ARRESTO (LEI N.º 5/2002)
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO AO ARRESTO
INVALIDADE DA DECISÃO
Sumário


I. Embora as regras que presidem à apreciação do pedido de arresto formulado no processo penal e à sua oposição sejam as regras do processo civil, isso não significa estas se apliquem a todos os trâmites processuais e, designadamente, àqueles que não tenham especificidade própria do procedimento cautelar, os quais são regulados pelo processo penal. É o caso das regras aplicáveis ao recurso e à invocação nessa sede de nulidades, que são as consagradas no processo penal, que nesse âmbito tem um regime completo e sem lacunas.
II. O artigo 228.º nº 3 do Código de Processo Penal qualifica expressamente o ato decisório que decreta o arresto preventivo como um despacho, o que inevitavelmente leva a concluir que a mesma natureza tem a decisão que conhece a respetiva oposição.
III. À decisão que conhece a oposição ao arresto não é aplicável o regime das nulidades da sentença nem o dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, nº 2 do Código de Processo Penal.
IV. O arresto preventivo previsto no artigo 10.º, por referência aos artigos 7.º e 1.º, al. i), todos da Lei nº 5/2001, de 11 de janeiro, pode ser decretado “independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal” (n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002), ou seja, não depende da verificação do periculum in mora, nem do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente.
V. O que se exige é a existência de fortes indícios da prática de crime do catálogo (artigo 10.º, nº 3, parte final, da Lei nº 5/2001, de 11 de janeiro).
VI. Não cabendo, no seu âmbito, qualquer discussão sobre a origem lícita ou ilícita dos bens arrestados, que podem ser quaisquer bens que estejam na titularidade do arguido, ainda que tenham origem comprovadamente lícita e ainda que não possam integrar o conceito de património relevante para efeitos de cálculo do património incongruente, designadamente pelo critério temporal.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção Penal)

I. RELATÓRIO

No processo de arresto preventivo n.º 183/15.5IDBRG-L, do Juízo Central Criminal de Viana do Castelo - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, por despacho de 16 de dezembro de 2024, foi julgada improcedente a oposição ao arresto deduzida pelo requerido AA, com os demais sinais dos autos.

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Inconformado, o requerido AA interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

1. “Salvo o devido respeito, não pode o Recorrente concordar com o teor da decisão em causa, porquanto efetuou um errado julgamento sobre a matéria de facto, bem como se afasta do melhor enquadramento jurídico.
I. Da nulidade da sentença por existência de contradições entre os fundamentos e a decisão
2. A douta sentença recorrida deu como provados vários factos que sustentam as seguintes conclusões: a) algumas das transferências/depósitos realizados nas contas bancárias do Recorrente referiam-se a pagamentos/adiantamentos de despesas suportadas pelo Recorrente, em nome e por conta dos clientes, com registos de propriedade, ou outras despesas relacionadas com a atividade, assim como devoluções de emolumentos – cfr. facto n.º 29, 33, 34, 35, 38 da matéria dada como provada; b) registaram-se várias transferências a crédito na conta do Recorrente – as de valores mais significativos – decorrentes de valores que o Recorrente recebia antecipadamente para efeitos de compra de automóveis a particulares, assim como decorrentes da venda de automóveis de que este era proprietário – cfr. facto n.º 12, 16, da matéria dada como provada; e c) uma parte substancial dos movimentos a crédito registados nas contas bancárias do Recorrente refere-se a transferências/depósitos que lhe eram feitos, a pedido de familiares, amigos e conhecidos, para realização de apostas na plataforma ..., o que este fazia, de mero favor àqueles, assim como reembolsos de prémios da própria plataforma e de outras – cfr. facto n.º 24, 37, 39, 42 e 43 da matéria dada como provada.
3. Quanto aos reembolsos de despesas de pagamento de IRN, no total de € 845,10 (oitocentos e quarenta e cinco euros e dez cêntimos), não se concebe que o tribunal a quo os tenha considerado na matéria dada como provada (factos 29, 33, 34, 35, 38 da matéria dada como provada), e, mais à frente, os tenha excluído para efeitos de redução do valor do património incongruente, uma vez que estas verbas tratam-se, como os próprios factos indicam, de devoluções do IRN, pelo que nada de ilegal ou ilícito decorre dos mesmos.
4. Ainda que se conjeturasse, como o tribunal a quo fez, que uma vez que o Recorrente não cobrava pelos ditos registos, o valor recebido pelo Recorrente a esse título constituía um rendimento ilícito, sempre se teria de considerar que ilícito era o valor do acréscimo dos registos e não o valor do próprio emolumento, que constitui uma taxa que é cobrada pelo Estado, pelo que deveria ter sido deduzido ao valor do património incongruente o valor de € 845,10 (oitocentos e quarenta e cinco euros e dez cêntimos).
5. O tribunal a quo deu ainda como provados factos que permitem aferir que a proveniência das entradas em dinheiro nas contas bancárias do Recorrente proveio da venda de automóveis de favor, por exemplo, nos pontos n.º 12 e 16.
6. Na motivação da douta sentença consta que a inclusão do aludido facto 12) na matéria dada como provada teve por base o depoimento de BB, conjugado com a análise do extrato bancário de fls 38 e ss (documento n.º 3).
7. Ora, volvida a douta sentença recorrida, não resulta de mais lado algum qualquer juízo crítico ou de censura quanto à transação aqui mencionada, mas também não resulta, a final, o desconto do valor de € 50.000,00 recebido em 16.01.2017, do cálculo do valor do património incongruente do Recorrente.
8. Analisado o documento n.º 3 da oposição, concretamente os movimentos financeiros a crédito de 16.01.2017 e de débito de 18.01.2017, é evidente que não há qualquer vantagem patrimonial uma vez que o montante que titula a transação não ficou na esfera jurídica do Recorrente.
9. Ainda que o tribunal quisesse considerar como ilegítimo o montante da diferença entre o valor do crédito e o valor do débito (€ 50.000,00 - € 49.000,00 = € 1.000,00), o que não se concede, nem concebe, mas se coloca por hipótese meramente académica, o valor a considerar para efeitos de património incongruente era de € 1.000,00 e nunca de € 50.000,00, pelo que, na douta sentença recorrida deveria ter sido deduzido ao valor do património incongruente o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), ou pelo menos de € 49.000,00.
10. Situação similar sucede relativamente ao facto n.º 16 dado como provado de onde resulta que “Em 27.07.2017, o oponente recebeu uma transferência bancária de € 11.000,00, correspondente ao pagamento da venda do veículo ..., com a matrícula BJ-..-...”, pelo que, confirmados os contornos em que foi realizada a transação e não tendo sido avançada na sentença recorrida  qualquer justificação para considerar que a mesma resultava de atividade criminosa do arguido, devia o tribunal a quo ser deduzido o valor de € 11.000,00 ao valor do património incongruente.
11. O mesmo se diga, ainda, relativamente aos factos n.º 24, 39, 42 e 43 da matéria dada como provada, de onde resulta a existência de uma parte substancial dos movimentos a crédito registados nas contas bancárias do Recorrente resultantes de transferências/depósitos que lhe eram feitos, a pedido de familiares, amigos e conhecidos, para realização de apostas na plataforma ..., o que este fazia, de mero favor àqueles, assim como reembolsos de prémios da própria plataforma e de outras – cfr. facto n.º 24, 37, 39, 42 e 43 da matéria dada como provada.
12. Dos factos dados como provados sob os pontos n.ºs 24, 42 e 43, podem retirar-se as seguintes constatações: o Recorrente recebeu valores de terceiros para realizar apostas de jogo na plataforma “...”; o próprio Recorrente fazia apostas de jogo na plataforma “...”; os valores para a realização dessas apostas eram depositados em dinheiro na conta bancária do Recorrente; em razão das referidas apostas, registaram-se entradas a crédito na conta bancária do Recorrente, provenientes da plataforma, no decurso do ano de 2020, no valor de € € 75.500,00; do confronto dos documentos n.º 3 e 12 juntos com a oposição, é possível verificar, quer o valor total das apostas realizadas (a débito), quer o valor do reembolso dos prémios de jogo; em razão da matéria dada como provada e de acordo com a normalidade do acontecer, analisados os extratos bancários e cadência dos depósitos em dinheiro/transferências realizadas na/para a conta do Recorrente antes da realização das apostas, facilmente se compreende que os valores em causa se destinaram à realização das ditas apostas.
13. Resulta do ponto 43. da matéria dada como provada que o oponente recebeu valores da plataforma ..., que totalizam o montante global de € 75.500,00 (setenta e cinco mil e quinhentos euros), mas na motivação da douta sentença recorrida, o tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia no sentido de considerar as proveniências destes montantes ilícitas, pelo que nada fazia antever na douta sentença recorrida que o tribunal, a final, não viesse a excluir do cálculo do património incongruente aquele montante
14. Estes valores referentes aos ganhos que o Recorrente recebeu da plataforma  ... são lícitos e não tinham de ser declarados fiscalmente pelo mesmo, uma vez que esta está licenciada em Portugal pelo SRIJ (Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos), o que implica que, ao abrigo do Imposto Especial de Jogo Online (IEJO), este incida sobre as entidades que exploram jogos e já não sobre o jogador, pelo que sempre se impunha ao tribunal a quo excluir do cálculo do património incongruente, o valor de € 75.500,00.
15. Situação similar sucede com os valores apurados nos factos provados sob o ponto 37 e 39, que se tratam, conforme indicam os correspondentes descritivos “...”, constantes do documento n.º 12, do recebimento de prémios de apostas na conta do Recorrente do Banco 1..., S.A., no valor total de € 1.675,00 provenientes da Santa Casa da Misericórdia ..., entidade também licenciada em Portugal para a realização de apostas online e não sujeitos a obrigação declarativa em sede de IRS, pelo que igualmente se impunha, por serem lícitos, que viessem a ser descontados do cálculo do património incongruente. 
16. Com efeito, e uma vez que para tal elenco dos factos provados n.º 12, 16, 24, 29, 33, 34, 35, 37, 38, 39, 42 e 43, baseou-se o Tribunal a quo no conjunto da prova documental e prova testemunhal produzida e bem assim, no depoimento do Recorrente, prova essa que não permite que subsistam quaisquer dúvidas quanto à licitude da proveniência dos rendimentos a que se reporta, não se compreende como, em sentido absolutamente inverso à aludida factualidade relacionada como provada, o Tribunal a quo, sem avançar com qualquer fundamentação, desconsiderou totalmente a licitude de tais rendimentos ao não excluí-los do cálculo do património incongruente.
17. Face a esta flagrante contradição entre a matéria provada e a conclusão da decisão ora em mérito, verifica-se que a mesmo padece de vício de nulidade por manifesta ambiguidade ou obscuridade, provocada por uma inerente oposição com os seus próprios fundamentos, que a torna, assim, ininteligível, nos termos e para os efeitos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

II. Da errada decisão sobre a matéria de facto

a) Sobre as transferências a crédito e débito do IRN (Instituto de Registos e Notariado) provenientes do pagamento dos emolumentos com registos e do aditamento de factos à matéria dada como provada
18. O tribunal a quo julgou como não provados um conjunto de factos referentes à alegação do Recorrente de que este despendia diversas quantias a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis, quantias essas que lhe eram pagas em dinheiro e depositadas nas suas duas contas bancárias, designadamente, na Banco 2... e no Banco 1..., S.A.
19. Todos os factos destinados a provar a existência desses movimentos a débito junto do IRN e a correspondência dos respetivos depósitos com os valores destinados a “cobrir” as despesas foram julgados, erradamente – uma vez que se impunha ao tribunal a quo corrigir eventuais erros de cálculo ou julgar parcialmente provado o facto – como não provados, designadamente, sob os pontos y), z), bb), ff), hh), jj), ss), tt), vv), xx) e zz).
20. Deste modo, da análise dos documentos n.º 3 e 12, do depoimento da testemunha CC e ainda do depoimento do Recorrente, conjugadas ainda as regras da experiência, impunha-se, em face da prova produzida e ao abrigo do princípio da aquisição processual que o tribunal a quo tivesse considerado provados, pelo menos, os valores despendidos com registos junto do IRN e identificáveis nos extratos das contas bancárias do Recorrente e que considerasse, em face dos depoimentos e do conjunto de todos os depósitos realizados nas duas contas bancárias, que parte dos mesmos, pelo menos de montante correspondente aos custos efetivos dos emolumentos do IRN, se destinavam a custear o valor dos emolumentos, passando depois a deduzir esse montante do cálculo do património incongruente.
21. Deste modo, e num primeiro momento, em face do exposto na conclusão supra, impunha-se que o tribunal aditasse na matéria dada como provada o seguinte facto alegado no art.º 78.º da oposição: Algumas das transferências/depósitos realizados, referem-se a pagamentos/adiantamentos de despesas suportadas pelo Oponente, em nome e por conta dos clientes, com registos de propriedade, ou outras despesas relacionadas com a atividade.
22. Aliás, a motivação da  douta sentença recorrida reconhece a existência destes pagamentos ao IRN – Instituto Nacional dos Registos e Notariado e o próprio IRN, oficiado para prestar informações, identificou que as referências bancárias n.º ...12, ...96 e  ...18, identificadas a crédito e débito nas duas contas bancárias tituladas pelo Recorrente, correspondem a referências associadas a serviços daquele instituto – cfr. informação prestada pelo Instituto dos Registos e do Notariado, junta aos autos em 11.03.2024, sob a ref.ª ...67, designadamente, o doc. n.º 1 junto com aquela informação.
23. O GRA-Gabinete de Recuperação Ativos, realizou previamente ao arresto de bens uma pesquisa do histórico de bens do Recorrente (e familiares), conforme de resto, resulta da matéria dada como provada e da aludida pesquisa não resultou que o Recorrente tivesse na sua titularidade, na qualidade de proprietário, automóveis, ou que tivesse realizado transações que justificassem um movimento tão elevado de registos no IRN.
24. E é assim, como o próprio tribunal concluiu na motivação da sentença, a respeito dos factos provados n.º 12 e 16, porque o Recorrente tinha uma avença com um escritório de advogados e intermediava a realização dos registos automóveis, procedendo, ele próprio, ao pagamento dos emolumentos respondentes, mediante a respetiva referência, e recebia, depois, o valor em numerário, que depositava na sua conta bancária.
25. Deste modo, e concedendo já por cautela de patrocínio a conclusão vertida pelo tribunal a quo de que o eventual lucro que o Recorrente recebia devia ser declarado fiscalmente, a verdade é que, o valor do emolumento que o Recorrente pagava e que lhe era reembolsado, em si mesmo, não constitui uma qualquer vantagem ilícita ou incongruente.
26. Os pagamentos ao IRN estão espelhados nas contas bancárias do Recorrente, cujos extratos dos anos de 2017 a 2021 foram juntos sob os docs. n.º 3 (Conta Banco 2...) e n.º 12 com a oposição (Conta Banco 1..., S.A) e o valor para pagamento dessas verbas teve, inelutavelmente, de vir de algum lado, pelo que facilmente se acolhe que tais verbas tenham advindo por via de depósitos realizados ao longo do tempo.
27. A testemunha DD, trabalhador da sociedade Arguida EMP01..., no seu depoimento prestado em 24/10/2024, com a duração total de 00:07:19, no trecho de 00:03:56 a 00:05:08, confirmou que o Recorrente recebia valores em numerário dos clientes para depois instruir os pedidos de registo automóvel junto de um escritório de advogados e procedia ele próprio ao pagamento dos emolumentos devidos e o Recorrente, AA, nas declarações que prestou em 24/10/2024, com a duração total de  01:18:22, nos trechos de 00:14:09 a 00:18:26 e de 00:31:16 a 00:33:29, explicou que preparava a documentação para os registos automóveis para os seus clientes e outros que lhe pedissem, e remetia para um escritório de advogados para proceder ao registo, procedendo, depois, diretamente ao pagamento das referências que eram geradas, recebendo o valor dos emolumentos do registo em numerário, que depois depositava na sua conta bancária.
28. De acordo com supra exposto, o tribunal a quo sempre teria de ter excluído do cálculo do património incongruente, precisamente, o valor contabilizado a débito nas contas bancárias do Recorrente destinadas ao pagamento dos serviços identificados sob as referências pagamentos do IRN (no caso da conta bancária da Banco 2..., cujos extratos foram juntos sob o doc. n.º 3),  ou sob a designação “Pagamento de Impostos”, no caso da conta do Banco 1... (identificado sob o doc. n.º 12), os quais, quando não identifiquem a  referência do IRN, se compreende destinarem-se a tal, por serem similares aos identificados no documento n.º 3, por exemplo, € 55,30, € 46,80 ou € 82,90.
29. Da análise dos extratos da conta da Banco 2..., com o n.º ...03 (doc. n.º 3 junto com a oposição), contabilizam-se montantes a débito referentes a pagamentos ao IRN, no ano de 2017, no valor € 3.237,70 (três mil, duzentos e trinta e sete  euros e setenta cêntimos), no ano de 2018, no valor de € 2.490,70 (dois mil, quatrocentos e noventa  euros e setenta cêntimos); no ano de 2019, no valor de € 5.038,80 (cinco mil e trinta e oito euros e oitenta cêntimos), no ano de 2020, no valor de € 3.856,40 (três mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos) e no ano de 2021, no valor de € 4.961,90 (quatro mil, novecentos e sessenta e um euros e noventa cêntimos), tudo no valor total de € 19.585,50 (dezanove mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) e registam-se, ainda, nos anos de 2017 a 2021, diversos depósitos que permitiriam cobrir esse valor de emolumentos.
30. Da análise dos extratos da conta da Conta Banco 1..., com o n.º ...62 (doc. n.º 12 junto com a oposição), contabilizam-se montantes a débito referentes a pagamentos ao IRN, no ano de 2017, no valor € 5.543,10 (cinco mil, quinhentos e quarenta e três  euros e dez cêntimos), no ano de 2018, no valor de € 7.220,70 (sete mil, duzentos e vinte  euros e setenta cêntimos); no ano de 2019, no valor de € 9.730,80 (nove mil setecentos e trinta euros e oitenta cêntimos), no ano de 2020, no valor de € 10 086,50 (dez mil e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos) e no ano de 2021, no valor de € 10.102,20 (dez mil cento e dois euros e vinte cêntimos), tudo no valor total de € 42.683,30 (quarenta e dois mil, seiscentos e oitenta e três euros e trinta cêntimos) e registam-se, ainda, nos anos de 2017 a 2021, diversos depósitos que permitiriam cobrir esse valor de emolumentos.
31. Nos anos de 2017 a 2021, o Recorrente despendeu com emolumentos do IRN um valor total de € 19.585,50 (dezanove mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), debitados da conta Banco 2..., com o n.º ...03 (doc. n.º 3 junto com a oposição) e € 42.683,30 (quarenta e dois mil, seiscentos e oitenta e três euros e trinta cêntimos), na Conta Banco 1..., com o n.º ...62 (doc. n.º 12 junto com a oposição).
32. Assim, da análise dos documentos n.º 3 e 12, do depoimento da testemunha CC e do Recorrente, conjugadas ainda as regras da experiência, nos termos expostos nas conclusões vertidas supra, impõe-se o aditamento pelo tribunal ad quem dos seguintes factos na matéria dada como provada:
a) Na conta bancária da Banco 2..., com o n.º ...03, titulada pelo Arguido, contabilizam-se montantes a débito referentes a pagamentos ao IRN, no ano de 2017, no valor € 3.237,70 (três mil, duzentos e trinta e sete  euros e setenta cêntimos), no ano de 2018, no valor de € 2.490,70 (dois mil, quatrocentos e noventa  euros e setenta cêntimos); no ano de 2019, no valor de € 5.038,80 (cinco mil e trinta e oito euros e oitenta cêntimos), no ano de 2020, no valor de € 3.856,40 (três mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos) e no ano de 2021, no valor de € 4.961,90 (quatro mil, novecentos e sessenta e um euros e noventa cêntimos), tudo no valor total de € 19.585,50 (dezanove mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), registando-se, em cada um desses anos, movimentos financeiros a crédito, a título de depósitos, que permitem cobrir esse valor de emolumentos.
b) Na conta bancária do Banco 1..., S.A. com o n.º ...62 (doc. n.º 12 junto com a oposição), titulada pelo Arguido, contabilizam-se montantes a débito referentes a pagamentos ao IRN, no ano de 2017, no valor € 5.543,10 (cinco mil, quinhentos e quarenta e três  euros e dez cêntimos), no ano de 2018, no valor de € 7.220,70 (sete mil, duzentos e vinte  euros e setenta cêntimos); no ano de 2019, no valor de € 9.730,80 (nove mil setecentos e trinta euros e oitenta cêntimos), no ano de 2020, no valor de € 10 086,50 (dez mil e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos) e no ano de 2021, no valor de € 10.102,20 (dez mil cento e dois euros e vinte cêntimos), tudo no valor total de € 42.683,30 (quarenta e dois mil, seiscentos e oitenta e três euros e trinta cêntimos), registando-se, em cada um desses anos, movimentos financeiros a crédito, a título de depósitos, que permitem cobrir esse valor de emolumentos.
33. Assim, para o Recorrente proceder ao pagamento dos emolumentos do IRN, teve de depositar nessa sequência os valores correspondentes, pelo que, não podia o tribunal a quo, nem o Gabinete de Recuperação de ativos considerar como património incongruente o valor total de € 62.268,80 (sessenta e dois mil, duzentos e sessenta e oito euros e oitenta cêntimos), montante esse que deverá ser excluído.

b) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. o)

34. Considerando o depoimento do Recorrente transcrito supra quanto ao ponto a) supra das conclusões, o histórico de pagamentos ao IRN realizados nas duas contas bancárias do Recorrente, com extratos de 2017 a 2021, juntos sob os documentos n.ºs 3 e 12 com a oposição, ditam as regras da experiência que similar situação se verificava no ano antecedente, pelo que o tribunal a quo errou ao dar como provado o facto “o) “Em 06.01.2017, foi realizado um depósito em numerário de € 3.000,00 pelo oponente visando tirar a conta a negativo, com valores obtidos no ano de 2016, referentes ao pagamento de adiantamentos de clientes com registos automóveis”.
35. Considerando o saldo da conta bancária da Banco 2... do Recorrente em 06.01.2017 (que estava a negativo), conforme demonstra o doc. n.º 3 junto com a oposição e o histórico de movimentos de pagamentos ao IRN nos anos que sucederam, é facilmente conjeturável que o valor do depósito de € 3.000,00 na conta bancária do Recorrente, tenha tido a sua proveniência nos adiantamentos de clientes para o pagamento de emolumentos de registos e se destinasse a cobrir o saldo negativo da conta bancária do Recorrente, pelo que se impõe a inclusão do aludido facto constante da al. o) na matéria dada como provada e , em consequência, por se tratar de uma operação perfeitamente válida, legítima e justificada, deverá ser excluído o valor de €  3.000,00 (três mil euros), do cálculo do património incongruente.

c) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. p)
36. O mesmo raciocínio deverá ser realizado a respeito do facto erradamente incluído na matéria dada como não provada sob o ponto “p) Em 11.01.2017, o oponente depositou € 1.000,00 a fim de tirar a conta do saldo negativo, o que fez com os valores acumulados de 2016 em pagamentos de emolumentos com registos”, porquanto, considerando o depoimento do Recorrente transcrito supra quanto ao ponto a) das conclusões, o saldo da conta bancária do Banco 1..., com o n.º ...62, constante do doc. n.º 12 junto com a oposição, em 11.01.2017 (que estava a negativo), e considerando o histórico de movimentos de pagamentos ao IRN que sucedeu, é facilmente compreensível que o valor do depósito de € 1.000,00 na conta bancária do Recorrente, tenha tido a sua proveniência nos adiantamentos de clientes para o pagamento de emolumentos de registos e se destinasse a cobrir o saldo negativo da conta bancária do Recorrente, pelo que se impõe a inclusão do aludido facto constante da al. p) na matéria dada como provada e , em consequência, por se tratar de uma operação perfeitamente válida, legítima e justificada, deverá ser excluído o valor de € 1.000,00 (mil euros), do cálculo do património incongruente.

d) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. v)
37. O Tribunal a quo julgou, erradamente, não provado o facto “v) Em 28.04.2017, foi realizada para a conta do oponente, no valor de € 9.062,00, uma transferência bancária com vista à legalização de uma viatura e pagamento de despesas do despachante.”, não atendendo ao valor do débito constante do doc. n.º 3 (Conta Banco 2...) e ao teor do documento n.º 7 junto com a oposição e às declarações do Recorrente.
38. Das declarações do Recorrente, prestadas em 24/10/2024, com a duração total de 01:18:22, no trecho de 00:26:09 a 00:27:20, resulta que um conhecido do mesmo a residir na ... lhe pediu para agilizar o processo de legalização do carro, com o seu despachante e isso incluía ter de “pegar o carro, levá-lo à inspeção e tratar da papelada, da documentação toda”, assim como pagar o montante de ISV.
39. Do documento n.º 3, resulta um movimento a crédito de 28.04.2017, com o descritivo “...”, no valor de € 9.062,00 (nove mil e sessenta e dois euros) e do documento n.º 7, extraído do Portal Aduaneiro, é possível que foi liquidado imposto de ISV no valor de € 8.721,90, em nome do adquirente “EE”.
40. Da análise do depoimento do Recorrente, do documento n.º 3 e 7 juntos com a oposição, resulta indubitavelmente que o valor de € 9.062,00, se destinou a cobrir os custos com a legalização do veículo do aludido EE, pelo que deverá ser incluído o facto v) na matéria provada, e, em consequência, por se tratar de uma operação perfeitamente válida, legítima e justificada, excluído o valor de € 9.062,00 (nove mil e sessenta e dois euros), do cálculo do património incongruente.

e) Da alteração do facto dado como não provado sob as als. t) e u)
41. Noutro segmento decisório, mal andou o tribunal a quo ao dar como não provados os factos constantes dos pontos ”t) No dia 24.04.2017 o oponente fez uma transferência de € 8.600,00 para a compra da viatura marca ..., matrícula ..-TJ-..” e u) “) A viatura identificada no parágrafo anterior foi posteriormente vendida pelo valor de € 13.500,00, tendo sido depositados os valores provenientes dessa venda, faseadamente, nas seguintes datas: - € 5.000,00, em 19.06.2017 (a título de adiantamento);- € 2.500,00 em 06.11.2017;- € 2.00,00, em 27.11.2017;- € 2.000,00, em 11.12.2017;- € 2.000,00, em 22.12.2017”, sendo evidente a incorreta apreciação dos documentos juntos sob o doc. n.º 3, n.º 5 e n.º 7, conjugado com o depoimento do Recorrente.
42. A respeito desta transação, o Recorrente, nas declarações que prestou em 24/10/2024, com a duração total de  01:18:22, no trecho de 00:24:04 a 00:26:30, esclareceu que comprou um ... importado e cerca de seis ou sete meses depois o acabou por vender, recordando-se que o pagamento foi feito de forma faseada.
43. Neste contexto, do documento n.º 3, resulta, em 24.04.2017, um movimento a débito de € 8.600,00, realizado através de transferência bancária com o descritivo “...” e do documento n.º 5, que corresponde à Declaração Aduaneira do veículo, da marca ..., verifica-se que a data da transmissão foi em 26.04.2021 (dois dias após a transferência), o valor de aquisição foi de € 8.600,00 e figura como sujeito adquirente o Recorrente.
44. Em face do exposto, dúvidas não restam que o depoimento do Recorrente, conjugado com a leitura do doc. n.º 3 e n.º 5 permitiram incluir o facto t) na matéria dada como provada, pelo que, se impõe essa inclusão pelo tribunal ad quem.
45. Por seu turno, o doc. n.º 6 evidencia que o mesmo veículo automóvel viria a ser vendido pelo Recorrente em 21.11.2017, portanto, cerca de sete meses depois de ter sido adquirida, pelo que não estranha que, analisado o depoimento do Recorrente, que explicou o faseamento dos pagamentos e bem assim, o doc. n.º 3, se considere verdadeiro o facto constante da al. u) não provada, isto é, que o veículo foi vendido pelo valor de € 13.500,00, e pago por via de depósito, nas seguintes datas: - € 5.000,00, em 19.06.2017 (a título de adiantamento); - € 2.500,00 em 06.11.2017; - € 2.00,00, em 27.11.2017; - € 2.000,00, em 11.12.2017; - € 2.000,00, em 22.12.2017, pelo que também deverá este facto ser incluído no acervo da matéria dada como provada e, concomitantemente se esse valor de € 13.500,00 excluído do cálculo do valor do património incongruente.
46. Mas ainda que assim não se entenda, e porque dúvidas inexistem que o veículo sob escrutínio foi comprado e vendido no mesmo ano pelo Recorrente, ditam as regras da experiência que dificilmente um automóvel comprado no mesmo ano será vendido a um preço inferior ao que foi comprado, sobretudo tratando-se de um carro importado, pelo que, ainda que o tribunal ad quem não venha alterar a resposta dada ao ponto u), sempre terá de considerar, no mínimo, o valor de compra do veículo, de € 8.600,00 para efeitos de exclusão do património incongruente.

f) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. w)
47. Por seu turno, o Tribunal a quo julgou, erradamente, não provado o facto “w) Em 14.08.2017, o oponente recebeu uma transferência bancária no valor de € 18.500,00, correspondente à venda de favor de um automóvel de matrícula ..-MP-.. de um amigo, FF, o que fez em nome e por conta daquele, tendo esse valor sido reembolsado ao próprio, através de emissão de dois cheques, cada um de € 600,00, em 6.08.2017, e de um cheque de € 16.000,00, em 21.08.2017.”, não atendendo ao valor do débito constante do doc. n.º 3 (Conta Banco 2...) e bem assim ao teor do documento n.º 9 junto com a oposição.
48. Do documento n.º 3, resulta, em 09.08.2017, um saldo na conta bancária da Banco 2... do Recorrente de € 1.576,37; em 14.08.2017, registou-se um movimento a crédito no valor de € 18.500,00, com o descritivo “...”, passando o saldo da conta bancária a ser de € 20.076,37.
49. Nos dias seguintes, registam-se na conta bancária do Recorrente três débitos no valor de € 17.200,00 resultantes da emissão de cheques (dois cheques, cada um de € 600,00, em 6.08.2017 e um cheque de € 16.000,00, em 21.08.2017), voltando a conta do Recorrente a um saldo de cerca de € 2.000,00.
50. Analisado o documento n.º 9 junto com a oposição, esta corresponde a uma declaração de venda, de um veículo automóvel da marca ... de matrícula ..-MP-.., de FF para GG, ou seja, o responsável pela transferência bancária de € 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos euros).
51. Com efeito, dificilmente se concebe que o Recorrente precisasse de emitir cheques para si mesmo ou para a sociedade de que é titular, sendo várias as transferências bancárias que se registam a crédito e débito entre as diversas contas do Recorrente e a sociedade EMP01... Unipessoal, Lda., pelo que urge concluir que a declaração de venda junta sob o doc. n.º 9 corrobora que o valor transferido para a conta do Recorrente foi, posteriormente, transferido para o anterior proprietário do veículo, FF.
52. Em face do exposto, da análise dos documentos n.º 3 e 9 juntos com a oposição, resulta indubitavelmente que o valor de € 18.500,00 correspondente à venda de favor de um automóvel de matrícula ..-MP-.. de FF, tendo esse valor sido reembolsado ao próprio, através de emissão de dois cheques, cada um de € 600,00, em 06.08.2017, e de um cheque de € 16.000,00, em 21.08.2017, pelo que deverá ser incluído o facto w) na matéria provada e, em consequência, por se tratar de uma operação perfeitamente válida, legítima e justificada e não resultar qualquer vantagem para o Recorrente, deve ser excluído o valor de € 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos euros), do cálculo do património incongruente.
53. Mas ainda que se entendesse que existe uma divergência entre o valor de € 18.500,00 e o valor de € 17.200,00, o património incongruente correspondia apenas a essa diferença e não à totalidade de € 18.500,00, pelo que sempre se teria de subtrair ao valor do património incongruente o valor de € 17.200,00 (dezassete mil e duzentos euros).

g) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. pp)
54. Mal andou, ainda, o tribunal a quo ao considerar não provado o facto constante do ponto “pp) Em 24.09.2021, o arguido recebeu de HH, o valor de €12.000,00 correspondentes à venda do veículo ..., de matrícula AD-..-B8.”, impondo-se uma diferente resposta quanto a este facto em face do depoimento do Recorrente, do doc. n.º 3 e ainda do doc. n.º 11 junto com a oposição.
55. O Recorrente, AA, nas declarações que prestou em 24/10/2024, com a duração total de 01:18:22, no trecho de 00:48:46 a 00:51:00, esclareceu que tratou da importação de um veículo automóvel da marca ... a HH; já do extrato da conta bancária do Recorrente aberta na Banco 2..., junto sob o doc. n.º 3, resulta que em 24.09.2021, foi realizada uma transferência bancária de “HH”, conforme o próprio descritivo indica, no valor de € 12.000,00 para o Recorrente.
56. Analisado o doc. n.º 11, Declaração Aduaneira do Veículo, verifica-se que o valor da aquisição do veículo foi de € 9.000,00 e o montante de ISV de € 1.756,54, pelo que, sem prejuízo de outras despesas que a legalização do veículo sempre importaria, facilmente se evidencia que é justificado o valor de € 8.756,54 (oito mil, setecentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de despesas suportadas pelo Recorrente.
57. Em face do exposto, da análise dos documentos n.º 3 e 11 juntos com a oposição, e das declarações do Recorrente, resulta indubitavelmente que, em 24.09.2021, o arguido recebeu de HH, o valor de €12.000,00 correspondentes à venda do veículo ..., de matrícula AD-..-B8, pelo que deverá ser incluído o facto pp) na matéria provada e, por se tratar de uma operação perfeitamente válida e não resultar qualquer vantagem para o Recorrente, deve ser excluído do cálculo do património incongruente, pelo menos, o valor de € 8.756,54 (oito mil, setecentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), que corresponde ao valor de aquisição do automóvel no contexto da importação, acrescido do ISV que foi adiantado pelo Recorrente.

h) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. yy)
58. Ainda no que se refere à matéria de facto, mal andou o tribunal a quo ao dar como não provado o facto “yy) A transferência recebida em 12.10.2020, refere-se a uma venda de um veículo da EMP01... com a matrícula ..-FE-.., no valor de € 19.000,00 e € 250,00 e refere-se à venda, tendo tais quantias sido transferidas para a conta titulada pela EMP01..., conforme resulta do próprio extrato, nas seguintes datas e montantes:- em 15.10.2020, € 1.000,00;- em 16.10.2020, € 2.500,00;- em 16.06.2020, € 5.000,00;- em 19.10.2020, € 7.500,00;- em 04.11.2020, € 1.000,00 - o remanescente, no valor de € 2.000,00 foi descontado ao valor do empréstimo realizado pelo arguido à sociedade em 02.07.2019.”
59. O Recorrente AA, nas declarações que prestou em 24/10/2024, com a duração total de 01:18:22, no trecho de 01:00:42 a 01:02:10, explicou que, por lapso, aquando da venda de um veículo, de matrícula ..-FE-.., por lapso indicou ao comprador o seu IBAN pessoal, em vez do IBAN da empresa, sendo que teve depois de o enviar para a sociedade EMP01... em diversas tranches uma vez que tem um valor limitado para as transferências.
60. Do documento n.º 12, correspondente à conta bancária no Banco 1..., S.A., resulta que em 12.10.2020, foram realizadas duas transferências bancárias para a conta do Recorrente, provenientes da sociedade EMP02..., Unipessoal, Lda., uma no valor de € 19.250,00 e a outra no montante de € 250,00, o que perfaz o montante de € 19.500,00, valor esse que consta, ainda, da declaração emitida pelo Recorrente à sociedade EMP02..., Unipessoal, Lda. junta sob o doc. n.º 13 com a oposição.
61. Analisado o mesmo extrato, verificam-se várias transferências bancárias posteriores, realizadas pelo Recorrente para a sociedade EMP01..., Unipessoal, LDa., com a conta bancária n.º  ...05, identificada na informação do GRA com a liquidação do património incongruente, designadamente: em 15.10.2020, foi realizada uma transferência de € 1.000,00; em 16.10.2020, de € 2.500,00; em 16.10.2020, € 5.000,00, em 19.10.2020, de € 7.500,00 e em 04.11.2020, de € 1.000,00.
62. Da análise dos documentos n.º 12 e 13 juntos com a oposição, assim como do depoimento do Recorrente, resulta indubitavelmente que o valor de € 19.500,00 refere-se à venda de um veículo da sociedade EMP01... Unipessoal, Lda. com a matrícula ..-FE-.., no valor de € 19.500,00 e que as quantias correspondentes foram transferidas na sua maioria para a sociedade EMP01..., Unipessoal Lda. (€ 17.000,00)  e os remanescentes € 2.000,00 descontados em encontro de contas que o Recorrente tinha com a sociedade pelo que se deverá o tribunal ad quem dar o facto yy) como provado, ainda que com uma retificação de lapso de escrita, passando a integrar a matéria de facto dada como provada o seguinte facto: “A transferência recebida em 12.10.2020, refere-se a uma venda de um veículo da EMP01... com a matrícula ..-FE-.., no valor de € 19.000,00 e € 250,00 e refere-se à venda, tendo tais quantias sido transferidas para a conta titulada pela EMP01..., conforme resulta do próprio extrato, nas seguintes datas e montantes: - em 15.10.2020, € 1.000,00;- em 16.10.2020, € 2.500,00;- em 16.10.2020, € 5.000,00;- em 19.10.2020, € 7.500,00;- em 04.11.2020, € 1.000,00 - o remanescente, no valor de € 2.000,00 foi descontado ao valor do empréstimo realizado pelo arguido à sociedade em 02.07.2019 e, em consequência, por se tratar de uma operação justificada e não resultar qualquer vantagem para o Recorrente, deve ser excluído o valor de € 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), do cálculo do património incongruente.

i) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. aaa)
63. O Tribunal a quo julgou, ainda, desacertadamente, não provado o facto “aaa) Em 18.08.2021, recebeu uma transferência de € 2.300,00 proveniente da venda de uma ..., de matrícula ..-..-GR.”, não atendendo ao valor do débito constante do doc. n.º 12 (Extrato Conta Banco 1..., S.A), de onde resulta que, em 18.08.2021, o Recorrente recebeu uma transferência bancária no montante de € 2.300,00, com o descritivo “... – (…) II”; ao teor do documento n.º 14, de onde resulta que foi efetuado o registo de propriedade do veículo ..., de matrícula ..-..-GR, a favor de II (ou seja, o autor da transferência bancária); e bem assim, aos esclarecimentos prestados pelo Recorrente, em 24/10/2024, no trecho de 01:04:19 a 01:05:10, de onde se conclui que este vendeu um ... praticamente sem valor comercial, pelo montante de € 2.300,00, ao mesmo preço que comprou, pelo que, em face da prova produzida impõe-se a sua inclusão na matéria dada como provada e a dedução do valor de € 2.300,00 do cálculo do património incongruente.

j) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. oo), mm) bbb), ddd)
64. Noutro segmento da decisão, o Tribunal a quo julgou, erradamente, não provados os seguintes factos oo), mm), bbb) e ddd): 

oo) As apostas referidas em 24. eram feitas por mero favor, totalizando-se em 2021, através da conta bancária n.º ...03, um total de apostas de € 45.390,90.
mm) Para fazer face a despesas com apostas, o oponente recebeu de terceiros e depositou, pelo menos, as seguintes quantias: - depósito em 11.01.2021, no valor de 1.500,00 €; - depósito em 01.02.2021, no valor de 2.000,00 €; - transferência de JJ, no valor de € 2.000,00 € (cfr. movimentos a débito de 18.02.2021); - depósito em 23.02.2021, no valor de € 2.000,00; - depósito em 01.03.2021, no valor de € 2.000,00; - depósito em 12.03.2021, no valor de € 1.000,00; - depósito em 17.03.2021, no valor de € 1.000,00; - depósito em 25.03.2021, no valor de € 1.000,00;- depósito em 28.04.2021, no valor de € 500,00; - depósito, em 10.05.2021, no valor de € 1.500,00; - depósito em 21.05.2021, no valor de € 1.500,00; - depósito em 27.05.2021, no valor de € 1.000,00; - desconto de cheque em 24.06.2021, no valor de € 1.000,00; - depósito em 05.07.2021, no valor de € 2.000,00;- depósito em 13.09.2021, no valor de € 3.000,00; - depósito em 29.10.2021, no valor de € 1.000,00; - depósito em 05.11.2021, no valor de € 1.200,00; - depósito em 27.12.2021, no valor de € 2.000,00; - depósito em 29.12.2021, no valor de € 1.500,00;
bbb) As apostas referidas em 42. eram feitas noutras plataformas, para além da ..., identificadas sob a referência ...33, ...07 e ...67, totalizando-se nesse ano, através desta conta bancária um total de apostas de € 85.060,00, tendo o valor sido reinvestido.
ddd) Foram ainda realizados depósitos para a realização das apostas remanescentes, nos seguintes montantes: - em 22.01.2021, € 900,00; - em 17.02.2021, € 1.500,00; - em 15.04.2021, € 1.000,00; - em 24.06.2021, € 1.000,00; - em 27.08.2021, € 2.000,00; - em 21.10.2021, € 1.000,00; -em 23.12.2021, € 1.720,00.
65. Neste contexto, o tribunal a quo, acertadamente deu como provados os factos constantes da matéria dada como provada sob os pontos 24, 37, 39, 42 e 43, considerando que “a matéria dos artigos 24.º, 42.º e 43.º resulta da conjugação das declarações do oponente e da testemunha KK, com a análise dos movimentos bancários (documentos n.º 3 e n.º 12 juntos com o requerimento de oposição), designadamente aqueles com o descritivo «...» e «EMP03... SA ...49». Efetivamente, o descritivo «...» tem por referência jogo, sendo que, neste aspeto, as declarações do arguido foram ainda corroboradas pela testemunha KK, que chegou a assistir a entregas de dinheiro para esse efeito.”
66. Assim, é evidente a contradição entre estes factos e a resposta que foi dada aos incluídos na matéria dada como não provada, o que torna evidente que a decisão quanto à matéria não provada deve merecer censura pelo Julgador ad quem, porquanto, resulta de uma incorreta interpretação da prova produzida nos autos.
67. Sobre esta questão o Recorrente, nas declarações que prestou em 24/10/2024, com a duração total de  01:18:22, no trecho de 01:02:27 a 01:04:16, admitiu que tinha um vício de jogo e que, no decurso do ano de 2021, referiu que, com mais cinco amigos, apostavam diversas quantias em jogos de fortuna e azar, mais concretamente na plataforma ..., recebendo os valores das apostas em numerário, que depois depositava nas suas contas bancárias e realizava posteriormente  as apostas e esclareceu ainda que, além dos depósitos, numa altura posterior, o dinheiro dos prémios era utilizado para realizar novas apostas, conforme, de resto, é possível verificar pelas movimentações bancárias referentes ao ano de 2021 nas contas tituladas pelo Recorrente na Banco 2... e no Banco 1..., S.A. e melhor identificadas nos autos,  e juntas sob os docs. n.º 3 e 12 com a oposição.
68. A testemunha KK, primo do Recorrente, nas declarações que prestou em 24/10/2024, com a duração total de 00:04:53, no trecho de 00:02:58 a 00:04:46, referiu que o Recorrente tinha um vício de jogos de apostas online, e que por diversas vezes tinha visto o Recorrente e outro primo, de nome LL, no Stand a jogar, tendo assistido à entrega de valores ao Recorrente em numerário com vista ao seu depósito e realização das apostas.
69. Analisando criticamente os movimentos a débito e crédito registados no ano de 2021 na conta bancária titulada pelo Recorrente na Banco 2...-n.º ...03, juntos sob o doc. n.º 3, regista-se um montante total de apostas na plataforma ... e noutras identificadas sob a referência ...49 e ...33 (facto n.º 24 da matéria dada como provada) de € 47.720,00 (quarenta e sete mil, setecentos e vinte euros).
70. no que concerne aos movimentos a débito e crédito registados no ano de 2021 na conta bancária titulada pelo Recorrente no Banco 1..., S.A., juntos sob o doc. n.º 12 com a oposição, regista-se um montante total de apostas na plataforma ... e noutras identificadas sob a referência ...49 e ...33 (facto n.º 24 da matéria dada como provada) de € 82.630,00 (oitenta e dois mil, seiscentos e trinta euros) e de reembolsos de prémios no valor de € 75.500,00 (facto dado provado sob o ponto 43).
71. Analisada conjuntamente a prova produzida, facilmente se constata que tiveram, necessariamente, de ser depositados valores – de terceiros – para fazer face às apostas realizadas, uma vez que, se atentarmos ao saldo das contas bancárias do Recorrente, facilmente verificamos que aquelas se encontravam, na maior parte do tempo, ao longo dos cinco anos, com saldo muito próximo do negativo, de modo que, para realizar valores tão elevados de apostas, com uma cadência de tempo tão curta entre as mesmas, a maioria do capital provinha de terceiros e não do próprio Recorrente.
72. Considerando o valor total das apostas nesta conta bancária, que ascende a € 47.720,00 (quarenta e sete mil, setecentos e vinte euros), o facto de o depoente ter afirmado que se tratava de um grupo de jogo (de seis pessoas), o que foi corroborado pela testemunha KK, não resulta ofensivo ou contrário à normal ordenação das coisas, que o Recorrente tenha recebido pelo menos € 28.500,00, correspondentes à quota parte de quatro pessoas num grupo de 6, valores esses depositados/recebidas transferências com a mesma cadência com que são realizadas as apostas, pelo que, se impõe a inclusão do facto mm) na matéria dada como provada pelo tribunal ad quem e a exclusão do valor de € 28.500,00 do cálculo do valor do património incongruente.
73. No que se refere ao facto oo) incluído na matéria dada como não provada, tendo ficado demonstrado, até, que o valor das apostas foi superior, impunha-se ao tribunal a quo ter considerado, pelo menos, o valor de 45.390,90 em apostas conforme alegado, sem prejuízo de o princípio do inquisitório lhe impor a correção desses valores, porquanto resultam do conjunto da prova produzida e estão espelhados no doc. n.º 3.
74. Em face do depoimento do Recorrente e do teor do documento n.º 3 junto com a oposição, impõe-se a alteração da redação dada ao facto oo) constante da matéria dada como não provada e a sua inclusão na matéria dada como provada com a seguinte redação: “oo) As apostas referidas em 24. eram feitas por mero favor, totalizando-se em 2021, através da conta bancária n.º ...03, um total de apostas de € 47.720,00 (quarenta e sete mil, setecentos e vinte euros)”.
75. Por seu turno, tendo por referência o valor total de apostas registado na conta bancária do Recorrente no Banco 1..., com o n.º ...62, cujos extratos foram juntos sob o doc. n.º 12, no montante total de € 82.630,00 € (oitenta e dois mil, seiscentos e trinta euros), também não podia o tribunal, de forma totalmente acrítica, considerar os factos constantes do bbb) e ddd) na matéria dada como não provada.
76. Da análise dos movimentos financeiros do Banco 1..., constantes do extrato bancário junto sob o doc. n.º 12, e as referências bancárias identificadas no facto n.º 24 da matéria dada como provada, facilmente se constata que o valor total das apostas realizadas ascendeu a € 82.630,00 (oitenta e dois mil, seiscentos e trinta euros) e bem assim que alguns dos valores de prémios do jogo eram reinvestidos, o que se compreende face ao valor dos prémios recebidos de € 75.500,00 (setenta e cinco mil e quinhentos euros), conforme resulta do facto 43 da matéria dada como provada. 
77. Deste modo, em face do depoimento do Recorrente e do teor do documento n.º 12 junto com a oposição, impõe-se a alteração da redação dada ao facto bbb) constante da matéria dada como não provada e a sua inclusão na matéria dada como provada com a seguinte redação: “bbb) As apostas referidas em 42. eram feitas noutras plataformas, para além da ..., totalizando-se nesse ano, através desta conta bancária um total de apostas de € 82.630,00 (oitenta e dois mil, seiscentos e trinta euros), tendo o valor sido reinvestido”.
78. Considerando o volume das apostas realizadas nessa conta bancária; o facto de, diversamente do que sucedeu na conta da Banco 2..., terem existido prémios atribuídos que foram distribuídos e reinvestidos; o facto de o valor dos prémios ser inferior ao das apostas conforme resulta do extrato (que se reporta exclusivamente aos anos de 2017 a 2021); e considerando ainda a realização destas apostas em grupo – o que resulta do depoimento do Recorrente e da testemunha KK – facilmente  se constata que tiveram de entrar na conta bancária do Recorrente valores residuais para a realização das apostas provenientes de depósitos de valores entregues por  terceiros, não ofendendo as regras a experiência comum considerar-se que foram depositados, pelo menos, € 9.120,00 (nove mil cento e vinte euros), com a cadência elencada no ponto ddd).
79. Em face do exposto, deverá o tribunal ad quem incluir o ponto ddd) na matéria dada como provada: ddd) Foram ainda realizados depósitos para a realização das apostas remanescentes, nos seguintes montantes: - em 22.01.2021, € 900,00; - em 17.02.2021, € 1.500,00; - em 15.04.2021, € 1.000,00; - em 24.06.2021, € 1.000,00; - em 27.08.2021, € 2.000,00; - em 21.10.2021, € 1.000,00; -em 23.12.2021, € 1.720,00 e, concomitantemente, uma vez que a realização de apostas online em grupo em plataformas legais não constitui qualquer ilegalidade, determinar a exclusão do valor de € 9.120,00 (nove mil cento e vinte euros) do cálculo do valor do património incongruente.

k) Da alteração do facto dado como não provado sob a al. r)
80. De igual forma, igualmente se impugna a decisão sob recurso na parte em que julgou não provado no ponto r) “Em 28.03.2017, foi realizada a liquidação de uma conta caucionada que o oponente detinha desde a altura em que exercia a sua atividade em nome individual e, tendo o oponente constituído uma nova conta caucionada, titulada pela sociedade de que era sócio-gerente, no valor de € 60.000,00, os valores depositados naquela conta bancária, em 28.03.2017, provenientes da sociedade EMP01..., no montante total de € 82.648,44, foram para amortizar os capitais e juros dessa conta caucionada.”
81. Neste sentido, o Recorrente, AA, nas declarações que prestou em 24/10/2024, com a duração total de 01:18:22, no trecho de 00:19:04 a 00:22:10 e de 01:14:03 a 01:15:10, explicou que, quando iniciou a atividade, em nome individual abriu uma conta caucionada que acabou por ascender ao valor de € 80.000,00 e que, apesar de, em 2008, ter constituído a sociedade EMP04... Unipessoal, Lda. esta sociedade não tinha credibilidade em termos financeiros, pelo que foi aconselhado pelo gestor do banco a  aguardar alguns anos para passar a conta caucionada para a EMP01..., transação essa que originou a liquidação em nome pessoal do Recorrente e a posterior constituição junto da EMP01....
82. Salvo o devido respeito, a cadência de transações a crédito e débito verificadas nos extratos da Conta Bancária do Recorrente na Banco 2..., juntos sob o doc. n.º 3, no intervalo compreendido entre os dias 23.03.2017 e 28.03.2017, permite concluir que os montantes a crédito provenientes da sociedade EMP01..., no montante total de € 82.648,44, foram para amortizar os capitais e juros da conta caucionada do Recorrente.
83. Assim, do documento n.º 3 e do depoimento do Recorrente, resulta indubitavelmente que deverá ser incluído o facto r) na matéria provada e ser excluído o valor de € 82.648,44 (oitenta e dois mil, seiscentos e quarenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), do património incongruente.

III: Do direito - Sobre a desproporcionalidade do arresto decretado:
84. Como se refere no Ac. do STJ de 12.11.2008 (processo n.º 08P3180), em que é Relator Armindo Monteiro, para efeitos do cálculo do património incongruente, previsto no n.º 1 do art. 7.º da Lei 5/2002, “prioritariamente, o julgador deve socorrer-se da prova produzida em Tribunal, depois fazer funcionar a presunção, fixando o facto legalmente presumido...”. “A presunção estende-se, apenas, à licitude da proveniência dos bens ou produta sceleris, não já ao conteúdo material deste, à sua amplitude: quanto ao exacto quantitativo daqueles rege o poder-dever de o tribunal com o figurino dos sujeitos processuais, proceder a sua indagação...”
85. Não se poderá, em sede de arresto preventivo, ao abrigo do disposto na Lei n.º 5/2002, proceder de forma indiscriminada ao arresto dos bens do Arguido assumindo como critério que todos os incrementos de capital fiscalmente não declarados que entraram na esfera do Arguido e familiares, nos últimos cinco anos, se presumem provenientes de atividade criminosa.
86. O arresto decretado no presente processo, extravasa excessivamente as quantias que, a título indiciário, é descrito como sendo o rendimento ilícito, violando, a douta sentença sob recurso, o disposto no n.º 1 do art. 7.º e n.º 1 do art. 10.º, todos, da Lei 5/2002, bem como a proporcionalidade e adequação que devem ser subjacentes ao legal decretamento do arresto preventivo, por força do disposto nos arts. 62.º, e 18.º, n.º 2, todos, da CRP.
87. Nem na acusação entretanto proferida, nem no despacho judicial que determinou o arresto, nem tão pouco na sentença sob recurso, se faz qualquer menção, ou se invoca um qualquer indicio sobre uma eventual “carreira criminosa” do Recorrente, anterior aos factos discutidos no processo que seja a origem do património incongruente com os rendimentos lícitos e que justifique que o apuramento desse valor seja superior ao montante que alegadamente o Recorrente beneficiou com os factos praticados, nos termos da matéria indiciada que justificou o arresto.
88. A decisão de arresto proferida neste processo é ilegal, pois é desnecessária, desproporcional, desajustada e violadora do disposto nos arts. 7.º, n.º 2, al. c) e art. 10.º, todos, da Lei 5/2002, assim como dos arts. 62.º, e 18.º, n.º 2, todos, da CRP, não podendo manter-se, pois fez uma incorreta aplicação das normas legais supracitadas.”
*
A Exma. Senhora Procuradora que representou o Ministério Público na primeira instância respondeu, defendendo a improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral adjunto emitiu parecer, no qual sustenta igualmente o não provimento do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, com resposta do recorrente, reafirmando os argumentos já anteriormente invocados no recurso.
*
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1].

1. Questões a decidir:

A. “nulidade da sentença por existência de contradições entre os fundamentos e a decisão … que a torna, assim, ininteligível, nos termos e para os efeitos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”;
B. impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento.
C. desproporcionalidade do arresto decretado.
***
2. Ocorrências processuais com interesse para a decisão:

a. O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido/recorrente AA, imputando-lhe a prática, em concurso efetivo de:
- Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º e 104.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05.06, com a alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011 de 30.12;
- Um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 89.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05.06, artigo 299.º, nºs 1 e 3 do Código Penal.
b. No âmbito da dedução da acusação pública, promoveu o Ministério Público que fosse decretado:
- Arresto preventivo, nos termos do artigo 228.º, do Código de Processo Penal;
- E arresto, nos termos do artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002 de 11-01, tendo em vista assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie.
À data, concluiu-se pelas seguintes vantagens patrimoniais individuais:
-  AA, no valor de 610.645,78 €;
c. Em 17.03.2022, ao abrigo do disposto nos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, foi decretado o arresto preventivo de todo o património financeiro que o arguido AA possui, designadamente, os saldos das contas bancárias tituladas por ele titulados, aplicações financeiras e participações sociais, até ao no valor de 610.645,78;
d. O requerido AA deduziu oposição ao arresto.
e. A oposição ao arresto foi indeferida pelo despacho recorrido, o qual determinou, ao abrigo do disposto no art.º 7.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2002 de 11.01, que o valor do património incongruente do requerido era de 607.512,70 €, mantendo, no demais, o arresto tal como determinado no despacho proferido em 17.03.2022.
*
É a seguinte a factualidade considerada indiciada e não indiciada e respetiva motivação, constante do despacho recorrido, de 16 de dezembro de 2024, que julgou improcedente a oposição ao arresto (transcrição):

 “Matéria de facto indiciariamente provada.
1.  No âmbito do presente processo foi determinado o arresto dos seguintes bens imóveis:

MoradaArtigoValor Patrimonial
Rio ..., ...2214 € 80.903,92
..., ...2374€ 77.617,80

2.  De igual modo, foi ordenado o decretamento do arresto dos saldos das contas bancárias tituladas e abertas em nome do opoente no Banco 1..., com o n.º ...62 e na Banco 2..., com o n.º ...03.
3.  Assim como dos bens móveis sujeitos a registo motociclo ..., ..., ... e ....
4.  Foi arrestado o saldo das contas bancárias tituladas pela ex-mulher do arguido, no Banco 3... com o n.º ...52 e com o n.º ...69.
5.  Assim como das contas tituladas pelos filhos do arguido, MM e NN, ambas no Banco 3....
6.  E ainda a conta bancária titulada pela sociedade de que o arguido é sócio e gerente, a EMP01..., Unipessoal, Lda..
7.  A quota do arguido na sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda. encontra-se na sua titularidade desde 2008.
8.  No âmbito do processo principal, o oponente foi constituído arguido em 03.11.2021.
9.   Na sequência do divórcio com partilha, ocorrido a ../../2014, a ex-mulher do arguido assumiu o pagamento, em exclusivo, do passivo ainda em dívida perante a instituição de crédito, sendo-lhe adjudicado o imóvel sito em Rio ..., sob a matriz ...14.
10.  O veículo com a matrícula ..-..-PJ, da marca ..., foi adquirido pelo arguido a DD, mediante contrato de permuta, que envolveu a Sociedade EMP01..., o arguido e o referido DD.
11.  O arguido é titular duas contas bancárias, uma titulada na Banco 2..., com o n.º ...03 e outra no Banco 1..., com o n.º ...62.
12.  Em 16.01.2017, foi realizada uma transferência bancária pela EMP05..., S.A., no valor de € 50.000,00, que se referia a um pedido de um cliente para negociar a compra de um ..., em nome e por conta daquele junto de terceiro; em 18.01.2017 foi debitado o montante de € 49.000,00 para entrega ao vendedor.
13.  Em 06.06.2017 foi transferido o salário no montante de € 600,00.
14.  Em 15.02.2017 foi realizado o reembolso de € 8,77 a título de transferência do seguro ..., o que também sucedeu em € 17.07.2017, pelo valor de € 43,41.
15.  O oponente assumiu o custo de legalização de ISV de €1.903.53 da viatura marca ..., matrícula ..-TJ-.., que foi vendida em 21.11.2017.
16.  Em 27.07.2017, o oponente recebeu uma transferência bancária de € 11.000,00, correspondente ao pagamento da venda do veículo ..., com a matrícula BJ-..-...
17.  Em 06.03.2019 foi realizado o reembolso de € 6.573,19 a título de desmobilização de aplicação financeira de ....
18.  Em 25.02.2019, foi realizada uma devolução pelo ..., correspondente a uma devolução de um artigo.
19.  Em 04.11.2019, foi devolvido o montante de € 180,00 correspondente ao pagamento feito na mesma data desse valor, pelo ....
20.  Nesta conta bancária recebeu o oponente, proveniente da EMP01..., o respetivo vencimento, nos seguintes momentos e montantes:
- 05.06.2020, o valor de € 700,00;
-  09.11.2020, o valor de € 706,67.
21.  Em 22.04.2020, por força da desmobilização da conta poupança ..., passou a estar disponível na conta do oponente o valor de € 3.344,97.
22.  Em 27.05.2020, o oponente mobilizou € 1.200,00 da conta do Banco 1... para a conta da Banco 2....
23.  Em 12.10.2020, o oponente recebeu o valor de € 13.000,00, tendo transferido para a conta titulada pela EMP01... em 16.10.2020 (7.500,00 €) e em 19.10.2020 (5.000.00,00 €).
24.  Uma parte dos movimentos a crédito registados na conta bancária do arguido refere-se a transferências/depósitos que lhe eram feitos, a pedido de familiares, amigos e conhecidos, para realização de apostas na plataforma ... e noutras identificadas sob a referência ...49 e ...33, o que este fazia,
25.  Em 01.06.2021 é feita a devolução, a crédito do valor de € 14,83 (com movimento a débito em 01.06.2021).
26.  Em 2021, o oponente auferiu um total de € 1.000,20, provenientes do Instituto da Segurança Social, IP. em duas tranches de € 500,10, uma em 22.03.2021 e a outra em 23.04.2021.
27.  Em 10.11.2021, o oponente mobilizou € 1.500,00 da conta do Banco 1... para a conta da Banco 2....
28.  Em 29.11.2021, o oponente mobilizou € 2.500,00 da conta do Banco 1... para a conta da Banco 2....
I. Conta Banco 1..., com o n.º ...62     
29.  A título de devoluções do IRN, o oponente recebeu um total de € 158,80, nas seguintes datas e montantes: em 09.03.2017, € 35,30; em 09.03.2017, € 10,00; em 14.02.201, € 42,90; em 12.06.2017, € 35,30 e em 16.11.2017, € 35,30.
30.  A título de estornos de Seguros da Seguradora EMP06..., S.A., o oponente recebeu transferências no valor de € 432,09, nas seguintes datas e montantes: em 20.02.2017, € 180,78; em 22.03.2017, € 93,81; em 14.08.2017, € 135 e em 24.08.2017, € 22.50.
31.  A título de salários auferidos foram transferidos para a conta bancária do oponente durante o ano de 2017 o valor global de € 5 220,00.
32.  A título de estornos de Seguros da Seguradora EMP06..., S.A., o oponente recebeu uma transferência no valor de € 156,09, em 13.04.2018.
33.  A título de devoluções do IRN, o oponente recebeu um total de € 60,60, em dois momentos: € 30,30 em 16.08.2018 e € 30,30 em 12.12.2018.
34.  A título de devoluções do IRN, o oponente recebeu um total de € 301,80, nas seguintes datas e montantes: em 16.01.2019, 35,30 €, em 14.02.2019, 7,60 €, em 28.02.2019, 35,30 € e 30,30 €, em 09.04.2019, e, 26.07.2019, 30,30 €, em 09.04.2019, 10,00 €, em 12.11.2019, 35,30 €, em 12.11.2019, 30,30 €, em 12.11.2019, € 21,80 e em 12.12.2019, € 35,30.
35.  A título de devoluções do IRN, o oponente recebeu um total de € 211,20, nas seguintes datas e montantes: em 22.01.2020, 35,30 €, em 22.01.2020, 10,00 €, em 22.01.2020, 30,30 €, em 09.12.2020, 35,30 € e € 35,30, em 11.08.2020, 65,00.
36.  A título de estornos de Seguros da Seguradora EMP06..., S.A., o oponente recebeu transferências no valor de € 485,80, nas seguintes datas e montantes: em 03.03.2020, € 172,35; em 06.10.2020, € 313,45.
37.  Nesse ano e conta bancária, o oponente recebeu prémios de apostas no montante de € 1.019,00, designadamente, € 167,50, em 25.09.2020; € 344,50, em 02.12.2020 e € 507,00, em 21.12.2020.
38.  A título de devoluções do IRN, o oponente recebeu um total de € 112,70, nas seguintes datas e montantes: em 05.02.2021, 30,30 €, em 11.02.2021, 21,80 €, em 27.04.2021, 30,30 €, em 06.08.2021, 30,30 €.
39.  Nesse ano e conta bancária, o oponente recebeu prémios de apostas no montante de € 656,00, designadamente, em 02.02.2021, no valor de € 291,00, em 15.02.2021, no valor de € 184.50 e em 22.02.2021, no valor de € 180,50.
40.  Em 06.12.2021, recebeu uma devolução da ..., no valor de € 44,99 (quarenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos).
41.  Em 16.06.2021, recebeu o reembolso de IRS no montante de 732,00.
42.  Uma parte dos movimentos a crédito registados na conta bancárias do arguido refere-se a depósitos de valores que lhe eram disponibilizados por pedido de familiares, amigos e conhecidos, para realização de apostas na plataforma ....
43.  O oponente recebeu valores da plataforma ..., designadamente:
- em 19.02.2021, € 1.200,00
- em 05.03.2021, € 500,00
- em 10.03.2021, € 1.900,00
- em 15.03.2021, € 1.500,00
- em18.03.2021, € 500,00
- em 18.03.2021, € 700,00
- em 29.03.2021, € 800,00
- em 01.04.2021, € 2.000,00
- em 20.04.2021, € 3.000,00
- em 27.04.2021, € 700,00
- em 30.04.2021, € 1.500,00
- em 17.05.2021, € 1.200,00
- em 31.05.2021, € 3.000,00
- em 02.06.2021, € 3.500,00
- em 13.07.2021, € 5.500,00
- em 10.08.2021, € 2.000,00
- em 13.08.2021, € 1.500,00
- em 18.08.2021, € 500,00
- em 19.08.2021, € 7.000,00
- em 17.09.2021, € 10.000,00
- em 09.11.2021, € 9.000,00
- em 22.11.2021, € 6.500,00
- em 23.11.2021, € 3.000,00
- em 09.12.2021, € 8.500,00
*
Factos não provados.
a) As contas bancárias tituladas pela ex-mulher do arguido, são detidas e movimentadas exclusivamente pela mesma, não tendo o arguido qualquer controlo sobre as mesmas ou domínio sobre os respetivos saldos.
b) O mesmo acontecendo relativamente às contas bancárias dos seus filhos, que são movimentadas apenas pela ex-mulher do mesmo (onde aquela é cotitular) e contêm, tão só, movimentos/depósitos referentes a doações realizadas por familiares aos seus filhos, em ocasiões especiais.
c) A ex-mulher e filhos do arguido são proprietários da totalidade dos saldos depositados nas respetivas contas bancárias, não tendo o arguido qualquer domínio sobre os mesmos.
d) O imóvel sito em Rio ..., sob a matriz ...14, proveio de doação da mãe da ex-mulher do arguido.
e) Na constância do casamento, o arguido e a ex-mulher solicitaram recurso ao crédito para a realização de obras no mesmo, figurando os mesmos como mutuários. f) O oponente divorciou-se em ../../2014.
g) O imóvel sito na ..., ..., inscrito na matriz sob o n.º ...74, foi adquirido pela ex-mulher do arguido, exclusivamente, com o apoio do irmão desta, com os créditos provenientes da venda de outros imóveis em que esta investiu e bem assim, com os seus próprios rendimentos.
h) O veículo de marca ..., modelo ..., foi adquirido pela ex-mulher do arguido àquele, pelo preço de € 5.000,00 (cinco mil euros), para utilização pela própria e do filho de ambos que irá ingressar na Universidade no próximo ano.
i) O motociclo de matrícula ..-..-UP, da marca ..., modelo ..., não se encontra atualmente na titularidade do arguido e assim é há cerca de 20 anos, porquanto o mesmo foi vendido a um emigrante na ..., que nunca procedeu ao seu registo.
j) Por esse motivo, o arguido desconhece o paradeiro do veículo.
k) O veículo automóvel com a matrícula ..-FS-.., da marca ..., modelo ..., por sua vez, também não se encontra na titularidade do arguido, nem na sua posse.
l) O veículo em questão esteve, há mais de dez anos, a aguardar a decisão sobre a sua reparação numa oficina. 
m) O valor da aludida reparação mostrava-se superior ao valor do automóvel, pelo que o arguido não avançou com a sua reparação, tendo-se o veículo mantido, durante meses naquela oficina, até que a mesma foi encerrada e o arguido não mais soube do destino que foi dado ao automóvel. 
n) O DD vendeu à EMP01... um veículo automóvel da marca ..., modelo ... CDI, com a matrícula AT-..-.. e a sociedade EMP01... Unipessoal, Lda., vendeu o veículo automóvel da marca ..., com a matrícula ..-..-PJ, cujo proprietário era o arguido.
o) Em 06.01.2017, foi realizado um depósito em numerário de € 3.000,00 pelo oponente visando tirar a conta a negativo, com valores obtidos no ano de 2016, referentes ao pagamento de adiantamentos de clientes com registos automóveis.
p) Em 11.01.2017, o oponente depositou € 1.000,00 a fim de tirar a conta do saldo negativo, o que fez com os valores acumulados de 2016 em pagamentos de emolumentos com registos.
q) Em 10.02.2017 foi realizada uma transferência de € 4.090,00 da conta titulada pela EMP01... para o oponente a título de acertos de salários de 2016 e salário de janeiro de 2017 (no valor de € 600,000).
r) Em 28.03.2017, foi realizada a liquidação de uma conta caucionada que o oponente detinha desde a altura em que exercia a sua atividade em nome individual e, tendo o oponente constituído uma nova conta caucionada, titulada pela sociedade de que era sócio-gerente, no valor de € 60.000,00, os valores depositados naquela conta bancária, em 28.03.2017, provenientes da sociedade EMP01..., no montante total de € 82.648,44, foram para amortizar os capitais e juros dessa conta caucionada.
s) Em 2016, o arguido vendeu um carro pessoal – um ... -, com a matrícula PI-..-.., pelo valor de € 11.500,00. O valor obtido com essa venda foi depositado pelo oponente na sua conta bancária para comprar uma nova viatura, nos seguintes momentos:
- € 3.000,00, em 11.04.2017;
- € 2.500,00, em 24.04.2017;
- € 6.000,00, em 24.07.2017;
t) No dia 24.04.2017 o oponente fez uma transferência de € 8.600,00 para a compra da viatura marca ..., matrícula ..-TJ-...
u) A viatura identificada no parágrafo anterior foi posteriormente vendida pelo valor de € 13.500,00, tendo sido depositados os valores provenientes dessa venda, faseadamente, nas seguintes datas:
- € 5.000,00, em 19.06.2017 (a título de adiantamento);
- € 2.500,00 em 06.11.2017;
- € 2.00,00, em 27.11.2017;
- € 2.000,00, em 11.12.2017;
- € 2.000,00, em 22.12.2017.
v) Em 28.04.2017, foi realizada para a conta do oponente, no valor de € 9.062,00, uma transferência bancária com vista à legalização de uma viatura e pagamento de despesas do despachante.
w) Em 14.08.2017, o oponente recebeu uma transferência bancária no valor de € 18.500,00, correspondente à venda de favor de um automóvel de matrícula ..-MP-.. de um amigo, FF, o que fez em nome e por conta daquele, tendo esse valor sido reembolsado ao próprio, através de emissão de dois cheques, cada um de € 600,00, em 6.08.2017, e de um cheque de € 16.000,00, em 21.08.2017.
x) Em 04.08.2017, foi realizada uma transferência bancária proveniente de OO, no valor de € 1.000,00, correspondente à venda de umas jantes e pneus usados.
y) O oponente despendia, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis, quantias que lhe eram pagas em dinheiro, contabilizando-se, nesta conta bancária um montante de despesas € 3.283,00 (estas despesas encontram-se identificadas por pagamento de serviços com a entidade ...12 – titulada pelo IRN).
z) Para evitar deslocações quase diárias ao banco, o arguido optava por efetuar os depósitos em momentos esparsos, o que fez, designadamente em:
- 25.10.2017, com um depósito no valor de €2.000,00;
- 20.11.2017, com um depósito no valor de € 1.500,00.
aa) Aos valores de 2017 acrescem cerca de € 2.400,00 em depósitos em numerário, provenientes do pagamento das prestações de empréstimo da ex-mulher do Oponente.
bb) No ano de 2018, na conta bancária da Banco 2..., o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de despesas € 2.624,60 (estas despesas encontram-se identificadas por pagamento de serviços com a entidade ...12 – titulada pelo IRN), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- € 250,00, em 20.07.2018;
- € 1.000,00, em 22.08.2018;
- € 500,00, em 26.10.2018;
- € 1.000,00, 27.11.2018.
cc) Nesta conta bancária, em 01.02.2018, após terem sido realizados acertos relativamente às despesas realizadas pelo oponente na EMP01..., foi realizada uma transferência de € 1.000,00 para pagamento dessas despesas.
dd) No decurso do ano de 2018, o oponente vendeu um veículo que se encontrava na sua posse e onde realizou reparações – apenas não tinha registado a transferência da propriedade – da marca ..., com a matrícula ..-UV-.., tendo recebido o correspondente preço de € 8.480,00, em prestações, valores que depositou na sua conta bancária, nas seguintes datas: 
- 17.09.2018, o valor de € 1.000,00;
- 18.09.2018, o valor de € 1.400,00;
- 14.11.2018, o valor de € 1.000,00;
- 05.12.2018, o valor de € 2.580,00;
 - 12.12.2018, o valor de € 1.500,00
- 26.12.2018, no valor de € 1.000,00.
ee) Aos valores de 2018 acrescem cerca de € 2.400,00 em depósitos em numerário, provenientes do pagamento das prestações de empréstimo da ex-mulher do oponente.
ff) No ano de 2019, na conta bancária objeto de análise, o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de € 4.930,00 (estas despesas encontram-se identificadas por pagamento de serviços com a entidade ...12 – titulada pelo IRN), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- € 1.000,00, em 22.07.2019;
- € 500,00, em 26.07.2019;
- € 500,00, em 22.08.2019;
- € 2.500,00, em 10.09.2019.
gg) Aos valores de 2019 acrescem cerca de € 2.400,00 em depósitos em numerário, provenientes do pagamento das prestações de empréstimo da ex-mulher do oponente.
hh) No ano de 2020, na conta bancária objeto de análise, o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de € 3.939.70 (estas despesas encontram-se identificadas por pagamento de serviços com a entidade ...12 – titulada pelo IRN), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- € 2.000,00, em 17.02.2020;
- € 1.000, em 30.07.2020;
- € 1.00,00, em 07.09.2020.
ii) Nesta conta bancária recebeu o oponente, proveniente da EMP01..., o respetivo vencimento, em 05.11.2020, no valor de € 2.000.
jj) A operação bancária referida em 23. ocorreu porque o oponente, por lapso indicou o seu IBAN ao invés do IBAN da conta bancária da EMP01..., recebendo erradamente o valor de € 13.000,00, tendo transferido a mesma quantia para a conta titulada pela EMP01....
kk) Aos valores de 2020 acrescem cerca de € 2.400,00 em depósitos em numerário, provenientes do pagamento das prestações de empréstimo da ex-mulher do oponente.
ll) No ano de 2021, na conta bancária objeto de análise, o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de despesas € 4.934,30 (estas despesas encontram-se identificadas por pagamento de serviços com a entidade ...12 – titulada pelo IRN), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- 22.01.2021, € 400,00, transferidos por concorrente a quem agilizava a realização dos registos;
- 28.06.2021, € 1.000,00 em depósito
- 02.08.2021, € 1.000,00, através de uma transferência da EMP01...;
- 23.09.2021, € 1.000,00, através de uma transferência da EMP01...;
- 22.10.2021, € 1.000,00 em depósito.
mm) Para fazer face a despesas com apostas, o oponente recebeu de terceiros e depositou, pelo menos, as seguintes quantias:
- depósito em 11.01.2021, no valor de 1.500,00 €;
- depósito em 01.02.2021, no valor de 2.000,00 €;
- transferência de JJ, no valor de € 2.000,00 € (cfr. movimentos a débito de 18.02.2021);
- depósito em 23.02.2021, no valor de € 2.000,00;
- depósito em 01.03.2021, no valor de € 2.000,00;
- depósito em 12.03.2021, no valor de € 1.000,00;
- depósito em 17.03.2021, no valor de € 1.000,00;
- depósito em 25.03.2021, no valor de € 1.000,00;
- depósito em 28.04.2021, no valor de € 500,00;
- depósito, em 10.05.2021, no valor de € 1.500,00;
- depósito em 21.05.2021, no valor de € 1.500,00;
- depósito em 27.05.2021, no valor de € 1.000,00;
- desconto de cheque em 24.06.2021, no valor de € 1.000,00;
- depósito em 05.07.2021, no valor de € 2.000,00;
- depósito em 13.09.2021, no valor de € 3.000,00;
- depósito em 29.10.2021, no valor de € 1.000,00;
- depósito em 05.11.2021, no valor de € 1.200,00;
- depósito em 27.12.2021, no valor de € 2.000,00;
- depósito em 29.12.2021, no valor de € 1.500,00;
nn) O movimento bancário da Banco 2... da conta n.º ...03 de 01.06.2021, referido em 25., ascendeu a € 17,83.
oo) As apostas referidas em 24. eram feitas por mero favor, totalizando-se em 2021, através da conta bancária n.º ...03, um total de apostas de € 45.390,90.
pp) Em 24.09.2021, o arguido recebeu de HH, o valor de €12.000,00 correspondentes à venda do veículo ..., de matrícula AD-..-B8.
qq) Em 07.07.2021, o oponente recebeu € 2.000,00 através de cheque, decorrentes da venda de uma bicicleta ... na plataforma ....
rr) Em 2021 há cerca de € 2.400,00 em depósitos em numerário, provenientes do pagamento das prestações de empréstimo da ex-mulher do oponente.
ss) No ano de 2017, na conta do Banco 1..., o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante € 6.550.00 em emolumentos (estas despesas encontram-se identificadas como impostos e contribuições), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- € 1.000,00, em 20.01.2017;
- € 1.000,00 em 17.02.2017;
- € 500,00, em 17.03.2017;
-  € 700,00, em 06.04.2017;
- € 500,00, em 31.05.2017;
 € 1.000,00, em 23.06.2017;
- € 300,00 em 02.08.2017;
- € 1.400,00 em 14.11.2017.
tt) No ano de 2018, na conta bancária objeto de análise, o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de despesas € 8.600.00 (estas despesas encontram-se identificadas como impostos e contribuições), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- € 1.500,00, em 07.02.2018;
- € 1.000,00, em 12.02.2018;
- € 700,00, em 20.03.2018;
- € 400,00, em 14.06.2018;
- € 700,00, em 22.06.2018;
- € 800,00, em 27.07.2018
- € 700,00, em 03.10.2018;
- € 600,00, em 26.10.2017;
- € 500,00, em 07.11.2018;
- € 500,00, em 05.09.2018;
- € 800,00, em 28.11.2018;
- € 500,00, em 05.12.2018.
uu) A título de salários auferidos e despesas e contabilizados foram transferidos € 8.161,63.
vv) No ano de 2019, na conta bancária objeto de análise, o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de despesas € 10.799,3 (estas despesas encontram-se identificadas como impostos e contribuições), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- € 500,00, em 16.01.2019;
- € 950,00, em 05.02.2019;
- € 800,00, em 12.02.2019;
- € 1.000,00, em 19.03.2019;
- € 750,00, em 13.05.2019;
- € 1.000,00, em 12.06.2019;
- € 500,00, em 03.07.2019;
- € 500,00, em 26.07.2019;
- € 1.100,00, em 20.09.2019;
- € 500,00, em 01.10.2019;
- € 600,00, em 28.10.2019;
- € 500,00, em 14.11.2019;
- € 1.000,00, em 25.11.2019;
- € 1.000,00, em 09.12.2019.
ww) Em 18.06.2019, foi realizado uma transferência no valor de € 7.150,00 correspondente à venda de um automóvel pessoal do oponente de marca ..., matrícula OP-..-.., e o remanescente do preço, de € 1.000,00, foi depositado na conta bancária do oponente em 22.08.2019.
xx) No ano de 2020, na conta bancária objeto de análise, o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de despesas € 7.384,70 (estas despesas encontram-se identificadas como impostos e contribuições), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
- € 1.000,00, em 23.01.2020;
- € 500,00, em 12.03.2020;
- € 1.000,00, em 19.06.2020;
- € 500,00, em 24.06.2020;
- € 650,00, em 06.07.2020;
- € 500,00, em 27.07.2020;
- € 500,00, em 12.08.2020;
- € 1.000,00, em 02.10.2020
- € 500,00, em 14.11.2019;
- € 1.000,00, em 09.12.2019.
yy) A transferência recebida em 12.10.2020, refere-se a uma venda de um veículo da EMP01... com a matrícula ..-FE-.., no valor de € 19.000,00 e € 250,00 e refere-se à venda, tendo tais quantias sido transferidas para a conta titulada pela EMP01..., conforme resulta do próprio extrato, nas seguintes datas e montantes: 
- em 15.10.2020, € 1.000,00;
- em 16.10.2020, € 2.500,00;
- em 16.06.2020, € 5.000,00;
- em 19.10.2020, € 7.500,00;
- em 04.11.2020, € 1.000,00
- o remanescente, no valor de € 2.000,00 foi descontado ao valor do empréstimo realizado pelo Arguido à sociedade em 02.07.2019.
zz) No ano de 2021, na conta bancária objeto de análise, o oponente despendeu, a título de adiantamentos com despesas junto do IRN com os registos e legalizações de automóveis o montante de despesas € 7.384,70 (estas despesas encontram-se identificadas como impostos e contribuições), tendo para o efeito realizado depósitos em numerário das quantias que lhe foram pagas pelos clientes, nos seguintes momentos e montantes:
-em 11.01.2021, € 600,00
- em 15.01.2021, € 500,00
- em 01.03.2021, € 1.000,00
-em 08.03.2021, € 300,00
-em 12.03.2021, € 500,00
-em 24.03.2021, € 500,00
-em 27.05.2021, € 500,00
-em 28.06.2021, € 500,00
-em 05.07.2021, € 500,00
-em 09.08.2021, € 500,00
-em 01.09.2021, € 1.000,00
-em 29.10.2021, € 1.000,00.
aaa) Em 18.08.2021, recebeu uma transferência de € 2.300,00 proveniente da venda de uma ..., de matrícula ..-..-GR.
bbb) As apostas referidas em 42. eram feitas noutras plataformas, para além da ..., identificadas sob a referência ...33, ...07 e ...67, totalizando-se nesse ano, através desta conta bancária um total de apostas de € 85.060,00, tendo o valor sido reinvestido .
ccc) O oponente recebeu € 1 200,00 em 19.02.2020.
ddd) Foram ainda realizados depósitos para a realização das apostas remanescentes, nos seguintes montantes:
- em 22.01.2021, € 900,00
- em 17.02.2021, € 1.500,00
- em 15.04.2021, € 1.000,00
- em 24.06.2021, € 1.000,00
- em 27.08.2021, € 2.000,00
- em 21.10.2021, € 1.000,00
-em 23.12.2021, € 1.720,00.
eee) Em 11.05.2021, foi recebida uma transferência bancária no montante de € 1.550,00, relativa à venda do veículo da marca ..., de matrícula GX-..-.., e refere-se a uma viatura que, em conjunto com LL, comprou a um particular, tendo o aludido LL remetido a correspondente parte do preço.
A matéria a que não é feita referência assume caráter conclusivo ou irrelevante.
*
Motivação.

A análise da matéria alegada teve por suporte fundamental os documentos juntos aos autos, conjugados com as declarações do oponente e os depoimentos testemunhais, analisados à luz das regras da experiência e da normalidade.
O oponente prestou declarações relatando que se encontra divorciado da ex-mulher PP, de quem esteve separado entre 2014 e 2020, contudo retomaram a relação amorosa, vivendo em união de facto desde 2021. Não tem forma de atuar sobre as contas bancárias tituladas pela ex-mulher.
Os pais da ex-mulher doaram-lhe uma casa velha e eles contraíram um empréstimo para fazer obras, sendo a casa de morada da família. Quando se divorciaram, o imóvel ficou adjudicado à ex-mulher que, consequentemente, ficou responsável pelo pagamento do crédito, contudo o pagamento era feito através de uma conta do oponente. Instado, disse que tal se deveu a questões bancárias, por isso, todos os meses a ex-mulher lhe dava o dinheiro para a prestação.
Instado quanto ao imóvel sito na ..., alega ser do sogro e da ex-mulher.
O ... é um «suvezito» de oito lugares, que a ex-mulher lhe comprou a ele.
A ... é uma mota que teve há 20 anos, e vendeu a uma pessoa que era emigrante. Paga € 21,00 euros, todos os anos, de imposto.
O veículo ... foi comprado com uma avaria no motor, esteve no mecânico, em ..., ..., mas nunca foi arranjado, acabando a oficina por fechar, sem que o oponente saiba do paradeiro do veículo.
 O ... foi adquirido pelo DD, que era seu funcionário há cerca de 4 anos e gostava de jipes. Fez o negócio há 1 ano e 6 meses, pelo valor de € 23/24 000,00, com permuta de um veículo de marca .... O ... era da EMP01..., mas registou-o em seu nome dele, apesar de estar contabilisticamente na EMP01.... Quando fez a troca, o ... ficou registado na EMP01.... O registo em nome do CC ficou pendente devido ao arresto aqui decretado.
No que se reporta à matéria do artigo 88.º da oposição, confirmou que um amigo tinha um veículo para vender, não o queria fazer através do stand, mas a título particular, pedindo-lhe ajuda. Uma pessoa da EMP07... ofereceu o valor de € 50 000,00, que o BB pedia, nessa sequência o oponente concretizou o negócio e foi feita a transferência da referida quantia. Passados dois dias emitiu um cheque no montante de € 49 000,00, ficando com € 1 000,00 pelo seu trabalho.
Relativamente à matéria do artigo 87.º da oposição o oponente disse que tem uma avença mensal com um escritório de advocacia, pela qual paga € 225,00, para tratar de registos «on line» de automóveis e motos. Presta esse serviço, independentemente da venda de carros. Esclareceu que no escritório de advogados é gerada uma referência multibanco, com um valor que ele paga e depois leva o seu preço ao cliente. Instado disse que a referência para pagamento de registo automóvel é ...12 (por exemplo, o movimento de 18-01-2017) e que o pagamento é habitualmente feito em numerário. Posteriormente deposita tais valores no banco, ascendendo a € 500,00 ou € 600,00.
Instado, referiu que há transferências relativas a acertos de salários, pois não recebe todos os meses.
Relativamente à matéria do artigo 91.º relatou que nos primeiros 5 ou 6 anos trabalhou em nome individual e tinha uma conta caucionada. Quando criou a sociedade quis transferir a conta, mas o gerente bancário aconselhou-o a sobrestar nessa decisão, de modo a garantir maior credibilidade à sociedade. Assim, o movimento de 28-3-2017 (folhas 42 verso), corresponde ao valor da caucionada, que era de € 60 000,00, e que deixou de estar em seu nome pessoal, para estar em nome da EMP01....
Quanto à matéria do artigo 92.º, confirmou que vendeu um ... por € 11 500,00. Comprara, em nome particular, o veículo, há cerca de 6 ou 7 anos, ao vizinho de um amigo. O carro não trabalhava, guardou-o na garagem e foi-o arranjando, com ajuda de uns amigos. Fez a recuperação, no que gastou dinheiro, e pôs em funcionamento, com ele circulando, tendo feito a venda por € 11 500,00. Instado, disse não se recordar como recebeu o dinheiro, depois disse que o comprador também era comerciante e pagou com vários cheques, de várias contas, e dinheiro.
O veículo ... comprou a nível particular, para circular diariamente, era importado. Vendeu-o à filha de um amigo, não se recorda como recebeu, mas supõe que tenha sido faseadamente porque a conta a prazo do amigo só ficava com dinheiro disponível mais tarde. Em 16-6 vendeu o carro e recebeu € 5 000,00, quando a conta a prazo foi desbloqueando, foi recebendo o resto do dinheiro.
Confrontado com o documento de folhas 102 e o movimento bancário de 28-04-2017, referiu que uma pessoa na ... pediu para legalizar um carro, o valor identificado reporta-se ao montante do imposto que ele pagou ao despachante e que tinha sido transferido para a sua conta para esse efeito.
Confrontado com a matéria do artigo 96.º declarou que desconhece o valor do carro, sabendo que foi vendido para ... e que recebeu por transferência.
Confrontado com a matéria do art.º 97.º e com o movimento bancário de 21-08-2017 (documentos n.º 3 e n.º 9 juntos com a oposição), referiu que vendeu o veículo ... e comprou um veículo de marca ..., tendo sido adquirido por FF ficou com ele e pagou.
Confrontado com a matéria do artigo 98.º esclareceu que vende peças na internet, designadamente no «...», que são as sobras dos carros que vai arranjando.
Confrontado com a matéria do artigo 99.º referiu que sempre fez registos e que, atualmente, faz, por mês, 30 a 40 registos, tendo chegado a fazer 50. A conservatória cobra € 62,00 euros, o arguido pede mais € 3,00 ou € 4,00 aos clientes. Foi a contabilista que disse para ser feito a título particular. Instado, esclareceu que pagava, por cada registo € 55,30 e cobrava € 60,00, fazendo-os on line. Esse serviço efetuado na própria conservatória tem um custo de € 62,00.
 Relativamente ao que consta no artigo 103.º o declarante informou que diz respeito a despesas com almoços com clientes.
Foi confrontado com o documento n.º 10, referindo relativamente à matéria do artigo 104.º que se trata de um carro acidentado, que ele reparou, tendo recebido o valor da venda em prestações entre ../../2018 e ../../2018, tendo sido adquirido por um senhor que tinha uma carpintaria.
Quanto à matéria do artigo 105.º do requerimento inicial o oponente esclareceu que todos os meses dá entrada na conta bancária dinheiro da ex-mulher para pagamento da prestação do imóvel, pagavam € 500,00 por mês, agora € 640,00 todos os meses.
Fez referência ao movimento relativo ao crédito vida e à conta poupança ....
No que se reporta aos seus vencimentos, disse que não tirava ordenado todos os meses, recebendo depois os montantes em falta.
Fez uma conta poupança para os filhos, para pagamento dos estudos, e desmobilizou o dinheiro porque fez falta, contudo não se lembra para quê.
Confirmou a matéria do artigo 115.º do requerimento inicial.
Confrontado com o teor do documento n.º 3, no que refere aos movimentos para «...», esclareceu que se trata de uma plataforma de apostas da «betano», na qual abriu uma conta em seu nome e associou o seu nib, fazendo apostas com mais 4 amigos. Tal deveu-se ao facto de ser divorciado e os amigos pretenderem ocultar das respetivas mulheres que apostavam. Normalmente, cada um deles contribuía com € 150,00 ou € 200,00. Instado, disse que os lucros caíam na mesma conta, mas eram sempre investidos. Confrontado com os elevados valores, disse ter havido um grande descontrolo.
Instado quanto à matéria do artigo 121.º do requerimento inicial, disse desconhecer a que se refere, apenas após sugestão do Ilustre Mandatário admitiu que poderia ser relacionado com a fase «do covid».
Confirmou a matéria do artigo 122.º do requerimento inicial, referindo que o veículo de matrícula AD, foi para seu uso pessoal, tendo sido adquirido em ....
Quanto à matéria do artigo 123.º disse que tinha um seguro de saúde no Banco 1... para pagar todos os meses, por isso transferia dinheiro para essa conta.
Relativamente à matéria do artigo 125.º disse ter vendido uma bicicleta no ....
Referindo-se ao movimento de 14-08-2017 da conta do Banco 1... referiu que tem um seguro de saúde que tem protocolo com uma clínica, pagando o serviço no prestador e sendo, posteriormente, reembolsado.
Relativamente à matéria do artigo 139.º do requerimento inicial, o oponente declarou que tinha um veículo de marca ... modelo ... L antiga, que recuperou e vendeu.
No que se reporta à matéria do artigo 144.º do requerimento inicial, esclareceu que, por engano, deu o NIB pessoal em vez de dar o NIB da conta da EMP08..., por isso, o dinheiro caiu na sua conta pessoal. Da conta pessoal não conseguiu transferir tudo e fez em várias parcelas.
Instado, declarou desconhecer o valor da parcela de terreno onde edificaram a sua casa de morada de família, antes e depois das obras no imóvel. Contraíram um crédito de € 150 000,00 e na data do divórcio deviam € 117 000,00. Nessa altura ficou estipulado dar uma pensão de alimentos aos filhos no montante de € 150,00, mas como a sua ex-mulher teria que transferir o dinheiro da prestação do empréstimo (que saía da sua conta, mas era da responsabilidade da ex-mulher que ficou com a propriedade da casa de morada de família), faziam acerto de contas e ela só lhe pagava a diferença. Refere que o valor da prestação do crédito bancário, à data, seria de € 500,00 ou € 520,00.
Na altura do divórcio foi viver para casa de outra pessoa, durante um ano, depois esteve em casa de uma irmã e ainda em casa de outra pessoa, com quem manteve um relacionamento amoroso.
Não declara fiscalmente os lucros dos registos.
BB confirmou ter sido proprietário do veículo Ford RS ..0, tendo solicitado ao oponente para o colocar à venda. O veículo foi vendido por € 50 000,00 a uma empresa de confeção, tendo entregue € 1 000,00 ao AA pelo seu trabalho.
É intermediário de crédito, quando o AA tem clientes que necessitam de crédito, solicita os seus serviços. Conhece o AA há 17/18 anos, sabe que se divorciou e que o casal esteve separado durante anos. Instado, disse que o oponente não tem vício de jogo e é um homem de trabalho.
KK é militar da Guarda Nacional Republicana e primo do arguido, sendo seu amigo pessoal. Relatou que o arguido esteve separado da sua mulher cerca de três anos, mas agora o arguido diz-lhe que estão reconciliados.
O arguido tinha o vício de jogar online, o que detetou porque frequenta o seu stand e vê um outro primo, de nome LL, que dá o dinheiro ao arguido para este apostar online. Viu inclusivamente pagamentos de € 150,00 a € 200,00.    
DD é funcionário do arguido, trabalhando como vendedor de automóveis. Instado relatou que tinha um veículo de marca ... modelo E, que trocou por um .... Foi a EMP01... que ficou com o .... O ... estava em nome do AA, mas era da EMP01... e estava penhorado quando tentou registá-lo.
Trabalha na EMP01... desde setembro de 2021, mas já conhecia o oponente. Confirma a realização de registos, pelos quais são cobrados € 60,00, ficando o registo por cerca de € 55,00/€ 56,00. O oponente envia a informação para o escritório de advogados e eles fazem o registo online. Não conhece nenhum vício ao oponente.
O oponente prestou declarações vagas e muito inseguras, apenas quando confrontado com a matéria alegada no requerimento se recordava de alguns factos que procurava associar aos documentos juntos. O seu depoimento apenas foi valorado quando apoiado em outros elementos de prova.
As testemunhas, não obstante, demonstrassem simpatia pela posição do oponente, prestaram depoimentos enxutos e objetivos.
A matéria dos artigos 1.º a 6.º, 8.º e 11.º resulta da análise do processo.
A matéria do artigo 7.º resulta da análise da certidão de matrícula comercial da sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda., documento n.º 1 junto com o requerimento de oposição (folhas 20 a 26).
A matéria do artigo 9.º resulta da análise da certidão emitida pela Conservatória do Registo Civil ..., junta como documento n.º 2 com a oposição (folhas 27 e seguintes).
A matéria do artigo 10.º teve por base o depoimento de DD, não se apurando os exatos contornos do negócio.
A matéria do artigo 12.º teve por base o depoimento de BB, conjugado com a análise do extrato bancário de folhas 38 e seguintes (documento n.º 3 junto com a oposição).
A matéria do artigo 14.º teve por fundamento a análise do documento n.º 3 junto com a oposição, uma vez que no descritivo do movimento bancário vem referido «Trans....».
A matéria do artigo 15.º teve por base a análise conjugada dos documentos n.º 5 e n.º 6 juntos com a oposição. Atendendo à falta de credibilidade das declarações do arguido, e ainda à sua falta de memória, aliado ao facto de os movimentos bancários serem de valores aleatórios e não coincidentes com as datas que constam nos documentos, nada mais resultou provado relativamente à matéria alegada nos artigos 93.º e 94.º da oposição.
A matéria do artigo 16.º teve por fundamento a análise conjugada dos documentos n.º 3 e n.º 8 juntos com a oposição.
A matéria do artigo 17.º teve por fundamento a análise do documento n.º 3 junto com a oposição, uma vez que no descritivo do movimento bancário vem referido «Trans....».
A matéria do artigo 18.º teve por fundamento a análise do documento n.º 3 junto com a oposição, uma vez que no descritivo do movimento bancário vem referido «DEV COMPRA ...».
A matéria do artigo 19.º teve por fundamento a análise do documento n.º 3 junto com a oposição, uma vez que, na mesma data e sobre o mesmo montante há um movimento a débito e um movimento a crédito com os descritivos «COMPRA ...» E «DEV COMPRA ...», respetivamente.
A matéria do artigo 21.º teve por fundamento a análise do documento n.º 3 junto com a oposição, uma vez que no descritivo do movimento bancário vem referido «...».
A matéria do artigo 22.º resulta da análise conjugada dos movimentos bancários das contas do oponente da Banco 2... e do Banco 1..., designadamente o movimento a débito no dia 26-05-2020, no montante de € 1 200,00 com o descritivo «...» do Banco 1..., e o movimento a crédito no dia 27-05-2020, no mesmo montante, com o descritivo «TRANSF SEPA-...» da Banco 2....
Relativamente ao alegado no artigo 115.º da oposição, apenas resultou provada a informação que se extrai da análise do documento n.º 3 junto com o requerimento.
A matéria dos artigos 24.º, 42.º e 43.º resulta da conjugação das declarações do oponente e da testemunha KK, com a análise dos movimentos bancários (documentos n.º 3 e n.º 12 juntos com o requerimento de oposição), designadamente aqueles com o descritivo «...» e «EMP03... SA ...49». Efetivamente, o descritivo «...» tem por referência jogo, sendo que, neste aspeto, as declarações do arguido foram ainda corroboradas pela testemunha KK, que chegou a assistir a entregas de dinheiro para esse efeito.
A matéria do artigo 25.º resultou da análise do documento n.º 3 junto com a oposição, o que teve como consequência a infirmação do valor alegado pelo oponente conforme alínea mm) dos factos não provados.
A matéria do artigo 26.º teve por base a análise do documento n.º 3 junto com a oposição, atento o descritivo, a crédito, «SEG.SOCIAL –INST SEGURANÇA SO». 
A matéria dos artigos 27.º e 28.º resultou da conjugação dos documentos n.º 3 e n.º 12 juntos com a oposição, por referência aos valores e descritivos dos movimentos bancários, respetivamente «AA» na Banco 2... e «AA» no Banco 1..., assim como à coincidência de datas dos movimentos das duas contas.
A matéria dos artigos 29.º, 33.º a 35.º e 38.º resultou da análise do documento n.º 12 junto com o requerimento de oposição, considerando o teor do descritivo dos movimentos «IRN».
A matéria dos artigos 30.º, 32.º e 36.º teve por base a análise do documento n.º 12 junto com o requerimento de oposição, atendendo ao descritivo «EMP09... SA» nos movimentos a crédito.
A matéria dos artigos 37.º e 39.º resultou da análise do documento n.º 12 junto com a oposição, atendendo a que no descritivo dos movimentos alegados vem e expressa referência a pagamento de prémios de jogos.
A matéria do artigo 40.º resultou do teor do documento n.º 12 junto com o requerimento de oposição, atendendo ao descritivo «...» que consta no movimento a crédito dessa data.
A matéria do artigo 41.º resultou da análise do documento n.º 12 junto com o requerimento de oposição, uma vez que o respetivo movimento a crédito, da data alegada, tem como referência «reembolsos de IRS».
No que se reporta aos salários do oponente, o Tribunal concatenou a análise dos documentos n.º 3 e n.º 12 juntos com a oposição, com as declarações do próprio e as regras da experiência e da normalidade, considerando os valores depositados nas contas do oponente, consentâneos com o ordenado mínimo nacional, a regularidade dos movimentos e o descritivo que acompanha os movimentos «Ordenado EMP01... UNIPESSOAL LDA». Contrariamente, outras transferências desta sociedade, sem a mesma referência e de diferentes valores, não puderam ser consideradas, desconhecendo-se a que se referem, por total ausência de elementos de prova que possam corroborar a mera alegação do declarante.    
Assim, para além dos documentos juntos, apenas as declarações das testemunhas foram valoradas para formar a convicção do Tribunal, ou as declarações do oponente quando suportadas em outros elementos de prova, assim se justificando a matéria não provada.
A matéria das alíneas d) a f) não tem suporte documental, antes constando da certidão junta como documento n.º 2, a data de divórcio de ../../2014.
Quanto aos negócios com veículos, as meras declarações prestadas pelo oponente não revelaram credibilidade, ou sequer segurança suficiente, para concluir pela veracidade do alegado, atendendo ainda ao manifesto interesse do declarante no desfecho do processo.
No que se refere ao negócio efetuado com DD, não se apurou, concretamente, os exatos contornos do negócio ou as matrículas dos veículos envolvidos.
Quanto aos movimentos bancários para os quais inexiste qualquer suporte documental, restando unicamente as declarações prestadas pelo oponente, não resultaram provados os factos alegados, desconhecendo-se qual o negócio ou intenção subjacente ao movimento bancário que transparece dos extratos bancários. Por outro lado, há despesas cujo valor somado que se extrai dos documentos também não corresponde ao alegado, designadamente com despesas junto do IRN e com apostas, mais se desconhecendo a proveniência do dinheiro que suportou as alegadas despesas.”
***
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A. O recorrente começa por arguir a “nulidade da sentença por existência de contradições entre os fundamentos e a decisão … que a torna, assim, ininteligível, nos termos e para os efeitos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
*
A decisão recorrida indeferiu a oposição ao arresto, decretado nos termos do artigo 10.º, da lei 5/2002 de 11.01.
Dispõe essa mesma noma que “em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no código de processo penal.”
Por sua vez, o arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal encontra-se regulado no artigo 228.º, que estabelece, no seu nº 1: “a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil...”
Decorre destas disposições legais que as regras que presidem à apreciação do pedido de arresto formulado no processo penal e à sua oposição são as regras do processo civil.
Porém, é hoje entendimento francamente maioritário, que tal não significa que se apliquem as normas do processo civil a todos os trâmites processuais e, designadamente, àqueles que não tenham especificidade própria do procedimento cautelar, os quais são regulados pelo processo penal.
É o caso das regras aplicáveis ao recurso e à invocação nessa sede de nulidades, que são as consagradas no processo penal, que nesse âmbito tem um regime completo e sem lacunas.
O sistema das nulidades insanáveis e das nulidades dependentes de arguição consagrado no Código de Processo Penal configura um regime excecional, pela consagração do princípio da legalidade das nulidades (nº 1 do artigo 118º, do Código de Processo Penal), segundo o qual, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei (sendo o ato irregular nos casos em que a lei não determinar expressamente a nulidade), o que afasta a possibilidade de aplicação analógica das normas de direito processual civil, como forma de integrar eventuais lacunas legais [2].
A anomalia que o recorrente aponta ao despacho recorrido, que consiste numa alegada contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, não constitui no processo penal uma nulidade prevista em sede de regime das nulidades da sentença no artigo 379.º.
De todo, a decisão recorrida, embora apelidada de “sentença”, manifestamente não tem essa natureza.
É o artigo 228º nº 3 do Código de Processo Penal a qualificar expressamente o ato decisório que decreta o arresto preventivo como um despacho, o que inevitavelmente leva a concluir que a mesma natureza tem a decisão que conhece a respetiva oposição.
Pelo que, igualmente por aí, nunca poderia ser aplicável ao despacho recorrido o regime das nulidades da sentença.
Por sua vez, também os vícios decisórios previstos no artigo 410.º, nº 2 do Código de Processo Penal, que podem ser fundamento de recurso e conhecidos oficiosamente, e entre os quais se inclui a contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, são vícios próprios da sentença, por isso não verificáveis nos despachos que, como o recorrido, indeferem a oposição ao arresto.
São vícios que dizem sobretudo respeito à matéria de facto provada e/ou não provada e, como fundamento de recurso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Ora, um despacho que decide sobre a oposição a um arresto não consigna de forma inequívoca e definitiva a matéria de facto provada e não provada, na sequência de uma audiência de julgamento com oralidade, imediação e contraditório. Nessas decisões, o juiz pronuncia-se sobre a existência/inexistência de meros indícios, em ordem a manter, ou não, o arresto.
 Por outro lado, a apreciação do recurso de um despacho que decide a oposição ao arresto demanda a análise e conjugação de todos os elementos indiciários constantes dos autos, o que não é compaginável com a definição legal dos vícios decisórios como tendo de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Acresce, ainda, que a verificação dos vícios decisórios (quando não for possível decidir da causa), determina o «reenvio do processo para novo julgamento», nos termos dos artigos 426.º e 426.º-A, do Código de Processo Penal, o que pressupõe a existência de um julgamento anterior.
Do regime legal desses vícios decisórios decorre, inquestionavelmente, que eles só podem ser invocados em sede de recuso de sentenças, mas não das decisões que decidem a sorte da oposição ao arresto, que têm a natureza de despachos.
As questões relacionadas com a eventual incorreta apreciação de indícios numa decisão desse tipo têm de ser equacionadas no âmbito da análise de todos os elementos probatórios que constam do processo, não no quadro dos vícios do nº 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
No entanto, sempre se acrescenta que analisada a decisão recorrida, logo que se constata a sua inteligibilidade, dela não emanando qualquer contradição lógica (e, muito menos, insanável) entre os fundamentos e a decisão, não se descortinando incompatibilidade entre os factos indiciados e não indiciados ou entre a fundamentação probatória e a decisão que indefere a oposição ao arresto.
***
B. O recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto considerada indiciada e não indiciada e pretende, ainda, que se aditem aos indiciados a factualidade que enuncia.

Argumentando com o que se pode, ou não, extrair da prova indiciária constante dos autos, numa clara impugnação ampla da matéria de facto indiciada, regulada no artigo 412.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal.

Estabelece tal preceito, no nº 3, que nestes casos o recorrente tem de especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.

No caso em apreço, constatamos que o recorrente, embora indique os concretos pontos da matéria de facto indiciada e não indiciada que considera incorretamente julgados e enuncie aqueles que pretende ver aditados, limita-se depois a tecer considerações sobre a convicção com que ele próprio ficou sobre a prova, mas sem que justifique porque, em face do teor da lei, a prova impõe (e não só permite) decisão diversa.
Num exercício de sobreposição da sua convicção sobre a prova à convicção que sobre ela ficou o Tribunal, designadamente quando invoca as suas próprias declarações, não obstante a julgadora a quo, que teve a imediação da prova, ter considerado expressamente que: «O oponente prestou declarações vagas e muito inseguras, apenas quando confrontado com a matéria alegada no requerimento se recordava de alguns factos que procurava associar aos documentos juntos. O seu depoimento apenas foi valorado quando apoiado em outros elementos de prova. … Assim, para além dos documentos juntos, apenas as declarações das testemunhas foram valoradas para formar a convicção do Tribunal, ou as declarações do oponente quando suportadas em outros elementos de prova, assim se justificando a matéria não provada
(…) Quanto aos negócios com veículos, as meras declarações prestadas pelo oponente não revelaram credibilidade, ou sequer segurança suficiente, para concluir pela veracidade do alegado, atendendo ainda ao manifesto interesse do declarante no desfecho do processo.
(…) Atendendo à falta de credibilidade das declarações do arguido, e ainda à sua falta de memória, aliado ao facto de os movimentos bancários serem de valores aleatórios e não coincidentes com as datas que constam nos documentos, nada mais resultou provado relativamente à matéria alegada nos artigos 93.º e 94.º da oposição.»
Por sua vez, o acervo documental que consta dos autos foi criteriosamente analisado, tendo sido particularizado cada um dos documentos relevantes, entre os quais se incluem os aludidos pelo recorrente, como bem decorre da fundamentação, já supratranscrita e para onde se remete.
Os depoimentos das testemunhas DD e KK encontram-se corretamente sintetizados na fundamentação, por referência ao sentido global dos depoimentos, o que nem sempre emana dos excertos descontextualizados deles retirados e referidos no recurso (como comprovam os respetivos registos áudio).
 O Tribunal a quo conjugou o depoimento das testemunhas com os documentos constantes dos autos, chegando a conclusões perfeitamente consentâneas com as regras da experiência, como ilustram os seguintes segmentos da fundamentação factual indiciária, retirados do despacho recorrido:
“KK é militar da Guarda Nacional Republicana e primo do arguido, sendo seu amigo pessoal. Relatou que o arguido esteve separado da sua mulher cerca de três anos, mas agora o arguido diz-lhe que estão reconciliados.
O arguido tinha o vício de jogar online, o que detetou porque frequenta o seu stand e vê um outro primo, de nome LL, que dá o dinheiro ao arguido para este apostar online. Viu inclusivamente pagamentos de € 150,00 a € 200,00.
DD é funcionário do arguido, trabalhando como vendedor de automóveis. Instado relatou que tinha um veículo de marca ... modelo E, que trocou por um .... Foi a EMP01... que ficou com o .... O ... estava em nome do AA, mas era da EMP01... e estava penhorado quando tentou registá-lo.
Trabalha na EMP01... desde setembro de 2021, mas já conhecia o oponente. Confirma a realização de registos, pelos quais são cobrados € 60,00, ficando o registo por cerca de € 55,00/€ 56,00. O oponente envia a informação para o escritório de advogados e eles fazem o registo online. Não conhece nenhum vício ao oponente.
(…) As testemunhas, não obstante, demonstrassem simpatia pela posição do oponente, prestaram depoimentos enxutos e objetivos.
(…) A matéria do artigo 10.º teve por base o depoimento de DD, não se apurando os exatos contornos do negócio.
 (…) A matéria dos artigos 24.º, 42.º e 43.º resulta da conjugação das declarações do oponente e da testemunha KK, com a análise dos movimentos bancários (documentos n.º 3 e n.º 12 juntos com o requerimento de oposição), designadamente aqueles com o descritivo «...» e «EMP03... SA ...49». Efetivamente, o descritivo «...» tem por referência jogo, sendo que, neste aspeto, as declarações do arguido foram ainda corroboradas pela testemunha KK, que chegou a assistir a entregas de dinheiro para esse efeito.
(…) No que se refere ao negócio efetuado com DD, não se apurou, concretamente, os exatos contornos do negócio ou as matrículas dos veículos envolvidos.”
O Tribunal a quo teve o cuidado de se pronunciar sobre as provas em que fundou a sua convicção, por forma a demonstrar a razão pela qual entendeu que os argumentos e provas avançadas pelo arguido não o convenceram ou não foram suficientes.
Não se pode também deixar de ter presente que a exigência probatória nesta sede é meramente indiciária e que é o arguido quem tem o ónus da prova, o que deriva do facto de existir uma presunção legal sobre a origem ilícita dos bens (cf. artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro)
Como sublinham Hélio Rigor Rodrigues e Carlos A. Reis Rodrigues[3]: “No fundo, as presunções legais e a inversão do ónus da prova, no domínio da recuperação de ativos do crime, são duas faces distintas do mesmo fenómeno. Com efeito, a inversão do ónus da prova é apenas o resultado prático derivado da prévia existência de uma presunção.
O arguido não terá que provar a sua inocência, o ónus da prova dos elementos constitutivos do facto ilícito típico imputado ao arguido permanece a cargo da acusação, que deverá ser sustentada em julgamento. O ónus probatório a cargo do arguido resume-se à prova da origem lícita de determinados bens, e apenas se sobre eles incidir o juízo de desproporção, tarefa que terá que perseguir através da demonstração de um dos factos constantes do art.º 9.º, n.º 3, da lei 5/2002, de 11 de Junho”.
Para tal não é suficiente que o arguido avance uma outra versão dos factos, com base em outra interpretação da prova, era preciso que evidenciasse que a prova impunha, necessariamente, decisão diversa da tomada pelo Tribunal, nos termos da al. b), do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Ora, as provas indicadas só impõem uma outra convicção quando demonstrem que a obtida pelo Tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, quando demonstrem não só a possível incorreção decisória, mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.
E isto, manifestamente não resulta da argumentação recursória quanto à impugnação da matéria fática indiciariamente apurada e não apurada.
Sendo assim a decisão do Tribunal a quo inatacável neste ponto, porque proferida de acordo com a livre convicção da entidade competente, em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.
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C. O recorrente insurge-se, ainda, com o cálculo do valor do património incongruente e alega a desproporcionalidade do arresto decretado.

O arresto a que o recorrente se opõe foi decretado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 10.º, por referência aos artigos 7.º e 1.º, al. i), todos da Lei nº 5/2001, de 11 de janeiro.
Este diploma, que se insere no âmbito do combate à criminalidade económico-financeira, estabelece regimes especiais em determinadas matérias, designadamente – e na parte que ora nos interessa – no que respeita à perda de bens a favor do Estado, para os crimes catalogados no seu artigo 1.º.
Sem derrogar o regime geral do Código Penal quanto à perda clássica dos instrumentos, produto e vantagens provenientes do crime[4], que mantém a sua aplicação também nesses crimes de catálogo, o que a Lei n.º 5/2001 prevê é, paralelamente, uma perda do valor correspondente ao património incongruente com o rendimento lícito, presumindo-se, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de atividade criminosa.
O arresto dos bens é uma medida cautelar e a sua perda obedece aos critérios definidores dos bens que, para efeitos da citada Lei, fazem parte do património amplo do arguido.

É o artigo 7.º, do mesmo diploma legal, que define esses critérios, nos seguintes termos:
- estarem os bens na titularidade do arguido, ou este ter domínio sobre eles ou deles beneficiar, à data da sua constituição como arguido ou posteriormente;
- terem sido transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória nos cinco anos anteriores à constituição de arguido;
- terem sido recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
Por conseguinte, quaisquer que sejam os bens que se encontrem nesta situação, são suscetíveis da perda ampliada e, consequentemente, de sobre eles incidir o arresto.
Concretizando, apurado o valor do património do arguido, há que confrontá-lo com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita por ele auferidos naquele período Se da comparação daquele valor e dos rendimentos lícitos resultar um “valor incongruente”, não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse o montante da incongruência patrimonial, que poderá ser declarado perdido a favor do Estado. Pois que, uma vez condenado o arguido, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime do catálogo, opera a presunção (juris tantum) da origem ilícita desse valor.
No caso em apreço, não vemos razões para discordar da quantificação da vantagem correspondente ao património incongruente do arguido, fixada em 607 512,70 € e devidamente justificada na decisão recorrida, que por merecer a nossa concordância, transcrevemos:
“O legislador não definiu rendimento lícito, sendo legítimo concluir que o mesmo será constituído pelos rendimentos fiscalmente declarados, que deverão, em princípio ser excluídos do cálculo do património incongruente. Relativamente ao património adquirido, constante de registo público, deverá provar-se a origem lícita dos rendimentos que permitiram a sua aquisição.
Naturalmente que os bens ou vantagens adquiridos com o produto do crime serão considerados ao abrigo do regime previsto no artigo 111.º e seguintes do Código Penal (regime geral da perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime), eles resultam de um crime em concreto, não sendo necessário presumir a sua proveniência de uma qualquer atividade criminosa. Por isso se afirma que a perda alargada tem um caráter supletivo, valendo apenas para os casos em que a perda clássica não é suficiente para recuperar os proventos do crime.
O oponente alega variados rendimento, adquiridos por via do trabalho ou apostas. Importa notar que não basta provar que o oponente sempre exerceu atividade profissional ou auferiu rendimentos do trabalho, é necessário fazer a demonstração concreta dos rendimentos daí advenientes. Aliás se esses rendimentos estão refletidos nas contas bancárias, serão considerados, cumprindo aos requeridos fazer a prova da origem lícita dos mesmos.
A propósito de prova cumpre fazer aqui uma breve chamada de atenção para a prova em sede de arresto.
A exigência probatória para decretar o arresto é indiciária. Assim, existe forte indiciação da prática de crime de catálogo (tendo sido já deduzida acusação contra o oponente, o que exige a existência de indícios suficientes), existe forte indiciação quanto ao património do requeridos (conforme abundante prova documental) e ainda quanto ao património ilícito, atenta a diferença entre o património e o rendimento fiscalmente declarado, concluindo-se assim pela incongruência dos rendimentos apresentados pelo oponente. Incumbia ao oponente fazer a prova da licitude dos seus rendimentos.
O regime de bens de casamento apenas releva no caso de o património adquirido ser um bem próprio do cônjuge, no que respeita ao cálculo do património incongruente os   rendimentos de ambos são contabilizados porque serão igualmente objeto de desconto aqueles que foram declarados fiscalmente.
As contas solidárias terão que ser consideradas na totalidade, pois o dinheiro está na disponibilidade do requerido – artigo 7.º n.º 2 a) da Lei n.º 5/2002, de 11-01.
No que se reporta aos alegados salários auferidos, uma vez que os respetivos valores são posteriormente deduzidos conforme declaração fiscal apresentada, têm que ser considerados.
Quanto aos rendimentos que alegadamente transitam de ano para ano, importa notar que tudo pressupõe uma situação de normalidade, não se pressupõe que o oponente tenha amealhado durante anos para vir a adquirir património nos últimos cinco anos. Assim, impõe-se fazer uma relação direta dos rendimentos auferidos, com o património adquirido no mesmo período, pois só assim se poderá apurar se o rendimento é incongruente. Naturalmente que apurando-se que o património foi adquirido com rendimentos auferidos em anos anteriores, terá necessariamente que concluir-se pela sua exclusão – artigo 9.º n.º 3 c) da Lei n.º 5/2002, de 11-01.
Os bens arrestados, como em qualquer arresto, não têm que estar relacionados com o património incongruente, sendo indiferente a sua aquisição lícita ou ilícita, destinam-se a garantir o pagamento que poderá vir a ser devido pelos requeridos, neste caso, ao Estado. Os bens arrestados que possam fazer parte de um património comum, estarão sujeitos ao regime dos embargos de terceiro ou separação de meações.
Importa ainda notar que relevam os rendimentos líquidos e não o seu valor bruto, pois atendendo a que se pretende calcular o rendimento disponível, não faz sentido fazer cálculos com rendimentos que não estão na disponibilidade do oponente, como no caso dos rendimentos brutos.
No que respeita aos reembolsos de IRS, tais valores serão adicionados ao rendimento lícito do ano em que são recebidos pelos requeridos, pelo que para evitar uma dupla valoração de tais montantes, não serão considerados nos movimentos bancários a crédito.
Em concreto, alega o oponente que a quota societária não poderia ter sido arrestada porque estava na sua titularidade desde 2008, o que não é impedimento de qualquer arresto, conforme se explicou supra. O valor da quota não foi considerado para o cálculo do património incongruente (artigo 9.º n.º 3 b) da Lei n.º 5/2002, de 11-01), contudo pode ser arrestada de modo a garantir o pagamento que, eventualmente, o oponente possa ter que fazer a Estado.
No que se reporta aos valores que configuram prestações da Segurança Social, não sendo suscetíveis de declaração fiscal para efeito de IRS, não serão contabilizados na soma dos movimentos bancários, considerando-se terem proveniência lícita, no caso, será um total de € 1 000,20 (artigo 26.º dos factos provados). Também os valores creditados, resultantes de estornos de seguros serão excluídos do cálculo da vantagem da atividade criminosa (artigos 30.º e 32.º dos factos provados).
Relativamente aos veículos automóveis e aos imóveis referidos no requerimento de oposição, o seu valor não foi considerado para o cálculo da vantagem da atividade criminosa.
Quanto aos valores das contas bancárias, não foram contabilizados para o cálculo da vantagem da atividade criminosa os reembolsos/desmobilizações de aplicações financeiras.
No que se reporta à devolução do ..., não obstante não tenha sido alegado o respetivo valor, será considerado o montante de € 14,99 constante do extrato bancário, valor que não deve ser contabilizado para efeito de cálculo da vantagem da atividade criminosa, por se tratar de uma devolução de uma compra. O mesmo destino terá o montante de € 180,00 relativo à devolução da ..., € 44,99 de devolução da ... e o valor de € 14,83 relativo ao movimento bancário da Banco 2... de 01-06-2021.
As mobilizações de € 1 200,00, € 1 500,00 e € 2 500,00 de uma conta para outra não deve integrar, no seu movimento a crédito, o cálculo da vantagem da atividade criminosa, o que foi efetivamente cumprido pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, conforme folhas 737 do apenso B.
Já as devoluções do Instituto de Registos e Notariado devem integrar o cálculo da vantagem da atividade criminosa, dado que sempre estão sujeitas a declaração fiscal.
No que respeita aos movimentos bancários a crédito importa referir que os salários devem ser considerados uma vez que posteriormente se procede ao desconto do rendimento fiscalmente declarado, onde se incluem novamente os salários. O mesmo já não acontece com os movimentos referentes a subsídios de doença ou aos reembolsos de seguros.
No que se reporta aos arrestos do saldo de contas bancárias de terceiros, carece o oponente de legitimidade para requerer o seu levantamento, sendo certo que, conforme decorre da análise do processado, quer a ex-mulher, quer os filhos do oponente deduziram os competentes embargos de terceiro. Por outro lado, também a EMP01..., Lda. deduziu oposição ao arresto.
Nas contas bancárias em que há cotitulares, certo é que os montantes ali depositados estão na disponibilidade do oponente, o que cumpre naturalmente o requisito legal previsto no artigo 7.º n.º 2 a) da Lei n.º 5/2002, de 11-01, independentemente de quem faz os depósitos.
Passará então o Tribunal a proceder ao cálculo do património incongruente do requerido nos seguintes termos: serão deduzidos ao valor de € 946 084,70 (folhas 741 do apenso B) relativo a variações patrimoniais os seguintes montantes
Ano de 2017
€ 52,18 (conta da Banco 2...)
€ 423,09 (conta Banco 1...)
Total de € 484,27 (reembolso e estorno de seguros)

Ano de 2018

€ 156,00 (estorno de seguros na conta da Banco 2...)
Total de € 156,00

Ano de 2019

€ 14,99 (devolução ...)
€ 180,00 (devolução ...)
Total de € 194,99 (conta Banco 2...)

Ano de 2020

€ 485,80 (estorno de seguros da conta da Banco 2...)
Total de € 485,80

Ano de 2021
€ 14,83 (devolução da conta da Banco 2...)

€ 1 020,20 (prestação da Segurança Social da conta da Banco 2...)
€ 44,99 (devolução da ... da conta do Banco 1...)
€ 732,00 (reembolso de IRS da conta do Banco 1...)
Total de € 1 812,02

Assim, reduzindo o valor de € 3 133,08, as variações patrimoniais do oponente ascendem a € 942 951,62, o que resulta numa vantagem da atividade criminosa de € 607 512,70, após ser retirado o rendimento lícito (€ 335 438,92) – folhas 741 do apenso B.
Não está legalmente definido o que é o rendimento lícito, contudo é legítimo considerar-se como tal aquele que resulta da sua manifestação e registo público e declaração fiscal. O que constar desse registo ou declaração deverá ser excluído.”
Para garantir a efetiva perda desse valor incongruente, foram arrestados ao arguido/recorrente os saldos de contas bancárias no valor de 73 872,17 €, veículos automóveis no valor de 4 428,43 €, uma quota societária com o valor de 5 000,00 €e dois imóveis urbanos com o valor patrimonial de 158 521,72 €.
Não cabendo qualquer discussão sobre a origem lícita ou ilícita dos bens arrestados, que podem ser quaisquer bens que estejam na titularidade do arguido, ainda que tenham origem comprovadamente lícita e ainda que não possam integrar o conceito de património relevante para efeitos de cálculo do património incongruente, designadamente pelo critério temporal.
Podendo o arresto ser decretado “independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal” (n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002), ou seja, não dependendo o decretamento do arresto da verificação do periculum in mora, nem do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente[5].
O que se exige é a existência de fortes indícios da prática de crime do catálogo (artigo 10.º, nº 3, parte final, da Lei nº 5/2001, de 11 de janeiro).
Requisito que manifestamente se verifica nos autos, uma vez que já foi deduzida acusação contra o arguido/recorrente AA imputando-lhe a prática, em concurso efetivo, de:
- Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º e 104.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05.06, com a alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011 de 30.12;
- Um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 89.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05.06, artigo 299.º, nºs 1 e 3 do Código Penal.
Uma vez que só na fase de julgamento se irá apurar a efetiva verificação de incongruência determinante do acionamento do mecanismo legal da perda dos bens titulados pelo arguido, tem que se considerar que, atenta a fase processual em que se encontram os autos, não merece reparo a liquidação e o arresto dos bens realizado mostra-se necessário e proporcional, sem violação de qualquer norma legal. Naufragando mais este ponto do recurso.
***
III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido/requerido AA.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs (artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
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Notifique.
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Guimarães, 06 de maio de 2025
(Texto integralmente elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal –, encontrando-se assinado na primeira página, nos termos do artigo 19.º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.)

Fátima Furtado
(Relatora)
Fernando Chaves
(1º Adjunto)
Pedro Miguel Cunha Lopes
(2º Adjunto)


[1] Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Precisamente neste sentido, cf. Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999, p. 152.
[3] In Recuperação de Ativos na Criminalidade Económico-Financeira – Viagem Pelas Idiossincrasias De Um Regime De Perda De Bens Em Expansão – SMMP, 2013, pág. 230
[4] Cfr. artigos 109.º a 112.º do Código Penal.
[5] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2.ª edição atualizada, p. 627.