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DIREITO DE QUEIXA
HERANÇA INDIVISA
CONVERSAS DO SUSPEITO
PROVA INDIRETA
CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Sumário
I – Um titular de um direito de sucessão sobre a herança indivisa que integra o prédio rústico onde aconteceram os factos possui legitimidade para, desacompanhado dos demais, validamente deduzir queixa contra o agente por factos suscetíveis de integrarem a prática de crimes de dano e furto sobre bens que constituem aquele acervo hereditário. II –Independentemente de as denominadas «conversas informais» mantidas pelo órgão de polícia criminal com o arguido ocorrerem em momento anterior ou posterior ao da constituição do suspeito nessa qualidade, as respetivas declarações não podem ser legalmente valoradas. III – Podem ser livremente valorados, naturalmente em concatenação com a globalidade da prova produzida e as regras da experiência, os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelos agentes policiais que se deslocaram ao local da ocorrência sobre o teor de conversação então estabelecida voluntariamente pelo suspeito denunciado com o denunciante na presença daqueles, inclusive quanto à assunção da autoria dos factos denunciados, na medida em que consubstanciam relatos de circunstâncias fácticas diretamente percecionadas pelos depoentes, ou seja, por eles vistas e ouvidas, fora do contexto de inquirição direta ao suspeito sobre os acontecimentos investigados. IV – O recurso à denominada prova “indireta” (indiciária ou por presunção judicial) para formulação do juízo valorativo da prova não implica violação dos princípios constitucionalmente consagrados da presunção de inocência e in dubio pro reo, desde que os factos indiciários (premissas indiciárias), não obstante não revelarem por si só a existência histórica do factum probandum, se estribem em prova suficiente e segura e demonstrem outros factos, os quais, apelando às regras da lógica e da experiência comum e, mormente, inexistindo um mínimo princípio de prova de versão alternativa, autorizam a extração de determinadas ilações quanto ao facto que se visa demonstrar. V - Não se verifica causa de exclusão da ilicitude se não foi provado que o arguido atuou no exercício de um direito de que fosse titular, designadamente de um direito de passagem pelo prédio rústico pertencente à herança indivisa de que são interessados os ora demandantes civis, que seria assim prédio serviente, para aceder a terreno rústico da sua propriedade, ou que dispusesse de interesse juridicamente protegido que tivesse sido agredido pelos aqui ofendidos. VI – Concomitantemente, não se tendo provado que o arguido era titular, à data dos factos, de um direito à servidão de passagem sobre o terreno em questão ou sequer que, de modo não censurável, julgasse deter tal direito, não vinga o fundamento recursório de que o recorrente pressupunha o seu comportamento como juridicamente admissível e permitido pelo Direito, tendo agido sem consciência da ilicitude (cfr. art. 17º do CP).
Texto Integral
Acordam em conferência os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 176/21.3GAAMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Amares, por sentença proferida e depositada a 12.06.2024 (referências ...26 e ...69, respetivamente), foi decidido:
“a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano simples, previsto e punido pelos artigos 14.º, 26.º e 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa; b) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 14.º, 26.º e 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa; c) Condenar o arguido AA face às penas arbitradas em a) e b), na pena única de 188 (cento e oitenta e oito) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos) - artigos 77.º e 80.º do Código Penal; d) Condenar o arguido no pagamento das custas criminais (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 02 (duas) UC´s (artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao Regulamento), e sendo responsável pelo pagamento dos encargos a que a sua atividade houver dado lugar (artigo 514.º do Código de Processo Penal e artigo 16.º do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do apoio judiciário de que
eventualmente beneficie.
*
Na vertente cível, o Tribunal julga o pedido de indemnização civil deduzido, parcialmente procedente e, em consequência decide:
a) Condenar o demandado a pagar aos demandantes a quantia de 500,00€ (quinhentos euros), a título de compensação pelos danos patrimoniais sofridos; b) Condenar o demandado a pagar aos demandantes os juros de mora civis, à taxa legal em vigor, que atualmente se cifra em 4%, calculados sobre a quantia referida em a), desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, até ao efetivo e integral pagamento; c) Absolver o demandado do demais peticionado pelos demandantes; d) Sem custas na parte civil, por isenção legal;”
I.2 Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA, culminando a sua motivação com as seguintes conclusões e petitório (referência ...12):
I. Sucede, porém, que o aqui Arguido não pode conformar-se com a sentença do Tribunal a quo no tocante à apreciação da prova, fundamentação e medida de pena aplicável.
II. Decidindo com decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não fez uma correta interpretação dos factos e da prova.
III. Para além do mais, decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não fez uma correta interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 113.º do Código Penal, e dos artigos 48.º, 49º, 50º, 51.º, 242.º, 263.º, 267.º, 276.º do Código de Processo Penal.
IV. Se a matéria de facto e de direito for devidamente apreciada e julgada, o Recorrente tem de ser absolvido da instância.
V. Tendo, inclusive, a decisão sido tomada ao arrepio dos princípios orientadores do processo penal, designadamente o princípio “in dubio pro reo” e o princípio da proporcionalidade.
VI. Assim, com o presente recurso impugna-se, não só a decisão sobre a matéria de facto com base na prova gravada, mas também a decisão sobre a matéria de direito.
VII. A sentença condenatória proferida pelo Tribunal a quo carece de fundamento.
VIII. A decisão recorrida ao condenar o Recorrente na prática do crime de furto simples, na prática do crime de dano simples, em parte do Pedido de Indemnização Cível e no pagamento das custas do processo, enferma de erro na apreciação e julgamento da matéria de facto e de erro na aplicação e na interpretação do direito, pelo que terá inevitavelmente de ser revogada e consequentemente, ser substituída por outra decisão que absolva o Recorrente da instância com todas as legais consequências.
IX. O Tribunal a quo condenou o Recorrente na prática dum crime de dano simples, dum crime de furto simples, em parte do Pedido Cível e no pagamento das custas do processo.
X. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na apreciação crítica e conjugada das declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento (quanto às condições socioeconómicas); das declarações do demandante António Maria Lemos de Sousa prestadas em audiência de julgamento; dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento (BB, CC, DD e EE); da Cópia da petição inicial e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 81 a 117 (processo principal) e de fls. 86 a 97 (processo apenso); da Cópia da contestação e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 126 a 135; dos Autos de notícia de fls. 34 a 35 e 39 a 40 (processo apenso); dos Registos fotográficos de fls. 114 a 117 (processo apenso); dos documentos com o pedido de indemnização civil, de fls. 170-173; dos documentos e informações remetidos pelo Serviço de Finanças e pelo Instituo da Segurança Social (refªs eletrónicas n.ºs ...67 e ...36) e do certificado de registo criminal junto aos autos (refª eletrónica n.º ...95); tudo de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma apreciação de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável, isto tudo conjugado com as regras da experiência comum e os padrões de normalidade e lógica.
XI. No entanto, se se atender às declarações do Demandante António Maria Lemos de Sousa prestadas em audiência de julgamento, bem como dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento (BB, CC, DD e EE); à cópia da petição inicial e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 81 a 117 (processo principal) e de fls. 86 a 97 (processo apenso); à cópia da contestação e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 126 a 135; dos Autos de notícia de fls. 34 a 35 e 39 a 40 (processo apenso), o Recorrente terá de ser absolvido da instância.
XII. O Tribunal a quo deu como provado que: “Da acusação pública 1. No dia 20-08-2021, no período compreendido entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, sem autorização dos respetivos proprietários, ao volante de um trator com pá frontal, o arguido AA entrou no terreno designado por “...”, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4, situado na Rua ..., na freguesia ..., ...,integrado no acervo hereditário em que é interessado o denunciante António Maria Lemos de Sousa. 2. Ato contínuo, o arguido AA dirigiu-se ao local onde o denunciante FF havia efetuado uma vala vedada com vigas e arames numa extensão de cerca de 10 metros. 3. Aí chegado, sem o consentimento dos proprietários, com o uso da pá frontal do trator, o arguido AA aterrou cerca de um terço da referida vala e retirou as vigas e arames que a delimitavam, levando tais objetos consigo e fazendo-os seus, causando ao denunciante um prejuízo no valor de pelo menos 500,00€ (quinhentos euros). Do pedido de indemnização civil 13. Pela manhã do dia 20-08-2021, o demandado entrou no prédio supra identificado, ao volante de um trator com pá frontal e chegado ao local onde tinha sido feita a vedação, com o uso da pá frontal do trator aterrou cerca de um terço da referida vala, retirando as vigas e arames que a delimitavam, levando tais bens consigo, fazendo-os seus, tudo sem qualquer autorização ou consentimento dado por parte dos demandantes. 15. Como consequência direta e necessária da conduta do demandado, os demandantes sofreram um prejuízo de 500,00€, correspondente à deslocação da empresa ao local por duas vezes, para proceder à vedação e depois para abrir novamente a vala.”. XIII. Salvo o devido respeito que é muito, não se descortina os meios de prova nos quais o Tribunal a quo formou a sua convicção para dar como provados os factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 13 e 15. XIV. Atendendo à prova produzida, o Tribunal Recorrido, não poderia ter dado como provados os factos constantes do ponto 1, 2, 3, 13 e 15. XV. Não resulta da prova produzida em Audiência de Julgamento que o Recorrente tenha praticado qualquer crime.
XVI. Ninguém viu o Recorrente nodia 20-08-2021, no período compreendido entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, sem autorização dos respetivos proprietários, ao volante de um trator com pá frontal, a entrar no terreno designado por “...”, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4, situado na Rua ..., na freguesia ..., ....
XVII. Ninguém viu o Recorrente nodia 20-08-2021, no período compreendido entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, sem autorização dos respetivos proprietários, ao volante de um trator com pá frontal, a aterrar cerca de um terço da referida vala e retirar as vigas e arames que a delimitavam, levando tais objetos consigo e fazendo-os seus, causando ao denunciante um prejuízo no valor de pelo menos 500,00€ (quinhentos euros). XVIII. Por isso, devem ser dados como Factos Não Provados os seguintes factos:
“Da acusação pública 1. No dia 20-08-2021, no período compreendido entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, sem autorização dos respetivos proprietários, ao volante de um trator com pá frontal, o arguido AA entrou no terreno designado por “...”, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4, situado na Rua ..., na freguesia ..., ...,integrado no acervo hereditário em que é interessado o denunciante António Maria Lemos de Sousa. 2.Ato contínuo, o arguido AA dirigiu-se ao local onde o denunciante FF havia efetuado uma vala vedada com vigas e arames numa extensão de cerca de 10 metros. 3. Aí chegado, sem o consentimento dos proprietários, com o uso da pá frontal do trator, o arguido AA aterrou cerca de um terço da referida vala e retirou as vigas e arames que a delimitavam, levando tais objetos consigo e fazendo-os seus, causando ao denunciante um prejuízo no valor de pelo menos 500,00€ (quinhentos euros). Do pedido de indemnização civil 13. Pela manhã do dia 20-08-2021, o demandado entrou no prédio supra identificado, ao volante de um trator com pá frontal e chegado ao local onde tinha sido feita a vedação, com o uso da pá frontal do trator aterrou cerca de um terço da referida vala, retirando as vigas e arames que a delimitavam, levando tais bens consigo, fazendo-os seus, tudo sem qualquer autorização ou consentimento dado por parte dos demandantes. 15. Como consequência direta e necessária da conduta do demandado, os demandantes sofreram um prejuízo de 500,00€, correspondente à deslocação da empresa ao local por duas vezes, para proceder à vedação e depois para abrir novamente a vala.”. XIX. Na verdade, nenhuma prova foi produzida em como era propósito concretizado do Recorrente introduzir-se no terreno em apreço e destruir parte da vala e aterrá-la.
XX. Nenhuma prova foi produzida em como o Recorrente teve o propósito concretizado de se introduzir no terreno em apreço e fazer suas as vigas e arames que nesse terreno se encontravam.
XXI. Aliás, a este respeito note-se que Testemunhas houveram que depuseram como no local estavam vigas e arames, e a vedação destruída e desfeita, designadamente BB e EE.
XXII. Pelo contrário, resultou provado que o Recorrente defende que ele e outros possuem um direito de passagem pelo prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º, conforme, aliás resulta ação comum n.º 157/22.0T8AMR. E,
XXIII. Por isso, o Recorrente e outros, melhor identificados na ação comum n.º 157/22.0T8AMR, têm o direito de passagem no prédio rústico melhor identificado nos Autos para aceder aos seus prédios.
XXIV. Desta feita, e atendendo ao supra exposto o Tribunal a quo deve dar como Facto Não Provado que: “Da acusação pública 4. O arguido AA atuou da forma descrita, com o intuito, concretizado, de destruir em parte a vala existente, aterrando-a, apesar de saber que este bem não lhe pertencia e que contrariava, com tal conduta, a vontade dos seus legítimos proprietários. 5. O arguido AA agiu, nos termos indicados, com o propósito concretizado de se introduzir, do modo como o fez, no terreno em apreço, e de fazer seus as vigas e arames que se encontravam no seu interior, apesar de saber que estes objetos não lhe pertenciam e que agia sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do respetivo proprietário. 6. Agiu sempre o arguido AA, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal Do pedido de indemnização civil 16. Tudo foi feito pelo demandado, de forma consciente e sabendo que era tudo feito contra a vontade dos demandantes. 17. O demandado agiu livre e conscientemente, com o propósito de causar danos na propriedade dos demandantes e levar consigo os bens daí retirados por si, provocando prejuízos aos demandantes, o que efetivamente conseguiu, bem sabendo que não lhe estava autorizada tal conduta e que a mesma é proibida por lei.”.
XXV. O Tribunal Recorrido deu como Facto Provado que: “Da acusação pública 1. No dia 20-08-2021, no período compreendido entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, sem autorização dos respetivos proprietários, ao volante de um trator com pá frontal, o arguido AA entrou no terreno designado por “...”, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4, situado na Rua ..., na freguesia ..., ..., integrado no acervo hereditário em que é interessado o denunciante António Maria Lemos de Sousa. Do pedido de indemnização civil 8. Sucedendo-lhe como seus únicos e universais herdeiros quatro filhos, GG; HH; II e António Maria Lemos de Sousa, não havendo quem lhes prefira ou com eles concorra na herança deixada pela falecida JJ. 9. A JJ deixou bens imóveis ainda por partilhar, pelo que a sua herança continua ilíquida e indivisa. 10. Os herdeiros de JJ, são donos e possuidores legítimos em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º, com a área constante da matriz de 5.800 m2. 11. Os demandantes detêm e fruem tal prédio, efetuando plantações e corte de árvores, roçando o mato e colhendo lenhas, limpando e conservando todo o prédio, retirando dele todas as demais utilidades e suportando os respetivos encargos, no seu interesse e proveito, com ânimo de exclusivos donos, à vista e com o conhecimento do demandando e demais gente nisso interessada, sem qualquer estorvo ou turbação. 12. Os demandantes contrataram uma empresa que procedeu à vedação do seu referido prédio do lado que confronta com a Rua ..., abrindo uma galgueira com a extensão aproximada de dez metros, colocando vigas de cimento e arame. 14. O demandante António Maria Lemos de Sousa, que é quem tem cuidado do prédio, contratou novamente a mesma empresa que colocou a vedação e reabriu a vala. 19. O demandante António Maria Lemos de Sousa é quem cuida e vigia o prédio da herança supra identificado.”. XXV. Salvo o devido respeito, não se descortina os meios de prova nos quais o Tribunal a quo formou a sua convicção para dar como provados os factos constantes dos pontos 1º, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 19 dos Factos Provados. XXVI. Atendendo à prova produzida, o Tribunal Recorrido, não poderia ter dado como provados os factos constantes do ponto 1º, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 19 dos Factos Provados.
XXVII. Nenhuma prova foi feita nos Autos de que GG; HH; II e António Maria Lemos de Sousa são os únicos e universais herdeiros de JJ.
XXVIII. Assim como, não foi feita qualquer prova de que não existem outros herdeiros que lhe prefiram ou que com eles concorram na referida herança. XXIX. Aliás, note-se que a Escritura de Habilitação e Partilha não está sequer completa.
XXX. Ademais, o Recorrido não faz prova nem que, JJ deixou bens imóveis ainda por partilhar, pelo que a sua herança continua ilíquida e indivisa.
XXXI. O Recorrido não faz prova que o prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º, com a área constante da matriz de 5.800 m2, integra o acervo hereditário em que aquele é interessado.
XXXII. Nem tão pouco que os herdeiros de JJ, são donos e possuidores legítimos em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º, com a área constante da matriz de 5.800 m2.
XXXIII. Daqui resulta mais uma vez e de forma inequívoca que a matéria sobre a matéria de facto é contraditória.
XXXIV. É manifesto e notório o erro na apreciação da prova pelo Tribunal a quo.
Assim, e atendendo ao supra exposto devem ser dados como Factos Não Provados que:
“Da acusação pública 2. No dia 20-08-2021, no período compreendido entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, sem autorização dos respetivos proprietários, ao volante de um trator com pá frontal, o arguido AA entrou no terreno designado por “...”, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4, situado na Rua ..., na freguesia ..., ..., integrado no acervo hereditário em que é interessado o denunciante António Maria Lemos de Sousa. Do pedido de indemnização civil 8. Sucedendo-lhe como seus únicos e universais herdeiros quatro filhos, GG; HH; II e António Maria Lemos de Sousa, não havendo quem lhes prefira ou com eles concorra na herança deixada pela falecida JJ. 9. A JJ deixou bens imóveis ainda por partilhar, pelo que a sua herança continua ilíquida e indivisa. 10. Os herdeiros de JJ, são donos e possuidores legítimos em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º, com a área constante da matriz de 5.800 m2. 11. Os demandantes detêm e fruem tal prédio, efetuando plantações e corte de árvores, roçando o mato e colhendo lenhas, limpando e conservando todo o prédio, retirando dele todas as demais utilidades e suportando os respetivos encargos, no seu interesse e proveito, com ânimo de exclusivos donos, à vista e com o conhecimento do demandando e demais gente nisso interessada, sem qualquer estorvo ou turbação. 12. Os demandantes contrataram uma empresa que procedeu à vedação do seu referido prédio do lado que confronta com a Rua ..., abrindo uma galgueira com a extensão aproximada de dez metros, colocando vigas de cimento e arame. 14. O demandante António Maria Lemos de Sousa, que é quem tem cuidado do prédio, contratou novamente a mesma empresa que colocou a vedação e reabriu a vala. 19. O demandante António Maria Lemos de Sousa é quem cuida e vigia o prédio da herança supra identificado.”. XXXV. Do exposto resulta que a matéria de facto não foi devidamente apreciada, julgada e decidida. XXXVI. Por isso, deve a matéria de facto ser devidamente apreciada, julgada e decidida pelo Tribunal ad quem.
XXXVII. E, consequentemente ser revogada a decisão que condenou o Recorrente, e, ser substituída por outra que o absolva.
XXXVIII. A decisão recorrida não fez uma reflexão e exame crítico da prova produzida em audiência, por isso incorreu no vício de falta de fundamentação previsto nas normas conjugadas dos arts 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 al. a), do Código de Processo Penal e, como tal, deve ser julgada nula.
XXXIX. No dia 20/08/2021, António Maria Lemos de Sousa melhor identificado nos presentes Autos, apresentou denúncia no departamento da Guarda Nacional Republicana de ... – cfr. Auto de Denúncia.
XL. Para tanto, descreveu a factualidade subjacente ao presente processo, como tendo ocorrido no dia 20/08/2021, entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, intitulou-se como “lesado/ofendido”, e declarou desejar procedimento criminal.
XLI. Quando António Maria Lemos de Sousa apresentou a queixa crime que originou os presentes Autos Crime, intitulou-se como proprietário do prédio rústico melhor identificado nos Autos, designadamente prédio designado por “...”, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4, situado na Rua ..., na freguesia ..., ....
XLII. António Maria Lemos de Sousa tão pouco declarou que o referido prédio era propriedade duma Herança Indivisa no caso por óbito de sua mãe.
XLIII. Os factos considerados provados, tal como resultam elencados na respetiva matéria de facto provada, apenas são suscetíveis de integrar a prática, pelo arguido, em autoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo disposto no artigo 203º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de dano simples, previsto e punido pelo disposto no artigo 212º, n.º 1, do Código Penal.
XLIV. Estes crimes têm a natureza de crime semipúblico.
XLV. Os crimes particulares e semipúblicos são uma exceção ao princípio da oficialidade.
XLVI. Pois, quando estão em causa crimes semipúblicos ou particulares, a promoção do processo pelo Ministério Público depende, desde logo, do exercício do direito de queixa pelo respetivo titular. XLVII. Assim, para o Ministério Público promover a ação penal, torna-se imperioso que o Ofendido dê conhecimento de tais factos ao citado Ministério Público.
XLVIII. No caso de inexistência desta, competia ao Ministério Público arquivar os Autos na fase de inquérito (artigo 277º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), por ocorrer uma causa de inadmissibilidade legal do procedimento por ilegitimidade do Ministério Público.
XLIX. O Ofendido, António Maria Lemos de Sousa, não era, nem é o Cabeça de Casal da Herança Indivisa Aberta por Óbito de JJ e da qual supostamente faz parte o prédio rústico identificado no retro artigo 155º. Ademais,
L. O Cabeça de Casal da Herança Indivisa Aberta por Óbito de JJ não formulou qualquer queixa nos presentes Autos.
LI. Aliás, o Ofendido, António Maria Lemos de Sousa, tão pouco fez prova da qualidade de herdeiro nos presentes Autos.
LII. No caso dos Autos, tendo em vista que com a incriminação do furto e do dano se quis proteger o património - e considerando que não se suscitam questões referentes à utilização dos bens a qualquer outro título que não a propriedade (ou seja, a queixosa não é arrendatária, comodatária, usufrutuária, etc.) é inequívoco que o direito de queixa pertencia, exclusivamente, aos Herdeiros da Herança Aberta por Óbito de JJ, ou ao Cabeça de Casal.
LIII. Ora, nos presentes Autos, os factos ocorreram a 20/08/2021 e a queixa foi apresentada pelo António Maria Lemos de Sousa; sendo que, à data da apresentação da queixa, o subscritor não configurava, nem configura como legal representante do acervo hereditário, nem era seu mandatário judicial, nem mesmo mandatário munido de poderes especiais para apresentação de queixa, pois, no processo nada consta nesse sentido.
LIV. Os supostos factos ocorreram no prédio denominado “...”, suposta propriedade da Herança Aberta por Óbito de JJ, uma herança ilíquida e indivisa.
LV. Logo,a queixa sempre teria de ser proposta pela Herdeiros da Herança Aberta por Óbito de JJ ou pelo Cabeça de Casal e jamais pelo seu supositício herdeiro, António Maria Lemos de Sousa, na qualidade de Ofendido/Lesado.
LVI. Reitere-se aquando da apresentação da queixa crime António Maria Lemos de Sousa nunca se intitulou Herdeiro da Herança Aberta por Óbito de JJ, nem fez prova da qualidade de herdeiro.
LVII. Por força do disposto no art.º 2091º, do Código Civil, enquanto a herança se encontrar indivisa, os direitos relativos à mesma “só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.
LVIII. Com efeito, o herdeiro só é considerado titular de um direito concreto sobre bem ou bens da herança após ter sido efetuada a partilha, sendo certo que esse direito retroage ao momento da abertura da sucessão (art.º 2119º, do Código Civil). Assim,
LIX. A queixa nos presentes Autos apresentada, não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada.
LX. No caso não há, tão pouco, que proceder à notificação aos titulares do direito de queixa para que ratifiquem a queixa apresentada, já que, mostra-se decorrido o prazo de seis meses, previsto pelo artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, para a extinção, por caducidade, do direito de apresentação de queixa.
LXI. Por conseguinte, dever-se-á aqui declarar a falta de uma condição de procedibilidade - a existência de queixa validamente apresentada - e determinar que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes Autos, deverá declarar-se extinta a responsabilidade criminal do Arguido.
LXII. O Recorrente não praticou o crime de dano.
LXIII. Dos Autos não resulta provado a prática do crime de dano pelo Recorrente.
LXIV. Dos Autos não resultou provado que o Recorrente entrou com um trator de pá frontal no prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º, e aterrou parte duma vala e destruiu uma vedação composta por vigas e arame.
LXV. Dos Autos não resultam preenchidos, nem o elemento objetivo, nem o elemento subjetivo do crime de dano.
LXVI. Acresce que, caso se entenda que o Recorrente aterrou parte da vala e destruiu a vedação, o Recorrente não agiu com culpa.
LXVII. Pois, e conforme resulta dos Doutos Autos, o Recorrente é titular dum direito de passagem sobre o prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º.
LXVIII. E, portanto, o Recorrente sempre agiria ao abrigo duma causa de exclusão da ilicitude, designadamente legítima defesa, ação direta, estado de necessidade.
LXIX. Ademais, caso se entenda que, o Recorrente tenha aterrado parte da vala e destruído a vedação, hipótese que só se formula por dever de patrocínio e raciocínio, e porque não resultou provado, o Recorrente sempre agiu sem consciência da ilicitude do facto.
LXX. Pois, atendendo ao seu direito à servidão de passagem, o Recorrente tinha o seu comportamento como juridicamente admissível e permitido pelo Direito.
LXXI. Pois, o Recorrente entendia agir ao abrigo duma causa de justificação permitida pelo Direito, no caso o direito de servidão de passagem do Recorrente pelo prédio do Recorrido.
LXXII. O Recorrente não agiu dolo.
LXXIII. O Recorrente não agiu com consciência de ilicitude.
LXXIV. O Recorrente acreditava estar a atuar justificadamente, de acordo com o Direito e não contra o Direito, cfr. Teresa Serra, Problemática do Erro sobre a Ilicitude (1991), 67.
LXXV. No caso sub judice não estão preenchidos os pressupostos legais do crime de dano.
LXXVI. Logo, deverá a sentença proferida ser revogada com todas as legais consequências e o Recorrente ser absolvido da prática do crime de dano.
LXXVII. Dos Autos não resultou provado que o Recorrente entrou com um trator de pá frontal no prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º e aterrou parte duma vala e destruiu uma vedação.
LXXVIII. Ora, se não se provou que foi o Recorrente quem aterrou a vala e destruiu a vedação, também não se provou que foi o Recorrente quem subtraiu os bens, arame e vigas, que componham a vedação.
LXXIX. Contrariamente, resultou provado que as vigas e o arame ainda se encontravam no local dos factos no dia 20/08/2021, para efeito deverá atender-se aos testemunhos de BB e EE.
LXXX. Por outro lado, não ficaram provados os prejuízos suportados pelo Recorrido.
LXXXI. Dos Autos não resultou provado a ilegítima intenção de apropriação do Recorrente.
LXXXII. No caso sub judice não estão preenchidos os pressupostos legais do crime de furto.
LXXXIII. Logo, deverá a sentença proferida ser revogada com todas as legais consequências e o Recorrente ser absolvido da prática do crime de furto.
LXXXIV. As declarações do Recorrente antes do início do inquérito e da sua constituição como Arguido nos presentes Autos não poderiam ser valoradas como meio probatório.
LXXXV. As chamadas «conversas informais» são declarações prestadas pelo arguido a órgãos de polícia criminal à margem do processo, sem redução a auto e, portanto, sem respeitarem o princípio da legalidade processual decorrente dos artigos 2.º, 57.º e segs., 262.º e segs., 275.º, 355.º a 357.º do CPP e art. 29.º da Constituição (nulla pena sine judicio), não podendo as declarações assim produzidas serem valoradas como meio de prova e concorrerem para a formação da convicção do Tribunal.
LXXXVI. Acresce que, a constituição formal de arguido constitui a “linha de fronteira” da admissibilidade em audiência de julgamento das ditas “conversas informais”, sendo que a partir daquele momento as declarações só têm valor de prova quando prestadas em atos mencionados na lei, considerando-se sem carácter probatório todas as demais provas que foram recolhidas informalmente, em conversas ou em atos sem previsão ou legitimação legal.
LXXXVII. Antes dessa constituição, as afirmações produzidas por qualquer pessoa, seja ela suspeita ou potencial testemunha não traduzem “declarações” para efeitos processuais, já que não existe ainda, verdadeiramente, um processo penal a correr os seus termos.
LXXXVIII. Assim, não podendo ser valoradas tais declarações e não resultando, pela análise da demais prova documental e testemunhal, elementos minimamente consistentes que o Arguido, ora Recorrente, tivesse sido o autor dos factos (ou, de qualquer modo tivesse tido participação nos mesmos) terá que imperar o velho brocardo do in dubio pro reo.
LXXXIX. Ou seja, e em resumo, nenhuma prova segura foi feita acerca dos factos imputados ao Arguido/Recorrente e relacionados com o imputado crime de furto e de dano por que veio a ser, pelo Tribunal a quo, condenado.
XC. Não se verifica no caso uma relação direta e imediata com exclusão de qualquer outra possibilidade razoável e, por outro lado a prova produzida (quer a de carácter documental quer a de carácter testemunhal) não permite, com o mínimo de segurança concluir se o Arguido/Recorrente foi o autor ou se teve alguma intervenção nos factos.
XCI. Suscitam-se demasiadas dúvidas sobre se o Recorrente teve alguma intervenção nos factos, dúvidas essas intransponíveis também por recurso à mera presunção judicial.
XCII. Daqui decorre que (e não podendo ser postergado o princípio do in dubio pro reo, plasmado no artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa) não havendo elementos suficientes para se poder, com segurança bastante, concluir que o Recorrente tivesse sido o autor dos factos, deverá o mesmo ser absolvido, como resultado da imposição da revogação da sentença recorrida derivada da procedência do seu recurso.
XCIII. O Recorrente foi condenado na pena única de 188 (cento e oitenta e oito) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos).
XCIV. Sucede, porém, que o Recorrente entende que o Tribunal a quo violou as normas respeitantes à determinação da medida da pena.
XCV. A pena de multa aplicável ao Recorrente é excessiva e desproporcional.
XCVI. A pena de multa aplicada violou princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade.
XCVII. Como resulta da matéria dada como provada, a conduta do Recorrente reveste-se duma ilicitude de grau baixo.
XCVIII. Quanto às exigências de prevenção geral haverá de se ponderar em especial, a baixa ilicitude dos factos dentro do tipo de ilícito simples de furto e dano, atento o prejuízo causado e á causa/razão justificativa.
XCIX. Relativamente às exigências de prevenção especial estas são, como parece evidente, baixas.
C. A este respeito militam em favor do Recorrente:
- foi provada a razão explicativa e justificável;
- o valor diminuto do montante subtraído, ainda que não provado;
- a integração profissional e familiar do Recorrente;
- o caso em apreço tratou-se duma situação ocasional e excecional;
- a personalidade do Recorrente e a inexistência de tendência criminosa;
- a ausência de antecedentes criminais, nem condenações posteriores.
CI. Assim, e atendendo aos princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, o número de dias de multa a que o Recorrente foi condenado deve ser revogado e fixar-se a pena única em oitenta dias de pena de multa.
CII. Acresce que, na fixação do quantitativo diário não foi tida em conta a situação financeira e económica, bem como os encargos do Recorrente, facto aliás, dados como provados pelo Tribunal Recorrido.
CIII. Portanto, tendo em conta o rendimento líquido do agregado do Recorrente e os encargos correntes e normais da vida corrente, o Recorrente não fica com nenhum rendimento mensal disponível, inclusive, para fazer face à pena de multa aplicável.
CIV. Por isso, o quantitativo deve ser fixado em 5,00 €.
CV. Assim, deve a sentença proferida ser revogada e em consequência ser reduzido o número dos dias de multa para oitenta dias e o quantitativo diários da pena de multa fixada em 5,00 €.
CVI. O Tribunal Recorrido condenou o Recorrente no pagamento da quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de compensação por danos patrimoniais.
CVII. Para o efeito, entende o Tribunal a quo que estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
CVIII. Sucede, porém, que e salvo o devido respeito por melhor opinião, no caso sub judice não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual.
CIX. Não resulta provado que o Recorrente cometeu os ilícitos criminais de que vem acusado.
CX. Conforme referido retro, não ficou provado que o Recorrente destruiu a vala e subtraiu vigas e arame.
CXI. De igual forma, não resultou provado que o Recorrente cometeu o crime de furto simples e o crime de dano simples.
CXII. Ademais, e contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo no caso em apreço verificam-se causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
CXIII. Caso se entenda que o Recorrente aterrou parte da vala e destruiu a vedação, hipótese que se formula apenas por dever de patrocínio e raciocínio, dado nada ter resultado provado a este respeito, o Recorrente não agiu com culpa.
CXIV. Pois, e conforme resulta dos Doutos Autos, o Recorrente é titular dum direito de passagem sobre o prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º.
CXV. E, portanto, o Recorrente sempre agiria ao abrigo duma causa de exclusão da ilicitude, designadamente legítima defesa, ação direta, estado de necessidade.
CXVI. Ademais, caso se entenda que, o Recorrente tenha aterrado parte da vala e destruído a vedação, hipótese que só se formula por dever de patrocínio e raciocínio, e porque não resultou provado, o Recorrente sempre agiu sem consciência da ilicitude do facto.
CXVII. Pois, atendendo ao seu direito à servidão de passagem, o Recorrente tinha o seu comportamento como juridicamente admissível e permitido pelo Direito.
CXVIII. Pois, o Recorrente entendia agir ao abrigo duma causa de justificação permitida pelo Direito, no caso o direito de servidão de passagem do Recorrente pelo prédio do Recorrido.
CXIX. O Recorrente não agiu dolo.
CXX. O Recorrente não agiu com consciência de ilicitude.
CXXI. O Recorrente acreditava estar a atuar justificadamente, de acordo com o Direito e não contra o Direito, cfr. Teresa Serra, Problemática do Erro sobre a Ilicitude (1991), 67.
CXXII. No caso sub judice não estão preenchidos os pressupostos legais do crime de dano simples e do crime de furto simples.
CXXIII. Ademais, e contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, não se encontram nem apurados, nem quantificados os danos patrimoniais.
CXXIV. Conforme já referido, existem testemunhas que alegaram que a vedação estava no local dos factos.
CXXV. Para além do mais, não resultam quantificados os danos.
CXXVI. Pois, o documento em que o Tribunal Recorrido fundamenta o preenchimento deste requisito não faz prova do valor dos prejuízos.
CXXVII. Na verdade, a fatura não prevê o valor das vigas e arames, fundamento do pedido de indemnização nos presentes Autos.
CXXVIII. A fatura junta pelo Demandante apenas faz referência ao valor dos serviços de retroescavadora, que tão pouco referenciados e peticionados.
CXXIX. Por outro lado, a referida fatura possuiu inúmeras incoerências que impedem o seu valor probatório, desde logo o local da prestação de serviços que coincide com a residência do Demandante, FF, e o facto de ter sido emitida decorridos mais de dois anos sobre a ocorrência dos fatos, entre outros.
CXXX. Assim, não se provaram prejuízos no valor de € 500,00 (quinhentos euros).
CXXXI. Bem como, não se provou qualquer nexo de causalidade.
CXXXII. Contrariamente ao entendimento do Tribunal Recorrido, no caso em apreço não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual como aliás, sucedeu no que concerne aos danos não patrimoniais.
CXXXIII. Logo, o pedido de indemnização civil por danos patrimoniais terá de improceder.
CXXXIV. Destarte, deve a sentença proferida ser revogada e consequentemente ser proferida nova decisão que julgue improcedente o pedido de indemnização civil por danos patrimoniais.
CXXXV. Face a tudo quanto foi supra exposto deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado com todas as legais consequências.
NESTES TERMOS, deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, e, em consequência: a) Revogar-se a Douta Sentença proferida nos Autos e substituí-la por outra que, absolva o Arguido do crime de furto simples e do crime de dano simples, bem como da pena de multa de 188 dias à taxa diária de 6,50 €, do Pedido de Indemnização Cível no valor de € 500,00 (quinhentos euros) e das custas processuais a que foi condenado. Subsidiariamente, b) Revogar-se a Douta Sentença proferida nos Autos e substituí-la por outra que, que fixe a pena de multa em oitenta dias e no quantitativo diário de € 5,00 (cinco euros), bem como julgue improcedente o pedido de Indemnização Cível no valor de € 500,00 (quinhentos euros). Assim, farão Vossas Excelências como sempre, JUSTIÇA.”
Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pela arguida, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que, citando pertinente jurisprudência, defende que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida (referência ...27).
Formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Quanto à ilegitimidade do denunciante FF para o exercício do direito de queixa, discordamos da posição do recorrente na medida em que o herdeiro da herança indivisa tem interesse em defender a propriedade que compõe o acervo hereditário pelo que possui legitimidade para, sozinho, exercer o direito de queixa.
2. Assim atentemos ao acórdão do TRE6 datado de 26/04/2016:
“Neste sentido, e com o suprarreferido alcance, os herdeiros são titulares dos bens da herança, ainda que esta esteja indivisa, e, por isso, sendo o objeto do dano, na versão do queixoso, bens da herança de que também é herdeiro (além de ser cabeça-de-casal), é evidente o interesse do queixoso, como herdeiro, em agir nos presentes autos.
Entender-se que o queixoso não tem legitimidade para se constituir assistente em processo que versa sobre o crime de dano agora em apreciação (crime contra o património) é salvo melhor opinião, erróneo e até absurdo, uma vez que bens do queixoso, o património deste (nos termos acima explanados), terão sido objeto desse mesmo crime”.
3. Além do mais, quanto ao crime de furto simples, parece-nos que não sobejam dúvidas de que o denunciante tinha legitimidade para o efeito, uma vez que este era, inequivocamente, o proprietário dos bens em causa.
4. Nesse sentido, entendemos que o denunciante tem legitimidade para o exercício do direito de queixa relativamente aos crimes de furto simples e dano simples, objeto destes autos, não assistindo qualquer razão ao recorrente.
5. No tocante à verificação de quaisquer causas de exclusão de ilicitude, também cremos que não assiste razão ao recorrente.
6. Os artigos 31.º, 32, 34.º, 36.º e 38.º, do Código Penal consagram causas de exclusão da ilicitude.
7. No caso vertente, não se vislumbra que o facto do recorrente entender que tinha um direito de passagem naquele local se enquadra em alguma das referenciadas causas de exclusão.
8. Com efeito, não se comprovou que o direito de passagem alegado estivesse reconhecido em qualquer documento ou por qualquer decisão judicial, sendo certo que igualmente não se comprovou que, à data dos factos, o recorrente tinha um motivo legítimo para entrar no imóvel do denunciante como forma de salvaguardar um interesse superior e com necessidade de acautelamento urgente, que justificasse que o mesmo não recorresse previamente aos meios cíveis disponíveis, mormente, à instauração de procedimento cautelar para fazer valer o seu (eventual) direito.
9. Entendemos que no caso, o recorrente sempre poderia ter instaurado um procedimento cautelar tendo em vista garantir a exequibilidade do direito de passagem de que se arrogava e por isso, a sua atuação, tal como provada, é ilícita.
10. No que concerne ao recurso sobre matéria de facto, entendemos que a prova produzida em audiência de julgamento foi corretamente apreciada pela Mma. Juíza, sendo dada a relevância merecida às declarações do arguido, depoimentos das testemunhas e prova documental, nada havendo a acrescentar à motivação expressa na sentença proferida.
11. Relativamente à valoração das “declarações informais”, entendemos que as declarações prestadas pelo recorrente, quando foi primeiramente interpelado pelos militares da G.N.R, não consubstancia prova proibida. Na verdade, os militares limitaram-se a depor quanto ao que viram e ouviram quando estavam ainda a realizar averiguações no local dos factos, mormente, quanto ao que lhes foi transmitido pelo recorrente, em momento prévio à sua constituição como arguido, atuando ainda dentro dos limites do que vem estabelecido no artigo 249.º do Código de Processo Penal.
12. Neste sentido, o acórdão de 08/11/2023 do Tribunal da Relação de Coimbra:
“I – As declarações de arguido só ocorrem após a constituição do suspeito como tal e desde que sujeitas ao formalismo do respetivo interrogatório, pelo que a proibição de “conversas informais” só deve abranger afirmações posteriores à constituição de arguido.
II – As declarações do agente do crime a um OPC antes de instaurado o respetivo inquérito e no decurso deste é meio de prova lícito, dada a sua conformidade com o comando do artigo 249.º do C.P.P., não sendo, por isso, proibido o seu relato em audiência”.
13. E bem assim, acórdão de 27/06/2023 do Tribunal da Relação de Lisboa
“I – Face à orientação jurisprudencial que tem vindo a ser seguida nos Tribunais Superiores, é de considerar adquirido que o que o artigo 129º do Código de Processo Penal proíbe são testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o artigo 249º do Código de Processo Penal.
II- Neste contexto, as declarações prestadas pela testemunha, agente da PSP, que revelou ter-se deslocado ao local onde fora comunicada a ocorrência de um acidente rodoviário e que, aí chegado indagou quem era o condutor da viatura sinistrada, mais reportando que a cidadã LS se identificou como tal, e que só depois disso veio a mesma a ser constituída arguida (após ter sido submetida a teste de deteção de álcool no sangue, que indicou uma TAS superior ao legalmente tolerado), têm de ser consideradas prova admissível, já que se traduzem em circunstâncias percecionadas pela própria testemunha, funcionalmente incumbida da recolha de indícios no local dos factos, e foi essa atividade que relatou na audiência de julgamento – sendo que a prestação de tal depoimento foi submetida ao contraditório, tendo a defesa da arguida disposto de ampla oportunidade de contrainterrogar a testemunha”.
14. Nesse seguimento, a prova produzida nos autos, permitiu ao Tribunal, como fez, condenar o recorrente, pela prática dos crimes de dano simples e furto simples que lhe eram imputados, não havendo dúvida inultrapassável que pudesse fazer convocar o princípio “in dubio pro reo”.
15. Na verdade, “O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”
16. Entende-se ainda que a sentença não carece de falta de fundamentação pois a matéria dada como assente encontra-se devidamente fundamentada e resulta de uma correta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência e do normal acontecer das coisas, em conformidade com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal
17. Quanto à pena aplicada, veio ainda o recorrente alegar que a pena aplicada é excessiva e desproporcional tendo o Tribunal violado os princípios constitucionais da culpa, igualdade, necessidade e proporcionalidade, pugnando pela aplicação de pena única não superior a 80 dias de multa com o quantitativo diário de €5,00
18. Entendemos que o Tribunal ponderou devidamente a culpa do agente, as exigências de prevenção geral e especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor do agente ou contra ele, nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal
19. Não olvidemos que, conforme assinalado em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 04/05/201610:
“I - A pena de multa é uma verdadeira pena, que tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.
II - Apenas em situações de pobreza ou indigência poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se do limite mínimo legal de € 5,00, sob pena de ser violada a finalidade da punição e o princípio da igualdade”.
20. Atentas as circunstâncias relevantes para a determinação da medida concreta da pena e as condições socioeconómicas apuradas, tendo o arguido um rendimento mensal de pelo menos €820,00, ao qual acresce o rendimento da sua esposa, apesar das despesas reportadas, entendemos que a pena concreta aplicada é justa, adequada e proporcional, pelo que a mesma deverá ser mantida nos termos doutamente fixados.”
I.3 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, citando pertinente jurisprudência, pugna pela improcedência do recurso do arguido (referência ...95).
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II – Questão prévia: Irrecorribilidade da sentença no que tange à matéria do pedido de indemnização civil:
No recurso, alega o arguido/demandado AA, em súmula, que da prova produzida não resultaram quantificados os danos patrimoniais alegados pelos demandantes civis, que o documento por estes junto com o pedido de indemnização civil não faz prova do valor dos prejuízos e que não se provou o nexo de causalidade entre a conduta imputada ao demandado e os supostos danos sofridos pelos demandantes, e, em conformidade, pede seja julgado improcedente o pedido indemnizatório no que concerne aos invocados danos patrimoniais [cfr. conclusões CXXV a CXXXIV].
Na douta sentença recorrida foi decidido quanto à parte cível: «Na vertente cível, o Tribunal julga o pedido de indemnização civil deduzido, parcialmente procedente e, em consequência decide: a) Condenar o demandado a pagar aos demandantes a quantia de 500,00€ (quinhentos euros), a título de compensação pelos danos patrimoniais sofridos; b) Condenar o demandado a pagar aos demandantes os juros de mora civis, à taxa legal em vigor, que atualmente se cifra em 4%, calculados sobre a quantia referida em a), desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, até ao efetivo e integral pagamento; c) Absolver o demandado do demais peticionado pelos demandantes;»
Os demandantes civis GG, HH, II, e António Maria Lemos de Sousa, por si e/ou na qualidade de representantes da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de JJ, deduziram pedido de indemnização civil, contra o arguido AA, pugnando pela sua condenação no pagamento da quantia de 900,00€ a título dos danos patrimoniais e não patrimoniais provocados, tudo acrescido de juros de mora (referência ...62).
Preceitua o artº 400º, nº 2, do Código de Processo Penal:
“Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
Ou seja, face a tal preceito legal, a admissibilidade do recurso – na parte da decisão respeitante à matéria cível – está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos:
- Que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; e
- Que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.
A Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, no seu Artº 44º, nº 1, fixa a alçada dos tribunais de primeira instância em € 5.000,00.
No caso em apreço, o valor do pedido de indemnização civil deduzido nos autos pelo ofendido não excede a alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada não é desfavorável para a recorrente em valor superior a metade da dita alçada (€ 2.500,00).
Por conseguinte, atento o disposto no citado Artº 400º, nº 2, é inadmissível o recurso dessa parte da decisão.
Em consonância com as disposições conjugadas dos arts. 420º, nº 1, al. b) e 414º, nº 2, a irrecorribilidade da decisão em matéria cível sempre será motivo de rejeição do recurso.
Sendo certo que, atento o disposto no Artº 414º, nº 3, este tribunal superior não se encontra vinculado ao despacho proferido na primeira instância que admitiu o recurso. Impõe-se, pois, a rejeição do recurso no que à indemnização civil diz respeito.
*
III - Âmbito objetivo do recurso (thema decidendum):
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[1].
Assim sendo, no caso vertente, considerando uma ordem de precedência lógica, as questões que importa decidir reportam-se a: A – Falta de legitimidade do queixoso conducente à inexistência de uma condição de procedibilidade quanto aos ajuizados crimes de dano simples e furto simples. B - Nulidade da sentença, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2, ambos do CPP, por alegada falta de exame crítico da prova. C – Proibição de valoração das declarações prestadas pelo arguido no âmbito das denominadas «conversas informais». D - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto (art. 412º, nº3 do CPP) - do apontado erro no julgamento quantos aos pontos 1 a 6, 8 a 14 e 19 da factualidade dada por provada. E – Da alegada violação do princípio in dubio pro reo. F - Verificação de causas de exclusão da ilicitude, designadamente legítima defesa, ação direta e estado de necessidade, por força da existência de um direito de passagem sobre o prédio rústico em questão de que é titular o arguido. G - Verificação de causa de exclusão da culpa, que afasta o dolo, em virtude da existência de um direito de passagem sobre o prédio rústico em questão de que é titular o arguido. H – Subsidiariamente, invocada atuação sem consciência da ilicitude. I – Invocada excessividade da pena aplicada, quer quanto aos dias de multa quer quanto ao respetivo quantitativo diário.
*
IV – Apreciação:
IV.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, e bem assim a sua fundamentação para tal decisão da matéria de facto (transcrição):
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
“Da acusação pública 1. No dia 20-08-2021, no período compreendido entre as 09:00 horas e as 12:00 horas, sem autorização dos respetivos proprietários, ao volante de um trator com pá frontal, o arguido AA entrou no terreno designado por “...”, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4, situado na Rua ..., na freguesia ..., ..., integrado no acervo hereditário em que é interessado o denunciante António Maria Lemos de Sousa. 2. Ato contínuo, o arguido AA dirigiu-se ao local onde o denunciante FF havia efetuado uma vala vedada com vigas e arames numa extensão de cerca de 10 metros. 3. Aí chegado, sem o consentimento dos proprietários, com o uso da pá frontal do trator, o arguido AA aterrou cerca de um terço da referida vala e retirou as vigas e arames que a delimitavam, levando tais objetos consigo e fazendo-os seus, causando ao denunciante um prejuízo no valor de pelo menos 500,00€ (quinhentos euros). 4. O arguido AA atuou da forma descrita, com o intuito, concretizado, de destruir em parte a vala existente, aterrando-a, apesar de saber que este bem não lhe pertencia e que contrariava, com tal conduta, a vontade dos seus legítimos proprietários. 5. O arguido AA agiu, nos termos indicados, com o propósito concretizado de se introduzir, do modo como o fez, no terreno em apreço, e de fazer seus as vigas e arames que se encontravam no seu interior, apesar de saber que estes objetos não lhe pertenciam e que agia sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do respetivo proprietário. 6. Agiu sempre o arguido AA, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Do pedido de indemnização civil 7. No dia ../../2000, faleceu na freguesia ... (...), cidade ..., JJ, no estado de viúva de KK, com quem foi casada sob o regime da separação de bens, sem ter feito doações ou qualquer disposição de última vontade. 8. Sucedendo-lhe como seus únicos e universais herdeiros quatro filhos, GG; HH; II e António Maria Lemos de Sousa, não havendo quem lhes prefira ou com eles concorra na herança deixada pela falecida JJ. 9. A JJ deixou bens imóveis ainda por partilhar, pelo que a sua herança continua ilíquida e indivisa. 10. Os herdeiros de JJ, são donos e possuidores legítimos em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio rústico denominado “...” ou “...”, de mato e pinhal, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...4.º, com a área constante da matriz de 5.800 m2. 11. Os demandantes detêm e fruem tal prédio, efetuando plantações e corte de árvores, roçando o mato e colhendo lenhas, limpando e conservando todo o prédio, retirando dele todas as demais utilidades e suportando os respetivos encargos, no seu interesse e proveito, com ânimo de exclusivos donos, à vista e com o conhecimento do demandando e demais gente nisso interessada, sem qualquer estorvo ou turbação. 12. Os demandantes contrataram uma empresa que procedeu à vedação do seu referido prédio do lado que confronta com a Rua ..., abrindo uma galgueira com a extensão aproximada de dez metros, colocando vigas de cimento e arame. 13. Pela manhã do dia 20-08-2021, o demandado entrou no prédio supra identificado, ao volante de um trator com pá frontal e chegado ao local onde tinha sido feita a vedação, com o uso da pá frontal do trator aterrou cerca de um terço da referida vala, retirando as vigas e arames que a delimitavam, levando tais bens consigo, fazendo-os seus, tudo sem qualquer autorização ou consentimento dado por parte dos demandantes. 14. O demandante António Maria Lemos de Sousa, que é quem tem cuidado do prédio, contratou novamente a mesma empresa que colocou a vedação e reabriu a vala. 15. Como consequência direta e necessária da conduta do demandado, os demandantes sofreram um prejuízo de 500,00€, correspondente à deslocação da empresa ao local por duas vezes, para proceder à vedação e depois para abrir novamente a vala. 16. Tudo foi feito pelo demandado, de forma consciente e sabendo que era tudo feito contra a vontade dos demandantes. 17. O demandado agiu livre e conscientemente, com o propósito de causar danos na propriedade dos demandantes e levar consigo os bens daí retirados por si, provocando prejuízos aos demandantes, o que efetivamente conseguiu, bem sabendo que não lhe estava autorizada tal conduta e que a mesma é proibida por lei. 18. O demandante António Maria Lemos de Sousa exerce a atividade de médico. 19. O demandante António Maria Lemos de Sousa é quem cuida e vigia o prédio da herança supra identificado. Quanto à condição socioeconómica do arguido: 20. O arguido é empresário. 21. Aufere o rendimento líquido mensal de 820 euros. 22. O arguido vive com a sua mulher e os dois filhos, de 18 e 15 anos de idade. 23. Vivem em casa própria, pagando o agregado a prestação mensal de 600 euros, fruto do empréstimo bancário contraído pela aquisição da casa. 24. Os filhos do arguido frequentam a escola pública. 25. A mulher do arguido trabalha, em tempo parcial, auferindo rendimentos em valor não apurado. 26. O arguido figura como proprietário dos seguintes imóveis: ½ do artigo urbano ...03 da Freguesia ... – ...; Artigo urbano ...07 da Freguesia ... – ...; Artigo rústico ...2 da freguesia ... – ...; ½ do artigo rústico ...47 da Freguesia ... – ...; ½ do artigo rústico ...1 da Freguesia ... – .... 27. O arguido figura como proprietário dos veículos com as matrículas: ..-..-UE; ..-PJ-.. e ..-BT-... 28. O arguido suporta as suas despesas do quotidiano. 29. O arguido possui o 9.º ano de escolaridade. Quanto aos antecedentes criminais: 30. Do registo criminal do arguido não constam averbados quaisquer antecedentes criminais.”
Considerou que não se provaram os seguintes factos:
“Da contestação: A. O arguido é pessoa muito séria, honesta, honrada, educada e muito trabalhadora. B. Pessoa muito respeitada e considerada no seu meio social; não sendo uma pessoa conflituosa. C. É por todos tido como muito correta, disciplinada, respeitadora e reconhecida como sendo uma pessoa aberta à comunidade na ajuda ao próximo. Do pedido de indemnização civil D. O prédio rústico referido em 10. confronta de Norte com LL, de Poente com Estrada ..., de Sul com Rua ..., de Nascente com terreno propriedade de uma sociedade comercial, anteriormente com MM, e não descrito na Conservatória do Registo Predial. E. Prédio que veio à titularidade da falecida JJ por o ter herdado de seus pais NN e mulher OO. F. Os demandantes detêm e fruem tal prédio desde há mais de 1. 20. 30 anos. sem quaisquer interrupções. G. Todos os demandantes trabalham diariamente. H. O demandante António Maria Lemos de Sousa exerce a especialidade de Urologia. I. Por causa dos factos praticados pelo demandado, o demandante António Maria Lemos de Sousa teve que se deslocar à G.N.R., à empresa que fez a obra, ao Tribunal, ao advogado, que o impossibilitou de trabalhar nestes percursos e tempo despendidos. J. Os demandantes são pessoas pacíficas, pelo que o comportamento do demandado causou-lhes transtornos, sentiram-se humilhados ao ver a sua propriedade invadida com o demandado e com o trator, assim como sentiram incómodo de ver os danos provocados na sua propriedade na parte que confina com a via pública, aos olhos de quem por aí passasse. K. O comportamento do demandado demonstra intenção de ferir a honra e consideração dos demandantes, fazendo-os sentirem-se humilhados e falados na via pública."
E motivou essa decisão de facto nos seguintes termos:
“No apuramento da factualidade provada o Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica e conjugada das declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento (quanto às condições socioeconómicas); das declarações do demandante António Maria Lemos de Sousa prestadas em audiência de julgamento; dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento (BB, CC, DD e EE); da Cópia da petição inicial e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 81 a 117 (processo principal) e de fls. 86 a 97 (processo apenso); da Cópia da contestação e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 126 a 135; dos Autos de notícia de fls. 34 a 35 e 39 a 40 (processo apenso); dos Registos fotográficos de fls. 114 a 117 (processo apenso); dos documentos com o pedido de indemnização civil, de fls. 170-173; dos documentos e informações remetidos pelo Serviço de Finanças e pelo Instituo da Segurança Social (refªs eletrónicas n.ºs ...67 e ...36) e do certificado de registo criminal junto aos autos (refª eletrónica n.º ...95); tudo de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma apreciação de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável. Isto tudo conjugado com as regras da experiência comum e os padrões de normalidade e lógica.
Factos n.ºs 1 a 6, 13, 16 e 17: decorrem da apreciação, conjugada e articulada, das declarações do demandante FF, dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e EE, e dos documentos juntos aos autos [da Cópia da petição inicial e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 81 a 117 (processo principal) e de fls. 86 a 97 (processo apenso); da Cópia da contestação e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 126 a 135; dos Autos de notícia de fls. 34 a 35 e 39 a 40 (processo apenso); dos Registos fotográficos de fls. 114 a 117 (processo apenso); e dos documentos com o pedido de indemnização civil, de fls. 170-173].
O demandante FF esclareceu a factualidade em discussão.
Explicou a configuração e a localização do prédio em causa, referido no ponto 1 da acusação, mais esclarecendo que o mesmo integra o acervo hereditário da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de JJ, sendo o mesmo a par dos seus irmãos herdeiro de tal Herança (e identificando os irmãos), mas referindo que por regra é ele que cuida do terreno e que trata dos assuntos relacionados com o mesmo. Relatou os trabalhos anteriores efetuados no terreno em causa (abertura de vala, colocação de vigas e arames, com extensão de 10 metros), contratados a um terceiro, e mais relatou que no dia 20 de agosto de 2021, após a hora de almoço, da parte da tarde deslocou-se ao terreno e constatou que parte da vala tinha sido aterrada (referindo que foi aterrada um terço da vala) e que as vigas e arames tinham sido retirados e subtraídos do terreno (já não se encontrando lá, e que nunca foram restituídos), tendo o demandante averiguado junto de vizinhos que lhe relataram que tinham visualizado, durante a manhã, um homem, na casa dos 40 anos, ao volante de um trator azul com pá frontal, a entrar no terreno e a danificar a vala em causa e subtrair os bens, tendo explicado o demandante como é que chegou à conclusão de que tinha sido o arguido (nomeadamente, trator azul que o arguido também conduzia e que se encontrava no pavilhão lá perto, problemas anteriores com o arguido quanto ao terreno…), tendo chamado a GNR que se deslocou lá ao local e tendo ocorrido um diálogo entre o arguido, o demandante e os militares da GNR quando ao sucedido, afirmando o demandante que o arguido acabou na altura por admitir a prática dos factos aqui em discussão e que tinha sido ele o autor dos factos. O demandante afirmou que nem eles, nem os irmãos, tinham dado autorização ao arguido para entrar no terreno em causa e atuar do modo como atuou. Narrou ainda os prejuízos sofridos no prédio em causa, os valores despendidos, os danos causados e atestou que as vigas e os arames subtraídos nunca foram restituídos até ao momento.
As declarações do demandante prestadas perante o Tribunal, quanto ao comportamento do arguido e prejuízos sofridos, revelaram-se como coerentes, objetivas e merecedoras de credibilidade e, assim, foram tomadas em consideração e valoradas positivamente. O demandante não obstante os episódios que descreveu, não revelou nenhuma especial animosidade para com o arguido ao ponto de mentir ou falsear a realidade. É certo que o demandante não nutre atualmente uma boa relação com o arguido (situação para a qual não será certamente indiferente o episódio que está aqui em análise), mas não denotou o Tribunal indícios no sentido de que tal tenha influenciado o demandante, formando-se a convicção que não obstante as querelas existentes o demandante depôs essencialmente com verdade. Atente-se na postura do demandante tida em Tribunal, que se visualizou e presenciou, a forma de se expressar, de se sentar, de gesticular, a forma de falar e relatar os factos. Não ficou o Tribunal convencido que o demandante tenha apresentado queixa movido por alguma especial animosidade, tendo o Tribunal considerado as declarações do demandante como credíveis, coerentes e sinceras, até sopesando-se toda a demais prova produzida e não só o que foi dito, mas também a perceção direta que o Tribunal teve da prova, visualizando diretamente o demandante em sede de audiência de julgamento e a sua postura e reações.
A par das declarações do demandante teve o Tribunal em consideração os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e EE, e os documentos juntos aos autos.
BB afirmou que no dia em questão foi ao terreno conjuntamente com o demandante FF, descrevendo o local, tendo visualizado a vedação destruída e parte da vala tapada, tendo andado com o demandante a perguntar nas imediações se alguém tinha visto o que tinha sucedido, tendo uns vizinhos referido que tinham visto uma pessoa com um trator azul com pá frontal a entrar no terreno e a danificar a vala e a vedação; mais narrou que após chamaram a GNR, que os militares da GNR foram ao local e que em diálogo com o arguido este admitiu a prática e autoria dos factos aqui em discussão, na presença dos militares, da testemunha e do demandante. Disse conhecer o terreno há muitos anos, descrevendo a sua localização, e identificou os irmãos do demandante. Depôs de forma credível, séria e coerente, não revelando qualquer especial animosidade para com o arguido.
CC afirmou que não assistiu diretamente aos factos, mas que em determinada altura (agosto de 2021) quando estava no café ouviu umas pessoas a conversar e a dizer que o arguido tinha entrado na propriedade do demandante, que tinha destruído uma vala, uns arames e umas vigas e que supostamente teria confessado os factos à GNR. Esta testemunha revelou ter conhecimento do terreno e sua configuração, e discorreu acerca do mesmo, referindo que o demandante FF é quem habitualmente cuida do terreno, e identificando os irmãos do demandante. Afirmou ainda que à data dos factos aqui em análise o terreno estava vedado (não totalmente). Depôs de forma credível, séria e coerente, não revelando qualquer especial animosidade para com o arguido.
DD – militar da GNR – narrou que em 2021 fruto de uma chamada que
receberam foi ao local aqui em dissídio, com o seu colega, na parte da tarde, encontrando-se lá o demandante e outro senhor, tendo ouvido as queixas do demandante (por furto e dano num terreno), mais dizendo que posteriormente o arguido compareceu no local e que em diálogo com o mesmo este acabou por admitir a prática e autoria dos factos aqui em causa, “para passagem”, entrando no terreno com o trator. Foi confrontado com o auto de notícia de fls. 39-40 e confirmou o seu teor. Circunstanciou os factos no tempo e espaço, do que se recordava. Depôs de forma credível, séria e coerente, não revelando qualquer especial animosidade para com o arguido.
EE – militar da GNR – narrou que em agosto de 2021 fruto de uma chamada que receberam foi ao local aqui em dissídio, com o seu colega, encontrando-se lá o
demandante e outro senhor, tendo ouvido as queixas do demandante e tendo visualizado o estado do terreno (referindo que alguém tinha retirado os arames e as vigas do terreno e danificado a vala), mais relatando que efetuaram investigações, tendo alguém dito que o autor dos factos tinha entrado no terreno com um trator azul, tendo chegado depois ao contacto com o arguido e dialogado com o mesmo, afirmando a testemunha que o arguido estava exaltado e revoltado na altura e que assumiu perante eles a prática e autoria dos factos aqui em causa.
Referiu que não assistiu diretamente à remoção de terra e danificação da vala, mas que na sua perspetiva aquilo tinha sido algo recente. Foi confrontado com o auto de notícia de fls. 39-40 e confirmou o seu teor. Circunstanciou os factos no tempo e espaço, do que se recordava. Depôs de forma credível, séria e coerente, não revelando qualquer especial animosidade para com o arguido.
Conjugado com tudo isto, teve ainda o Tribunal em consideração dos documentos juntos aos autos [Cópia da petição inicial e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 81 a 117 (processo principal) e de fls. 86 a 97 (processo apenso); Cópia da contestação e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 126 a 135; Autos de notícia de fls. 34 a 35 e 39 a 40 (processo apenso); Registos fotográficos de fls. 114 a 117 (processo apenso); documentos com o pedido de indemnização civil, de fls. 170-173].
Do auto de notícia de fls. 34-35 (apenso) resulta que o demandante FF apresentou queixa logo no dia 21-08-2021 contra o aqui arguido.
Do auto de notícia de fls. 39-40 (apenso) decorre que logo no dia 20-08-2021 os militares da GNR dirigiram-se ao local em causa, tendo encetado não só diálogo com o demandante/queixoso, mas também com o arguido, sendo que em sede de julgamento os militares da GNR, EE e DD atestaram igualmente esse contacto tido com o arguido e o demandante, sendo igualmente confrontados com o referido auto de notícia, que confirmaram.
Atente-se ainda nos Registos fotográficos de fls. 114 a 117 (processo apenso).
Os documentos de fls. 170-172 juntos com o pedido de indemnização civil (caderneta predial rústica e habilitação de herdeiros) atestam que o terreno integra o acervo hereditário onde FF é interessado (herdeiro) a par com a composição, localização e identificação do terreno.
A fatura de fls. 173 comprova os trabalhados efetuados no terreno e os prejuízos elencados pelo demandante FF (sendo que da fatura consta expressamente discriminado o seguinte: «Serviço de retro escavadora; Nota: serviços realizados na ... na ...; Abertura de Valas, colocação de Vigas e três Fiadas de Arame», que corresponde assim ao terreno aqui em discussão).
Relativamente à composição, área, e identificação do prédio, além das declarações do demandante, também se teve em linha de conta a caderneta predial rústica junta a fls. 132 e 172.
Também se teve em consideração os articulados e documentos juntos aos autos, referentes à ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de onde resulta a existência clara de um litígio entre o arguido e os demandantes quanto ao prédio rústico em causa e respetiva passagem, sendo que nos artigos 46.º a 49.º da petição inicial (ação interposta entre o mais pelo aqui arguido contra, entre o mais o demandante FF) é feita referência precisamente à construção da vala e vedação com vigas e arames, conforme se alude nestes autos.
O arguido não prestou declarações, remetendo-se ao silêncio como é seu direito.
Recorre-se aqui igualmente às regras da experiência comum e aos padrões da normalidade.
De salientar que, de acordo com a prova produzida, conclui-se que a pessoa que aterrou a vala (e assim danificou o terreno), também foi a mesma pessoa que subtraiu as vigas e arames, que em conjunto com a vala vedavam o local e impossibilitavam o seu acesso, sendo essa pessoa o arguido, face à prova produzida e suprareferida.
Note-se que o arguido admitiu a prática dos factos e a sua autoria perante as testemunhas FF, BB, PP e EE (estes dois últimos militares da GNR). Relativamente às declarações prestadas pelo arguido perante os militares da GNR entende o Tribunal que as mesmas são livremente valoráveis e podem ser apreciadas, uma vez que nesse momento ainda não tinha AA sido constituído arguido e os militares da GNR estavam apenas a exercer as suas funções, investigando o que tinha ocorrido, tendo sido chamados ao local pelo demandante. Não obstante, além dos militares da GNR também estavam presentes as testemunhas FF e BB.
Há igualmente que recorrer às presunções naturais (atenta a idade do arguido, experiência de vida e da normalidade das coisas). Faz-se aqui uso também de presunção
legalmente admitida, assente num raciocínio indutivo e lógico.
Há para o efeito que conjugar toda a prova produzida, e, assim, de forma integrada extrair as devidas conclusões, concluindo-se nos termos dados por provados.
Não ficou o Tribunal com dúvidas, tendo formado a convicção que efetivamente o arguido atuou nos termos dados por provados.
Conjugando as declarações do demandante, os depoimentos das testemunhas, os documentos acima referidos e a par das regras da experiência comum, chega-se à conclusão de que o arguido foi o autor dos factos aqui em apreciação – aterro da vala e subtração de vigas e arames- e que os factos ocorreram conforme consta da acusação pública.
Relativamente às testemunhas arroladas pelo arguido:
A testemunha QQ não assumiu particular relevo probatório, uma vez que não tinha conhecimento dos factos aqui em equação, nada tendo visto ou ouvido acerca dos factos em dissídio, apenas dizendo que nunca visualizou o terreno vedado, nem nenhuma vala, nem vigas ou arames, mas note-se que de acordo com o seu depoimento foi patente que a testemunha não passava no local todos os dias, até tendo admitido que “passa lá de vez em quando, quando tem de passar, mas não é muito frequentemente não”, sendo que quanto à possibilidade de negócio que fez com que tivesse observado com atenção o terreno em causa tal ocorreu há 5-6 anos.
A testemunha RR não assumiu particular relevo probatório, pois não tinha conhecimento direto dos factos aqui em discussão, nem viu ou visualizou nenhum dos factos aqui em causa, afirmando apenas que em agosto de 2021 não visualizou qualquer vedação no terreno em causa. Ora, não ficou o Tribunal convencido que a testemunha todos os dias passasse pelo terreno em causa, nem que todos os dias estivesse a observar com atenção o terreno, devendo-se ainda ter em consideração que o demandante
afirmou que a construção em causa (vala, colocação de arame e vigas) tinha sido efetuada pouco antes de o arguido ter atuado como atuou, pelo que a testemunha pode simplesmente não ter reparado em tal suceder, atendendo ao período curto em que tudo ocorreu.
A testemunha SS não revelou particular relevo probatório, pois não tinha conhecimento dos factos aqui em discussão, nada tendo visto ou ouvido, e apesar de conhecer o terreno foi presidente da Junta de Freguesia até 2002, sabendo que o demandante e a sua família eram proprietários de um terreno naquele local, e referindo que por enquanto foi Presidente o terreno não estava vedado, mas nada sabendo se na data dos factos estava ou não vedado e se tinha ou não uma vala.
A testemunha TT, mulher do arguido, apresentou um depoimento tendencioso, procurando favorecer notoriamente o arguido, e denotou um depoimento comprometido. Disse que sempre entrou e passou pelo terreno em causa, para assim aceder ao terreno dela e do arguido, mas que em agosto de 2021 umas pessoas começaram a reclamar com eles a dizer que não podiam passar por ali; mais disse que nunca viu o terreno vedado, nem viu arames no terreno. Não obstante, com relevo diga-se que admitiu que o arguido à data dos factos tinha um trator azul com pá frontal, que a GNR em agosto de 2021 foi à empresa onde trabalha e que falou com o arguido, tendo os militares da GNR referido que alguém tinha andado a “mexer” no terreno, abrindo uma vala e falando de uma vedação no terreno em causa, mas disse a testemunha que ela não viu nada (admitindo que no dia não foi ao local confirmar, apenas tendo ido uns dias mais tarde).
Quanto às testemunhas arroladas pelo arguido, ouvidas em sede de julgamento, estas
não assumiram particular relevância para os presentes autos no sentido de descredibilizar ou
infirmar os factos constantes da acusação e dados como provados, sendo que as testemunhas não presenciaram nenhuma factualidade com especial interesse para o processo (isto do ponto de vista criminal, de imputação de um crime). Estas testemunhas não presenciaram diretamente os factos aqui em análise.
Estas testemunhas não mereceram especial valor probatório no sentido de infirmar as demais provas e os factos dados como provados.
O Tribunal, conjugada toda a prova existente nos autos, não vislumbrou qualquer causa passível de excluir a ilicitude ou a culpa do arguido. Não foram juntos pelo arguido elementos passíveis de infirmar a demais prova acima analisada. Não foi junta prova no sentido de desresponsabilizar o arguido pelo seu comportamento. Face à prova carreada e analisada, cumpre notar que caberia ao arguido fazer a prova da existência de eventuais causas justificativas – excludentes da ilicitude ou da culpa - para a sua conduta, o que, porém, in casu não sucedeu.
Os factos n.ºs 4, 5 e 6 e 16 e 17 (atinentes à intenção, propósito, consciência, vontade, conhecimento da lei…), resultam do cotejo de todas as provas valoradas positivamente nos autos, ancorando-se o Tribunal numa análise conjunta, com recurso a um raciocínio lógico-dedutivo e apelando às regras da coerência, experiência e da normalidade do acontecer. Chega-se, assim, à autoria dos factos por parte do arguido, ao conhecimento e vontade de atuação contra a lei nos termos apurados, tendo os mesmos sido praticados de forma consciente, voluntária e livre. O arguido é adulto, maior de idade e capaz, conhecedor das regras de convivência em sociedade, sabendo assim que a lei não lhe permitia comportar-se da forma como o fez.
Não ficou apurado que a destruição da vala e a subtração da vigas e arames fosse um
meio absolutamente necessário de ação, sem que o arguido pudesse recorrer a outros meios, não tendo sido sequer alegada uma razão credível e plausível para a atuação do arguido (o mesmo remeteu-se ao silêncio e as testemunhas por si indicadas nada esclareceram com relevo a este respeito).
Também não se apurou que o arguido tinha que danificar a vala e subtrair as vigas e os arames, e que não podia aguardar pela resolução do problema por recurso a outras vias que não a força física. Não se apurou nenhuma premência ou necessidade urgente de destruição/subtração.
Não se apurou qualquer autorização concedida pelo legítimo dono ou possuidor do terreno para a sua destruição, nem qualquer autorização para a subtração dos bens. Também não resultou provada qualquer ordem judicial que legitimasse os danos causados.
Não obstante, o certo é que aquele terreno não era propriedade do arguido, nem pertenciam ao arguido os arames e as vigas.
Factos n.ºs 7 a 11: decorrem, de forma conjugada e articulada, das declarações prestadas pelo demandante FF em sede de julgamento, dos depoimentos das testemunhas BB e CC, e dos documentos juntos com o pedido de indemnização civil de fls. 170 a 172.
Factos n.ºs 12, 14, 15 e 19: derivam, de forma conjugada e articulada, das declarações
prestadas pelo demandante FF em sede de julgamento, dos depoimentos das testemunhas BB e CC, dos Registos fotográficos de fls. 114 a 117 (processo apenso), e do documento junto com o pedido de indemnização civil de fls. 173 (fatura).
Facto n.º 18: resulta das declarações prestadas pelo demandante FF em sede de julgamento e do depoimento da testemunha SS.
Relativamente aos factos atinentes ao pedido de indemnização civil tenha-se em consideração a análise da prova já supraefetuada, que tem igual aplicação para os factos do pedido de indemnização civil.
Os factos atinentes ao nexo de causalidade referidos no pedido de indemnização civil, resultam da análise conjugada de toda a prova acima expendida e valorada positivamente, conjugando com as regras da experiência comum.
Tudo exposto e conjugado, e recorrendo-se ainda às regras da experiência comum, conclui-se nos termos dados como provados, tendo-se produzido prova segura e bastante nesse sentido.
Quanto às condições socioeconómicas do arguido, o Tribunal teve em especial consideração as declarações do arguido, e as informações fornecidas pelo Serviço de Finanças e pelo Instituto da Segurança Social.
Relativamente aos antecedentes criminais teve-se em linha de conta o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
*
No que respeita à factualidade não provada, vertida supra, a convicção do Tribunal decorreu da ausência de prova consistentemente produzida quanto à mesma. Na realidade, não foi feita prova bastante que permitisse ao Tribunal formar uma convicção segura e séria quanto à veracidade do aí descrito. Ou seja, não foi produzida prova de modo a convencer o Tribunal.
Alíneas A) a C) – não se fez prova suficiente, segura e bastante nesse sentido. Não se
fez prova suficiente quanto à personalidade do arguido. As testemunhas inquiridas não depuseram acerca desses factos.
Alíneas D) a H) – falta de prova segura e bastante. Não se produziu prova segura nesse sentido. A caderneta predial junta aos autos apresenta inscritas outras confrontações, que não aquelas ali referidas na Alínea D). Não foi feita prova suficiente de há quanto tempo
concretamente os demandantes fruem e detêm o prédio, se os mesmos trabalham diariamente, e como é que JJ herdou o terreno e de quem. Não foi feita menção à especialidade de medicina que o demandante exerce. Quanto às alíneas E) e F) a parte não provada é a parte em itálico.
Alíneas I) a K) - não se fez prova suficiente, segura e firme nesse sentido. Não se produziu prova bastante a esse respeito. As testemunhas inquiridas não permitiram fazer prova desses factos, não tendo referido tal factualidade; o demandante também não mencionou tal factualidade.
No mais não especificamente analisado supra, diga-se que não foi produzida prova segura, certa e suficiente nesse sentido.”
IV.2 – Quanto à análise das sobreditas questões suscitadas pelo arguido neste recurso que merecem escrutínio deste Tribunal ad quem:
IV.2.1 – Da reclamada invalidade da queixa apresentada e consequente ilegitimidade do Ministério Público para acusar:
Nas conclusões do recurso (XXXIX a LXI), invoca o arguido/recorrente, AA, em súmula, que falta uma condição de procedibilidade consistente na existência de queixa validamente apresentada, pelo que o Ministério Público não tem legitimidade para acusar pela prática de um crime de dano simples e de um crime de furto simples, atenta a natureza semi-pública destes.
Isto porque, invoca, o denunciante António Maria Lemos de Sousa intitulou-se como proprietário do terreno onde alegadamente ocorreram os factos em discussão nos autos e não declarou que era proprietário duma herança indivisa, aberta por óbito da sua mãe. Ele não era nem é cabeça-de-casal da herança indivisa e nem sequer fez prova da qualidade de herdeiro.
Sucede que, no caso, o direito de queixa pertencia, exclusivamente, aos herdeiros da herança, em conjunto, ou ao cabeça-de-casal
Assim, conclui, deverá declarar-se extinta a responsabilidade criminal do arguido.
Apreciando.
A queixa é uma condição de procedibilidade, sendo que o exercício tempestivo e válido do direito de queixa constitui pressuposto positivo da punição, pelo que a sua inexistência ou invalidade obsta à instauração de procedimento criminal e, consequentemente, à punição do agente, quando estejam em causa crimes que pela sua natureza, particular ou semi-pública, exijam a dedução de queixa pelo ofendido.
A falta de um pressuposto processual da punibilidade é de conhecimento oficioso e cognoscível a todo o tempo (até ao trânsito em julgado da sentença).
O crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº1, do Código Penal, e o crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, do mesmo diploma legal, assumem natureza semi-pública, porquanto o respetivo procedimento criminal depende de queixa deduzida pelo respetivo titular desse direito - cf. arts. 203º, nº3, 212º, nº3, 113º, todos do aludido Código, e art. 49º do CPP.
Posto isto, entendemos que não assiste razão ao recorrente, convocando-se aqui, por assertivas e conformes ao direito aplicável, as considerações a este propósito expendidas pela Mma. Juíza no saneamento constante da sentença recorrida, em que conheceu da mesma questão, que havia sido suscitada pelo arguido na sua douta contestação.
Mencionou a Mma. Julgadora na decisão recorrida: «Da invocada falta de legitimidade de FF para apresentação de queixa-crime e da consequente falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação Veio o arguido invocar na sua contestação como questão prévia, em súmula o seguinte: i) no dia 20-08-2021, António Maria Lemos de Sousa apresentou queixa no departamento da Guarda Nacional Republicana de ...; ii) os factos denunciados dependem da apresentação de queixa, por estarmos perante crimes semi-públicos; iii) a queixa, nos crimes semipúblicos e nos crimes particulares, e, também, a acusação particular nos segundos, apesar de terem assento no Código Penal, são pressupostos processuais ou condições de procedibilidade, sem as quais o Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal; iv) no caso dos autos o direito de queixa pertencia, exclusivamente, à Herança aberta por óbito de JJ; v) à data da apresentação da queixa, o seu subscritor - António Maria Lemos de Sousa - não configurava, nem configura como legal representante do acervo hereditário, nem era seu mandatário judicial, nem mesmo mandatário munido de poderes especiais para apresentação de queixa; vi) a queixa apresentada nos presentes autos não adveio do titular do direito de queixa, e, por conseguinte, esta não poderá considerar-se validamente apresentada; vii) a queixa que deu origem aos presentes autos, não foi ratificada pelos titulares do direito de queixa, dentro do prazo de 6 meses, previsto no artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que inexistindo queixa tempestiva e, tratando-se de crimes semi-públicos, estamos perante a falta de um requisito de procedibilidade da ação penal que impõe a consequente extinção do procedimento criminal por ilegitimidade do Ministério Público. Quer os demandantes, quer o Ministério Público pronunciaram-se quanto ao invocado pelo arguido, pugnando pelo seu indeferimento. Cumpre apreciar e decidir. Compulsados os autos, verifica-se que António Maria Lemos de Sousa apresentou queixa-crime contra o arguido, denunciando factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de dano e de furto, previstos e punidos pelos artigos 212.º e 203.º do Código Penal, crimes estes que estão dependentes da apresentação de queixa (crimes de natureza semi-pública – cf. artigos 113.º, 203.º n.º 2 e 212.º n.º 3 do Código Penal e artigo 51.º do Código de Processo Penal). António Maria Lemos de Sousa assume a qualidade de herdeiro – conforme documento junto com o pedido de indemnização civil, de fls. 170-171 – quanto à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de JJ, sendo que o terreno referido em 1. da acusação pública integra o acervo hereditário da referida Herança. Ora, entende o Tribunal que in casu FF tem legitimidade para a apresentação de queixa e que foi validamente apresentada queixa quanto aos crimes em apreciação, razão pela qual tem o Ministério Público legitimidade para instaurar o procedimento criminal e consequente dedução da acusação. Como decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-07-2005, processo n.º 1803/2005-5: «Relativamente a danos provocados em bem que pertença a uma herança, qualquer herdeiro tem legitimidade para, por si só, apresentar queixa.» Não decorre in casu a falta de legitimidade de FF para denunciar os crimes de dano e de furto em causa. Entende o Tribunal que qualquer um dos herdeiros tem legitimidade para apresentar queixa, não se tratando de ato que careça do acordo de todos os herdeiros. Ademais, se quando o titular do direito de queixa morre sem ter exercido o direito, qualquer uma das pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 113.º, do Código Penal pode exercer o direito de queixa, carece de qualquer sentido que quando o crime ocorre já depois da abertura da sucessão, não possa qualquer um dos herdeiros apresentar queixa. Decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-04-2016, processo n.º 90/13.6TASRP.E1: «O co-herdeiro de herança indivisa tem legitimidade para se constituir assistente nos autos (e para deduzir acusação particular), quando está em causa um crime de dano, praticado por outro dos co-herdeiros, e incidente sobre bens da herança indivisa.». Nas palavras deste acórdão, a cujos argumentos devidamente adaptados ao presente caso aderimos: «Alega o recorrente que B. não tem legitimidade para se constituir como assistente nos autos, porquanto o prédio em causa e a vedação do mesmo (que foi danificada) pertencem (na versão da acusação) à herança indivisa, aberta por óbito da mãe do assistente, e, como tal, essa herança indivisa é que podia constituir-se assistente, e, depois, deduzir acusação pelo crime de dano. Entende ainda o recorrente que o despacho judicial constante de fls. 157 e 158 destes autos, que admitiu a constituição como assistente de B., não fez caso julgado, não impossibilitando, assim, decisões posteriores diferentes. Mais acrescenta o recorrente que a procuração forense junta pelo dito B., na medida em que foi outorgada em seu nome (e não da herança indivisa), é inválida (nos termos e para os efeitos em que foi utilizada). Cumpre apreciar e decidir. Desde logo, há que assinalar que o crime de dano em análise nestes autos reveste natureza particular (cfr. o disposto nos artigos 212º, nº 4, e 207º, nº 1, al a), do Código Penal - assistente e arguido são irmãos -). Ou seja, a acusação pelo crime de dano ficou (e bem) a cargo do assistente, não tendo sido deduzida pelo Ministério Público, por este não possuir legitimidade para tal (o Ministério Público não tem legitimidade para deduzir acusação por crimes particulares). Constituiu-se assistente nos autos, e deduziu acusação pelo referido crime de dano, B., cabeça-de-casal, e co-herdeiro, da herança indivisa aberta por óbito da sua mãe (que é também mãe do arguido, sendo este co-herdeiro da herança em causa). A questão que, desde logo, se suscita, é saber se o aludido cabeça-de-casal (e co-herdeiro) tem ou não legitimidade para se constituir como assistente nos autos, porquanto o prédio em causa e a vedação do mesmo (que foi danificada) pertencem à herança indivisa e não ao assistente. Dispõe o artigo 68º, nº 1, do C. P. Penal, que “podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem as leis especiais conferem esse direito: a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos; b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento; c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, ascendentes e adotantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes, salvo se alguma destas pessoas houver comparticipado no crime; d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, salvo se alguma delas houver comparticipado no crime; e) Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.” Ao que entendemos, defende o recorrente que, estando em causa, para o que aqui agora importa, a prática de um crime contra o património (dano), o queixoso, que mais não é do que herdeiro de uma herança indivisa, não pode considerar-se “ofendido”. Isto na medida em que o queixoso não é o titular dos interesses que a lei diretamente quis proteger com a incriminação. Ou seja, não sendo o queixoso proprietário dos bens que compõem a herança indivisa, não tem legitimidade para intervir como assistente nestes autos, em que se discute crime contra um património que não é seu, mas sim da herança indivisa. Assim, o ofendido, no presente caso, será a própria herança indivisa, pelo que devia ter sido ela a apresentar queixa, a constituir-se assistente e a deduzir acusação. Com o devido respeito, discorda-se inteiramente deste entendimento, que não atenta, devidamente, ao conteúdo das normas e dos princípios do direito civil (substantivo) aplicáveis ao caso, e confunde a personalidade e a capacidade judiciárias da herança indivisa (representada pelo cabeça-de-casal) - em processo civil - com a legitimidade de um co-herdeiro para se constituir assistente em processos que visem crimes praticados contra os bens da herança. Estamos, como é pacífico nos autos, perante uma herança indivisa, isto é, uma herança aceite pelos vários herdeiros a ela chamados mas ainda não partilhada entre eles. Desde a aceitação até à partilha da herança, esta mantém-se num estado de indivisão. Nesse ínterim, a administração ordinária da herança e as obrigações judiciais, fiscais e administrativas ligadas à universalidade da herança cabem, como é sabido, ao cabeça-de-casal. Contudo, os atos de alienação ou oneração dos bens da herança só podem ser praticados (cfr. o disposto no artigo 2091º do Código Civil) por todos os herdeiros (por exemplo, a venda de um bem hereditário) ou contra todos os herdeiros (por exemplo, a constituição de uma servidão sobre um bem hereditário), uma vez que, enquanto dura a indivisão, os herdeiros têm um direito sobre a universalidade da herança. A herança indivisa é uma universalidade jurídica que integra um autêntico património autónomo, na medida em que pelos encargos da herança respondem em conjunto todos os bens da herança indivisa e apenas tais bens (cfr. artigos 2097º e 2071º do Código Civil). Após a partilha da herança, esta desaparece como património autónomo, uma vez que os bens que a constituem transitam para a propriedade exclusiva dos respetivos herdeiros, passando estes a ter um poder de disposição plena sobre os bens hereditários que integram o respetivo quinhão e podendo os seus credores pessoais executar diretamente tais bens. Porém, mesmo depois de feita a partilha, cada herdeiro continua a responder pelos encargos da herança, na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (artigo 2098º, nº 1, do Código Civil). Ou seja, a herança indivisa, mesmo após a partilha, e apesar de já não constituir um património autónomo, mantém-se como universalidade jurídica (embora menos consistente) para efeitos de assegurar a completa liquidação dos encargos da herança. É evidente que, como bem se escreve no Ac. do S.T.J. de 17-04-1980 (in BMJ 295-298), o “domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efetivam após a realização da partilha. Até aí, a contitularidade do direito à herança significa direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens que compõem a herança”. Só que, se é assim, como é, cada um dos herdeiros, mesmo na indivisão, goza de um direito sobre a totalidade dos bens (é contitular deles). Aberta a herança, e uma vez aceite a mesma, os herdeiros passam a ser titulares dos bens, não como donos de cada um deles em concreto, mas sim como donos da universalidade jurídica constituída por todos eles. Estando os herdeiros determinados, com estão no caso posto nestes autos, e apesar da herança ainda não estar partilhada, os mesmos são os representantes da herança para os fins em análise, não só porque tal qualidade lhes é conferida pelo disposto no artigo 2091º do Código Civil, como também porque, estando a ser cometido um crime contra o património indiviso, qualquer um dos herdeiros (cotitular desse património) é diretamente prejudicado pelo crime em causa, pois os seus bens (ainda que indivisos, ainda que mera universalidade jurídica) estão a ser danificados ou destruídos. A herança é uma universitas juris com determinada afetação de bens, e os herdeiros, enquanto se não fizer a partilha, são titulares de um direito (indiviso, obviamente) sobre esses bens. Assim sendo, estando alguém a destruir ou danificar esses mesmos bens ou parte deles, é absurdo, salvo o devido respeito, afirmar-se que um dos co-herdeiros não se pode constituir assistente no respetivo processo-crime, por não ser ofendido, isto é, na expressão constante do artigo 68º, nº 1, al. a), do C. P. Penal, não ser titular “dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”. Antes da partilha da herança, os herdeiros são titulares, em comunhão, do património constituído por todos os bens hereditários. Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos (cfr., a este propósito, o disposto no artigo 2119º do Código Civil). Tudo se passa, pois, como se os herdeiros tivessem o domínio e a posse dos bens (que, em concreto, lhes foram atribuídos na partilha) desde o momento em que se abre a sucessão. E isto, como bem refere Rabindranath Capelo de Sousa (in “Lições de Direito das Sucessões”, Coimbra Editora, 1978, Vol. I, pág. 186), “para evitar qualquer hiato jurídico, no que respeita à titularidade dos bens que são objeto da sucessão, desde o momento factual em que o autor da sucessão com a sua morte perdeu a titularidade desses bens e o momento factual em que os definitivos herdeiros e legatários passaram a poder exercer os direitos e deveres relativos ao objeto sucessório”. Neste sentido, e com o supra referido alcance, os herdeiros são titulares dos bens da herança, ainda que esta esteja indivisa, e, por isso, sendo o objeto do dano, na versão do queixoso, bens da herança de que também é herdeiro (além de ser cabeça-de-casal), é evidente o interesse do queixoso, como herdeiro, em agir nos presentes autos. Entender-se que o queixoso não tem legitimidade para se constituir assistente em processo que versa sobre o crime de dano agora em apreciação (crime contra o património) é, salvo melhor opinião, erróneo e até absurdo, uma vez que bens do queixoso, o património deste (nos termos acima explanados), terão sido objeto desse mesmo crime. Em consequência, e face a todo o exposto, o queixoso B. tem legitimidade para se constituir como assistente nos autos e tem legitimidade para deduzir acusação pelo crime de dano em questão.» - negrito nosso. Veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2015, processo n.º 486/07.2TAVRS.E1. Atente-se ainda no disposto no artigo 113.º n.ºs 1, 2 b) e 3 do Código Penal. Entende o Tribunal que o herdeiro da herança indivisa tem interesse em defender a propriedade que compõe o acervo hereditário, pelo que possui legitimidade para, sozinho, exercer o direito de queixa. Assim, tudo exposto, António Maria Lemos de Sousa tem in casu legitimidade para a apresentação de queixa, quanto aos factos denunciados, e o Ministério Público tem legitimidade para a dedução da acusação pública (artigo 113.º do Código Penal, artigos 48.º, 51.º, 242.º, 263.º, 267.º, 276.º do Código de Processo Penal). Improcede assim o invocado pelo arguido a este respeito.»
Concordamos com a posição assumida pelo Tribunal a quo de considerar que António Maria Lemos de Sousa possuía legitimidade para, por si só, enquanto herdeiro, titular de um direito de sucessão sobre a herança indivisa por morte de sua mãe, na qual se encontra inserido o prédio rústico onde aconteceram os factos em apreciação, apresentar queixa contra o arguido por alegada prática de factos suscetíveis de integrarem a prática de crimes de dano e furto sobre bens que constituem aquele acervo hereditário.
Como também entendido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto (PGA) no douto parecer que lavrou nos autos, «[À] semelhança de qualquer dos co-herdeiros, o mesmo estava legitimado a apresentar queixa, sendo que esta não pertence, em exclusivo, ao respectivo cabeça de casal nem, é exigido que o exerça em nome e mandatado pelos restantes titulares dos direitos á herança indivisa.»
Cumpre ter presente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência nº 7/2011, publicado no Diário da República nº 105/2011, Série I, de 31.05.2011, págs. 3006-3015, onde se decidiu:
«No crime de dano, previsto e punido no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa nos termos do artigo 113.º, n.º 1, do mesmo diploma, o proprietário da coisa «destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada», e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição.»
Aduz-se na fundamentação do predito aresto, entre o mais: «O artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal exige, pois, como condição de legitimidade, a existência de um interesse que a lei quis «especialmente» proteger com a incriminação, isto é de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado. Deste modo, só será «ofendido» quem for titular de um interesse legítimo, tutelado pela lei, concretizado e inserido de modo funcionalmente relevante, na relação teleológico-funcional entre o bem jurídico e o sujeito afectado. […] O advérbio «especialmente» usado pela lei significaria, pois, de modo especial, num sentido de «particular» mas não «exclusivo». […] A definição de «ofendido» consta, como se salientou, da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Penal, estando assim circunscrito ao titular do bem juridicamente protegido, sendo o conceito legal de ofendido restrito ou, mais rigorosamente, estrito. Importa, assim, reter que deriva da própria expressão da lei que não basta uma ofensa indirecta a um determinado interesse para que o seu titular se possa constituir assistente, pois que não se integram no âmbito do conceito de ofendido os titulares de interesses cuja protecção é puramente mediata ou indirecta, ou vítimas de ataques que põem em causa uma generalidade de interesses e não os seus próprios e específicos. Efectivamente, «o ofendido [...] não é qualquer pessoa prejudicada com a perpetração da infracção, mas somente o titular do interesse que constitui o objecto jurídico imediato da infracção - [...] - os titulares de interesses cuja protecção é puramente mediata ou indirecta, ou vítimas de ataques que põem em causa uma generalidade de interesses e não os próprios e específicos daquele que requer a sua constituição como assistente.» (v. g., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 145/06, de 22 de Fevereiro de 2006). Há, assim, na integração conceptual uma marcada diferenciação qualitativa entre interesses directa e indirectamente (ou reflexamente) afectados pela incriminação como conditio da legitimidade do ofendido para exercer o direito de queixa. Perante vários possíveis interesses legítimos que sejam postos em causa pela prática de uma infracção criminal, a lei reserva o conceito de «ofendido» para o titular dos interesses «especialmente» protegidos, com o sentido de interesses directa, imediata ou particularmente protegidos pelo tipo legal incriminador, ou seja, dos direitos ou interesses que constituem a razão directa e imediata, situada em primeira linha, que fundamenta a infracção criminal. O interesse que permite assumir a qualidade de ofendido tem de ser um (ou um dos) interesses «especialmente» protegidos com a incriminação. O legislador penal ao utilizar o vocábulo «especialmente», fê-lo, como se referiu, no sentido de «particularmente», e não já com o sentido de «exclusivamente». Podem, deste modo, coexistir mais de um ofendido com a prática de um crime e, nessa medida, cada um como titular de um interesse especialmente protegido. A legitimidade do ofendido deve ser aferida em relação ao crime concreto que estiver em causa, e a delimitação do conceito relevante de «ofendido» encontrar-se-á, no limite, na interpretação do tipo de crime, para determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação e não confundir essa indagação com a verificação da natureza pública ou não pública do crime. O critério de determinação será, no fim de contas, tributário da natureza da incriminação, ou seja, fundamentalmente do bem jurídico protegido pela norma penal, da estrutura relacional do bem e da maior ou menor amplitude do efeito ofensivo das condutas típicas sobre o bem jurídico. Será, pois, perante um determinado crime, o crime de dano ou qualquer outro que importará verificar se a incriminação admite, em concreto, a existência de um ou de mais de um titular de interesse especialmente protegido pela incriminação. A lei penal não exige a titularidade do direito, bastando a representação de um interesse para o reconhecimento da qualidade de ofendido. No caso específico do crime de dano, não será todo e qualquer exercício de um poder de facto sobre a coisa danificada que legitimará processualmente a manifestação de vontade de prossecução do processo penal, mas apenas quando exista um interesse específico, que a lei define como interesse «especialmente» protegido com a incriminação. […] As concepções que vêm tomando maior consistência nas formulações da jurisprudência e nas abordagens da doutrina - a jurisprudência elaborando a propósito de espécies concretas nascidas da diversidade das projecções relacionais entre a coisa e o aproveitamento das utilidades que proporciona - apontam, assim, para uma identificação do interesse «especialmente protegido» no crime de dano com a utilidade funcional, específica e efectiva da coisa por determinado sujeito, e concretamente afectada por uma das modalidades de acção do crime e do consequente resultado. Relação de utilidade, no entanto, com «representação jurídica», no sentido de juridicamente tutelada por instrumento ou modo consistente para o direito, que constitua o modelo de legitimação e de identificação dos direitos e inerentes poderes sobre a coisa. As relações de facto sobre a coisa terão de estar enquadradas por um modo relevante para o direito, ou seja, por uma relação jurídica suficientemente precisa na definição dos direitos e consequentes poderes - a «representação jurídica». A fonte de legitimação e de definição do conteúdo relacional tem, pois, de estar prevista na lei, ou resultar de alguma vinculação contratual como fundamento da atribuição da disponibilidade ou da utilidade sobre a coisa - a propriedade (artigo 1305.º do Código Civil), a posse (artigos 1251.º e 1276.º), o usufruto (artigos 1439.º e 1446.º), uso ou habitação (artigo 1484.º, n.os 1 e 2), espécies contratuais típicas e nominadas - modalidades de compra e venda [artigos 879.º, alínea b), 934.º e 936.º, n.º 2]; locação [artigos 1022.º e 1031.º, alínea a)]; comodato (artigos 1129.º e 1133.º); depósito (artigos 1185.º); ou outras dependentes da vontade dos interessados que detenham direitos de atribuição sobre a coisa. E, nesta perspectiva, e no que é relevante, o interesse protegido identifica-se com a garantia efectiva de preservação da substância ou da utilidade da coisa, e a concretização do interesse está, muito ou directamente, ligada com a natureza da agressão sobre a substância ou sobre a utilidade e funcionalidade que, em cada situação, ocorra em consequência da acção (pela pluralidade típica das modalidades e acção) e do resultado. […] Em aproximação final à solução da questão controvertida, poderá concluir-se que o crime de dano previsto no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal visou proteger não apenas o titular do direito de propriedade, mas também todos aqueles que legitimamente gozam, usam e fruem o bem, e que, deste modo, são titulares de interesses directos e imediatos na preservação da coisa (conservação do estado), como na fruição e disponibilidade das utilidades funcionais que proporciona (preservação da função). O artigo 212.º do Código Penal reconhece que o valor de uso da coisa é merecedor de tutela penal, já que pode ser prejudicado pela prática das condutas típicas de destruição, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa. Deste modo, para efeitos do artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, o conceito de «ofendido» como titular dos interesses que a incriminação quis proteger, pode, assim, abranger tanto o proprietário, como aquele que tem a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa, com um mínimo de representação jurídica que justifica a tutela penal, assistindo legitimidade aos titulares desses direitos e interesses legítimos, enquanto representantes de interesses especialmente tutelados pela incriminação, para apresentar queixa-crime, quando a coisa tenha sido alvo de qualquer uma das acções compreendidas no tipo do artigo 212.º do Código Penal. Este critério significa que tem legitimidade para apresentar queixa por crime de dano, o proprietário - em qualquer situação este não poderia ser excluído, porque tal implicaria uma alteração do bem jurídico protegido pela incriminação -, o usufrutuário, o possuidor, o titular de qualquer direito real de gozo sobre a coisa e, ainda, todo aquele que tenha um interesse juridicamente reconhecido na fruição das utilidades da coisa.» - sublinhados nossos
A sobredita argumentação é aplicável, mutatis mutandis, à legitimidade para apresentação de queixa-crime por crime de furto, cuja norma incriminadora, à semelhança do crime de dano, visa tutelar a propriedade alheia, pelo que tal legitimidade cabe, assim, não só ao proprietário ou comproprietário da coisa furtada (desde que não seja contra outro comproprietário relativamente a coisa comum divisível sem afetação do valor, caso em que não se verifica o caráter “alheio” da coisa) como também ao possuidor ou detentor legítimos do bem ilegitimamente subtraído, desde que tais posse e detenção sejam exercidas a coberto de uma causa legal atributiva de poder jurídico, de legitimação da disponibilidade da fruição das utilidades da coisa.
Volvendo ao caso dos autos.
No dia 21.08.2021, António Maria Lemos de Sousa apresentou queixa contra o AA pelos factos que vieram a consubstanciar a acusação pública deduzida nos autos, apresentando-se como proprietário do terreno onde o denunciado entrou sem autorização, aterrou parte de uma vala ali existente, retirou as vigas e arames que protegiam/delimitavam a vala e levou-os consigo do local (cf. auto de notícia constante do Apenso A com referência ...69).
É certo que nessa denúncia, o queixoso autointitulou-se como proprietário do prédio rústico em questão, sem mencionar a existência de uma herança. Todavia, como observa o Tribunal recorrido, deriva da prova realizada nos autos (documento junto com o pedido de indemnização civil, de fls. 170/1) que António Maria Lemos de Sousa assume efetivamente a qualidade de herdeiro quanto à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JJ, progenitora daquele, sendo que o terreno em apreço nos autos integra o acervo hereditário da referida herança.
Como se sabe, a herança indivisa é constituída pelo conjunto de bens que pertencendo a uma pessoa subsistem após o decesso desta e destinam-se a ser partilhados pelos herdeiros constituídos à data da morte, mantendo-se a indivisão até à ocorrência da efetiva partilha. Nesse ínterim, todos os herdeiros têm direitos iguais sobre a totalidade dos bens, isto é, em comum e sem determinação de parte ou direito, sem que haja uma divisão específica de bens individualizados ou partes pertencentes a cada um.
Dito isto, afigura-se-nos que o queixoso, enquanto sucessor legítimo da falecida JJ tem óbvio interesse pessoal, juridicamente tutelado, em manter a integridade e posse dos bens que pertencem ao acervo hereditário, entre os quais se contam as coisas integradas no prédio rústico identificado na acusação pública que foram danificadas e subtraídas pelo arguido, ora recorrente.
Tanto mais que está igualmente provado que os demandantes, herdeiros de JJ, legitimamente detêm e fruem as utilidades do mencionado prédio rústico, integrante do acervo hereditário [cfr. facto provado no ponto 11)], donde ressuma o interesse direto e imediato de qualquer um deles na sua preservação e conservação em bom estado e na plena fruição das suas funcionalidades.
Ademais, não se compreenderia que um herdeiro, isoladamente, pudesse, ao abrigo da sua qualidade sucessória, requerer judicialmente a restituição por terceiros (herdeiros ou não, com título ou não) de todos os bens da herança ou de parte deles, sem que lhe seja oponível a objeção de tais bens não lhe pertencerem por inteiro (cfr. arts. 2075º e 2078º, ambos do Código Civil), e necessitasse do acompanhamento dos demais herdeiros para, simplesmente, exercer direito de queixa contra um terceiro que ilicitamente protagonize um ataque ao património comum e indiviso que constitui a herança indivisa, com vista à instauração de procedimento criminal contra o denunciado, sem que daí advenha, por certo, a final, qualquer decisão judicial que acarrete prejuízo para a herança ou perda de direitos para o conjunto dos sucessíveis ou algum deles.
Um forte indicador de que o legislador penal não quis prever para estes casos a exigibilidade de exercício conjunto do direito de queixa por todos os herdeiros, sequer, em exclusividade, pelo cabeça-de-casal, é fornecido pelo disposto no art. 113º, nº2 e nº3, do Código Penal (CP), onde se atribui a qualquer uma das pessoas ali previstas, sobrevivas ao ofendido entretanto falecido sem apresentação da queixa (nem renúncia à mesma), a legitimidade para dedução da queixa independentemente das restantes.
Ora, não se vislumbra razão minimamente válida para promover solução distinta para as situações em que à data de ocorrência dos factos ilícitos típicos já havia ocorrido o óbito do anterior proprietário das coisas danificadas e/ou furtadas e a sua sucessão pelos legítimos herdeiros, com aceitação da herança por banda destes, mas ainda sem realização da respetiva partilha, com imposição da obrigatoriedade do exercício do direito de queixa por todos os herdeiros.
Do predito decorre a inaplicabilidade ao caso do disposto no art. 2091º, nº1, segunda parte, do Código Civil, quer por força da predominância de tutela da específica legislação penal que estatui sobre a titularidade do direito de queixa, quer porque não se trata aqui de verdadeiro exercício de um direito que contenda diretamente com a herança, mas tão só de promover ab initio a ação penal, sem que desse ato exsude a concessão ou negação de direitos que afetem necessariamente a integridade do acervo hereditário.
Concluindo. O denunciante António Maria Lemos de Sousa é «ofendido» e, nessa qualidade, por si só, titular do direito de queixa para efeitos de instauração de procedimento criminal pelos imputados crimes de natureza semi-pública, dispondo de legitimidade para apresentar a queixa (como efectivamente fez), daí decorrendo a legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação pela prática dos crimes investigados, nos termos do art. 49º do CPP.
Logo, contrariamente ao defendido pelo arguido/recorrente, verifica-se a condição de procedibilidade consistente na dedução de queixa, tempestiva e válida, por quem possuía legitimidade para o efeito. Improcede o recurso quanto ao supra apreciado fundamento.
IV.2.2 – Da arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação (arts. 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2, ambos do CPP):
Neste segmento recursório, o arguido/recorrente alega, genericamente, que a decisão recorrida não fez uma reflexão e exame crítico da prova produzida em audiência, por isso incorreu no vício de falta de fundamentação previsto nas normas conjugadas dos arts 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 al. a), do Código de Processo Penal e, como tal, deve ser julgada nula.
Conhecendo.
No que concerne aos requisitos da sentença, preceitua o art. 374º, nº2, do CPP, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Por seu turno, prescreve o art. 379º, nº1, al. a), do CPP [na parte que ora releva]:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374º […]”.
A Lei ordinária portuguesa, como corolário do disposto no art. 205º, nº1, do Texto Fundamental (Constituição da República Portuguesa), consagra expressamente o dever de fundamentação das decisões finais, sentenças e acórdãos – art. 374º, nº2 do CPP –, bem como aponta a fundamentação como requisito essencial na apreciação da prova produzida em audiência – art. 365º, nº2 -, e na escolha e determinação da sanção a aplicar ao arguido – art. 375º, nº1.
Dispõe o artigo 375º, nº1, do CPP, que “A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.”
O Supremo Tribunal de Justiça, em diversas decisões, tem consubstanciado o dever de fundamentação da sentença do seguinte modo: para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, a sentença deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência[2].
Paulo Saragoça da Matta[3] entende que a fundamentação das sentenças consistirá:
«(a) num elenco das provas carreadas para o processo; (b) numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras; (c) numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e, (d) numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente»
Pertinente também, e por nós acolhido, o entendimento que sobre a fundamentação tem José Mouraz Lopes[4], nos seguintes termos:
«No processo de elaboração da fundamentação da decisão o procedimento tem de fundar-se na fundamentação lógica e racional do raciocínio do juiz, em função da prova que foi produzida e do modo como se chegou à decisão tomada. Na fundamentação assume especial importância a demostração da prova que sustenta os factos. Deverá sempre explicar-se o porquê de determinada valoração, e porque não outra. O que levou o tribunal a decidir-se por esta ou aquela opção de prova através de um exame crítico das provas produzidas».
Por outro lado, a motivação não tem de ser extensa, exaustiva e pormenorizada. Basta que seja razoável, aceitável, do ponto de vista do normal e da suficiência, o que sucederá sempre que do seu conteúdo se consiga extrair as razões subjacentes à decisão tomada pelo julgador.
Retornando ao caso vertente.
Salvo o devido respeito, neste ponto, a falta de clareza na exposição argumentativa alia-se à absoluta ausência de razão do recorrente.
É obvio que a sentença recorrida não enferma de falta de fundamentação, nem de facto nem de direito.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a propósito da prova considerada pelo Tribunal, nomearam-se os meios de prova atendidos, fez-se uma súmula do seu respetivo teor, qual a razão para ter concedido credibilidade e verosimilhança a umas provas e não a outras, considerando a isenção e o conhecimento direto que demonstraram ou não os declarantes/depoentes e, outrossim, a consonância ou dissonância do declarado com o teor da prova documental e com as regras da experiência e da lógica. Cumpriu, dessarte, de modo efetivo e até exemplar, o ónus de fundamentação da deliberação sobre a matéria de facto, permitindo aos destinatários da sentença, sujeitos processuais e demais membros comunitários, compreenderem as razões da decisão, assim como ao próprio julgador autoconvencer-se sobre a coerência e acerto do raciocínio lógico-dedutivo que presidiu ao seu juízo valorativo. Não colhe, nesta parte, o recurso do arguido.
IV.2.3 – Alegada violação da proibição de valoração de prova – as denominadas “conversas informais”:
Neste ponto, alega o arguido/recorrente, em resumo, que as suas declarações antes do início do inquérito e da sua constituição como arguido nos presentes autos não podiam ser valoradas como meio probatório, diversamente do que fez o Tribunal a quo.
As chamadas «conversas informais» são declarações prestadas pelo arguido a órgãos de polícia criminal à margem do processo, sem redução a auto e, portanto, sem respeitarem o princípio da legalidade processual decorrente dos artigos 2.º, 57.º e segs., 262.º e segs., 275.º, 355.º a 357.º do CPP e art. 29.º da Constituição (nulla pena sine judicio), não podendo as declarações assim produzidas serem valoradas como meio de prova e concorrerem para a formação da convicção do Tribunal.
Consequentemente, não podendo ser valoradas aquelas «declarações» e não resultando da demais prova documental e testemunhal que o arguido foi o autor dos factos, terá que imperar in dubio pro reo, constitucionalmente previsto no art. 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), considerando-se como não provada essa matéria de facto.
Analisando.
Quanto à definição das denominadas «conversas informais», menciona o Exmo. Juiz Conselheiro do STJ Jubilado Vinício A. P. Ribeiro, in “Código de Processo Penal”, Notas e Comentários, 3ª Edição, Quid Iuris, anotação 2 ao art. 356º, p. 775, que «são conversas não formais e, por isso, não reduzidas a auto. Processualmente não existem. Podem ocorrer fora ou dentro do processo. E dentro do processo, no âmbito de uma diligência ou fora dela, numa altura em que pode haver, ou não, arguido constituído. Podem verificar-se logo no local da infração (e será até o caso mais vulgar) antes de o arguido ter sido constituído como tal, no posto policial, ou até nos corredores do tribunal (já depois da constituição de arguido).»
A questão sobre a possibilidade de valoração pelo tribunal das «conversas informais» suscitou uma querela jurisprudencial.
Não pactuamos com a corrente, correspondente à acolhida na douta decisão recorrida, que defende que só com a existência de inquérito e a constituição de arguido é que se coloca o problema das conversas informais, considerando que o direito ao silêncio pressupõe a existência de um inquérito e a condição de arguido, pelo que antes destes momentos não há proibição.
Acompanhamos antes o entendimento do citado Exmo. Conselheiro de que, independentemente de as conversas mantidas com o órgão de polícia criminal pelo arguido ocorram em momento anterior ou posterior ao da constituição do suspeito nessa qualidade, não se podem valorar essas declarações.
Como sagazmente mencionado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.10.2012, Processo nº 199/11.0GDFAR.E1, relatora Ana Barata Brito, disponível em www.dgsi.pt, «Mesmo que que se defenda que o direito ao silencio nasce apenas no momento em que o arguido é constituído nessa qualidade, o seu exercício em concreto – pelo arguido, como arguido – não pode deixar de silenciar, apagando, tudo o que fora por ele declarado anteriormente no processo, verificando-se como que um efeito expansivo do exercício ao silêncio.»
Resulta do nosso ordenamento jurídico que o arguido só fala se quiser e quando quiser (cfr. arts. 61º, nº1, al d), 343º e 345º, nº1, do CPP),
Note-se que, nos termos do art. 357º, nº1, do CPP, em audiência de julgamento, as declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só podem ser lidas a sua própria solicitação, isto é, por sua vontade, ou, não sendo esse o caso, se tiverem sido prestadas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o declarante tenha sido informado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº4 do artigo 141º. Distintamente, tal leitura está vedada para o caso de as declarações em causa terem sido prestadas verbalmente perante órgão de polícia criminal, sem redução a auto e sem que o “suspeito” se encontre patrocinado por causídico.
Atente-se ainda que, nos termos do art. 356º, nº7, ex vi do art. 357º, nº3, ambos do CPP, “os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.”
Donde, admitir como meio válido de prova as conversas informais, ainda que decorridas numa fase em que não tivesse sido constituído arguido, corresponderia a estar a obrigar o arguido a falar contra a sua vontade, mormente em casos como o dos autos em que os arguidos não prestaram declarações sobre os factos em qualquer momento processual. No fundo, seria permitir, por meios ínvios, aquilo a que o legislador quis notoriamente obstar, em vista a acautelar o estatuto do arguido.
Neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.021.2007, Processo nº 3111/06-3ª, relator Soreto de Barros, de 01.02.2006, Processo nº 2753/05-3ª, relator Flores Ribeiro, e de 09.07.2003, Processo nº 03P615, relator Armando Leandro; do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.05.2010, Processo nº 670/07PBGMR.G1, relator Cruz Bucho, e de 11.04.2011, Processo nº 625/07.3GAEPS.G1, relator Tomé Branco; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.04.2010, Processo nº 1670/09.0YRLSB-9, relatora Guilhermina Freitas, e de 03.05.2011, Processo nº 146/09.0PHOER, relator José Adriano; do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.05.2013, Processo nº 379/11.9GAVNO.C1, relator Rui França, de 19.06.2013, Processo nº57/11.9GAAGN.C1, relatora Maria Pilar de Oliveira, e de 18.02.2004, Processo nº 4302/03, relator Barreto do Carmo; do Tribunal da Relação de Évora de 05.12.2017, Processo nº 210/16.9GAVRS.E1, relator Gilberto Cunha, de 13.01.2004, Processo 2175/03-1, relator Manuel Nabais, e de 02.03.2004, Processo nº 1869/03-1, relator Sénio Alves; do Tribunal da Relação do Porto de 25.01.2023, Processo nº 999/20.0PWPRT.P1, de 30.03.2022, Processo nº 1160/18.0GBVNG.P1, ambos relatados por Maria Joana Grácio, e de 07.03.2007, Processos nº 0642960 e nº 0646472, relatora Isabel Pais Martins; todos disponível em www.dgsi.pt.
Refere-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.02.2024, Processo nº 182/22.2GCVFR.P1, relator Pedro Vaz Pato, em contraponto à posição jurisprudencial que distingue a possibilidade de valoração consoante haja ou não a constituição como arguido: «Afigura-se-nos, porém, que não é de seguir tal corrente jurisprudencial.
A tese em que assenta tal corrente faz depender de atos puramente formais (a abertura formal de inquérito e a constituição formal de arguido), e não razões substanciais, a tutela efetiva dos direitos do arguido. As razões substanciais que levam à irrelevância como prova de declarações informais de arguido prestadas depois da sua constituição como tal são as mesmas que deverão levar a essa irrelevância quando tais declarações são prestadas antes dessa constituição. E não colhe dizer que antes dessa constituição formal ele é apenas suspeito, ou simples cidadão, sem os direitos que a lei atribui aos arguidos: tal significaria tornear as exigências constitucionais e legais de respeito por tais direitos, significaria «deixar entrar pela janela aquilo a que se fechou a porta». E isso verificar-se-á mesmo que não haja qualquer má fé de um agente policial ao conversar com o arguido no âmbito das diligências impostas pelos referidos artigos 243.º, 248.º, 249.º e 250.º do Código de Processo Penal (é óbvio que ele não está impedido de o fazer, a questão é apenas a de saber se essas conversas, por si só, podem valer como meios de prova apesar do que dispõem os artigos 357.º, n.º 3, e 356.º, n.º 7 do mesmo Código). Nesse âmbito, não pode dizer-se que esse agente está a atrasar artificialmente a constituição de arguido. Mas o que deve dizer-se é que já nessa altura se sabe que ele virá posteriormente a ser constituído como tal e é isso que torna irrelevante como prova o que possa afirmar perante um agente policial, mesmo que a conversa em causa se justifique no âmbito das referidas diligências.»
Dito isto, julgamos que no presente caso os depoimentos prestados pelos militares da GNR DD e EE podem ser valorados, como foram pelo Tribunal recorrido, não porque reproduzam – como ali erroneamente se entende – declarações do arguido prestadas quando ainda não corria contra si inquérito criminal e ainda não havia sido constituído arguido, mas porque consubstanciam relatos de circunstâncias fácticas diretamente percecionadas pelos depoentes, ou seja, por eles vistas e ouvidas, fora do contexto de inquirição ao suspeito sobre os acontecimentos investigados, uma vez que o ora arguido, livre e espontaneamente, invocando um pretenso direito de passagem que incide sobre o terreno que integra a herança indivisa, assumiu perante o queixoso FF ter sido o autor dos factos denunciados, na presença das mencionadas testemunhas e também de uma outra pessoa, a testemunha BB.
Partilhamos, assim, a posição expressa pelo Exmo. PGA no douto parecer que emitiu nos autos, quando afirma a este propósito: «Entende o mesmo que “conversas informais” que tenham acontecido com os elementos da GNR, não podem ser valoradas, atento o facto do mesmo, ter vindo a ser constituído arguido, em momento posterior, pela prática dos actos objecto de conversação. Teria razão o recorrente se estivéssemos no domínio de conversas informais, porém, o que os elementos da GNR relataram ao Tribunal não foram conversas tidas com o arguido em que aqueles tenham levado o mesmo a admitir a prática de actos pelos quais viria a ser constituído arguido, mas sim a constatação de uma realidade que observaram quando chegaram ao local, reproduzindo aquilo que o arguido referia e afirmava e não qualquer diálogo que nem sequer se registou.»
Acresce que, como observado - agora bem -, na sentença recorrida, ainda que outro fosse o entendimento, considerando-se insuscetível de valoração esta parte dos depoimentos das testemunhas órgãos de polícia criminal referentes a “declarações” prestadas pelo suspeito entretanto constituído arguido, sempre sobejavam como passíveis de livre valoração as declarações do demandante civil FF e da testemunha BB sobre o que ouviram dizer o UU quanto à autoria dos factos denunciados pelo primeiro.
Logicamente, tais provas teriam de ser, como foram, apreciadas livremente pelo Tribunal, à luz das regras da experiência, da normalidade das coisas e em concatenação com a restante prova produzida, e não como consubstanciando confissão do arguido nos termos e para efeitos do disposto no art. 344º do CPP.
Pelo exposto, concluímos pela inexistência de violação de proibição de valoração de prova. IV.2.4 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Do apontado erro de julgamento quanto aos pontos 1 a 6, 8 a 17 e 19 da factualidade dada por provada:
Por via do douto recurso interposto, o recorrente AA veicula a sua discordância quanto à forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida nos autos, nomeadamente em audiência de julgamento, o que conduziu a que fossem considerados como provados os factos constantes dos nºs 1 a 6, 8 a 17 e 19, que, no entendimento do arguido, deveriam ter sido julgados de modo inverso.
Vejamos.
Preceitua o art. 412º do CPP, na parte que ora releva:
“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
[…]
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
[…]
6 – No caso previsto no nº4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Como tem entendido, sem discrepância, o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP -, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.
Nessa tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português.
Em conformidade, a ausência de imediação e oralidade - dado que o “contacto” com as provas se circunscreve ao que consta das gravações - determina que o tribunal de segunda instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º][5].
Com efeito, quando está em causa a questão da apreciação da prova cumpre dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.
Como loquazmente se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, acessível em www.dgsi.pt: «São os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e «imediata» podem observar as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas. A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro. Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal).»
Ou seja, é comumente aceite que a (re)apreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso não implica a realização de um “segundo julgamento”, agora baseado na prova gravada, em que o tribunal ad quem aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como se o julgamento ali realizado não existisse. Como se refere, de modo impressivo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2015, processo 441/10.5TABJA.E2, acessível em www.dgsi.pt, «O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância. Os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.»
Relevantes ainda as seguintes palavras de Paulo Saragoça da Matta[6]: «Ao Tribunal de recurso não cabe repetir a produção de prova havida, nem a prova anteriormente produzida na instância recorrida perde seja o que for de vivacidade. Pelo contrário, o Tribunal de recurso limitar-se-á a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância.»
Concluindo: o artigo 412º, nº3, al. b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso “obrigatório” decidir de forma distinta.
Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
Retornando ao caso sub judice.
Dir-se-á desde já que a impugnação à decisão sobre a matéria de facto dirigida pelo recorrente, entre o mais, à factualidade dada por provada nos pontos 8) a 17) e 19) é insuscetível de apreciação por banda deste Tribunal ad quem. Com efeito, sendo irrecorrível a sentença no que tange ao decidido na parte cível – conforme supra explanado no item II da corrente decisão -, impõe-se concluir, coerentemente, que está vedada a apreciação por este Tribunal do alegado erro de julgamento no que concerne a factualidade integradora do pedido de indemnização civil deduzido nos autos, como sucede com a predita matéria dos factos provados.
Isto sem prejuízo de se retirarem as devidas consequências relativas ao julgamento da matéria cível da eventual procedência da impugnação concernente a factualidade da matéria penal que contenda com aqueloutra (cf. art. 403º, nº3, do CPP).
Posto isto, passaremos a aquilatar do mérito da impugnação relativamente à decisão sobre os demais pontos fácticos elencados pelo arguido/recorrente (pontos 1) a 6) dos factos provados).
O Tribunal procedeu à audição das gravações (disponíveis no sistema citius-media studio) atinentes às declarações do demandante civil António Maria Lemos de Sousa e aos depoimentos das testemunhas BB, DD e EE prestados em audiência de julgamento – passagens indicadas pelo recorrente –, bem como à visualização do conteúdo da prova documental produzida nos autos (cf. art. 412º, nº6, do CPP).
Compulsados, em concatenação, o teor dos sobreditos meios probatórios e a motivação sobre a decisão da matéria de facto aduzida na sentença recorrida, entendemos não merecer censura a decisão sobre a matéria de facto tomada pelo tribunal a quo.
Primeiramente, para sustentar a necessidade de alteração do decidido, por ausência de prova positiva, o recorrente convoca os mencionados meios de prova declarativa e testemunhal para, com fundamento no declarado pelos depoentes, concluir que ninguém o viu a cometer os factos que lhe são imputados na acusação e vieram a ser dados como provados.
Ora, como decorre da própria motivação apresentada pelo Tribunal a quo, é indiscutível que nenhuma das pessoas ouvidas em audiência de julgamento presenciou a prática dos ajuizados factos. Porém, tal significa, sem mais, que o arguido não os tenha cometido ou, sequer, que exista dúvida séria e insanável sobre a autoria dos factos.
A Mma. Julgadora atendeu - e bem - à denominada “prova indireta” (indiciária ou por presunção judicial) para formulação do juízo valorativo da prova produzida no que tange à autoria dos factos em discussão nos autos, sem que tal implique violação dos princípios constitucionalmente consagrados da presunção de inocência e in dubio pro reo.
Entende-se por “indício” a circunstância que tem conexão verosímil com o facto incerto de que se pretende a prova.
Conforme defende Andrés Martinez Arrieta [“La prueba indiciaria”, in “La prueba en el processo penal”, Centro de Estudos Judiciales – Col. Cursos, vol. 12, Ministerio de Justicia, Madrid, 1993, p. 55], a alusão a “indício” «supõe um elemento fáctico que autoriza uma dedução, como sua consequência, assim permitindo afirmar a realidade de um facto oculto.»
A propósito da distinção entre prova direta e indireta afirma Germano Marques da Silva[7]: «Se se tratar de prova directa, a perceção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal; na prova indireta a perceção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas de experiência. A esta sequência de proposição em preposição chama-se presunção. A prova directa faz-se por perceção, a indireta por perceção e presunção.»
Sumariando o sobredito, pode-se então dizer que um indício constitui um facto que apesar de não revelar a existência histórica do factum probandum, demonstra outros factos, os quais, apelando às regras da lógica e da experiência comum, autorizam a extração de determinadas ilações quanto ao facto que se visa demonstrar.
Como apoditicamente se sublinha no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 549/2024, de 15/07/024, 3ª Secção, relatora Conselheira Joana Fernandes Costa, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, «na prova por utilização de presunção judicial, a qual pode sempre ser infirmada por contraprova, na passagem do facto conhecido para a prova do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está diretamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.»
No caso vertente, o Tribunal recorrido partiu da fundada demonstração (com base em prova direta, de jaez declaratório, testemunhal e documental) de que:
a) pouco tempo após a prática dos factos, vizinhos indicaram ao ofendido/demandante FF terem visto uma pessoa a entrar no “seu” terreno (pertencente a herança em que é interessado) ao volante de um trator azul com pá frontal;
b) o arguido era, à data dos factos, proprietário de um veículo com aquelas caraterísticas;
c) tinha ocorrido anteriormente outro dissenso entre os ora demandante civil FF e arguido a propósito de uma pretensa entrada deste no prédio rústico em questão, arrogando-se de um alegado direito de passagem para aceder ao seu terreno;
d) existe um efetivo litígio entre o arguido e os demandantes quanto ao prédio rústico em causa e respetiva passagem, que já deu azo à instauração de uma ação judicial por banda do aqui arguido contra entre o mais o demandante FF, sendo que na respetiva petição inicial é feita referência precisamente à construção da vala e vedação com vigas e arames, conforme se alude nestes autos.
e) o arguido admitiu, no dia dos factos, perante o ofendido, a testemunha BB e os dois militares da GNR que se deslocaram ao local para tomar conta da ocorrência – DD e EE –, ter praticado os factos em discussão nos presentes autos.
Considerou ainda que inexistia um mínimo princípio de prova de versão alternativa, capaz de fornecer outra explicação para o circunstancialismo que liga umbilicalmente o arguido ao cometimento dos factos, concluindo pela atribuição ao mesmo da sua autoria.
Entendemos que as premissas probatórias indiciárias tomadas em consideração pelo Tribunal a quo mostram-se alicerçadas em prova suficiente e segura, permitindo, com recurso às regras da experiência e da lógica, formular o raciocínio lógico-dedutivo operado e extrair a sobredita conclusão probatória e, como tal, dar como demonstrados os respetivos factos pertinentes para a indubitável afirmação da autoria dos ajuizados atos de cariz criminoso por parte do arguido, ora recorrente.
As concretas provas por declarações e testemunhal invocadas pelo arguido/recorrente não impõem distinta decisão sobre a matéria de facto, oposta à que foi tomada pela Mmo. Julgador, i.e., prova que tornasse, face às regras da experiência, a prova documental plena ou aos conhecimentos técnicos ou científicos, insustentável a apreciação operada pelo Tribunal a quo.
Assim, o recorrente AA pretende pôr em causa a credibilidade/veracidade das declarações prestadas pelo demandante civil FF e do depoimento prestado pela testemunha BB, apontando contradições entre os dois relatos sobre as mesmas circunstâncias e disparidade dos mesmos face ao declarado pelas testemunhas CC e DD.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
O princípio da livre apreciação da prova, constituindo um princípio estruturante do direito processual penal português, encontra-se vertido no art. 127º do Código Processo Penal, que preceitua: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente.”
Tal princípio está intimamente conexionado com o princípio da descoberta da verdade material e contrapõe-se ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, porquanto por via da livre apreciação da prova concede-se ao julgador um âmbito de discricionariedade, ainda que limitada, na valoração de cada uma das provas atendíveis que estribam a decisão de facto.
Tal discricionariedade não é absoluta, antes balizada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que devem nortear o decisor na apreciação da prova produzida. Por conseguinte, o juiz, na fundamentação da decisão de facto, deve justificar, fundamentando convenientemente, as suas próprias escolhas, ou seja, porque valorou cada prova de determinado modo (por exemplo, porque concedeu credibilidade ao depoimento de uma testemunha e negou credibilidade ao depoimento de outra testemunha). Compreende-se que assim seja, sob pena de a convicção do tribunal se tornar não sindicável, caindo no mero livre arbítrio, o que não se coaduna com um sistema de justiça próprio de um estado de direito democrático.
É por isso que José Mouraz Lopes, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo II, p. 78, entende que a «livre apreciação da prova» é, de alguma forma, um sofisma, na medida em que se deve falar é de uma livre apreciação racional e fundamentada da prova.
Nas palavras de José Tomé de Carvalho, in “Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português”, Revista Julgar, nº21, 2013, p. 84, «o livre convencimento não equivale assim a valoração livre, estando o processo deliberativo condicionado pelas regras de lógica, experiência, técnica e ciência, apesar de na reconstrução de determinado facto o juiz ser livre de crer (ou não) numa determinada fonte probatória, agora que o tempo das provas legais e tabelares se finou».
Assim também tem sido entendido, reiteradamente, pelo Tribunal Constitucional, num juízo de conformidade do disposto no art. 127º do CPP com a Constituição.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, de 19.11.1996, in DR, Série II, de 06.02.1997 (reiterado pelo acórdão do mesmo Tribunal nº 464/97, de 01.07.1997, in DR, Série II, de 12.01.1998): «A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão».
Ainda o acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/02, proferido no âmbito do processo nº 528/02, onde se lê «[…] de acordo com o entendimento que tem vindo a ser professado por este tribunal, a valoração da prova segundo a livre convicção do julgador não significa uma apreciação contra a prova ou uma valoração que se desprendeu da legalidade dos meios de prova ou das regras gerais de produção da prova, ou seja, não é admissível uma valoração arbitrária da prova, sendo a convicção do julgador «objetivável e motivável», conjugando-se com dever de fundamentar os actos decisórios e de promover a sua aceitabilidade». In casu, consideramos que o tribunal a quo interpretou corretamente e em conformidade com os ditames constitucionais o disposto no art. 127º do Código de Processo Penal.
Na verdade, a Mma. Juíza explanou na fundamentação da decisão de facto da douta sentença, de modo claro e percetível, as fontes probatórias que acolheu para a tomada de decisão, o respetivo conteúdo e alcance, e, outrossim, por que motivo credibilizou umas e descredibilizou outras, sempre dentro dos limites legais da livre convicção, respeitando as regras da experiência e da lógica.
Assim, de modo que não merece crítica, porque não contrariado impreterivelmente pelas regras da experiência e da lógica e prova documental junta aos autos, e beneficiando da circunstância de ter os declarantes perante si (podendo observar, entre o mais, as respetivas expressões corporais ou a ausência destas, no que isso pode significar ao nível da apreensão da emotividade e espontaneidade de um depoimento), a Mma. julgadora, no que tange à factualidade dada por provada nos pontos 1), a 6), fundou-se, em concatenação, nas declarações do demandante FF, nos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e EE, e nos documentos juntos aos autos [da Cópia da petição inicial e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 81 a 117 (processo principal) e de fls. 86 a 97 (processo apenso); da Cópia da contestação e documentos anexos da ação comum n.º 157/22.0T8AMR, de fls. 126 a 135; dos Autos de notícia de fls. 34 a 35 e 39 a 40 (processo apenso); dos Registos fotográficos de fls. 114 a 117 (processo apenso); e dos documentos com o pedido de indemnização civil, de fls. 170-173].
Ademais, a Mma. Juíza, fundou cabalmente o motivo pelo qual concedeu, nesta parte, credibilidade aos relatos do demandante VV e da testemunha BB.
Assim, considerou que as declarações do demandante, quanto ao comportamento do arguido e prejuízos sofridos, «revelaram-se como coerentes, objetivas e merecedoras de credibilidade». Adiantou ainda que o «demandante, não obstante os episódios que descreveu, não revelou nenhuma especial animosidade para com o arguido ao ponto de mentir ou falsear a realidade. É certo que o demandante não nutre atualmente uma boa relação com o arguido (situação para a qual não será certamente indiferente o episódio que está aqui em análise), mas não denotou o Tribunal indícios no sentido de que tal tenha influenciado o demandante, formando-se a convicção que não obstante as querelas existentes o demandante depôs essencialmente com verdade. Atente-se na postura do demandante tida em Tribunal, que se visualizou e presenciou, a forma de se expressar, de se sentar, de gesticular, a forma de falar e relatar os factos. Não ficou o Tribunal convencido que o demandante tenha apresentado queixa movido por alguma especial animosidade». Contribuiu sobremaneira para o Tribunal ter considerado as declarações do demandante como credíveis, coerentes e sinceras – para além da perceção direta do julgador resultante da imediação –, a circunstância de existir prova corroborante do que por ele foi dito, designadamente os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e EE, e os documentos juntos aos autos.
Relativamente ao depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha BB, o Tribunal recorrido valorou-o como tendo sido realizado de forma credível, séria e coerente, não revelando especial animosidade para com o arguido, e demonstrativo de conhecimento direto dos factos sobre que se pronunciou, obviamente na parte por si pessoalmente observada.
Não vislumbramos razão para colocar em causa a credibilidade das narrativas dos mencionados declarantes, tanto mais que não consideramos decisivas para o efeito as contradições ou discrepâncias alegadas pelo recorrente, em parte inexistentes e, noutra parte, despiciendas.
Desde logo, o facto de a testemunha BB, diferentemente do que sucedeu com o declarante FF, não ter dito que os vizinhos se referiram ao senhor que conduzia um trator azul com pá frontal como sendo moreno e aparentado idade na casa dos 40 – cf. gravação das declarações prestadas pelo demandante na sessão de 06/06/2024, a minutos 10:57 a 11:50, e do depoimento prestado na mesma sessão pela testemunha, a minutos 06:59 a 07:33, disponíveis no sistema informático citius – media studio –, não pressupõe necessariamente que o demandante tenha mentido a tal propósito, porquanto é plausível que a testemunha, por qualquer circunstância que naquele momento afetasse a sua perceção, não tivesse ouvido aquela indicação "extra”. Ademais, dessa disparidade não resulta, sem mais, que não tenha sido o arguido o autor dos factos submetidos a julgamento, pois não se pode olvidar as demais circunstâncias assertivamente adiantadas pelo declarante e outras testemunhas inquiridas de que o arguido é efetivamente possuidor de um trator azul com pá frontal e tinha possibilidade de aceder ao terreno da herança indivisa em que o demandante é um dos interessados provindo de outros terrenos contíguos e não da via pública.
Acrescente-se que o Tribunal a quo, acertadamente, para efeitos de apuramento do autor dos ajuizados factos, também considerou, em conjunto e concatenação com outras provas e em consonância com as regras do normal suceder e da lógica, a relevante circunstância de meses antes ter ocorrido outro episódio protagonizado pelo ora arguido de acesso não autorizado ao prédio rústico dos herdeiros demandantes e de ele se arrogar de direito de passagem sobre este imóvel para ceder a outros terrenos, direito que até pretende ver judicialmente reconhecido, tendo para o efeito interposto a competente ação judicial cível. Outrossim, valorou o facto de o aqui recorrente, após os factos, ter assumido a sua prática perante o demandante FF e as testemunhas BB, DD e EE, as duas últimas militares da GNR que se deslocaram ao local e tomaram conta da ocorrência, como por estes foi unanimemente declarado em juízo.
Por outro lado, não colhe a objeção recursória de que não foi feita prova de que os bens (vigas e arames) desapareceram do local onde estavam erigidos constituindo uma vedação, como afirmado em audiência pelo ofendido/demandante FF.
Para suportar a sua posição, o recorrente convoca passagens dos depoimentos das testemunhas BB, CC e EE. Contudo, tais provas não são minimamente suficientes para forçar uma decisão oposta quanto a tal factualidade.
O depoimento da testemunha EE, militar da GNR que se deslocou ao local no exercício das suas funções, não contribui para o esclarecimento desta questão suscitada pelo recorrente, uma vez que o depoente afirmou não se recordar se ainda lá estavam as vigas de cimento e vedação em apreço - cf. gravação do depoimento prestado na sessão de 06/06/2024 pela testemunha, a minutos 04:58 a 05:30, disponível no sistema informático citius – media studio.
Contrariamente ao afirmado pelo recorrente, a testemunha BB não se contradisse neste aspecto, muito menos ao ponto de tornar o seu depoimento «incoerente, não isento e não sério e, por isso não credível».
Na verdade, a testemunha referiu inicialmente que a vedação que havia sido colocada pelo aqui demandante FF estava “desfeita e destruída”, para ulteriormente afirmar que tal vedação “já não estava sequer lá” - cf. gravação do depoimento prestado pela testemunha na sessão de 06/06/2024, a minutos 02:28 a 02:48 e 03:45 a 04:00, disponível no sistema informático citius – media studio.
Entendemos, todavia, que a asserção de que a vedação em questão se mostrava desfeita e destruída não significa necessariamente que ainda estivesse no local, permitindo interpretação de que nada sobrava da mesma, sobejando apenas a vala, tapada ou não, parcial ou integralmente.
Ainda que se concluísse pela ocorrência de contradição, pode-se compreender a confusão da testemunha, atento o considerável tempo decorrido desde os factos, não cabendo concluir, sem mais, que faltou à verdade.
Ademais, a credibilidade da testemunha também não é decisivamente abalada pela circunstância de ter dito que a vala foi aberta e a vedação colocada há muito tempo, quando o próprio demandante FF referiu que tais obras tinham sido realizadas há poucos meses, porquanto desconhece-se o entendimento do depoente sobre o que seja “muito tempo”, afirmação que se toma por genérica, não concretizada.
Também não se verifica dissonância das provas produzidas sobre os bens e materiais que compunham a vedação.
O demandante FF de que a vedação era composta por vigas em cimento e arames, facto que foi confirmado pela testemunha BB referindo que a vedação se tratava «duns postes com arames», especificando que esses “postes” eram «vigas em cimento» - cf. gravação do depoimento prestado pela testemunha na sessão de 06/06/2024, a minutos 04:25 a 05:02, disponível no sistema informático citius – media studio.
Por sua vez, a testemunha CC referiu-se à vedação como sendo composta por “cabritas” e arames, sendo que aquelas correspondem, em linguagem corrente, popular, usada na construção civil, a vigas.
O arguido/recorrente afirma ainda a falta de credibilidade do depoimento prestado pela testemunha BB por força dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE, dos quais, no entender daquele, não resulta inequívoco que aquela testemunha era a pessoa que acompanhava o queixoso quando os militares da GNR se deslocaram ao local e falaram com o denunciante e com o arguido.
Para tanto, transcreve o recorrente passagens dos depoimentos daqueles órgãos de polícia criminal para tentar provar que se referem à pessoa que acompanhava o denunciante como sendo alto e magro, quando a testemunha BB é de estatura média e forte.
Sucede que, a testemunha EE disse que a pessoa em causa era pouco mais alta do que ele, que tem 1,70 m, pelo que bem se pode concluir que se tratava efetivamente de pessoa de estatura média. Por outro lado, desconhece-se em absoluto o que é que o recorrente entende por “forte” quando afirma gratuitamente que o BB é uma pessoa “forte”, acrescendo que não sabe como ele se encontrava fisicamente quanto a este aspecto à data dos factos, que remontam ao ano de 2021.
Não vinga, pois, esta crítica do recorrente.
No que tange a um alegado erro relativamente à data de ocorrência dos factos, que, segundo a testemunha DD não teriam sucedido no dia 20.08.2021, cumpre mencionar que, salvo o devido respeito, a alegação é notoriamente desadequada.
A transcrição apresentada pelo recorrente de uma passagem do depoimento da mencionada testemunha só demonstra o óbvio, ou seja, que os factos não aconteceram no dia em que ela se deslocou ao local e contactou com o arguido, dado que a denúncia só foi realizada no dia 21.08.2021, o dia seguinte à ocorrência dos factos, como tudo decorre cristalino do conteúdo do respetivo auto de notícia (junto no Apenso A e a que corresponde a referência citius 12335069), confirmado em audiência pelas testemunhas DD e EE.
Logo, não se verifica na matéria de facto provada qualquer lapso quanto à data dos acontecimentos.
Resumindo.
É certo que o recorrente discorda do sentido que o tribunal recorrido conferiu à prova produzida; contudo, essa (legítima) discordância não basta para que este Tribunal de recurso altere aquela decisão, já que para tal era forçoso concluir que o juízo probatório assumido pelo tribunal a quo afrontava de modo crasso, evidente, inequívoco, as regras da experiência e da lógica, prova documental plena ou os conhecimentos técnicos/científicos predominantemente vigentes, impondo-se por isso a sua revogação, o que, frisa-se, não sucede. Pelo contrário, o juízo valorativo efetuado pelo Tribunal a quo é o que se apresenta como mais clarividente e conforme ao sentido da globalidade da prova produzida nos autos.
Pelo exposto, improcede a deduzida impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
IV.2.5 – Alegada violação do princípio in dubio pro reo:
A Constituição da República Portuguesa, no seu art. 32º, nº1, estabelece que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa”. Nestas garantias inclui-se e emerge de modo assaz relevante o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32º, nº2 do Texto Fundamental, nos seguintes moldes: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
Por seu turno, o princípio in dubio pro reo é complementar do princípio da presunção da inocência e o seu campo de aplicação encontra-se após a conclusão da tarefa judicial da valoração da prova produzida e quando o resultado desta não é conclusivo; neste caso, por via desta regra atinente à decisão, a dúvida insanável, inultrapassável sobre os factos deve favorecer o arguido.
O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2008, processo 08P3456, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, de 03.06.2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, e de 12.09.2018, processo 28/16.9PTCTB.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.07.2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso sub judice, não exsuda do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que o tribunal tenha sido assolado por uma dúvida razoável, muito menos insanável, que forçasse a julgadora a recorrer ao princípio in dubio pro reo paradar por não provada a factualidade constante dos pontos 1) a 6) dos factos provados – ou outros –, de cujo julgamento o arguido/recorrente discorda.
Ao invés, ali se assevera que «Não ficou o Tribunal com dúvidas, tendo formado a convicção que efetivamente o arguido atuou nos termos dados como provados.»
Portanto, o tribunal recorrido não se posicionou numa situação de dúvida quanto ao sentido da prova produzida sobre os factos em questão, nomeadamente quanto à autoria dos mesmos, sendo que o respetivo entendimento lavrado na decisão recorrida, atenta a prova produzida, é defensável face às regras da experiência comum e da lógica, que o não contrariam impreterivelmente.
Destarte, não ocorreu violação do princípio in dubio pro reo.
IV.2.6 – (In) existência de causa de exclusão da ilicitude e/ou da culpa ou falta de consciência da ilicitude do facto, por exercício de um direito de passagem:
Invoca o arguido no recurso, em síntese, que dos autos não resultaram preenchidos os elementos objetivos e subjetivo do crime de dano, ou não agiu com culpa (dolo), porque é titular de um direito de passagem sobre o prédio rústico integrante da herança indivisa em que são interessados os aqui demandantes civis, pelo que sempre agiria ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, designadamente legítima defesa, ação direita ou estado de necessidade.
Subsidiariamente, alega que agiu sem consciência da ilicitude, pois, atendendo ao seu direito à servição de passagem, o recorrente tinha o seu comportamento como juridicamente admissível e permitido pelo Direito.
Conhecendo.
O artigo 31º do Código Penal, prevendo, de modo não taxativo, as causas de exclusão da ilicitude, prescreve:
“1. O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2. Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) Em legítima defesa;
b) No exercício de um direito;
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou
d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.”
O nº1 do citado preceito legal adota o princípio da unidade da ordem jurídica, dele derivando que nenhuma ação é criminalmente ilícita se o direito positivo, em qualquer das suas disciplinas, lhe conferir a licitude, a conformidade à lei.
No ajuizado caso, pretende o recorrente que se considere legitimada a sua comprovada conduta de destruição de parte da vedação construída pelo queixoso, por considerar que agiu em defesa do seu direito de passagem, incidindo sobre o prédio em questão uma servidão de passagem constituída a ser favor.
Na sentença recorrida concluiu-se a tal propósito na fundamentação de Direito que «Não se verifica, in casu, uma situação de exigibilidade diminuída ou de diminuição sensível da culpa, pois que ao arguido era exigível comportamento diferente. Não se apuraram quaisquer causas de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade. Não se apurou qualquer situação de estado de necessidade nem de legítima defesa. Não se apurou qualquer causa que legitimasse a conduta do arguido, nem tal foi alegado. É o arguido responsável criminalmente pelas suas condutas.»
Na motivação da decisão de facto, já havia adiantado: «O Tribunal, conjugada toda a prova existente nos autos, não vislumbrou qualquer causa passível de excluir a ilicitude ou a culpa do arguido. Não foram juntos pelo arguido elementos passíveis de infirmar a demais prova acima analisada. Não foi junta prova no sentido de desresponsabilizar o arguido pelo seu comportamento. Face à prova carreada e analisada, cumpre notar que caberia ao arguido fazer a prova da existência de eventuais causas justificativas – excludentes da ilicitude ou da culpa - para a sua conduta, o que, porém, in casu não sucedeu.
[…] Também não se apurou que o arguido tinha que danificar a vala e subtrair as vigas e os arames, e que não podia aguardar pela resolução do problema por recurso a outras vias que não a força física. Não se apurou nenhuma premência ou necessidade urgente de destruição/subtração. Não se apurou qualquer autorização concedida pelo legítimo dono ou possuidor do terreno para a sua destruição, nem qualquer autorização para a subtração dos bens. Também não resultou provada qualquer ordem judicial que legitimasse os danos causados.»
Tal entendimento não merece censura.
Não se encontram provados os elementos constitutivos das causas de justificação invocadas, em conjunto e indistintamente, pelo arguido/recorrente.
Estatui o art. 336º do Código Civil:
“1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.
2. A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo.
3. A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.”
A acção direta constitui um meio de defesa da posse, prescrevendo o art. 1277º do C.C. que “O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336.º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse”, e, bem assim, um meio de defesa da propriedade, remetendo o art. 1314º do C.C. para o aludido art. 336º.
Como menciona Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, 2008, UCE, anotação 9 ao art. 31º, p. 142, «A acção direta visa proteger interesses civilmente relevantes, permitindo que para esse fim o agente se aproprie, destrua ou deteriore uma coisa, desde que seja impossível recorrer à autoridade pública em tempo útil, o agente não exceda o necessário para evitar o prejuízo do seu direito e o facto não sacrifique interesses superiores aos do agente».
Antunes Varela sintetiza os requisitos da ação direta nos seguintes moldes [in “Das Obrigações em Geral”, Volume I, p. 553]: «a) fundamento real (é necessário que o agente seja titular dum direito que procura realizar ou assegurar); b) necessidade (o recurso à força terá de ser indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática do direito do agente); c) adequação (o agente não pode exceder o estritamente necessário para evitar o prejuízo); d) valor relativo dos interesses em jogo (através da ação direta, não pode o agente sacrificar interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar).»
Quanto à «necessidade», sublinha Mafalda Miranda Barbosa, in “O tríptico da exclusão da ilicitude”, Gestlegal, 2023, págs. 106/7, que «se trata da imprescindibilidade de se agir, pela impossibilidade de se recorrer em tempo útil aos mecanismos que o ordenamento jurídico disponibiliza para se efetivar ou assegurar o direito em questão. Não basta, portanto, procurar-se uma mais célere resolução de um eventual litígio que envolva o direito. Do que se trata é de permitir que o titular do direito leve a cabo uma ação que a autoridade pública deveria acautelar, caso pudesse recorrer-se a ela em tempo útil.»
No que tange à legítima defesa estatui o art. 32º do Código Penal: “Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelar a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.”
Resulta desse normativo legal que são requisitos da legítima defesa:
a) A existência de uma agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
Como refere Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, p. 411, «Só é admissível legítima defesa contra agressões atuais. A agressão será atual quando é iminente, já se iniciou ou ainda persiste. Problemática é a determinação dos critérios por meio dos quais se pode afirmar que uma agressão já é atual ou ainda é atual: “decisiva é a situação objetiva e não o que seja representado pelo agredido”(citando Jescheck/Weigend)».
A agressão é iminente quando o bem jurídico se encontra imediatamente ameaçado e a defesa pode ter lugar até ao último momento em que agressão ainda persiste. A este propósito, alerta aquele insigne autor que relevante para este efeito é o momento até ao qual a defesa é suscetível de pôr fim à agressão, pois só então fica afastado o perigo de que ela possa vir a revelar-se desnecessária para repelir aquela [ibidem, p. 413].
Também Teresa Pizarro Beleza (reportando-se, à data, ao artigo 46º do CP1886, de teor semelhante ao atual art. 32º) considera que «a expressão “em execução ou iminente” corresponde àquilo que habitualmente se chama uma agressão atual. Isto é, porque a legítima defesa é permitida apenas para, em termos práticos, tentar impedir que uma agressão seja consumada, vá até ao fim, só faz sentido permitir a legítima defesa em relação a uma agressão que está iminente, portanto para evitar que ela se dê mesmo, ou que está ainda em execução. A agressão que já tenha cessado, cujos efeitos já estejam finalizados, não pode ter como resposta uma legítima defesa. Aí a pessoa estará eventualmente em desforço ou em vingança, já não será defesa no sentido de estar a reagir a uma agressão.» [in “Direito Penal”, 2º Volume, AAFDL, p. 268].
A agressão é ilícita quando não é justificada pela ordem jurídica considerada na sua globalidade.
b) Que a ação de legítima defesa constitua o meio necessário para repelir a agressão.
Este pressuposto impõe que a defesa tem de ser, ela própria, necessária, e que sejam usados os meios necessários para repelir a agressão atual e ilícita.
O meio será necessário se for um meio idóneo para deter a agressão e, caso sejam vários os meios adequados de resposta, ele for o menos gravoso para o agressor.
Como observa Figueiredo Dias [idem, p. 419], «o juízo de necessidade reporta-se ao momento da agressão, tem natureza ex-ante, e nele deve ser avaliada objetivamente toda a dinâmica do acontecimento, merecendo especial atenção as características pessoais do agressor (idade, compleição física, perigosidade), os instrumentos de que dispõe, a intensidade e a surpresa do ataque, em contraposição com as características pessoais do defendente (o porte físico, a experiência em situações de confronto) e os instrumentos de defesa de que poderia lançar mão».
A necessidade do meio pressupõe, logicamente, a impossibilidade de recurso às forças de autoridade para repelir eficazmente a agressão.
Consequentemente, a utilização de um meio não necessário à defesa consubstancia um excesso que gera a não justificação do facto por legítima defesa.
Estamos, então, perante o excesso de legítima defesa, que, nos termos do art. 33º, nº1 do CP, mantém a ilicitude do facto praticado, mas permite a especial atenuação da pena. De acordo com o prescrito no nº2 do predito artigo, nos casos em que o excesso decorre de perturbação, medo ou susto, não censuráveis, exclui-se a culpa do agente, o que permite dispensá-lo de pena.
A necessidade da defesa implica também que a defesa não seja notoriamente excessiva, juridicamente desproporcional, face aos bens agredidos[8].
c) O elemento subjetivo.
Também esta causa de justificação tem uma parte objetiva e um elemento subjetivo, correspondendo este último ao conhecimento, consciência do defendente da situação de agressão e da correlativa possibilidade de defesa. Ou seja, da representação da realidade objetiva que legitima a defesa.
Quanto ao direito de necessidade.
Prescreve o art. 34º do Código Penal:
“Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo atual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;
b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e
c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.”
O fundamento do direito de necessidade, enquanto causa de justificação excludente da ilicitude, é perfeitamente expresso por Jescheck/Weigend, in “Tratado de Direito Penal”, versão espanhola, 5ª Edição, p. 387: «o estado de necessidade repousa sobre o princípio da conservação do interesse ameaçado de maior valor, pelo que o pensamento da afirmação do Direito não desempenha nenhum papel (teoria da ponderação dos interesses). Daí que, a ser possível, o perigo deva ser evitado e a ponderação de interesses vem a constituir-se em fundamento decisivo da justificação.»
Perante o caráter amplo da previsão legal vigente no nosso ordenamento jurídico, conclui-se que os “interesses juridicamente protegidos” pelo estado de necessidade justificante são quaisquer bens jurídicos, penais ou não penais, individuais ou comunitários.
No que tange à caracterização do perigo que ameaça o bem jurídico, importa ter presentes as palavras do Prof. Jorge de Figueiredo Dias (ibidem, p. 443) quando refere que «o bem jurídico a salvaguardar tem que se encontrar objetivamente em perigo, porque só então se pode justificar que um dever de suportar a ação típica recaia sobre o atingido pela intervenção, demais se ele não for implicado na situação inicial. No mesmo sentido corre, de resto, a exigência expressa no art. 34º de que se trate de um perigo atual».
E acrescenta: «o perigo deverá para este efeito considerar-se atual mesmo quando não é ainda iminente, mas o protelamento do facto salvador representaria uma potenciação do perigo, e também no caso dos chamados “perigos duradouros”».[9]
Quanto ao princípio do interesse preponderante, vertido na al. b) do preceito em análise, serão critérios indiciadores válidos - que não únicos e definitivos - para aferir do mesmo, os seguintes (cfr. A. cit., ob. cit., págs. 445 a 451):
- Medida legal da pena, quando os bens jurídicos em confronto se encontram jurídico-penalmente protegidos;
- Intensidade da lesão do bem jurídico, devendo aqui ponderar-se se está em causa o “aniquilamento” ou supressão completa do interesse ou somente a sua lesão parcial ou passageira. Este critério será tanto mais relevante quando os bens conflituantes se apresentem, em abstrato, da mesma ou semelhante hierarquia.
- O grau de perigo que é afastado ou criado com a ação de salvamento, nos casos em que a violação do bem jurídico não se mostra absolutamente segura.
Assim, se o agente atua visando evitar um dano que certamente se verificará se omitir tal ação, colocando só em pequena medida em perigo outro bem jurídico, prosseguirá, em regra, o interesse substancialmente preponderante.
- A autonomia pessoal do lesado, querendo significar, nas situações em que o bem jurídico ofendido seja de caráter iminentemente pessoal, que urge ponderar a razoabilidade de impor ao lesado a ação salvadora em cotejo com o seu direito de autodeterminação e de autorrealização.
- A “imponderabilidade” da vida de pessoa já nascida: cada vida vale o mesmo, não podendo ser ponderadas, como critérios justificantes, diferenciações qualitativas ou quantitativas.
A exigência legal da “sensível superioridade” do interesse salvaguardado, contida na al. b) do art. 34º, pressupõe não só ou não tanto que este último interesse se situe muito acima do interesse sacrificado, mas também ou essencialmente que a justificação apenas opere quando é clara e indubitável a superioridade à luz dos sobreditos fatores relevantes de ponderação.
Outro requisito legal é o da adequação ou idoneidade do meio utilizado para afastar o perigo (cf. corpo do art. 34º), pelo qual se afasta para este efeito a utilização pelo agente de um meio que, segundo a experiência comum e uma consideração objetiva, seja inidóneo para salvaguardar o interesse ameaçado.
Como assertivamente menciona Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., anot. 16 ao art. 34º, p. 161), «O meio adequado para afastar o perigo é aquele que é objetivamente idóneo, numa perspetiva ex ante, de prognose póstuma, para salvaguardar o interesse jurídico ameaçado. Sendo possível o recurso à força pública, não é admissível o direito de necessidade. Havendo vários meios disponíveis, é adequado o recurso ao meio menos lesivo para o terceiro, pelo que não há direito de necessidade se o agente recorre a um meio excessivo (que não é o menos prejudicial) para realização do objetivo da salvaguarda do interesse ameaçado. De idêntico modo, não há direito de necessidade se o agente recorre a um meio inútil, isto é, ineficaz para a salvaguarda do interesse ameaçado.»
Por outro lado, qualquer pessoa, e não apenas o sujeito ameaçado, pode levar a cabo a conduta ofensiva do interesse de outrem tendente a afastar o perigo de lesão do interesse juridicamente protegido deste.
Os requisitos subjetivos do estado de necessidade justificante consubstanciam-se no conhecimento do agente da situação de conflito e na sua atuação consciente de salvaguarda do interesse preponderante (Figueiredo Dias, ibidem, p. 459).
Neste mesmo sentido, expende Teresa Pizarro Beleza, in “Direito Penal”, 2º Volume, aafdl, p. 301, que as causas de justificação, incluindo o estado de necessidade, têm como elemento subjetivo o conhecimento dos seus pressupostos de facto.
É de defender a existência de elementos subjetivos no tipo justificador, exigindo-se que o agente possua um conhecimento atual (ao tempo da atuação) dos pressupostos fáticos desse tipo, não bastando, assim, a verificação dos seus elementos objetivos. Por via destes últimos exclui-se o desvalor do resultado, enquanto por força da existência dos elementos subjetivos se obtém o afastamento do desvalor da acção.
Conforme defende Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, 2007, Coimbra Editora, p. 393, «o conhecimento pelo agente dos elementos do tipo justificador há-de constituir a exigência subjetiva mínima indispensável à exclusão da ilicitude, o mínimo denominador comum de toda e qualquer causa justificativa.».
No presente caso, não se verifica qualquer uma das sobreditas causas de exclusão da ilicitude, porquanto, desde logo, o arguido não comprovou que tivesse atuado no exercício de um direito de que fosse titular, designadamente de um direito de passagem pelo prédio rústico pertencente à herança indivisa de que são interessados os ora demandantes civis, que seria assim prédio serviente, para aceder a terreno rústico da sua propriedade, ou que dispusesse de interesse juridicamente protegido que tivesse sido agredido pelos aqui ofendidos.
Preceitua o art. 1547º do Código Civil:
“1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.”
Integrado na Secção com a epígrafe «servidões legais de passagem», estatui o art. 1550º do mesmo diploma legal:
“1. Os proprietários dos prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo o dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.”
Ora, in casu, coligida a factualidade definitivamente apurada, não exsuda da mesma uma atuação do arguido a coberto de uma qualquer causa de justificação da ilicitude.
Também se verificam os elementos subjetivos dos crimes de dano e furto em questão, constituídos pelo dolo do agente, em qualquer das suas modalidades vertidas no art. 14º do CP, mostrando-se provado que «O arguido AA atuou da forma descrita, com o intuito, concretizado, de destruir em parte a vala existente, aterrando-a, apesar de saber que este bem não lhe pertencia e que contrariava, com tal conduta, a vontade dos seus legítimos proprietários.», bem assim «com o propósito concretizado de se introduzir, do modo como o fez, no terreno em apreço, e de fazer seus as vigas e arames que se encontravam no seu interior, apesar de saber que estes objetos não lhe pertenciam e que agia sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do respetivo proprietário.» - factos provados nos pontos 4 e 5.
Inexiste qualquer causa de exculpação.
Finalmente, não se tendo provado que o arguido era titular, à data dos factos, de um direito à servidão de passagem sobre o terreno que constitui a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JJ, ou sequer que, de modo não censurável, julgasse deter tal direito, não colhe o fundamento recursório de que o recorrente tinha o seu comportamento como juridicamente admissível e permitido pelo Direito (cfr. art. 17º do CP).
Em conformidade, inexiste falta de consciência da ilicitude.
Daí que tenha sido acertadamente dado como provado que «Agiu sempre o arguido AA, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.» - facto provado no ponto 6.
Tudo visto e ponderado, conclui-se pela improcedência do recurso neste segmento.
IV.2.7 – Excessividade da medida da pena de multa e do respetivo quantitativo diário:
Na sentença recorrida, o arguido AA foi condenado, nos termos do art. 77º, do CP, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do CP, e de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do mesmo Código, na pena única de 188 (cento e oitenta e oito) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), na sequência da aplicação de penas parcelares de 140 dias de multa por cada um dos mencionados ilícitos criminais.
Defendendo que a pena única de multa aplicada é excessiva e desproporcional, alega o arguido/recorrente, em síntese [conclusões XCIII a CV], que:
- A pena de multa aplicada violou princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade.
- Como resulta da matéria dada como provada, a conduta do Recorrente reveste-se duma ilicitude de grau baixo.
- Quanto às exigências de prevenção geral, haverá de se ponderar em especial, a baixa ilicitude dos factos dentro do tipo de ilícito simples de furto e dano, atento o prejuízo causado e á causa/razão justificativa.
- Relativamente às exigências de prevenção especial estas são, como parece evidente, baixas.
- A este respeito militam em favor do Recorrente: foi provada a razão explicativa e justificável; o valor diminuto do montante subtraído; a integração profissional e familiar do Recorrente; o caso em apreço tratou-se duma situação ocasional e excecional; a personalidade do Recorrente e a inexistência de tendência criminosa; a ausência de antecedentes criminais, nem condenações posteriores.
Conclui, então, que atendendo aos princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, o número de dias de multa a que o Recorrente foi condenado deve ser revogado e fixar-se a pena única em oitenta dias de pena de multa.
- Na fixação do quantitativo diário não foi tida em conta a situação financeira e económica, bem como os encargos do Recorrente, factos, aliás, dados como provados pelo Tribunal Recorrido.
- Tendo em conta o rendimento líquido do agregado do Recorrente e os encargos correntes e normais da vida corrente, o Recorrente não fica com nenhum rendimento mensal disponível, inclusive, para fazer face à pena de multa aplicável.
Em conformidade, peticiona que o quantitativo diário seja fixado em 5,00 €.
Apreciando.
Estatui o art. 40º do Código Penal, na parte ora pertinente:
“1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
Por seu turno, o art. 77º do Código Penal prevê as regras de punição do concurso de crimes, prescrevendo (na parte que ora releva):
“1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”
Como menciona João Pedro Baptista, “O conhecimento Superveniente do Concurso de Crimes e o Cúmulo Jurídico de Penas”, in Revista Julgar, nº33, setembro-dezembro 2017, pp. 203-204, «[…] o legislador português consagrou um regime de pena única conjunta, obtida através de cúmulo jurídico. E fê-lo não só porque o mesmo obsta ao efeito multiplicador da culpa do agente que os sistemas de acumulação proporcionam, como também porque assegura, de forma mais equilibrada, a satisfação das necessidades de prevenção criminal, designadamente na vertente de prevenção especial (que poderia ser comprometida com regimes de absorção, que tornam impunes os crimes em concurso de menor gravidade) e, primordialmente, porque assenta na consideração da personalidade do agente, a qual, pela sua própria natureza, tem um caráter unitário, embora projetando-se no conjunto dos factos.»
Nesta ótica, tem-se entendido que a fixação da pena única conjunta «pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituosos do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unilateralmente), os factos e a personalidade do agente» [citando o acórdão do STJ de 21-11-2008, proc. 86/08.0GBOVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt].»
Dito de outra forma, agora nas palavras de Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência e na Jurisprudência do STJ”, in Revista Julgar, nº 21, setembro-dezembro 2013, pp. 174-175, «À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, a que se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/05. Ou, como diz Figueiredo Dias: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique» Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) [citando Figueiredo Dias]»
Pela sua pertinência e enquanto exemplo da regular e estabilizada jurisprudência que quanto a esta matéria tem sido prolatada pelo Supremo Tribunal de Justiça, cita-se ainda aqui o acórdão desse tribunal de 18/01/2012, processo nº 34/05.9PAVNG.S1, disponível em www.dgsi.pt:
«Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projeção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de proteção de bens jurídicos. Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais. No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.»
Na determinação da pena única conjunta aplicável ao concurso de crimes, o Tribunal a quo teceu as seguintes considerações: «Ora, in casu, a primeira operação já foi levada a cabo, como se pode constatar supra. Para cada crime o Tribunal determinou a pena a aplicar: 140 dias de multa. Como operação seguinte, cumpre então construir a moldura penal do concurso. No presente caso esta situa-se entre 140 dias (pena mais elevada das várias penas concretamente aplicadas) e 280 dias (somas de todas as penas aplicadas, não sendo ultrapassado o máximo legal). Dito isto, importa agora determinar dentro desta moldura a medida da pena conjunta. Está em causa a prática de dois crimes, de natureza distinta, com bens jurídicos distintos a serem protegidos, praticados no mesmo dia, ocasião, local e mesmo espaço temporal, com as mesmas vítimas. A ilicitude dos factos, no seu conjunto, é significativa, atendendo aos bens jurídicos em causa. O arguido agiu com dolo direto em ambos os crimes. Tenha-se em consideração o modo de execução dos factos. Não ficou apurada qualquer razão válida justificativa. Quanto à personalidade do arguido, há que atender à inexistência de antecedentes criminais, bem como às suas condições socioeconómicas dadas como provadas. O arguido não prestou declarações. Não é prejudicado nem é beneficiado. Pese embora o arguido tenha in casu praticado mais do que um crime, a verdade é que, por ora, não se deve atribuir-lhe tendência criminosa. Assim, ponderando em conjunto os factos e a personalidade do arguido e atenta a moldura do concurso, é justo e adequado fixar-lhe a pena única de 188 (cento e oitenta e oito) dias de multa.»
Urge notar que é evidente a improcedência da pretensão recursória de fixação da pena única conjunta em 80 dias de multa, uma vez que o mínimo legal da moldura do concurso, correspondente à pena parcelar mais elevada (art. 77º, nº2, do CP), é de 140 dias de multa.
Posto isto, avançamos que aderimos em larga medida à motivação formulada pelo Tribunal a quo, ainda que se imponham algumas especificações/correções.
Assim, não consideramos “significativa” a ilicitude dos factos, mas mediana. Isto porque se as consequências dos factos não se revelam graves, atendendo também ao valor dos bens destruídos/furtados, por outro lado, a execução dos factos implicou a invasão de propriedade alheia por parte do agente.
O modo de execução dos factos apresenta-se como normal, corrente, para efeitos do cometimento de crimes da mesma espécie, em que estão em causa alegados direitos reais conflituantes.
Se é certo que não se verifica “razão válida justificativa”, até porque a ocorrer excluiria a ilicitude dos factos e acarretava a desresponsabilização jurídico-penal do arguido, também não se vislumbra qualquer circunstância atenuante minimamente justificativa/desculpante.
Acresce que a integração profissional e familiar do recorrente, a inexistência de antecedentes criminais e, outrossim, a não verificação de uma tendência criminosa foram elementos corretamente valorados pelo Tribunal recorrido na fixação da pena única conjunta.
Dessarte, temos que os critérios aduzidos pelo Tribunal a quo na determinação da pena única não merecem decisivo reparo, assim como a concreta pena fixada, pois que a mesma não viola grosseiramente as regras da experiência nem se apresenta como claramente desproporcional, desadequada ou desnecessária face aos factos cometidos pelo arguido e à sua personalidade.
Em suma, tendo sido corretamente observadas pelo tribunal a quo as regras legais aplicáveis, não se vislumbrando qualquer distorção na determinação da medida da pena única conjunta, improcede igualmente nesta parte o recurso.
No que tange à determinação do quantitativo diário correspondente a cada dia de multa, a fixar, nos termos do citado art. 47º, nº2, do CP, entre € 5 e € 500, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, importa chamar à colação o entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência dos tribunais superiores[10] e se apresenta como lógico face à ampla moldura legal atinente ao quantitativo diário da pena de multa, de que o mínimo legal (€ 5,00), reclamado como justo pela recorrente, deve ser reservado para o condenado que não disponha de quaisquer rendimentos ou património nem perspetiva de os obter a curto prazo, os denominados indigentes.
Posto isto, temos que o Tribunal recorrido justificou a decisão de fixar em € 6,50 essa quantia diária, do seguinte modo: «No que concerne ao quantitativo diário, este deve ser fixado entre 5,00€ a 500,00€, de acordo com a «situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais» (artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal), sendo certo que «(…) a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável»1, apenas sendo de equacionar a aplicação do seu liminar mínimo em situações muito excecionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência). Deste modo, impõe-se ao Tribunal um juízo de adequação ao caso concreto, dentro naturalmente da baliza abstrata de valores. No caso dos autos, dá-se por reproduzida a factualidade provada respeitante à condição económica e financeira do arguido. Por aqui se vê que não se afigura aqui um caso de precariedade extrema, pois o arguido é empresário, aufere rendimentos mensais estáveis, a mulher do arguido também trabalha e aufere rendimentos, os filhos frequentam a escola pública, o arguido tem vários imoveis e móveis em seu nome, e os encargos mensais não particularmente elevados (mas já sendo significativos, o que se deve sopesar). Não pode assim o arguido beneficiar do mínimo legal, devendo-se aliás ter por presente a margem que a lei confere. Pelo exposto, entende o Tribunal ser justa, adequada e proporcional a aplicação do quantitativo diário de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos).»
Sufragamos integralmente os considerandos aduzidos na sentença recorrida.
Aplicar o mesmo quantitativo diário à recorrente e a um qualquer outro condenado que não dispusesse sequer de rendimentos seria até uma notória violação do princípio da igualdade.
Assim sendo, afigura-se-nos que o montante diário de € 6,50 fixado pelo Tribunal recorrido não se mostra, sem mais, excessivo, desajustado em face da informação disponível sobre a situação económico-financeira do arguido e dos eventuais encargos pessoais, permitindo-lhe, com maior ou menor sacrifício, mas sempre na justa medida, cumprir a pena de multa que lhe foi adequadamente cominada, a qual, como qualquer tipo de pena, visa um efeito dissuasor e preventivo.
A pena, mesmo de multa, tem de ter dignidade punitiva e eficácia preventiva, não podendo ter um papel meramente simbólico.
Note-se até que se o condenado vier a comprovar nos autos, de modo efetivo e atendível, a ocorrência de dificuldade no pagamento integral da multa em virtude de incapacidade económica e financeira para o efeito, circunstancial ou persistente, a lei permite que esse pagamento seja diferido no tempo ou realizado em prestações (cf. art. 47º, nº3, do CP).
Por conseguinte, não colhe igualmente este fundamento recursório.
*
V - DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em: V.1 – Ao abrigodas disposições conjugadas dos arts. 400º, nº2, 414º, nº2 e 420º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Penal, rejeitar o recurso deduzido pelo demandado AA, por inadmissibilidade legal, no que tange à impugnação da sentença quanto à parte cível. V.2 - No mais, julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, manter integralmente a douta sentença recorrida.
*
Custas a cargo do arguido/demandado recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (arts. 513º e 514º, ambos do CPP, e arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, todos do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).
Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
*
Guimarães, 6 de maio de 2025,
Paulo Correia Serafim (relator)
[assinatura eletrónica]
Fernando Chaves (1º adjunto)
[assinatura eletrónica]
Luísa Oliveira Alvoeiro (2ª adjunta)
[assinatura eletrónica]
(Acórdão elaborado pelo relator e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, encontrando-se assinado eletronicamente pelos Desembargadores subscritores – cfr. art. 94º, nºs 2 e 3, do CPP)
[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade. [2] Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 13/10/1992, in CJ, Ano XVII, 1992, tomo I, p.36, de 21/03/2007, processo nº 07P024, disponível em www.dgsi.pt, de 23/04/2008, in CJSTJ, tomo II, p. 205, e de 08/01/2014, processo nº 7/10.0TELSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [3] “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina, p. 265. [4] “Gestão Processual: Tópicos Para Um Incremento da Qualidade da Decisão Judicial”, in Revista Julgar, nº10, 2010, págs. 142 e 143. [5] Neste sentido, a título exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, processo 288/09.1GBMTJ.L1-5, de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, e de 08/10/2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9; e do Tribunal da Relação de Évora de 19.05.2015, processo 441/10.5TABJA.E2, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [6]Idem, pp. 253-254. [7]In “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, Lisboa, 1993, p.83. [8] Como refere Claus Roxin, in “Problemas Fundamentais de Direito Penal”, 2ª Edição, p. 224, “existe uma quase absoluta unanimidade entre jurisprudência e doutrina no que respeita ao direito de legítima defesa apresentar uma restrição caso a agressão seja insignificante: tais agressões podem, certamente, repelir-se em legítima defesa, e não é necessário submeter, por norma, a defesa à questão da pura proporcionalidade de bens; contudo, uma lesão grave e perigosa para a vida (o caso da morte) não pode considerar-se “exigida pela legítima defesa” face a tais agressões insignificantes e, portanto, é punível. [9] No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, UCE, 2008, anot. 5 ao art. 34º, p. 158, Cavaleiro de Ferreira, in “Lições de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, A Lei Penal e a Teoria do Crime no Código Penal de 1982”, 4ª Edição, 1992, Editorial Verbo, p. 212, e Taipa de Carvalho, in “Direito Penal – Parte Geral”, Volume II, Teoria Geral do Crime, 2004, UCE, p. 232. [10] Cfr., neste sentido, por todos, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/10/2010, processo nº 22/09.6TABCL.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador Fernando Monterroso, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2015, processo nº 72/11.2GDSTR.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Fernando Chaves.