterar comportamentos.
Em segundo lugar, AA denota um percurso prisional involutivo, com cometimento de infração disciplinar há meros meses, levando a que interrompesse também o exercício de atividade laborai, o que, tudo, não permite ao tribunal apostar no sentido de que, em meio menos contentor, AA lograria fazer jus à confiança que preside à concessão da liberdade condicional e cumprir as obrigações e proibições inerentes a uma tal liberdade.
Em terceiro lugar, AA, que antes da reclusão esteve contumaz, à data está acusado, juntamente com a companheira e a mãe, da prática de outros crimes (ainda que da mesma natureza), sendo incerto de que forma reagirá ao desfecho de tais processos, mormente se, à semelhança daquele por que ora cumpre pena, resultarem em novas condenações.
Em quarto lugar, AA ainda não beneficiou de quaisquer medidas de flexibilização da pena, sendo que estas dependem sempre de pedido do recluso para o efeito e AA não requer a concessão de saídas jurisdicionais desde há mais de um ano.
Em quinto lugar, não há como - na falta de testagem por meio do gozo de saídas jurisdicionais - avaliar a capacidade contentora do agregado que o recluso pretende reintegrar. Aliás, o facto de este agregado ser composto também por coarguida em processos de natureza criminal e a circunstância de o agregado atravessar uma fase economicamente frágil, antes apontam para um ambiente pouco contentor e para uma solicitação externa significativamente propiciadora da prática de novos ilícitos patrimoniais, receando-se que o recluso não resista à mesma, quando vista também a recente atitude imatura, irresponsável e pouco preocupada com as consequências, subjacente à infração disciplinar que praticou.
Em sexto lugar, a avaliação de AA após conclusão do programa “GPS” aponta, precisamente, no sentido da manutenção de fragilidades que importa trabalhar, designadamente através da frequência e conclusão de outro programa de incremento de competências existente no estabelecimento prisional.
Não é despiciendo, por último, o facto de os membros do conselho técnico - que acompanham o recluso de mais perto e com uma frequência necessariamente superior ao tribunal - terem sido unanimemente desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.
Por tudo o que foi dito, é mister concluir que razões de prevenção especial impõem que se não conceda ainda a liberdade condicional ao recluso, acompanhando- se também o parecer do ministério público nesse sentido.
III- DECISÃO
Em face do exposto, não concedo a liberdade condicional a AA.
A eventual concessão de liberdade condicional será reapreciada em renovação da instância, ou seja, em 11 de maio de 2026.
Para o efeito, deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o envio, no prazo de 30 (trinta) dias, dos relatórios previstos no art. 173.° do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do recluso.
Aqui chegados impõe-se proceder à concreta apreciação da pretensão do recorrente sendo que o mesmo se insurge relativamente à decisão recorrida por considerar que no caso se impunha a prolação de decisão que lhe concedesse a liberdade condicional.
Ora vejamos:
O regime do instituto da liberdade condicional tem previsão nos artigos 61º a 64º do Código Penal e decorre do artigo 61º do referido diploma que a mesma reveste duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.
Maia Gonçalves4 refere que “a facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.
A concessão facultativa da liberdade condicional está dependente da ponderação sobre a adequação de tal medida às necessidades preventivas do caso concreto, sejam necessidades de prevenção especial (artigo 61º nº2 al. a) do CPP) sejam necessidades de prevenção geral (artigo 61º nº2 al.b) do CPP), ponderação essa cujos contornos variam consoante o momento da execução da pena em que é apreciada: tendo lugar ao meio da pena poderá ser concedida quando for adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial e geral e tendo lugar cumpridos os dois terços da pena, deverá ser concedida quando for adequada às necessidades de prevenção especial, ainda, que possa não ser em absoluto adequada às necessidades de prevenção geral.
Visando-se com a liberdade condicional atingir uma adequada reintegração social, está, também, em causa a satisfação do preceituado no artigo 40º nº1 do Código Penal, onde se prevê que “a aplicação de penas (...) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” bem como o artigo 42º nº1 do mesmo diploma legal que estabelece que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes".
No caso em apreço, a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa numa situação em que o recorrente e condenado já atingiu os dois terços da pena (vide facto 2 dos factos relevantes).
Assim, o que se impõe apreciar e decidir é se a concessão da liberdade condicional requerida pelo recorrente é adequada à realização das necessidades de prevenção especial.
Trata-se, pois, de situação em que a liberdade condicional deve ser concedida apenas e só quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, não sendo prognosticável o risco de reiteração objetiva na prática de condutas criminalmente relevantes.
Como refere Figueiredo Dias5deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do con­denado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.
Tal como decorre do artigo 61º nº2 al. a) do Código Penal a liberdade condicional a que nos reportamos neste caso apenas poderá ocorrer se “For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
No que tange às circunstâncias do caso, a sua apreciação envolve a valoração concreta dos crimes cometidos e pelos quais operou afinal a condenação na pena (ou penas) de prisão em execução, o que deve fazer–se mediante a apreciação quer da natureza dos ditos crimes e das realidades normativas que deram azo a efetiva determinação concreta da pena – assim se atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao concreto modo de execução deste bem como a gravidade das suas consequências e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente ponderando, também, a intensidade do dolo ou da negligência considerada, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação sócio–económica, a conduta anterior ao facto e na posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e, ainda, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta foi censurada através da aplicação da pena.
No que se reporta à vida anterior e personalidade do condenado a apreciação pressupõe a valoração concreta do passado criminal do condenado, traduzido nos existentes antecedentes criminais, elemento este que se pode revelar com fortemente indiciador de uma personalidade desconforme ao direito e, como tal, não merecedora da liberdade condicional, tudo com o propósito de aferir e compreender se o percurso criminoso do condenado se gerou em circunstâncias que o mesmo não controlou, ou não controlou inteiramente (a chamada culpa pela condução de vida).
No que tange à evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão apela–se a uma valoração concreta, não só dos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que, desconsiderando aquele contexto de reclusão, indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre.
Neste caso importa salientar que:
Na fase de instrução foram elaborados pela equipa técnica de tratamento prisional e reinserção social relatórios versando os aspetos enunciados no artigo 173º, n.°1 alíneas a) e b) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Foram colhidos os ajustados esclarecimentos no Conselho Técnico, o qual emitiu por unanimidade parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional -artigo 175º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O recorrente condenado recluso prestou declarações e deu o seu consentimento expresso à aplicação da liberdade condicional - artigo 176º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional. A pena teve o seu início em 18/12/2019 (assinalando-se, ainda, 2 anos, 8 meses e 5 dias de desconto) o meio verificou-se em 13/04/2023, os dois terços em 13/04/2025, os cinco sextos ocorrerão 13/04/2027 e termo em 13/04/2029.
Assim, e no que se reporta aos pressupostos formais da concessão da liberdade condicional podemos concluir pelo seu preenchimento.
A questão reside, pois, no requisito substancial que o tribunal recorrido entendeu não estar verificado e de cujo entendimento o recorrente diverge.
Se atentarmos na decisão recorrida o que aí se refere é que:
«A quantidade de crimes pelos quais AA está em reclusão e o facto de possuir antecedentes criminais pela prática de ilícitos de natureza similar, apontam para que sejam elevadas as exigências de prevenção especial do caso em apreço.
E, pese embora o recluso já haja alcançado os 2/3 da pena, a matéria de facto acima elencada não permite concluir que tais exigências à data se mostrem suficientemente debeladas. Isto por várias razões.
Primeiramente, porquanto AA, embora verbalize arrependimento, revela fraco sentido autocrítico, ao adotar, quanto aos crimes por que cumpre pena, uma postura essencialmente desculpabilizante e de manipulação da verdade (efetivamente, o recluso atribui a sua conduta ora ao facto de na altura estar revoltado com o seu pai, ora ao custo elevado do tratamento da doença oncológica da filha, quando é certo que à data dos crimes praticados que foram entre 2002 e 2006 a sua filha sequer havia nascido), denotando, também, dificuldade em reconhecer os (avultados) danos causados pelas suas condutas.
Ora, em face desta atitude face aos crimes (a que manda atender o art. 173.° n.°1 al. a), parte final, do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade), não logra o tribunal formular o juízo de que, em meio livre, o condenado atuará em conformidade com o direito. Efetivamente, quem não logra reconhecer a sua responsabilidade e perceber a dimensão do mal cometido, dificilmente tem condições de não voltar a cometer mal idêntico no futuro, principalmente se circunstâncias exteriores facilitarem tal cometimento (como é o caso, considerando, por um lado, o cenário economicamente frágil com que à data se depara o agregado que o recluso quer integrar e o facto de a companheira com quem pretende residir se mostrar acusada de participar em factos de idêntica natureza). Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização cabal da responsabilidade, dificilmente será possível alterar comportamentos.
Em segundo lugar, AA denota um percurso prisional involutivo, com cometimento de infração disciplinar há meros meses, levando a que interrompesse também o exercício de atividade laborai, o que, tudo, não permite ao tribunal apostar no sentido de que, em meio menos contentor, AA lograria fazer jus à confiança que preside à concessão da liberdade condicional e cumprir as obrigações e proibições inerentes a uma tal liberdade.
Em terceiro lugar, AA, que antes da reclusão esteve contumaz, à data está acusado, juntamente com a companheira e a mãe, da prática de outros crimes (ainda que da mesma natureza), sendo incerto de que forma reagirá ao desfecho de tais processos, mormente se, à semelhança daquele por que ora cumpre pena, resultarem em novas condenações.
Em quarto lugar, AA ainda não beneficiou de quaisquer medidas de flexibilização da pena, sendo que estas dependem sempre de pedido do recluso para o efeito e AA não requer a concessão de saídas jurisdicionais desde há mais de um ano.
Em quinto lugar, não há como - na falta de testagem por meio do gozo de saídas jurisdicionais - avaliar a capacidade contentora do agregado que o recluso pretende reintegrar. Aliás, o facto de este agregado ser composto também por coarguida em processos de natureza criminal e a circunstância de o agregado atravessar uma fase economicamente frágil, antes apontam para um ambiente pouco contentor e para uma solicitação externa significativamente propiciadora da prática de novos ilícitos patrimoniais, receando-se que o recluso não resista à mesma, quando vista também a recente atitude imatura, irresponsável e pouco preocupada com as consequências, subjacente à infração disciplinar que praticou.
Em sexto lugar, a avaliação de AA após conclusão do programa “GPS” aponta, precisamente, no sentido da manutenção de fragilidades que importa trabalhar, designadamente através da frequência e conclusão de outro programa de incremento de competências existente no estabelecimento prisional.
Não é despiciendo, por último, o facto de os membros do conselho técnico - que acompanham o recluso de mais perto e com uma frequência necessariamente superior ao tribunal - terem sido unanimemente desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.
Por tudo o que foi dito, é mister concluir que razões de prevenção especial impõem que se não conceda ainda a liberdade condicional ao recluso.»
Ora, pese embora, a argumentação expendida pelo recorrente entende-se que a sua pretensão não pode proceder, em face da expressividade das razões aduzidas na decisão recorrida no que às exigências de prevenção especial respeita, sendo este o fator determinante para a concessão da liberdade condicional como já afirmámos.
Com efeito, avulta desde logo o fraco sentido crítico relativamente à prática dos factos que subjazem à condenação em pena de prisão efetiva que cumpre bem como às consequências desvaliosas que tal prática gerou para os lesados pelas mesmas, sendo a ausência de ressonância crítica um claro exacerbador das exigências de prevenção especial, posto que indício evidente que o comportamento ilícito já adotado anteriormente pode ser facilmente reiterado.
A tal ausência de ressonância crítica acresce um percurso prisional involutivo, a acusação em processo juntamente com a sua companheira e sua mãe, a ausência de requerimento para concessão de saídas jurisdicionais sendo que estas, como bem aponta a decisão recorrida, permitiriam revelar o comportamento do condenado e ora recorrente no exterior e no seio do seu agregado familiar, a situação económica frágil de tal agregado sendo que o recorrente cumpre pena por crimes que lesaram o património alheio estando ainda pendente outro processo que envolve como já afirmado a sua companheira.
Por outro lado, apesar de ter já frequentado um programa mantém a necessidade de frequentar e concluir outro programa de incremento de competências existente no estabelecimento prisional.
Os fatores de risco na vertente da prevenção especial foram adequadamente ponderados na decisão recorrida.
Com efeito, considera-se como o fez a decisão recorrida que no caso concreto os vetores a ponderar nos termos legalmente previstos exacerbam as exigências de prevenção especial, sem que se revelem de forma suficiente sinais seguros de uma evolução pessoal durante a execução da pena de prisão que se sobreponham àqueles vetores e que possam justificar a concessão de liberdade condicional.
Estamos inteiramente de acordo com o entendimento pugnado pelo tribunal recorrido no sentido de que o recorrente condenado carece de evolução e consolidação quanto ao seu processo de readaptação social, pelo que a decisão recorrida considerou fundadamente subsistirem exigências de prevenção especial que impedem a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura do condenado recorrente, o que impede a concessão da liberdade condicional.
Há que concluir, pois, que não se mostra preenchido o requisito substancial da concessão da liberdade condicional, ao nível da alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal.
A decisão recorrida decidiu com acerto e de acordo com os preceitos legais aplicáveis, não merecendo, por isso. qualquer censura impondo-se o não provimento do recurso.

3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA mantendo, consequentemente, na íntegra a decisão recorrida.
Custas da responsabilidade do arguido recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art. 513º do Código de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
*
Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
*
Tribunal da Relação de Lisboa, 27 de junho de 2025
Ana Rita Loja
Alfredo Costa
Francisco Henriques
_______________________________________________________
1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. – Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. Código Penal Português Anotado e Comentado”, 18ª ed., pág. 244
5. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539