RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
AUDIÊNCIA
IRREGULARIDADE
ASSINATURA DIGITAL
Sumário

Sumário: (da responsabilidade do Relator)
1. A reclamação para a conferência não é o meio processual adequado para impugnar um acórdão proferido em conferência. Este meio destina-se apenas a decisões sumárias do relator (artigos 419.º e 417.º do CPP) e não a acórdãos colegiais.
2. Por razões de economia processual, o tribunal converteu a reclamação em requerimento de arguição de nulidades, salvaguardando o direito ao contraditório.
3. A falta de apreciação do requerimento de audiência (Artigo 411.º, n.º 5, CPP) configura uma irregularidade processual, e não uma nulidade absoluta (artigo 119.º, alínea a), CPP).
4. A irregularidade deveria ter sido arguida tempestivamente no prazo previsto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP. A inércia dos recorrentes leva à sua sanação automática.
5. O requerimento para audiência não especificou adequadamente os pontos concretos da motivação a debater, incumprindo os requisitos do artigo 411.º, n.º 5, CPP.
6. Não ficou provado que a assinatura digital dos juízes tenha precedido a deliberação colegial, prevalecendo a presunção de regularidade dos actos judiciais.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
1.1. Por requerimento dos arguidos/recorrentes AA e BB, e por adesão a arguida BB, todos com os demais sinais dos autos, vieram apresentar reclamação para a conferência, com os seguintes fundamentos:
(i) Violação da obrigação de realização de audiência
Alegam que o tribunal não apreciou o requerimento formulado ao abrigo do artigo 411.º, n.º 5, do CPP, onde solicitaram a realização de audiência em sede de recurso e especificaram os pontos da motivação a debater (pontos 2 e 3 da motivação). Consideram que esta omissão viola o disposto nos artigos 421.º e seguintes do CPP.
Reclamam que o recurso foi decidido em conferência, desrespeitando o pedido de audiência, configurando violação do artigo 423.º do CPP e acarretando nulidade nos termos dos artigos 119.º, alínea a), e 122.º, n.º 1, CPP.
(ii) Vícios relativos à deliberação e assinatura do acórdão
Apontam que o acórdão foi assinado pelos desembargadores em horários que precederam a conferência de discussão e votação, conforme verificado pela plataforma CITIUS. Argumentam que esta sequência temporal demonstra que a deliberação não ocorreu de forma colegial, como exige o artigo 419.º, n.º 3, do CPP.
Asseguram que a acta da conferência, que registra discussões e deliberações, é contraditada pelas evidências da assinatura prévia do acórdão, configurando nulidade insanável que afecta todo o processado.
(iii) Falta de apreciação da impugnação da matéria de facto
Alegam que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a impugnação da matéria de facto, conforme consta da motivação do recurso. Os recorrentes cumpriram os requisitos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, CPP, indicando os pontos concretos de facto impugnados e as provas documentais e testemunhais que sustentariam decisão diversa.
Reclamam que, ao não renovar a prova e não proceder à reapreciação completa da matéria impugnada, o tribunal desconsiderou o artigo 412.º, n.º 6, CPP, e privou os recorrentes do exercício pleno do contraditório.
(iv) Alegações de inconstitucionalidade
Sustentam que a interpretação dada às normas dos artigos 419.º a 425.º e 429.º, n.º 2, CPP, permitindo o julgamento em conferência sem a prévia realização de audiência, viola os direitos fundamentais assegurados nos artigos 20.º, n.º 4, 29.º, 32.º e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
(v) Outras alegações de nulidade
Invocam o impedimento dos juízes desembargadores que participaram na conferência de 06.11.2024, por já terem intervindo no processo, requerendo nova distribuição ao abrigo do artigo 41.º, CPP.
1.2. Cumprido o princípio do contraditório o MP pronunciou-se do seguinte modo:
(i) Reconhecimento da irregularidade processual
Admite que o tribunal não se pronunciou sobre o requerimento de audiência formulado pelos recorrentes ao abrigo do artigo 411.º, n.º 5, do CPP. Essa omissão ocorreu tanto no despacho preliminar quanto nos actos subsequentes, incluindo o acórdão reclamado.
Embora considere que a ausência de decisão sobre o pedido de audiência constitui uma irregularidade processual, entende que esta não acarreta nulidade absoluta.
(ii) Irregularidade não implica nulidade do acórdão
Defende que a irregularidade não afecta directamente a validade do acórdão, visto que a omissão de despacho sobre o pedido de audiência é uma etapa prévia ao julgamento em conferência.
Argumenta que a irregularidade não se enquadra nos vícios de nulidade absoluta descritos no artigo 119.º do CPP, mas sim em uma irregularidade sanável, prevista no artigo 123.º do CPP.
Entende que a irregularidade seja reconhecida e declarada pelo tribunal, determinando-se a anulação do julgamento em conferência e do acórdão proferido, com o objectivo de reparar o vício processual identificado.
Pugna pela realização da audiência previamente requerida, nos termos do artigo 411.º, n.º 5, CPP, para garantir o pleno exercício dos direitos processuais dos recorrentes.
*
II - Questão prévia
O instituto da reclamação para a conferência encontra-se regulado no artigo 419.º, n.º 3, do CPP, que estabelece a possibilidade de interpor reclamação para a conferência de decisões sumárias proferidas pelo relator no âmbito do recurso. Esta disposição visa garantir um controlo colegial sobre decisões unipessoais, permitindo à parte interessada submeter a matéria decidida pelo relator ao plenário do tribunal de recurso.
O regime previsto no artigo 419.º, CPP, circunscreve a reclamação para a conferência às situações em que o relator, no exercício de competências previstas no artigo 417.º, CPP, profere decisão sumária que:
a. Rejeita o recurso (artigo 417.º, n.º 6, CPP);
b. Decide outras questões processuais de forma unipessoal.
A reclamação para a conferência é um mecanismo restrito às decisões unipessoais do relator, não sendo aplicável quando a decisão foi proferida em conferência ou sob a forma de acórdão. Efectivamente, a reclamação para a conferência não se destina a impugnar acórdãos, sendo um remédio exclusivo contra decisões sumárias do relator.
Enquanto a reclamação para a conferência é um meio de reacção contra decisões sumárias, a arguição de nulidades tem um âmbito mais amplo e pode ser suscitada em face de qualquer decisão, incluindo acórdãos, desde que fundada nos vícios previstos no artigo 379.º, CPP, ou em irregularidades processuais sanáveis, nos termos do artigo 123.º, CPP. A nulidade de um acórdão pode ser invocada em requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, sendo esta a via processual adequada para discutir questões formais ou substanciais que comprometam a validade do acto.
In casu, os reclamantes pretendem impugnar um acórdão do Tribunal da Relação por meio de uma reclamação para a conferência. Esta opção processual revela-se inadequada, pelos seguintes motivos:
A reclamação para a conferência está reservada às decisões sumárias do relator, não sendo admissível quando o acto reclamado é um acórdão proferido em conferência, como ocorre no caso em apreço.
A tentativa de impugnar um acórdão por meio de reclamação demonstra um erro na escolha do instrumento processual. A forma adequada para questionar um acórdão é a invocação das nulidades, com base nos artigos 379.º e 410.º, n.º 2, CPP, ou eventualmente recurso extraordinário, quando preenchidos os pressupostos legais.
Os vícios ou nulidades que os reclamantes alegam devem ser analisados sob a óptica dos mecanismos previstos no CPP para a impugnação de acórdãos. De acordo com o artigo 379.º, CPP, são nulidades de sentença (e, por extensão, de acórdãos):
a. A ausência de assinatura dos juízes que participaram no julgamento;
b. A falta de fundamentação da decisão;
c. A omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devia apreciar.
Adicionalmente, o artigo 410.º, n.º 2, CPP, permite que, em sede de recurso, sejam analisados:
a. Contradições insanáveis na fundamentação;
b. Insuficiências para a decisão de facto provada;
c. Erros notórios na apreciação da prova.
Assim, a invocação de nulidades do acórdão, dirigida ao próprio tribunal que proferiu a decisão, constitui o meio processual correcto para reagir às alegadas irregularidades.
O uso indevido da reclamação para a conferência em face de um acórdão pode levar à imediata inadmissibilidade da peça processual apresentada. Como resultado:
a. O tribunal não está obrigado a apreciar o mérito da reclamação, limitando-se a indeferir liminarmente o pedido;
b. A parte reclamante poderá ser prejudicada pela perda de prazo para recorrer ou arguir nulidades de forma adequada.
Embora o meio escolhido seja inadequado, existe o entendimento pela sua admissão, em situações excepcionais. Ou seja, que o tribunal de recurso converta a reclamação apresentada em requerimento de arguição de nulidades, de modo a salvaguardar o direito ao contraditório e a prevenir danos irreparáveis aos sujeitos processuais. Esta solução, contudo, depende de uma análise casuística e da possibilidade de enquadrar o objecto da reclamação no regime das nulidades.
É o caso!
Por conseguinte, este tribunal ad quem converte a reclamação para a conferência em requerimento de arguição de nulidades.
III- APRECIANDO
1. Da alegada nulidade insanável do acórdão sob censura
Os reclamantes sustentam que o acórdão incorreu em nulidade absoluta por omissão de apreciação do requerimento de realização de audiência nos termos do artigo 421.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), vinculando essa omissão à nulidade prevista no artigo 119.º, alínea a), do CPP.
A falta de apreciação do requerimento para realização de audiência, é considerada uma irregularidade, pelo que não se enquadra no conceito de nulidade absoluta previsto no artigo 119.º, alínea a), do CPP. Isso porque o preceito abrange apenas actos que constituam flagrante violação dos princípios estruturais do processo, como o direito ao contraditório ou ao juiz natural.
In casu, a irregularidade configurada seria a ausência de despacho específico quanto ao requerimento, situação que deve ser enquadrada no regime das irregularidades processuais previsto no artigo 123.º do CPP. Em conformidade com esse artigo, as irregularidades devem ser arguidas no prazo de reclamação do acto ou decisão, sob pena de sanação.
Ainda que se admitisse a existência da irregularidade, os reclamantes não a arguiram tempestivamente no momento oportuno. O processo revela que:
O acórdão proferido está datado de 6.11.2024, e os ofícios para notificação do acórdão foram enviados em 7.11.2024, presumindo-se que se encontram notificados após o decurso de 3 dias úteis.
O requerimento deu entrada em juízo em 26.11.2024.
A omissão da decisão sobre o requerimento de audiência poderia ter sido arguida logo após a notificação do acórdão, sendo aplicável o prazo de reclamação previsto no artigo 123.º, n.º 1, CPP.
A omissão dos sujeitos processuais interessados em invocar a irregularidade no prazo legal implica a sua sanação automática, tornando-a inócua para questionar a validade do acórdão.
Mais:
A inércia dos interessados em arguir irregularidades dentro do prazo legal conduz à sua sanação, não podendo o vício ser reavivado em sede de recurso.
A falta de apreciação do requerimento para audiência não prejudicou os direitos de defesa dos reclamantes. Este tribunal ad quem decidiu as questões colocadas no recurso, baseando-se integralmente na matéria probatória constante dos autos.
Por outro, há que dizer: a audiência no recurso penal não constitui uma garantia absoluta, devendo ser ponderada com outros princípios estruturantes do processo, como a celeridade e a economia processual.
Assim, mesmo admitindo a existência de uma irregularidade pela ausência de decisão sobre o requerimento de audiência, esta estaria sanada, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, CPP. Além disso, a ausência de prejuízo material impede que o vício comprometa a validade do acórdão.
Mas, importa, ainda, nos debruçarmos sobre esta mesma questão de outro prisma:
Como é sabido, o artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal (CPP) prevê que o recorrente pode requerer a realização de audiência em sede de recurso, especificando os pontos concretos da motivação que pretende debater. Este preceito, introduzido pela Lei n.º 48/2007, visa assegurar que a audiência seja excepção e não regra, cabendo ao requerente a obrigação de delimitar com rigor os elementos em discussão.
A exigência de especificação pelo recorrente é um pressuposto essencial para a realização da audiência. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.02.2017, Relatora Adelina Barradas de Oliveira, sublinha que o mero pedido genérico de audiência, remetendo para toda a motivação recursória, não é suficiente. Este entendimento impede que o artigo 411.º, n.º 5, CPP, se torne "letra morta", desvirtuando o propósito da norma​.
Admite-se que a falta de apreciação formal do requerimento de audiência constitui uma irregularidade processual, como reconhecido no mesmo acórdão. Contudo, tal irregularidade não afecta a validade do acto praticado, uma vez que o tribunal de recurso não está vinculado a deferir a audiência quando os requisitos legais não forem cumpridos.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.05.2023, Relatora Maria Margarida Almeida, clarifica que a ausência de especificação dos pontos concretos a debater inviabiliza a realização da audiência. Assim, mesmo que tivesse havido despacho explícito sobre o requerimento dos recorrentes, o resultado seria o indeferimento do pedido, dado que a exigência de delimitação dos pontos da motivação não foi atendida​, limitando-se a remeter em bloco para os pontos 2 e 3, que praticamente correspondem à quase totalidade da substância do recurso.
Dito de outro modo, a falta de decisão sobre o requerimento de audiência, quando associada a um pedido genérico e mal formulado, não compromete a validade do processo​.
Como referido, a ausência de despacho específico quanto ao requerimento de audiência não gerou qualquer prejuízo material para os recorrentes. O tribunal apreciou integralmente as questões colocadas em sede recursória. O objectivo fundamental da norma – permitir a discussão específica de pontos relevantes – foi, na prática, atingido, pois a decisão recursória abordou os elementos essenciais para a resolução do caso.
Termos em que improcede esta questão.
2. Assinatura prévia ao debate colegial
A alegação de que o acórdão foi assinado antes da conferência deliberativa carece de fundamento. A assinatura digital dos juízes em horários anteriores à conferência pode ser explicada pelo registro prévio de documentos ou actas e não implica, por si só, a inexistência de deliberação colegial.
A acta da conferência descreve detalhadamente os procedimentos realizados, confirmando a deliberação colegial (artigo 97.º, CPP). Alegações de vícios neste procedimento carecem de demonstração inequívoca, sob pena de violação do princípio da presunção de regularidade dos actos judiciais.
Acresce dizer:
O CSM reconheceu como prática tolerada a assinatura electrónica prévia dos projectos de acórdão por razões de ordem técnica, nomeadamente, limitações logísticas e de infra-estrutura tecnológica das salas de conferência. A assinatura prévia visa agilizar o processo, sendo reversível e condicionada à efectiva discussão e deliberação colegial na conferência.
A presunção de regularidade dos actos processuais (princípio basilar do processo penal) não foi ilidida, não existindo prova robusta de que a conferência tenha sido uma mera formalidade ou que as decisões tenham sido impostas de antemão. Os próprios reclamantes não apresentaram elementos que contrariem a afirmação documental de que houve sessão de conferência, discussão e deliberação, conforme a Acta da conferência assinada pela Exma. Juíza Presidente.
Termos em que também improcede esta questão.
3. Erro de julgamento e omissão de análise da matéria de facto
Os reclamantes imputam omissão ao acórdão na análise dos pontos impugnados. Este argumento também se revela improcedente, pelo seguinte:
O acórdão sob censura teve em consideração e apreciou todos os elementos necessários para a prolação da decisão mais conforme ao direito.
Vejamos toda esta questão em detalhe!
A correcta e exaustiva análise crítica da prova constitui um dos pilares fundamentais do processo penal, assegurando a realização da justiça material, o respeito pelos direitos fundamentais das partes e a credibilidade das decisões jurisdicionais. No ordenamento jurídico português, o dever de fundamentação das decisões judiciais encontra expressão clara no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo complementado por normas processuais específicas, nomeadamente o artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP).
Os arguidos/reclamantes AA e BB quanto à alegada omissão de pronúncia por parte deste Tribunal ad quem na apreciação de todos os elementos probatórios relevantes no âmbito da decisão que recaiu sobre o recurso por si interposto, no processo n.º 282/18.1T9BRR.L1 sustentam que o Acórdão sob censura não teria considerado determinado acervo documental que, segundo alegam, se manteve na 1.ª instância e não acompanhou o processo remetido à Relação, o que, na sua perspectiva, comprometeria a validade da decisão, por violação do dever de análise crítica da prova e dos princípios do contraditório e da motivação das decisões.
Há que considerar:
O Acórdão reclamado apreciou os elementos de prova constantes dos autos e disponíveis à data da decisão;
O tribunal ad quem não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os elementos que os sujeitos processuais entendam subjectivamente relevantes, mas sim sobre aqueles que, de forma objectiva, constam dos autos e se revelam determinantes para a boa decisão.
Contrariamente ao sustentado pelos reclamantes, não se verifica que o Tribunal da Relação tenha omitido, de forma injustificada, a apreciação de elementos essenciais constantes dos autos.
É certo que os reclamantes alegam que determinado acervo documental permaneceu na 1.ª instância e não acompanhou o processo remetido à Relação. Contudo, como se demonstrará em bloco próprio, tal circunstância:
Não resulta de acto imputável ao tribunal ad quem;
Não inviabilizou a análise dos elementos probatórios constantes dos autos à data da decisão;
Não ilide a presunção de que o tribunal apreciou os elementos disponíveis de forma crítica e fundamentada.
Ademais, o Acórdão reclamado revela que o tribunal ponderou os meios de prova relevantes, justificou a valoração atribuída e expôs as razões da sua convicção, em conformidade com as exigências legais.
O Tribunal da Relação exerceu a sua liberdade de apreciação da prova, prevista no artigo 127.º do CPP, de forma fundamentada, racional e conforme aos juízos de experiência comum.
Não há indícios de arbitrariedade, preconceito ou violação dos princípios estruturantes do processo penal.
Em suma, o exame da fundamentação do Acórdão reclamado demonstra:
i. A existência de uma análise crítica e ponderada dos elementos probatórios constantes dos autos;
ii. A inexistência de omissão relevante de prova;
iii. A conformidade da decisão com os parâmetros legais aplicáveis.
Os reclamantes sustentam que:
i. Parte do acervo documental relevante para a impugnação da matéria de facto não acompanhou o processo para o Tribunal da Relação;
ii. O tribunal não se apercebeu dessa omissão;
iii. Tal circunstância inviabilizou uma apreciação exaustiva e correcta da prova, ferindo de nulidade insanável o Acórdão recorrido.
Em primeiro lugar, cumpre salientar que:
A remessa dos autos da 1.ª instância para o tribunal superior compete aos serviços de secretaria, sendo estes responsáveis por garantir que todo o processado, incluindo os elementos documentais relevantes, acompanha o recurso.
Eventuais lapsos administrativos na instrução dos autos de recurso configuram, na melhor das hipóteses, uma irregularidade processual, nos termos do artigo 123.º do CPP, carecendo de arguição tempestiva pelas partes.
No caso concreto:
i. Os reclamantes apenas levantaram esta questão após a prolação do Acórdão, não a tendo suscitado em momento processual oportuno;
ii. Mesmo admitindo a existência de uma falha administrativa, não se provou que tal tenha impedido o tribunal de apreciar os elementos de prova constantes dos autos à data da decisão;
iii. A decisão da Relação revela que foram apreciados os depoimentos, documentos e demais elementos relevantes para a formação da convicção do tribunal.
Mas mais!
Os reclamantes invocam que o Tribunal da Relação:
i. Não teria procedido a uma análise crítica e completa de toda a prova produzida;
ii. Teria valorado apenas os elementos probatórios que suportam a condenação;
iii. Teria ignorado ou desvalorizado os elementos favoráveis aos arguidos.
Ora, in casu:
i. O Acórdão desta Relação apresenta uma fundamentação suficiente, coerente e conforme aos padrões legais;
ii. Foram ponderados os elementos de prova relevantes.
Assim, não há omissão, insuficiência ou arbitrariedade na análise da prova, mas sim uma aplicação legítima do quadro legal vigente.
Por fim, os reclamantes pretendem sustentar que:
i. A alegada omissão do acervo documental e a insuficiência da análise da prova consubstanciam uma nulidade insanável;
ii. Tal nulidade afectaria todo o processado, desde a distribuição do recurso até à prolação do Acórdão;
iii. Seria imperiosa a anulação do Acórdão.
Nos termos do artigo 119.º do CPP, apenas configuram nulidades insanáveis as situações que afectem gravemente os princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente:
i. A falta de juiz ou tribunal legal;
ii. A preterição de actos essenciais ao exercício do contraditório;
iii. A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
iv. A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
v. A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º;
vi. O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.
No caso vertente:
i. O tribunal competente julgou o recurso;
ii. Foi assegurado o contraditório em todas as fases do processo;
iii. O Acórdão encontra-se devidamente fundamentado;
iv. Inexistem qualquer violação às regras da competência do Tribunal.
Eventuais lapsos administrativos na instrução dos autos ou divergências quanto à apreciação da prova configurariam, no máximo, irregularidades processuais ou vícios passíveis de ser sindicados em sede de recurso, e não nulidades insanáveis.
Assim, as alegações dos reclamantes carecem de fundamento jurídico e factual, não se verificando nulidade insanável, irregularidade relevante ou qualquer vício que comprometa a validade do Acórdão recorrido.
4. Inconstitucionalidade das normas interpretadas no acórdão
Os reclamantes alegam que a interpretação das normas que permitiram o julgamento em conferência sem prévia audiência viola os artigos 20.º, 32.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
As normas do CPP que regulam o julgamento em conferência foram aprovadas pelo legislador dentro dos limites constitucionais. A sua aplicação não ofende o direito ao contraditório nem o direito ao recurso, uma vez que garantem a reapreciação das questões suscitadas no recurso.
Inexiste, pois, qualquer fundamento para a declaração de inconstitucionalidade das normas aplicadas no acórdão.
5. Do alegado impedimento dos Juízes Desembargadores
Os reclamantes invocam o impedimento dos juízes desembargadores que participaram na conferência de 06.11.2024, argumentando que já formaram opinião sobre o mérito do recurso.
O artigo 40.º, CPP, regula as causas de impedimento e suspeição de magistrados. Participar em deliberações anteriores não configura, por si só, impedimento, salvo se houver indícios objectivos de parcialidade, o que não foi demonstrado pelos reclamantes.
Não há fundamento para a declaração de impedimento dos juízes desembargadores, sendo improcedente o pedido de nova distribuição do processo.
Pelo exposto, julga-se a improcedência integral da reclamação apresentada pelos arguidos, mantendo-se na íntegra o acórdão de 06.11.2024 e confirmando-se a validade do acórdão proferido.
*
III.
Termos em que, e sem mais considerações, acordam em conferência os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a reclamação.
Custas pelos recorrentes/reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs., para cada um.
Notifique.

(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).
Escrita de acordo com a anterior grafia
Lisboa, 27 de junho de 2025
Alfredo Costa
Ana Rita Loja
Mário Pedro M.A. Seixas Meireles