Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONDUÇÃO DE VEÍCULO SOB A INFLUÊNCIA DE ESTUPEFACIENTES OU SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS
CESSAÇÃO DA VIGÊNCIA DAS DECISÕES CONDENATÓRIOS INSCRITAS NO REGISTO CRIMINAL
Sumário
I- A deteção de substâncias psicotrópicas inclui um exame prévio de rastreio e, caso o seu resultado seja positivo, um exame de confirmação, definidos em regulamentação, cfr. artigo 10 do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2017 de 17.05 e Portaria nº 902-B/2007, de 13.04. II- O exame de rasteio destina-se a obter a informação da existência de substâncias psicotrópicas; e o exame de confirmação destina-se a obter a identificação e quantificação das substâncias psicotrópicas existentes. III- Por isso, a circunstância de o arguido apenas ter sido submetido ao exame de confirmação e não ao exame de rastreio de substâncias estupefacientes, daí não decorre qualquer inquinação da prova. IV- O arguido havia conduzido um veículo automóvel, foi interveniente num acidente de viação e uma vez efetuado exame de sangue por suspeita do OPC de que conduzisse sob a influência de produtos estupefacientes, apresentou resultado positivo, nomeadamente, para a cocaína, com o resultado de, pelo menos, 322 ng/ml de benzoilecgonina (metabolito de cocaína). V- Considerando estes elementos objetivos, o tribunal recorrido só poderia ter concluído, como concluiu, afirmando que o arguido não estava em condições de realizar uma condução segura, até porque se baseou em parecer do IML nesse sentido, segundo o qual os efeitos provocados pela cocaína ocorrem em 3 fases. E todos os efeitos, em qualquer das fases, comportam fatores de risco incompatíveis com uma condução segura. VI- A Lei da Identificação Criminal previu expressamente a reabilitação legal do condenado, na medida em que nela consagrou a possibilidade de cessação da vigência das decisões condenatórios inscritas no registo criminal uma vez decorridos determinados prazos sobre a data da extinção da pena, sem que o condenado tenha cometido qualquer crime, cfr. o artigo 15º da Lei nº 57/98, de 18.08, e atualmente o artigo 11º da Lei nº 37/2015, de 05.05, diploma este que revogou aquele e que se encontra vigor. VII- A consideração de condenações constantes do certificado de registo criminal que já deveriam, segundo o que resulta da lei, ter sido dele retiradas constitui prova proibida, pelo que caso tenham sido levadas aos factos provados da sentença, deverão as mesmas ser deles expurgadas.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I- RELATÓRIO
1. No processo comum singular nº 152/21.6GAPCR do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Paredes de Coura, em que é arguido AA, solteiro, técnico de telecomunicações, nascido a ../../1996, natural da freguesia ..., concelho ..., filho de AA e de BB, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., por sentença lida e depositada em 12.11.2024, foi decidido, no que para o caso releva, o seguinte (transcrição)[1]:
Nestes termos, julga-se procedente a acusação e, por via disso, o Tribunal decide:
i. condenar o arguido AA, pela prática de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelos artigos 292.º, ns. º1 e 2, e 69.º, n. º1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00, que perfaz o total de 600,00 euros.
ii. condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses. 2. Não se conformando com tal decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição): a) O Arguido foi condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €6,00, no total de € 600. b) O Arguido foi, ainda, condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 (sete) meses, ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. c) Sucede que o Tribunal “a quo” considerou provada, nomeadamente, a seguinte matéria de facto: Facto Provado 5 na Decisão recorrida: “O arguido não se encontrava, assim,em condições de, em segurança, conduzir qualquer veículo motorizado navia pública, considerando o valor detetado de benzoilecgonina (metabolito decocaína) no sangue e o risco de acidente associado aos efeitos desta substância” (negrito e sublinhado nosso). d) Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, não podia o Tribunal recorrido ter dado como provado tal facto (concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado e as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, em obediência ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b), do Código de Processo Penal). e) Conforme consta da Douta Sentença recorrida, o Tribunal recorrido considerou integralmente provada a factualidade imputada ao arguido, nomeadamente o facto provado supra citado, com base (i) nas declarações prestadas pelo militar da GNR CC, o qual elaborou o Auto de Notícia e o auto de participação de acidente de viação; (ii) no relatório do IML; (iii) no parecerdo IML; (iv) no relatório social e nas declarações prestadas pelo arguido em julgamento, apenas, no que à suas condições pessoais e profissionais diz respeito e (v) no certificado de registo criminal. f) Desde logo, (i) quanto às declarações prestadas pelo militar da GNR CC, diz a sentença em crise que: “ (…) a testemunha CC, que foi chamado ao local dos factosem face da ocorrência de um acidente de viação envolvendo 3 veículos, no qual o veículo doarguido, que foi devidamente identificado, era um dos intervenientes (…) em face dassuspeitas por parte dos OPC´s de o mesmo ter ingerido substâncias estupefacientes, o arguidofoi sujeito a exame ao sangue quanto à ingestão de tais substâncias, do qual resultou, conforme decorre do relatório pericial de fls. 7, a presença de cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, tendo pelo menos, 322ng/ml de benzoilecgonina (…). g) Ora, das declarações da referida prova testemunhal resulta, APENAS que o arguido se viu envolvido num acidente de viação (cuja dinâmica, causas e responsabilidade não se apurou nos autos, nem consta da acusação e da Decisão recorrida) e que, tendo sido sujeito a exame ao sangue, resultou do mesmo a “PRESENÇA” de cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, pelo que, EM MOMENTO ALGUM, PROVA OU REFERE SEQUER QUE O ARGUIDONÃO SE ENCONTRAVA EM CONDIÇÕES DE, EM SEGURANÇA, CONDUZIR QUALQUERVEÍCULO MOTORIZADO NA VIA PÚBLICA!
h) Assim, de modo algum se podem considerar suficientes, portanto, as declarações da referida (e única!) testemunha, para dar como provado o facto que ora se impugna! i) Já quanto ao segundo elemento de prova ponderado (ii) o relatório do IML, apenas provou que o arguido APRESENTAVA cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, em, pelo menos, 322ng/ml de benzoilecgonina. Do referido relatório pericial consta, apenas e só, a PRESENÇA de cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, não permitindo, também este elemento probatório, qualquer prova no que às condições para o exercício da condução diz respeito! j) É, portanto, TOTALMENTE OMISSA QUANTO AO FACTO DO CONDUTOR ESTAR OU NÃO EM CONDIÇÕES, NO DIA E HORA, DE CONDUZIR EM SEGURANÇA e, portanto,insuficiente para dar como provado, também, o facto ora impugnado! k) Já quanto ao (iii) parecer do IML junto a fls 35 diz respeito, poderemos referir ter sido a prova concreta na qual o Tribunal “a quo” se amparou assumidamente (salvo o devido e merecido respeito, em nosso entender mal) para prova do efeito nefasto do produto estupefaciente apresentado pelo arguido na real capacidade de condução do mesmo. l) Conforme decorre do facto provado 4 da Sentença ora recorrida, consta do mencionado PARECER DO IML que: “a cocaína, atua sobre o SNC (sistema nervoso central) e cujos efeitoscom impacto negativo na capacidade de conduzir são, entre outros, a exagerada autoestima, oaumento da disponibilidade para correr riscos, a redução do sentido crítico e da realidade e aincorreta avaliação das situações, traduzindo-se numa procura de sensações diferentes,normalmente através de uma condução inadequada e perigosa. Os efeitos provocados pelacocaína ocorrem em 3 fases. A primeira fase, durante a qual é possível, em geral, detetar apresença de cocaína e benzoilecgonina (metabolito), caracteriza-se, nomeadamente, por umestado de euforia (high), perda de sentido crítico, diminuição da sensação de fadiga, aumentoda autoconfiança. Na segunda fase surge dificuldade de concentração, ansiedade e alteraçõesna perceção sensorial. Na terceira fase, depressiva, durante a qual se deteta apenas presençade benzoilecgonina, surge exaustão, agressividade, irritabilidade e outras alteraçõespsicofisiológicas. Todos os efeitos, em qualquer das fases, comportam fatores de riscoincompatíveis com uma condução segura” m) Assim, apenas do parecer do IML, enquanto elemento probatório agora em análise, EM ABSTRATO, que (i) a cocaína atua no sistema nervoso central e tem efeitos negativos nacapacidade para conduzir; (ii) que esses efeitos ocorrem em 3 fases, (iii) que todos os efeitos,em qualquer uma das fases, comportam fatores de risco incompatíveis com uma conduçãosegura. n) Parte-se, portanto, de um único PARECER DE CONTEÚDO GENÉRICO E ABSTRATO e que EM NADA ATENDE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DOS PRESENTES AUTOS, para concluir que o aqui arguido, nas circunstâncias concretas de tempo, modo e lugar, não estava em condições de conduzir em segurança, o que de forma alguma se pode aceitar! o) Sendo, assim, nosso entender, não ser o referido parecer suficientemente concreto no sentido de se poder afirmar que ESTE ARGUIDO, COM CARACTERÍCAS FÍSICAS,ESTATURA E ORGANISMO PRÓPRIO, NAQUELAS CONCRETAS CIRCUNSTÂNCIAS DETEMPO E LUGAR e FACE À AQUELA ESPECIFICA QUANTIDADE DEBENZOILECGONINA NO SANGUE APURADA, não estava em condições de conduzir em segurança por se encontrar sob influência dessa quantidade de estupefaciente! p) Pelo contrário, o parecer em causa, refere-se, apenas, genericamente às alterações cognitivas e psicomotoras resultantes do consumo de estupefacientes, para um “Homemmédio”, as quais, naturalmente, dependem de um conjunto de variáveis, circunstâncias efatores a ponderar para aferir e concluir, em concreto, da condição ou não para oexercício da condução em segurança por parte do condutor! q) O referido “parecer” genérico do IML, com base no qual se deu como provado que o arguido não se encontrava a conduzir em condições de segurança NÃO É QUALQUER PERÍCIAREALIZADA PELO IML, MUITO MENOS INTERPRETA OS CONCRETOS VALORES DAAMOSTRA NO SANGUE COLHIDA AO AQUI ARGUIDO! r) Aliás, é a própria Sentença recorrida que, no enquadramento jurídico penal, cita o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 0702/2023, processo n.º 153/19.4GBVRS.E1, segundo o qual se deixa claro que “II -Essa prova deve ser efetuada preferencialmente através daperícia a realizar pelo IML que interprete os valores da amostra de sangue colhida” (negrito e sublinhado nosso). s) Pelo que aqui chegados, é também o mero parecer genérico, enquanto prova concreta, insuficiente para dar como provado o facto ora impugnado! t) Por último, no que às restantes provas concretas diz respeito (iv) relatório social e declarações prestadas pelo arguido em julgamento, apenas, no que à suas condiçõespessoais e profissionais diz respeito e (v) certificado de registo criminal, também nenhuma,permite dar como provada a factualidade em crise! u) Em suma, não ficou demonstrado, por inexistência de meios de prova nos autos que, neste caso concreto, a alegada e exata concentração de benzoilecgonina no sangue fosseperturbadora da aptidão física, mental ou psicológica do arguido, de modo a este não estar emcondições de conduzir em segurança, pelo que não deveria, tal factualidade, ter sido dada como não provada na Sentença recorrida. v) Prevê o n.º 1 do artigo 157 do C.E que: “Os condutores e as pessoas que se propuserem iniciar a condução devem ser submetidos aos exames legalmente estabelecidos para detecção de substâncias psicotrópicas, quando haja indícios de que se encontram sob influência destas substâncias”. w) A Lei n.º 18/2007, de 17 de maio aprovou o “Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do álcool ou de Substâncias Psicotrópicas” e a Portaria 902-B/2007, de 13 de agostoveio regular o material a utilizar na recolha e transporte de amostras biológicas destinadas adeterminar a presença de substâncias psicotrópicas e os procedimentos a aplicar na realizaçãodas análises e os tipos de exames médicos a efetuar para deteção dos estados de influenciadopor álcool ou por substâncias psicotrópicas. x) Assim, nos artigos 10.º a 13.º da mencionada Lei n.º 18/2007, integrantes do capítulo “avaliação do estado de influenciado por substâncias psicotrópicas” prevê-se um exameprévio de rastreio e, em caso de resultado positivo, um exame de confirmação, sendo que ao abrigo do n.º 5 do artigo 12.º, o examinado apenas pode ser declarado influenciado por substâncias psicotrópicas quando apresente resultado positivo no referido exame de confirmação! y) Tal exame de confirmação (único a que o aqui arguido foi sujeito!) considera-se, efetivamente, positivo sempre que revele a presença de qualquer substância psicotrópica (prevista no quadro 1 do anexo V), capaz de perturbar a capacidade física, mental ou psicológica do examinando para o exercício da condução de veículo a motor em segurança, na via pública – e aqui andou bem a Sentença recorrida ao dar como provada a PRESENÇA de benzoilecgonina no sangue do arguido (facto provado 2) z) PORÉM, efetuado tal exame, o médico deve preencher o relatório do exame modelo do anexo VII, respondendo aos itens de: Observação Geral; Estado mental; Provas deequilíbrio, Coordenação dos movimentos; Provas oculares; Reflexos;Sensibilidade e quaisquer outros dados que possam ter interesse para comprovar o estado do observado! aa) Com efeito, SÓ O RELATÓRIO MÉDICO COM ESSES ITENS PREENCHIDOS PERMITE AO TRIBUNAL CONCLUIR, COM O GRAU DE CERTEZA EXIGIDO, SE AQUELE EXAMINADO ESTAVA OU NÃO EM CONDIÇÕES DE CONDUZIR NA VIA PÚBLICA EM SEGURANÇA! bb) Ora, o aqui arguido NÃO FOI SUJEITO AO NECESSÁRIO EXAME MÉDICO COM ESSAS CARACTERÍSTICAS, motivo pelo qual não resultou provado nos autos que o mesmo,efetivamente, NÃO ESTAVA EM CONDIÇÕES DE CONDUZIR EM SEGURANÇA! cc) Já quanto à ocorrência e dinâmica do acidente o facto de o arguido se ter visto envolvido no mesmo não é, também, suficiente para se dar como provada essa inexistência de condições para conduzir em segurança já que, nos autos, também não foram apuradas e não constam da Decisão recorrida, a dinâmica, circunstâncias e, muito menos, responsabilidade civil no referido acidente! dd) Em resultado de tudo o acima referido, temos de concluir o seguinte: O facto (412.º, n.º3, alínea a) do CPP):
“O arguido não se encontrava, assim, em condições de, em segurança, conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, considerando o valor detetado de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue e o risco de acidente associado aos efeitos desta substância” Deveria ter sido dado como Não Provado, em virtude da seguinte prova (412.º, n.º3, alínea b) do CPP): a) A única testemunha, o militar da GNR presente no local do acidente,quanto às condições para o exercício de condução do arguido, nada disse! b) O relatório doIML, apenas permite dar como provada a presença da referida substância psicotrópica nosangue do arguido, não, como é até assente na própria Decisão recorrida, as condições ou nãopor parte do mesmo para o exercício da condução em segurança! c) O “parecer do IML”, tratasede um parecer genérico, abstrato, uma mera demonstração científica, não sendo a exigidaprova pericial adequada e legalmente prevista à aferição das condições para o exercício dacondução, deste arguido concreto, naquelas circunstâncias concretas! ee) Pelo que inexistia prova que permitisse dar como provado o facto em crise, pelo que deveria o mesmo, pela prova existente nos autos, ter sido dado como não provado. ff) Assim, em consequência, sempre teremos de considerar também que a Douta decisão
recorrida VIOLOU O DISPOSTO NO N.º 2 DO ARTIGO 292.º DO CÓDIGO PENAL, por não estarem verificados todos os requisitos objetivos do tipo legal de crime. gg) São elementos integrantes do crime de “condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 292.º do CP: a) Acondução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada; b) Que o condutor se
encontre sob a influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica; c) que devido à influência detais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução; e d) Que o agente tenha atuado pelo menos com negligência. hh) Assim, para preenchimento do tipo legal de crime, é imprescindível e necessário apurar e provar que, devido à influência dos referidos produtos estupefacientes, o condutor não estava em condições de efetuar a condução em segurança. ii) Contudo, na Douta Decisão recorrida, apenas ficou provada a presença de estupefaciente no sangue do arguido e não que arguido não estivesse em condições, nas circunstâncias de tempo e lugar, para o exercício da condução, devido à influência de tal quantidade de estupefaciente. jj) Como tal, não estando provado, na Sentença ora recorrida, que o arguido “não estava em condições de fazer com segurança” o exercício da condução, não estão verificados todos osrequisitos objetivos do tipo legal de crime do artigo 292.º, n.º 2, do CP. kk) Com efeito, a decidir como decidiu, ao condenar o aqui arguido pela prática de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, violou a Douta Sentença recorrida o previsto no artigo 292.º, n.º 2 do Código Penal, impondo-se a sua revogação.
Sem prescindir,
O Tribunal “a quo” considerou também como provado, estamos certos que em consequência de mero lapso na análise, o seguinte facto: “O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
b. No processo comum n.º 28/17.1GTVCT foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 03-05-2019, pela prática, em 15-06-2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 4 meses”.
ll) Porém, também o referido facto não podia ter sido dado como provado pelo Tribunal recorrido (concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado e as concretasprovas que impõe decisão diversa da recorrida, em obediência ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a)e b), do Código de Processo Penal).
mm) A audiência de julgamento ocorreu no dia 29 de outubro de 2004.
nn) Em 15 de outubro de 2024 foi emitido e junto aos autos o CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL do arguido.
oo) Sucede que no referido registo criminal, NADA CONSTA ACERCA DO ARGUIDO!
pp) Pelo que o facto (412.º, n.º3, alínea a) do CPP): “O arguido tem os seguintes antecedentes criminais: a. No processo comum n.º 28/17.1GTVCT foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 03-05-2019, pela prática, em 15-06-2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 4 meses”, deveria ter sido dado como Não Provado, em virtude da seguinte prova (412.º, n.º3,alínea b) do CPP): a) Certificado de registo criminal do arguido, emitido e junto aos autosem 15/10/2024.
qq) Porém, a verdade é que na Sentença recorrida, os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante e FORAM-NOMESMO JÁ NÃO CONSTANDO DO SEU CRC!!!
rr) Numa linha rápida de raciocínio, a conclusão de que daqui se retira é que o passado judiciário deste arguido, por já não existir de modo algum poderia ter influenciado na determinação da medida da pena e da pena acessória.
ss) No que à pena acessória diz respeito, tendo em conta a agravante dos antecedentes criminais, o Tribunal “a quo” condenou o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos
com motor pelo período de 7 (sete) meses.
tt) Porém, não tendo o arguido antecedentes criminais (facto indevidamente dado como provado) e inexistindo tal circunstância agravante que aqui foi sopesada (única que foiponderada), de modo algum, salvo melhor entendimento, deverá ser mantida a penaacessória de 7 (meses) aplicada ao arguido, por manifestamente excessiva edesproporcional.
uu) Com efeito, atentas as circunstâncias atenuantes, nomeadamente, a integração social e profissional de que o arguido beneficiou e inexistindo qualquer circunstância agravante, a pena acessória aplicada é absolutamente injusta, desproporcional e desajustada, pelo que contesta com o presente recurso, devendo, antes, ser reduzida ao mínimo legal de três meses. Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, tudo com as legais consequências. Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça!
3. OMinistério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, referindo, em síntese, o seguinte (transcrição):
O tribunal deu como provados (…) os factos com base ‘nas declarações prestadas pelo militar da GNR CC, que elaborou o auto de notícia de fis. 3 e 4, e o auto de participação de acidente de viação de fls. 8 e ss, cujo teor confirmou na íntegra, conjugados com o relatório do IML de fls. 7 e o parecer do IML de fls. 35”. E apreciando todos os elementos de prova bem andou o tribunal ao concluir que “o arguido não se encontrava em condições de, em segurança, conduzir qualquer veículo motorizado na via pública”, pelo que não merece qualquer reparo a condenação do arguido pela prática do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
Diversamente, já assiste razão ao arguido no que se refere ao tacto provado sob o n.° 23, o qual deveria mencionar que “o arguido não possui antecedentes criminais”, por ser o que expressamente resulta do certificado do registo criminal junto aos autos no dia 15/10/2024. Assim sendo, entendemos que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deveria ser fixada em 5 (cinco) meses, atenta a quantidade e o estupefaciente apresentado pelo arguido e o facto de este não ter prestado declarações e não ter mostrado qualquer arrependimento. Mas V. Exas. decidirão, fazendo, como sempre, JUSTIÇA. 4. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, tendo concluído do seguinte modo (transcrição):
- Que não merece provimento o recurso do Recorrente relativamente à revogação da sua condenação pela prática do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art. 292º, nºs 1 e 2, do Código Penal;
- Que merece provimento o recurso do Recorrente no tocante à revogação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses, e em consequência, ser condenado pelo período de 6 (seis) meses. 5. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP e não foi apresentada resposta. 6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal, cfr. artigos 412ºº, 402º e 403º, todos do CPP.
Assim, as questões a decidir no presente recurso, tal como se encontram delimitadas pelas respetivas conclusões, reconduzem-se às seguintes matérias:
- Erro de julgamento quanto aos pontos 5 e 23 dos factos provados da sentença recorrida; e
- Medida da pena acessória de inibição de conduzir.
2. A Decisão recorrida 1. Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos, seguida da respetiva motivação da matéria de facto (transcrição):
I. FACTUALIDADE
A. Factos Provados
Realizado o julgamento, com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 27 de agosto de 2021, pelas 13h30m, o arguido exercia a condução do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-XH-.., na EN ...06, em ..., neste concelho ..., quando foi interveniente num acidente de viação. 2. À data, o arguido apresentava cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, tendo, pelo menos, 322 ng/ml de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue. 3. O arguido apresentava ainda, pelo menos, 4,1 ng/ml de THC – COOH – ácido 11-nor-delta-9-tetrahidrocanabiníco (metabolito canabinóide) no sangue. 4. Consta do parecer do IML que “a cocaína, atua sobre o SNC (sistema nervoso central) e cujos efeitos com impacto negativo na capacidade de conduzir são, entre outros, a exagerada autoestima, o aumento da disponibilidade para correr riscos, a redução do sentido crítico e da realidade e a incorreta avaliação das situações, traduzindo-se numa procura de sensações diferentes, normalmente através de uma condução inadequada e perigosa. Os efeitos provocados pela cocaína ocorrem em 3 fases. A primeira fase, durante a qual é possível, em geral, detetar a presença de cocaína e benzoilecgnonina (metabolito), caracteriza-se, nomeadamente, por um estado de euforia (high), perda de sentido crítico diminuição da sensação de fadiga, aumento da autoconfiança. Na segunda fase surge dificuldade de concentração, ansiedade e alterações na perceção sensorial. Na terceira fase, depressiva, durante a qual se deteta apenas presença de benzoilecognina surge exaustão, agressividade, irritabilidade e outras alterações psicofisiológias. Todos os efeitos, em qualquer das fases, comportam factores de risco incompatíveis com uma condução segura.” 5. O arguido não se encontrava, assim, em condições de, em segurança, conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, considerando o valor detetado de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue e o risco de acidente associado aos efeitos desta substância. 6. O arguido previu e quis conduzir na via pública, apesar de saber que tinha consumido substâncias estupefacientes, designadamente cocaína, e que conduzia sob a influência das mesmas, tendo apresentado os valores supra referenciados por mililitro de sangue. 7. O arguido tinha perfeito conhecimento dos princípios ativos, das caraterísticas químicas e psicotrópicas, natureza e efeitos das substâncias que consumiu, e que o respetivo consumo punha em causa a segurança no exercício da condução e, não obstante, decidiu agir conforme descrito. 8. O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que 9. AA nasceu no concelho ..., tendo mantido quase sempre residência neste concelho. 10. À data dos factos, em agosto de 2021, o arguido integrava o agregado familiar constituído pelo pai (61 anos de idade, 4ª classe, motorista), a mãe (53 anos de idade, 9º ano de escolaridade, ajudante de cozinha) e a sobrinha (7 anos de idade, frequenta 2º ano de escolaridade) residindo numa moradia unifamiliar, vivenciando uma dinâmica familiar estável, situação que se mantém. 11. No tocante aos rendimentos o agregado na globalidade, dispunha de um rendimento no valor de 2.400,00€, mensais, tendo como despesas cerca de 200,00€, vivendo de forma equilibrada. 12. Na época, o arguido desenvolvia a sua atividade profissional na empresa “EMP01... Lda”, sedeada em ..., com funções de instalador de fibra ótica e condutor das viaturas da empresa nas deslocações em serviço externo, trabalhando em equipa. 13. A entidade profissional nunca recebeu queixas acerca do seu desempenho, sendo considerado um funcionário diligente e empenhado. Auferia o ordenado mínimo nacional (665,00€), acrescido de duodécimos, rondando os 740,00€, mensais, sendo acrescido pontualmente de prémios de produção. 14. Ao nível de habilitações literárias, o arguido obteve o 9º ano de escolaridade, através da frequência de um curso de educação e formação de servente de mesa. 15. Após a conclusão dos estudos, foi trabalhar para um madeireiro, onde exerceu funções de tratorista, tendo tido outras experiências laborais, uma delas no mesmo ramo de atividade (instalação de fibra ótica). 16. Nos períodos livres, aos fins-de-semana, convivia com o grupo de pares em espaços de diversão noturna, sendo alguns destes elementos conotados com o consumo de substancias psicoativas. Tinha uma relação de namoro com uma jovem do concelho, estabelecida há cinco anos, situação que mantinha à data da elaboração do relatório social. 17. Desde então, a sua situação profissional sofreu alterações. Em agosto de 2022 na sequência de um pedido de aumento de ordenado à entidade patronal que não foi aceite, saiu da empresa. O arguido justificou esta decisão com o facto de não ser devidamente compensado pelo esforço que realizava (saía às seis horas da manhã de casa e regressava às 20h00) sentindo-se cansado. Na época tinha uma proposta mais vantajosa que acabou por não se concretizar, tendo ficado desempregado. 18. Atualmente o arguido mantém-se desempregado, auferindo cerca de 500,00 euros mensais através de uns trabalhos esporádicos que vai fazendo para uns amigos eletricistas. 19. Ao nível da saúde, nomeadamente relativamente aos consumos de substancias aditivas, o arguido, considera-os como pontuais e em contextos recreativos, não sentindo necessidade de intervenção clinica a este nível. 20. Na comunidade, são conhecidos os consumos do arguido em contexto recreativo, sendo, no entanto, considerado um individuo educado e pacifico no trato com os outros, não existindo reparos quanto ao seu comportamento. 21. O arguido manifesta competências para avaliar em abstrato o comportamento tipificado na acusação, bem como para valorar de forma adequada os danos e as consequências daí decorrentes para as vitimas. 22. Sentindo-se intimidado e receoso quanto ao desfecho processual, expressou na eventualidade de uma condenação, adesão a uma medida de execução na comunidade, na qual esteja incluída a sua sujeição a consulta para avaliação da necessidade de tratamento médico à problemática aditiva. 23. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a. No processo comum n.º 28/17.1GTVCT foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 03-05-2019, pela prática, em 15-06-2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 4 meses.
*
B. Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
C. Motivação da Matéria de Facto
O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios já constantes dos autos, e passiveis de valoração, tudo ao abrigo do princípio da livre valoração da prova previsto no art. 127.º, do Código de Processo Penal.
O arguido, ao abrigo do direito ao silêncio que lhe é conferido, recusou prestar declarações quanto à factualidade que lhe vem imputada, acedendo, única e exclusivamente, a prestar declarações quanto às suas condições pessoais.
Assim, o tribunal considerou integralmente provada a factualidade imputada ao arguido com base nas declarações prestadas pelo militar da GNR CC, que elaborou o auto de notícia de fls. 3 e 4, e o auto de participação de acidente de viação de fls. 8 e ss, cujo teor confirmou na íntegra, conjugados com o relatório do IML de fls. 7, o parecer do IML de fls. 35, o relatório social junto aos autos, as declarações prestadas pelo arguido em julgamento quanto às suas condições pessoais e profissionais, e o certificado de registo criminal junto aos autos.
Referiu, para tal efeito, a testemunha CC, que foi chamado ao local dos factos em face da ocorrência de um acidente de viação envolvendo 3 veículos, no qual o veículo do arguido, que foi devidamente identificado, era um dos intervenientes, tendo, em consequência do referido acidente, o arguido ficado ferido, com necessidade de deslocação ao hospital, onde, em face das suspeitas por parte dos OPC’s de o mesmo ter ingerido substancias estupefacientes, o arguido foi sujeito a exame ao sangue quanto à ingestão de tais substâncias, do qual resultou, conforme decorre do relatório pericial de fls. 7, a presença de cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, tendo, pelo menos, 322 ng/ml de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) e pelo menos, 4,1 ng/ml de THC – COOH – ácido 11-nor-delta-9-tetrahidrocanabiníco (metabolito canabinóide) no sangue.
Para prova do efeito nefasto do produto estupefaciente em questão na capacidade de condução do arguido, valorou-se o parecer prestado pelo perito em toxicologia forense a fls. 35, no qual se conclui como provado em 4 e 5 da matéria de facto dada como provada.
Provou-se, assim, com amparo na prova pericial, que, no dia dos factos, o arguido não estava em condições de, em segurança, conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, considerando o valor detetado de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue e o risco de acidente associado aos efeitos desta substância – facto provado em 5.
Relativamente à consciência e vontade de o arguido praticar tais factos, a prova resultou das circunstâncias objetivas apuradas, sendo que o arguido, mesmo sabendo que tinha consumido as substâncias estupefacientes identificas no relatório de fls. 7 antes de encetar a condução, e que as mesmas punham em causa a segurança no exercício da condução, previu e quis conduzir na via pública sob a influência das mesmas, mesmo sabendo que tal atuação constituía a prática de um crime.
De igual modo se valorou o teor do relatório social junto aos autos conjugado com os esclarecimentos prestados pelo arguido quanto às suas condições pessoais, económicas e profissionais, por se afigurarem tais declarações claras, sérias e credíveis.
Mais se valorou o certificado de registo criminal do arguido, junto aos presentes autos.
3- Apreciação do recurso 3.1- O arguido foi condenado, em primeira instância, pela prática de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelos artigos 292.º, ns. º1 e 2, e 69.º, n. º1, al. a), ambos do Código Penal.
O recorrente discorda da sua condenação, por no seu entender, não estarem verificados todos os elementos objetivos do tipo legal de crime de do artigo 292º, nº 2 do CP, tendo esta disposição legal sido violada. Ou seja, por não se ter feito prova de que não estivesse em condições de conduzir com segurança.
O artigo 292º do CP, tem a seguinte redação:
“1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica.” (sublinhado nosso).
O crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelos artigos 292.º, ns. º1 e 2 do CP é um crime de perigo abstrato. É um crime de perigo porque é objeto de proteção o mero perigo de lesão de bens jurídicos, e abstrato porquanto é a própria ação em si que é considerada perigosa, atendendo à experiência comum, independentemente de na situação concreta se ter criado um perigo de violação de determinados bens jurídicos, como seja a vida, a integridade física ou os interesses patrimoniais de outrem.
Não obstante o que fica dito, o preenchimento deste o tipo legal de crime exige que a influência pelo consumo de estupefacientes perturbe a aptidão do agente para conduzir, uma vez que é seu elemento típico que o agente não esteja “em condições de o fazer com segurança”.
Como decorre do sumário do Ac. RC de 17.03.2022, processo 4/21.0PTCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, “II – Se a prova da influência do consumo de estupefacientes sobre o condutor terá de resultar de perícia médica, já a demonstração de que tal consumo o impedia de conduzir com segurança pode e deve ser lograda através de todos os elementos de prova que o julgador disponha, numa valoração probatória completa e integrada, com uma clara ponderação das vicissitudes do caso concreto e com o apoio do conhecimento adquirido por via das regras de experiência, da razoabilidade das coisas e da normalidade da vida.
III – Exige-se a prova de que o consumo do estupefaciente impediu o agente de exercer a condução em segurança, e isto independentemente do resultado danoso que possa ter ocorrido – como tal, importa apenas apurar que a cannabis no seu organismo o impedia de conduzir em segurança, não se curando se saber se um concreto acidente ou despiste foi por culpa sua.”
No caso sub judice no entender do recorrente o facto do ponto 5dos factos provados da sentença recorrida deveria ter sido considerado como não provado. O referido ponto da matéria de facto provada tem o seguinte teor:
“O arguido não se encontrava, assim, em condições de, em segurança, conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, considerando o valor detetado de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue e o risco de acidente associado aos efeitos desta substância”.
Segundo o recorrente, em síntese, a prova que impõe decisão diversa da decisão recorrida, em conformidade com o disposto no artigo 412º, nº 3 al. b) do CPP, é a seguinte:
“a) A única testemunha, o militar da GNR presente no local do acidente,quanto às condições para o exercício de condução do arguido, nada disse! b) O relatório doIML, apenas permite dar como provada a presença da referida substância psicotrópica nosangue do arguido, não, como é até assente na própria Decisão recorrida, as condições ou nãopor parte do mesmo para o exercício da condução em segurança! c) O “parecer do IML”, trata-sede um parecer genérico, abstrato, uma mera demonstração científica, não sendo a exigidaprova pericial adequada e legalmente prevista à aferição das condições para o exercício dacondução, deste arguido concreto, naquelas circunstâncias concretas!”.
Segundo o recorrente “(…)EM MOMENTO ALGUM, PROVA OU REFERE SEQUER QUE O ARGUIDO NÃO SE ENCONTRAVA EM CONDIÇÕES DE, EM SEGURANÇA, CONDUZIR QUALQUER VEÍCULO MOTORIZADO NA VIA PÚBLICA!”, cfr. conclusão g).
Ora, lendo a motivação da matéria de facto da sentença recorrida, julgamos não assistir razão ao recorrente. Com efeito, nela foi referido que:
“(…) o tribunal considerou integralmente provada a factualidade imputada ao arguido com base nas declarações prestadas pelo militar da GNR CC, que elaborou o auto de notícia de fls. 3 e 4, e o auto de participação de acidente de viação de fls. 8 e ss, cujo teor confirmou na íntegra, conjugados com o relatório do IML de fls. 7, o parecer do IML de fls. 35, o relatório social junto aos autos, as declarações prestadas pelo arguido em julgamento quanto às suas condições pessoais e profissionais, e o certificado de registo criminal junto aos autos.
Referiu, para tal efeito, a testemunha CC, que foi chamado ao local dos factos em face da ocorrência de um acidente de viação envolvendo 3 veículos, no qual o veículo do arguido, que foi devidamente identificado, era um dos intervenientes, tendo, em consequência do referido acidente, o arguido ficado ferido, com necessidade de deslocação ao hospital, onde, em face das suspeitas por parte dos OPC’s de o mesmo ter ingerido substancias estupefacientes, o arguido foi sujeito a exame ao sangue quanto à ingestão de tais substâncias, do qual resultou, conforme decorre do relatório pericial de fls. 7, a presença de cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, tendo, pelo menos, 322 ng/ml de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) e pelo menos, 4,1 ng/ml de THC – COOH – ácido 11-nor-delta-9-tetrahidrocanabiníco (metabolito canabinóide) no sangue.
Para prova do efeito nefasto do produto estupefaciente em questão na capacidade de condução do arguido, valorou-se o parecer prestado pelo perito em toxicologia forense a fls. 35, no qual se conclui como provado em 4 e 5 da matéria de facto dada como provada.
Provou-se, assim, com amparo na prova pericial, que, no dia dos factos, o arguido não estava em condições de, em segurança, conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, considerando o valor detetado de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue e o risco de acidente associado aos efeitos desta substância – facto provado em 5.”
No fundo, o recorrente defende a ideia de que, pese embora tenha conduzido um veículo automóvel nas circunstancia consideradas como provadas em 1 dos factos provados da sentença recorrida, e tendo sido submetido a exame de sangue com o resultado indicado em 2 dos factos provados, ou seja, “À data, o arguido apresentava cocaína e metabolitos de cocaína no sangue, tendo, pelo menos, 322 ng/ml de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue”, não se fez prova de que o arguido não se encontrava em condições efetuar uma condução segura.
Porém, não lhe assiste razão.
É verdade que nem o militar da GNR se referiu ao facto de o arguido não estar em condições de efetuar uma condução segura (o arguido foi submetido a exame por suspeita de que estivesse sob a influência de estupefacientes), nem o relatório do IML junto se pronunciou sobre esta questão, tendo este apenas indicado as substâncias psicotrópicas encontradas no sangue do arguido e os respetivos valores.
A deteção de substâncias psicotrópicas inclui um exame prévio de rastreio e, caso o seu resultado seja positivo, um exame de confirmação, definidos em regulamentação, cfr. artigo 10 do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2017 de 17.05 e Portaria nº 902-B/2007, de 13.04.
O arguido apenas foi submetido ao exame de confirmação e não ao exame de rastreio de substâncias estupefacientes, mas daí não decorre qualquer inquinação da prova do facto, o que o recorrente verdadeiramente aliás não questiona, uma vez que o exame de rasteio “destina-se a obter a informação da existência de substâncias psicotrópicas; o exame de confirmação destina-se a obter a identificação e quantificação das substâncias psicotrópicas existentes”, cfr. cfr. artigos 11º e 12º do dito Regulamento, Capítulo I, secção I e II da citada Portaria, e Ac. RG de 14.10.2019, processo 3/18.9PTBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt
Acresce que ao contrário do defendido pelo recorrente, uma vez realizado o referido exame de confirmação, não é efetuado qualquer exame médico, com elaboração do relatório a que se refere ao Anexo VII da Portaria nº 902-B/2007, de 13.04, o qual somente é efetuado quando, após repetidas tentativas de colheita, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente para a realização do teste, cfr. artigo 13º, nº 1 citado Regulamento aprovado pela Lei nº da Lei nº 18/2017 de 17.05.
Ora, em face do parecer do IML constante de fls. 35, outra decisão não poderia o tribunal recorrido ter proferido, considerando como provado o ponto 5 dos factos provados, porquanto o arguido havia conduzido um veículo automóvel, foi interveniente num acidente de viação e uma vez efetuado exame de sangue por suspeita do OPC de que conduzisse sob a influência de produtos estupefacientes, apresentou resultado positivo, nomeadamente, para a cocaína, com o resultado de pelo menos, 322 ng/ml de benzoilecgonina (metabolito de cocaína). Considerando estes elementos objetivos, o tribunal recorrido só poderia ter concluído, como concluiu, afirmando que o arguido não estava em condições de realizar uma condução segura. Até porque se baseou em parecer do IML nesse sentido, o qual consta do ponto 4 dos factos provados, nos ternos do qual:
“a cocaína, atua sobre o SNC (sistema nervoso central) e cujos efeitos com impacto negativo na capacidade de conduzir são, entre outros, a exagerada autoestima, o aumento da disponibilidade para correr riscos, a redução do sentido crítico e da realidade e a incorreta avaliação das situações, traduzindo-se numa procura de sensações diferentes, normalmente através de uma condução inadequada e perigosa. Os efeitos provocados pela cocaína ocorrem em 3 fases. A primeira fase, durante a qual é possível, em geral, detetar a presença de cocaína e benzoilecgnonina (metabolito), caracteriza-se, nomeadamente, por um estado de euforia (high), perda de sentido crítico diminuição da sensação de fadiga, aumento da autoconfiança. Na segunda fase surge dificuldade de concentração, ansiedade e alterações na perceção sensorial. Na terceira fase, depressiva, durante a qual se deteta apenas presença de benzoilecognina surge exaustão, agressividade, irritabilidade e outras alterações psicofisiológias. Todos os efeitos, em qualquer das fases, comportam factores de risco incompatíveis com uma condução segura.”
O recorrente discorda que assim seja porque a perícia efetuada pelo IML pronunciou-se em abstrato sobre a condução por quem apresente resultado positivo obtido em análise de sangue relativamente à cocaína ou metabolitos de cocaína, não se tendo pronunciado sobre o caso concreto.
Mas sem razão, atento o referido efeito da cocaína no sistema nervoso central, sem também olvidar a própria quantidade de cocaína e metabolitos de cocaína, tendo, pelo menos, 322 ng/ml de benzoilecgonina (metabolito de cocaína) no sangue.
Com isto não pretendemos ignorar os diversos fatores que influenciam os efeitos das substâncias psicotrópicas, como seja as características do consumidor (sexo, idade); o tempo de consumo; a qualidade da substância (mais pura ou adulterada).
Como bem se refere no Ac. RE de 22.02.2022, processo 668/16.6GASSB.E1, disponível em www.dgsi.pt, “Ao contrário do que sucede com a Taxa de Álcool no Sangue, o exame toxicológico relativo às substâncias estupefacientes serve apenas para indicar a presença vestígios de substâncias no sangue do examinado. Cabendo ao juiz, adicionalmente, aferir se o condutor não estava em condições de fazer uma condução segura.”
E no Ac. RL de 06.12.2022, processo 1005/19.3GLSNT.L1-5, também disponível em www.dgsi.pt “A demonstração de que a substância estupefaciente detetada no sangue do agente o impedia de conduzir com segurança não carece da realização de um exame científico ou pericial, podendo e devendo ser lograda pela análise dos elementos de prova que o julgador disponha no caso concreto, numa valoração probatória responsável, ponderada e apoiada nas regras de experiência, da razoabilidade e da normalidade da vida.”.
Por conseguinte, encontra-se demonstrado à saciedade, através da conjugação da prova testemunhal e pericial produzida que o arguido / recorrente nas circunstâncias descritas nos factos provados conduzia um veículo automóvel sob a influência de substância psicotrópicas, não estando em condições de efetuar uma condução segura, improcedendo, pois, este segmento do recurso. 3.2- A segunda questão suscitada pelo recorrente é relativa à cessação da produção de efeitos das decisões condenatórias inscritas no registo criminal, a qual relaciona-se diretamente com o problema da reabilitação do condenado.
Na verdade, as decisões inscritas no registo criminal não produzem efeitos por tempo indefinido. De acordo com a finalidade ressocializadora das penas, uma vez decorrido determinado período de tempo sobre o cumprimento de uma pena sem que o condenado tenha cometido novo crime de qualquer natureza a lei presume juris et de jure que está reintegrado socialmente.
A reabilitação legal, por forma diversa do que sucede na reabilitação judicial e administrativa - nas quais tem lugar obrigatoriamente um apuramento prévio sobre a reintegração social do condenado - ocorre ope legis, ou seja, de forma automática, bastando para o efeito com o simples decurso do tempo e a ausência de novas condenações, cfr. Almeida Costa, O Registo Criminal. História. Direito Comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 217-8, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 655.
Assim, a Lei da Identificação Criminal previu expressamente a reabilitação legal do condenado, na medida em que nela consagrou a possibilidade de cessação da vigência das decisões condenatórios inscritas no registo criminal uma vez decorridos determinados prazos sobre a data da extinção da pena, sem que o condenado tenha cometido qualquer crime, cfr. o artigo 15º da Lei nº 57/98, de 18.08, e atualmente o artigo 11º da Lei nº 37/2015, de 05.05, diploma este que revogou aquele e que se encontra atualmente em vigor.
Neste sentido, vide v.g. o Ac. RC de 13.09.2017, processo nº27/16.0GTCBR.C1, disponível em ww.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se “O cancelamento dos registos é uma imposição legal. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a Lei n.º 37/2015) veio a ser inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir”.
No caso vertente, do vertido no ponto 23 dos factos provados da sentença recorrida, verifica-se que o arguido anteriormente havia sofrido uma condenação.
Assim, do referido ponto da matéria de facto provada decorre que o arguido foi condenado:
“23. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a. No processo comum n.º 28/17.1GTVCT foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 03-05-2019, pela prática, em 15-06-2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 4 meses.”
A pena de multa foi declara extinta em 21.08.2019 e a pena acessória em 20.09.2019 e daí que no certificado de registo criminal em 15.10.2024 já não constasse averbada qualquer condenação.
Por conseguinte, verifica-se que o arguido foi anteriormente condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez em pena de multa e em pena acessórias de inibição de conduzir, cujas penas principal e acessória, aquando da prolação da sentença em primeira instância, se encontram extintas há mais de cinco anos.
O artigo 11º da Lei nº 37/2015, de 05.05, na parte que para o caso releva, estatui:
“1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
(…)
e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;”
Isto significa que, o tribunal recorrido, na sentença que proferiu, não podia ter valorado a condenação sofrida pelo arguido (descrita no ponto 23 dos factos provados), conforme, aliás, referido pelo M.P., quer na primeira instância, quer neste Tribunal da Relação de Guimarães.
A consideração de condenações constantes do certificado de registo criminal que já deveriam, segundo o que resulta da lei, ter sido dele retiradas constitui prova proibida, pelo que caso tenham sido levadas aos factos provados da sentença, deverão as mesmas ser deles expurgadas. Neste sentido, vide, v.g., Ac. RP de 14.04.2021, processo 448/10.2GVFR.P1, Ac. RG de 05.11.2018, processo 33/18.0PFGMR.G1, Ac.RE de 10.05.2016, processo 216/14.2GBODM.E1, Ac. RC de 24.04.2019, processo 180/17.6GBACB.C1, e Ac. RP de 22.03.2023, processo 753/22.5GALSD.P1 todosdisponíveis em www.dgsi.pt.
Na verdade, a valoração, em termos desfavoráveis ao arguido, de condenações, constantes do certificado de registo criminal, que os serviços do registo criminal, segundo os critérios objetivos constantes da lei, já deveriam ter eliminado, é suscetível de conduzir à violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, na medida em que possibilita o tratamento desigual dos arguidos consoante aqueles serviços tenham sido mais ou menos diligentes.
Esta situação, porque não está em causa prova obtida mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas, será de considerar como sendo de prova relativamente proibida do nº 3 2ª parte do artigo 126º do CPP, e não do nº 1 – prova absolutamente proibida. E isto é assim quer por aplicação analógica do regime legal e constitucional respetivo por se considerar que o artigo 32º, nº 8 da CRP não pode ser encarado como fornecendo um elenco taxativo de direitos fundamentais cuja violação gera uma proibição de prova, ou por se considerar que há proibição de prova sempre que esteja em causa a violação de direitos fundamentais, por aplicação direta dos preceitos constitucionais que os consagram de acordo com o disposto no artigo 18º da CRP. Assim, vide Helena Morão, in "O efeito-à-distância das proibições de prova no Direito Processual Penal português", FDUL, 2002, p. 21 e Costa Andrade, in "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal", páginas 12 a 14.
Nesta conformidade, no caso vertente, impõe-se eliminar dos factos provados da sentença recorrida o ponto 23, passando a constar, em seu lugar, que o arguido não tem averbado no seu certificado de registo criminal qualquer condenação, conforme aliás decorre do novo certificado de registo criminal entretanto junto antes da prolação da sentença, mas não atendido por mero lapso, conforme foi reconhecido em despacho judicial exarado nos autos.
Em consequência, procede este ponto do recurso. 3.3. Em consequência do decidido no ponto anterior, conforme pretende o recorrente importa agora reequacionar a medida da pena acessória.
Segundo o arguido, ora recorrente, por forma diversa daquela que foi considerado na sentença recorrida, uma vez que não tem antecedentes criminais, a pena acessória de inibição de conduzir de veículos motorizados pelo período de sete meses aplicada pelo tribunal recorrido, deverá ser reduzida por ser excessiva, desproporcional e desajustada às circunstâncias do caso, sendo que deveria ter sido fixada no mínimo legal, ou seja, em três meses.
Assim, importa sindicar da medida concreta da referida pena acessória de inibição de conduzir.
Nesta sede, não podemos deixar de salientar - quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena (principal e/ou acessória) em sede de recurso[3] - que entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina[4] e da jurisprudência[5] de que “é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”[6].
Nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1 al.a) do CP
“1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) (…) e por crimes previstos nos artigos 291º e 292º”.
A pena acessória de inibição de conduzir tem uma função – preventiva - mais restrita do que a pena principal, na medida em que visa prevenir a perigosidade do agente, mas como pena acessória que é, traduz num “revigoramento da intervenção penal”[7], constituindo uma censura adicional pelo facto praticado.
Segundo F. Dias[8] “…à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação…” E acrescenta “…deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
Importa ainda salientar que face à atual redação do artigo 69º, nº 1 al. c) do CP, a condenação em pena acessória não depende de quaisquer circunstâncias específicas, sendo seu pressuposto o cometimento do crime de desobediência. Aplicação da pena acessória não constitui, pois, um efeito automático da pena, mas antes de uma consequência do crime ligada ao grau de ilicitude do facto e ao grau de culpa do agente e perigosidade revelada no facto. Neste sentido vide os Acs. TC nº 630/2004, de 04.11.2004, e 53/2011, de 01.02.2011, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Conforme tem sido entendimento pacífico na doutrina[9] e na jurisprudência[10], a determinação da medida concreta da pena acessória, como pena que é ligada ao facto praticado e à culpa do agente, faz-se de acordo com os critérios fixados no artigo 71º, n.º 1 e n.º 2 do CP, bem assim em conformidade com as finalidades previstas no artigo 40º do mesmo código, pelo que, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento.
Logo, num primeiro momento, a medida da pena há de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos, no caso concreto, traduzindo a ideia de prevenção geral positiva, enquanto «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida»[11].
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura assim encontrada, que as considerações de prevenção geral, quer positiva ou de integração, quer negativa ou de intimidação, não podem ultrapassar.
Por último, devem atuar considerações de prevenção especial, de socialização ou de suficiente advertência.
No caso vertente, o tribunal de primeira instância, considerando a moldura de 3 meses a 3 anos, fixou em sete meses a pena acessória aplicada, cfr. artigo 69º, nº 1 al. c) do C.P..
Da fundamentação da decisão recorrida, resulta que o tribunal a quo sopesou bem cada um dos fatores suscetíveis de influenciar a medida concreta da pena acessória de inibição de conduzir, de acordo com dos princípios gerais de determinação acima enunciados.
Na verdade, a duração da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados foi fixada tendo presente o grau de ilicitude do facto e da culpa, bem assim segundo as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Com efeito, no que concerne à culpa, verifica-se que o arguido agiu com dolo direto; o arguido é merecedor de forte censura ético jurídica, pois que podia e devia ter agido de outro modo.
No âmbito dos crimes de circulação rodoviária, como é o caso do crime de condução sob a influência de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, as exigências de prevenção geral são muito importantes, quer pela excessiva frequência do crime de condução de veículo em estado de embriaguez que subjaz àquele, quer pela gravidade das suas consequências, devendo assinalar-se às penas, por esses crimes, um efeito de prevenção geral de intimidação.
A pena acessória de inibição de conduzir destina-se a combater a elevada sinistralidade rodoviária. Aliás, foi esse o propósito do legislador quando, em 2001, agravou a respetiva moldura abstrata, que se encontra em vigor, elevando o seu mínimo de 1 mês para 3 meses e o seu máximo de 1 ano para 3 anos, cfr. Lei nº 77/2001, de 13.07.
Por isso, no caso, a necessidade de tutela do bem jurídico ofendido pela conduta do arguido faz-se sentir com intensidade.
Contudo, não se fazem sentir especiais exigências de prevenção especial, uma vez que, por forma diversa do considerado na sentença recorrida, o arguido é primário; na data dos factos o arguido tinha 25 anos de idade, sendo, pois, jovem; e encontra-se inserido em termos sociais, profissionais e familiares.
Dos factos provados não resulta que o arguido tenha interiorizado o desvalor da sua conduta, pelo que, e na ausência de um quadro de circunstâncias de facto com relevante valor atenuativo, nada justifica que a medida da pena acessória seja fixada no mínimo legal.
As sanções penais terão de constituir um sacrifício para o condenado, o qual terá se sentir na pele ou seus efeitos. De outro modo, seriam inócuas e irrelevantes[12]. A condenação imposta ao arguido terá o efeito de contribuir decisivamente para que, no futuro, não cometa novos crimes.
Em face do quadro descrito, julgamos que não ocorre violação das regras da experiência ou desproporção da quantificação efetuada da pena acessória cominada.
Assim, o quantum da pena acessória respeita os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas, observando o preceituado no artigo 18º, nº 2, da CRP, sendo adequado à reposição da validade da norma infringida e não ultrapassa a medida da culpa do arguido.
Todavia, porque na sentença recorrida foi indevidamente considerado que o arguido não era primário, entendemos dever reduzir para cinco meses a duração da pena acessória de inibição de conduzir veículo motorizados, sendo esta mais adequada e proporcional à gravidade dos factos.
Por conseguinte, o recurso procede em parte quanto a este segmento.
III – DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, em consequência do que se decide:
1) Alterar a redação do ponto 23 dos factos provados da sentença recorrida, por forma que dele passe a contar apenas que “O arguido não tem qualquer condenação averbada no seu certificado de registo criminal”; 2) Reduzir a pena acessória de 7 (sete) meses inibição de conduzir veículos motorizados em que o arguido foi condenado para 5 (cinco) meses; e 3) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Sem custas, atenta a parcial procedência do recurso – artigo 513º, nº 1 a contrario do CPP. Texto integralmente elaborado e revisto pelo seu relator e revistos por todos os seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.
Notifique.
Guimarães, 6 de maio de 2025
Armando Azevedo (Relator)
Pedro Cunha Lopes (1º Adjunto)
Pedro Freitas Pinto (2º Adjunto)
[1] Nas transcrições das peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original, sem prejuízo da formatação do texto e da correção de erros ou lapsos manifestos, da responsabilidade do relator. [2] De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P.. [3] Note-se que seguimos aqui a posição de que o recurso constitui um remédio jurídico ou um juízo de censura crítico e não um “novo julgamento” como se não tivesse existido um julgamento anterior, cfr. v.g. Damião da Cunha, O caso Julgado Parcial, Universidade Católica, 2002, pág. 37. [4] Vide F. Dias, Direito Penal Português, As consequências do crime, pág. 196 e segs. [5] Vide, entre outros, Ac. STJ de 29.03.2007, proc. 07P1034, relator Simas Santos, Ac. STJ de 19.04.2007, processo 07P445, relator Carmona da Mota, e Ac. RE 22.04.2014, proc 291/13.7GEPTM.E1, relatora Ana Barata Brito, todos acessíveis em www.dgsi.pt [6] Cfr. o atrás citado Ac STJ de 29.03.2007. [7] Palazzo, citado por F. Dias, in Direito Penal Português, As Consequências do Crime, pág. 164. [8] Ob. cit., pág. 165. [9] Cfr. António João Latas, A pena acessória de inibição de conduzir veículos automóveis, Sub Judice, nº 17, 2000, janeiro / março, pág. 94. [10] Neste sentido, vide, v.g., Ac. RC de 07.01.2004, processo 3717/03 e Ac RC de 04.12.2013, processo 181/13.3GBAGD.C1, acessíveis em www.dgsi.pt. [11] F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 72-73. [12] Cfr. Ac RL de 13.07.2016, processo 202/16.8PGDL.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.