REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO DE REGISTO CRIMINAL
Sumário

Sumário: (da responsabilidade do Relator)
I. Para efeito de consideração do teor do registo criminal (antecedentes criminais) o prazo previsto no art. 11.º da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio (Lei do Registo Criminal) apenas deve ser contado a partir da extinção de cada pena. Sendo ainda relevante esse decurso temporal se não tiver durante o mesmo sobrevindo alguma condenação de qualquer natureza.
II. Analisados os antecedentes criminais do arguido, não se verifica o decurso de qualquer período de 5 anos após a extinção de cada pena, sem que o arguido tenha cometido algum crime.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
No âmbito dos autos de processo abreviado n.º 212/24.1PMFUN do Juízo Local Criminal do Funchal, Juiz 1, após o julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu:
“a) - Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, e na al. c) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efectiva a cumprir no Estabelecimento Prisional;
b) - na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses (…)”.
Na sequência da sua condenação o arguido AA interpôs recurso, onde formulou as seguintes conclusões:
“1. Pelos factos constantes da acusação, foi o recorrente condenado pela prática em autoria material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 152.º, n.º 1 e 3 e 157.º do Código da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e acessoriamente com a proibição de conduzir veículos com motor previsto na al c) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal pelo período de 5 (cinco) meses.
2. Entende o recorrente que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, imponha-se decisão diversa, revelando-se a medida da pena aplicada desequilibradamente doseada, e pouco acertada a decisão quanto à forma da sua execução.
3. Conforme resulta da fundamentação de direito da douta sentença, o tribunal teve em linha de conta quer para a medida da pena, quer para a decisão de optar pela sua não suspensão ou execução em regime de permanência na habitação, uma vez que:
a) O recorrente averba no seu CRC extensas condenações quer por crimes contra o património, furtos simples, furtos qualificados, por tentativas de violação e condução sem habilitação legal;
b) Estava em liberdade condicional à data da prática dos factos;
c) Não é possível fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.
4. Sendo verdade que o recorrente conta no seu CRC com várias condenações, o tribunal não poderia as ter valorado.
5. Pois a última condenação data do ano de 2017, sendo que as demais dizem respeito aos cúmulos jurídicos, e tratando-se todas as condenações em penas inferiores a 5 anos de prisão efectiva, pelo menos, a partir de 2022, as condenações em causa não poderiam ter sido consideradas nem valoradas.
6. Conforme decorre da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, que regula o modelo, organização e funcionamento da identificação criminal, dispõe o n.º 1 e 3 do artigo 11º que:
Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.° 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penai, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
7. Deste retábulo resulta que verificado o decurso de certo tempo, sem interferência de outras condenações, as decisões inscritas cessam a sua vigência, tal significando que deixam de poder ser consideradas contra o recorrente, independentemente de se ter ou não procedido à realização material do cancelamento.
8. Assim, decorridos os prazos ali previstos, contados nos termos expressamente referidos, o recorrente tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais, ainda que permaneçam (indevidamente) visíveis (acessíveis) no registo criminal, deverão considerar-se inexistentes, na medida em que deles se não poderá retirar nenhum efeito.
9. Ora, tendo em conta estes princípios e regras e confrontando os registos transcritos no Acórdão mostra-se que os antecedentes criminais registados do recorrente caducaram efetivamente, não podendo valorar-se.
10. Assim sendo, a fundamentação relativa à medida da pena com base no passado criminal do recorrente não poderia ser considerada e valorada daquela forma, por haver um impedimento legal que o não permitia.
11. Verificada esta mácula na decisão em sindicância, a consequência a retirar é tão só de que o tribunal a ao ter tomado apreciado um documento a que estava vedado legalmente inquinou numa nulidade, nos termos previstos na al. c) do n.º 1, do art.º 379.º do Código de Processo Penal.
12. Ainda que assim não se entendesse, mantém o recorrente o entendimento de que, ainda assim, não analisou o tribunal adequadamente as pretéritas condenações, posto que, analisadas as mesmas, verifica-se que os últimos factos de índole criminosa i.e., a data dos factos pelos quais o recorrente veio a ser condenado, datam, a mais recente, do ano de 2014, reportando-se a esmagadora maioria dos factos a data anterior a 2010.
13. O que significa dizer que o recorrente esteve, durante quase 10 anos, sem praticar qualquer ilícito criminal, sendo que o decurso de tempo sem que se registasse a prática de qualquer conduta criminal, consubstanciava um aspecto fundamental a ter em devida linha de conta no momento da ponderação da aplicação da medida da pena, da sua eventual suspensão e modo de execução.
14. Debruçando-nos em particular sobre o crime de condução sem habilitação legal, apenas verificam-se duas condenações pela prática deste crime, sendo que a mais recente diz respeito a factos praticados no ano de 2012.
15. O que imporia, necessariamente, a uma decisão distinta quanto à medida da pena e quanto à sua suspensão.
16. E por essa mesma razão, entende ainda que mesmo que não merecesse provimento a tese sufragada, haveria o tribunal de ter concluído pela execução da pena em regime de obrigação de permanência na habitação.
17. Inexiste quer na fundamentação da decisão, quer nos factos dados como provados, qualquer tipo de referência às condições pessoais e sociais do recorrente, pelo que terá necessariamente de concluir-se que o tribunal delas não se inteirou.
18. Não ignora o recorrente que a não solicitação da elaboração de relatório social não determina a nulidade da sentença, até porque o que decorre do n.º 1 do art. 370º consubstancia uma mera faculdade do tribunal, e não uma obrigação, sendo apenas um de vários meios de prova do qual pode lançar mão, para se inteirar das suas condições pessoais e sociais.
19. No entanto, ante a inexistência total de qualquer referência ou consideração sobre as condições pessoais e económicas do recorrente, imponha-se o recurso a esta faculdade.
20. A ausência na matéria de facto provada das condições pessoais e sociais do arguido, por não elaboração do respetivo relatório social, quando este se revele indispensável para assegurar a boa decisão da causa, constitui fundamento do vício de insuficiência para a decisão daquela factualidade, conforme previsto no art. 410º, nº2, alínea a), do Código de Processo Penal.
21. A celeridade processual a que tanto se apela não se coaduna nem permite que se prescinda do apuramento das condições de vida do futuro condenado para determinar qual a sanção e medida da mesma que se mostram mais adequadas à realização das finalidades das penas no caso concreto.
22. No caso dos autos, a factualidade relativa à personalidade e condições pessoais do arguido constantes da sentença, em confronto com a respetiva motivação, é manifestamente insuficiente para possibilitar uma ponderação dos elementos a que o n.º 2 do art. 71º do Código Penal manda atender para a determinação da medida da pena.
Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, verificada a nulidade arguida, com as legais consequências ou, se assim não se entender, a sentença proferida revogada, e substituída por outra que suspenda a pena de prisão aplicada ou, ainda que assim não se entenda, que determina a sua execução em regime de obrigação de permanência na habitação”.
Em 1.ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. O arguido interpôs recurso da sentença condenatória, entendendo que o Tribunal valorou antecedentes criminais que não devia nem podia ter valorados, por, no seu entendimento tais condenações já não deverem constar do CRC por já se mostrar ultrapassado o prazo previsto no art.º 11º, n.º 1 al. a) da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio.
2. Labora em erro no recorrente, pois tal normativo refere que o prazo de 5 anos só corre a partir do momento em que a pena é declara extinta, e do CRC não resulta que tal prazo tivesse sido ultrapassado em qualquer das condenações.
3. Considerando os critérios para a determinação da medida concreta da pena considerados na sentença, a pena é adequada e proporcional ao fim que visa atingir.
4. Apesar de estar preenchido o requisito formal para a suspensão da pena, o Tribunal a quo, entendeu e bem, que não era possível fazer o juízo de prognose necessário para a aplicação deste instituto, por que o arguido averba diversos antecedentes criminais, alguns por criminalidade rodoviária e os factos aqui em apareço foram cometidos durante a liberdade condicional do condenado.
5. De igual modo, o Tribunal, e bem, o Tribunal entendeu que a pena de prisão não devia ser cumprida no regime de permanência na habitação, uma vez que esta forma de cumprimento não satisfaz as elevadas exigências de prevenção que o caso reclama”.
Nesta Relação o Ministério Público limitou-se a manter a posição assumida em 1.ª instância.
Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos remetidos à conferência - cfr. art 419.º n.º 3, c), do Código de Processo Penal.
*
II. Fundamentação.
A Decisão Recorrida.
Na sentença recorrida o tribunal considerou os seguintes factos provados:
1.- No dia 08.11.2024, às 11h50, o arguido conduziu, na via pública, no ..., o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula BB.
2.- O arguido foi advertido e sabia que a recusa ao cumprimento da ordem para realizar o exame de rastreio de detecção de substâncias psicotrópicas na saliva ou outro susceptível de diagnosticar o seu estado de influência por substâncias psicotrópicas, o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
3.- Não obstante, com a intenção de não cumprir a ordem que lhe foi transmitida pela autoridade competente, o arguido recusou-se a efectuar o referido exame de rastreio através do teste Drager DrugCheck ou qualquer outro teste susceptível de diagnosticar o seu estado de influência por substâncias psicotrópicas.
4.- O arguido agiu, sempre, de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5.-Do certificado do registo criminal do arguido consta:
a)- No processo comum coletivo 686/05.0... do ... Mista - 1ª secção, por sentença de ........2006, transitada em julgado 03.03.2011, relativa a factos ocorridos em ........2005, foi condenado pela prática de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada e de um crime de furto qualificado, na pena de 26 meses de prisão, suspensa por 3 anos, extinta em ........2014.
b)- No processo sumário 124/13.4... do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, ... - JLCriminal - Juiz 3, por sentença de ........2013, transitada em julgado 03.12.2014, relativa a factos ocorridos em ........2013, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 5 anos de prisão efetiva.
c)- No processo comum singular 630/05.4... do ... - Tribunal Judicial - 2º Juízo Criminal, por sentença de ........2006, transitada em julgado 15.03.2010, relativa a factos ocorridos em ........2005, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 1 mês de prisão suspensa por 3 anos, extinta em ........2013.
d)- No processo comum singular 377/06.4... do ... - Tribunal Judicial - 2º Juízo Criminal, por sentença de ........2006, transitada em julgado 17.11.2010, relativa a factos ocorridos em ........2005, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão suspensa por 4 anos com regime de prova.
e)- No processo comum singular 611/05.8... do ... - Tribunal Judicial - 1º Juízo Criminal, por sentença de ........2007, transitada em julgado 04.04.2011, relativa a factos ocorridos em ........2005, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 26 meses de prisão suspensa por 2 anos, extinta em ........2013.
f)- No processo comum coletivo 168/05.0... do ... Mista - 1ª secção, por sentença de ........2007, transitada em julgado 03.03.2011, relativa a factos ocorridos em ........2005, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 5 meses de prisão substituída por 140 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, extinta em ........2012.
g)- No processo comum singular 575/11.9... do ... - Tribunal Judicial - 3º Juízo Criminal, por sentença de ........2011, transitada em julgado 10.10.2011, relativa a factos ocorridos em ........2011, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 18 meses de prisão suspensa por 18 meses, extinta em ........2013.
h)- No processo abreviado 176/11.1... do ... - Tribunal Judicial - 1º Juízo Criminal, por sentença de ........2011, transitada em julgado 16.03.2012, relativa a factos ocorridos em ........2011, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, extinta em ........2013.
i)- No processo comum singular 117/06.8... do ... - Tribunal Judicial - 2º Juízo Criminal, por sentença de ........2012, transitada em julgado 16.04.2012, relativa a factos ocorridos em ........2006, foi condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão suspensa por 2 anos e 10 meses com regime de prova.
j)- No processo comum singular 33/06.3... do ... - Tribunal Judicial - 3º Juízo Criminal, por sentença de ........2011, transitada em julgado 13.06.2011, relativa a factos ocorridos em ........2006, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano, extinta em ........2013.
k)- No processo comum singular 558/12.1... do ... - Tribunal Judicial - 1º Juízo Criminal, por sentença de ........2013, transitada em julgado 04.12.2013, relativa a factos ocorridos em ........2012, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão efetiva, extinta em ........2014.
l)- No processo comum coletivo 1908/14.1... do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, ... - JCCriminal - Juiz 3, por sentença de ........2016, transitada em julgado 05.02.2016, relativa a factos ocorridos em ........2014, foi condenado pela prática de um crime de furto simples, na pena de 7 meses de prisão efetiva.
m)- No processo comum coletivo 554/14.4... do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, ... - JCCriminal - Juiz 1, por sentença de ........2016, transitada em julgado 19.04.2016, relativa a factos ocorridos em ........2014, foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado, na pena de 2 anos de prisão efetiva.
n)- No processo comum coletivo 2369/14.0... do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, ... - JCCriminal - Juiz 3, por sentença de ........2016, transitada em julgado 08.07.2016, relativa a factos ocorridos em ........2014, foi condenado pela prática de um crime de violação na forma tentada, na pena de 3 anos de prisão efetiva.
o)- No processo comum coletivo 2369/14.0... do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, ... - JCCriminal - Juiz 3, por sentença de ........2016, transitada em julgado 08.07.2016, relativa a factos ocorridos em ........2014, foi condenado pela prática de um crime de violação na forma tentada, na pena de 3 anos de prisão efetiva.
6. – O arguido é ..., aufere 850 euros mensais, vive com o irmão, tem uma filha de 5 anos, que vive com a mãe dela, e paga uma pensão de alimentos no valor de 150 euros.
7. - Tem carta de condução desde há 6 meses e não foi interveniente em acidente de viação”.
Objecto do recurso.
Conforme dispõe o art. 412.º nº1 do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respetiva motivação, nas quais o mesmo sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente se verifiquem.
De acordo com o disposto no art. 412.º, n.º2, do Código de Processo Penal, versando matéria de direito, como é o caso do recurso interposto pelo arguido nestes autos, “as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada”.
Atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente e as especificações legalmente exigidas, é forçoso concluir que o recurso visa a apreciação das seguintes questões:
a. Da violação do disposto no art. 11.º, n.º1 e n.º3 da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, por terem sido considerados (para a escolha da pena e da sua medida concreta) antecedentes criminais do arguido cujo registo já devia estar cancelado (vício que é reconduzido ao disposto no art. 379.º, n.º1, c), do Código de Processo Penal).
b. Em qualquer caso, da análise indevida das pretéritas condenações, atenta a antiguidade da maioria delas, para o efeito da escolha e da medida concreta da pena, nomeadamente para a ponderação da sua suspensão ou da execução da pena em regime de obrigação de permanência na habitação.
c. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme previsto no art. 410º, nº2, alínea a), do Código de Processo Penal e para efeito da aplicação do art. 71.º, n.º2, do Código Penal, face à inexistência total de qualquer referência ou consideração sobre as condições pessoais e económicas do recorrente e atenta a não realização de relatório social do arguido nos termos previstos no art. 370.º do Código de Processo Penal.
Apesar da enunciação destes três pontos, nas suas conclusões o arguido manifestamente não cumpre o ónus processual em relação à questão definida na anterior alínea b).
Assim, apesar de se enunciada uma discordância com a sentença recorrida sobre a medida concreta da pena e sobre a espécie da pena escolhida pelo tribunal a quo, não indica o recorrente nas suas conclusões que normas pretende terem sido violadas ou qual o sentido erróneo da sua aplicação neste caso concreto.
Sem tal indicação expressa não é compreensível, para além de um genérico protesto e desagrado com a decisão recorrida, qual o erro jurídico que é apresentado para a apreciação deste tribunal de recurso.
Não sendo a função deste Tribunal da Relação a de repetir o julgamento feito em primeira instância, mas o de corrigir erros de julgamento devidamente delimitados, era essencial que o recorrente especificasse nas conclusões (que delimitam efectivamente o seu recurso), o concreto erro jurídico verificado; que norma penal foi indevidamente aplicada; qual o sentido da sua aplicação pelo tribunal recorrido; e qual era o sentido em que a norma ou as normas deviam ter sido aplicadas.
Por isso, de acordo com o já transcrito art. 412.º, n.º2, do Código de Processo Penal, não tendo sido cumprido tal ónus em relação ao enunciado na alínea b) – especificamente quanto à escolha da espécie e da medida concreta da pena aplicada ao arguido – tal não será objecto de apreciação neste Acórdão.
a. Da violação do disposto no art. 11.º, n.º1 e n.º3 da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, por terem sido considerados (para a escolha da pena e da sua medida concreta) antecedentes criminais do arguido cujo registo já devia estar cancelado (vício que é reconduzido ao disposto no art. 379.º, n.º1, c), do Código de Processo Penal).
Pretende o arguido que, na sentença recorrida, foram considerados os seus antecedentes criminais por consideração a um registo criminal que já devia estar cancelado, nos termos do disposto no art. 11.º da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio, pelo que as mesmas não podiam ter sido valoradas.
Para este efeito indica o arguido, a título de exemplo, datas de condenações relativamente às quais, individualmente consideradas, já tinha decorrido o prazo de 5 anos aquando do proferimento da sentença recorrida.
Contudo, como bem destaca o Ministério Público, tal disposição legal, que até está transcrita no próprio recurso, indica muito claramente que esse prazo apenas deve ser contado a partir da extinção de cada pena. Sendo ainda relevante esse decurso temporal se não tiver durante o mesmo sobrevindo alguma condenação de qualquer natureza.
Ora, analisados os antecedentes criminais do arguido, não se verifica o decurso de qualquer período de 5 anos após a extinção de cada pena, sem que o arguido tenha cometido algum crime; estando ainda em liberdade condicional na altura em que a sentença recorrida foi proferida.
Pelo que não se verificou a indevida valoração dos antecedentes criminais que constam do seu registo criminal, designadamente para os efeitos indicados pelo recorrente.
Sendo o recurso improcedente quanto a esta questão (ainda que nunca estivesse em causa uma nulidade da sentença prevista no art. 379.º, n.º1, c), do Código de Processo Penal, na medida em que o tribunal recorrido pronunciou-se sobre uma questão – os antecedentes criminais do arguido – essencial à decisão da causa).
c) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme previsto no art. 410º, nº2, alínea a), do Código de Processo Penal e para efeito da aplicação do art. 71.º, n.º2, do Código Penal, face à inexistência total de qualquer referência ou consideração sobre as condições pessoais e económicas do recorrente e atenta a não realização de relatório social do arguido nos termos previstos no art. 370.º do Código de Processo Penal.
Dispõe o art. 410.º, n.º2, a), do Código de Processo Penal, a possibilidade de o recurso ter como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Nessa perspectiva o arguido sustente a inexistência total de factos na sentença recorrida sobre as suas condições pessoais e económicas.
Ora, consta de tal sentença (facto provado 6) que:
- O arguido é ...;
- Aufere 850 euros mensais:
- Vive com o irmão;
- Tem uma filha de 5 anos, que vive com a mãe dela;
- Paga uma pensão de alimentos no valor de 150 euros.
Não é perceptível se o carácter sintético destes elementos – próprio de uma decisão em processo abreviado - surpreendeu o arguido, levando-o a concluir pela inexistência total dos mesmos.
Mas a sentença indica que eles resultaram das declarações do arguido quanto ao que considerou relevante referir relativamente às suas condições pessoais e económicas (não existindo factos não provados).
Também por isso, na ausência de algum elemento de destaque ou extraordinário que o recorrente quisesse identificar, não é compreensível qual é a concreta insuficiência que ele pretende ver verificada no âmbito da definição das suas condições pessoais e económicas com vista à aplicação do disposto no art. 71.º, n.º2, do Código Penal.
Por isso, a possível elaboração de um relatório social, previsto no art. 370.º do Código de Processo Penal, não pode ser vista (e nem sequer é apresentada pelo arguido) como em elemento relevante, em concreto (em função das circunstâncias concretas), para a decisão proferida.
Conclui-se que a sentença impugnada não sofre de insuficiência da matéria de facto, nomeadamente em relação aos elementos a considerar de acordo com o disposto no art. 71.º, n.º2, do Código Penal (circunstâncias da prática criminosa, antecedentes criminais do arguido, condições pessoais e económicas do mesmo).
Pelo que nada há a censurar na decisão recorrida.
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Decisão
Face ao exposto acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
Declarar não provido o recurso apresentado pelo arguido AA, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 Uc (art. 514.º do Código de Processo Penal).
Notifique também o parecer do Ministério Público.

Lisboa, 27 de Junho de 2025,
(elaborado pelo 1.º signatário e revisto)
João Bártolo
Ana Rita Loja
Alfredo Costa