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CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO PENA DE PRISÃO
Sumário
I- Estando em causa a prática do crime de violência doméstica, e pese embora a crescente gravidade do facto confira uma maior importância ao interesse na execução da pena, no caso concreto a gravidade dos factos praticados não afasta, por si mesma, a suficiência da pena de prisão suspensa com regime de prova, para proteger o bem jurídico ofendido e a reintegração do agente na sociedade. II- Por isso, e apesar dos factos praticados revelarem uma desconformidade da personalidade do arguido com os valores protegidos pela lei penal, o que se traduz numa carência de socialização, no âmbito da prevenção especial, face às suas condições pessoais, a referida pena de substituição é de decretar, porquanto a mesma é bastante para que o arguido possa tomar consciência da gravidade do seu comportamento, por forma a que inverta o sentido da sua vida com respeito pela integridade física e psicológica e pela dignidade alheias, nomeadamente da ofendida. O mesmo é dizer, para que sejam garantidas as exigências de prevenção especial.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1. No processo comum singular nº46/23.0GAAFE, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo de Competência Genérica de Mogadouro, em que é arguido AA, agricultor, casado, nascido a ../../1964, filho de BB e de CC, residente na Rua ..., ..., Alfândega ..., e assistente DD, por sentença proferida e depositada em 21.01.2025, foi decidido, no que para o presente recurso releva, o seguinte (transcrição)[1]:
Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente, decide: i. CONDENAR o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, na pessoa de DD; ii. SUSPENDER a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova, que deverá contemplar, entre o mais, a frequência de um programa para agressores de violência doméstica e a proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, incluindo na sua residência e eventual local de trabalho, sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP; iii. NÃO CONDENAR o arguido nas penas acessórias, de acordo com 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal; iv. JULGAR PROCEDENTE o pedido de reembolso da Unidade Local de Saúde ..., CONDENANDO o arguido no pagamento do valor de 57,84€ (cinquenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescido de juros à taxa de 4%, contados desde a notificação do pedido de reembolso até efetivo e integral pagamento; v. JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido de indemnização civil formulado pela demandante DD e, por conseguinte, CONDENAR o demandado AA a pagar o valor de 2500,00€, a título de indemnização, por danos não patrimoniais, acrescido de juros contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento; 2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso a assistente, extraindo das respetivas motivações, as seguintes conclusões (transcrição):
I. Atravessando a sentença, a Recorrente, tem pela decisão, na sua globalidade, uma apreciação ajustada, quase irrepreensível e conforme com a lei.
II. Contudo, se perscrutarmos, sobre a bagatela do quantum indemnizatório, em que Mtm.ª Julgadora, condenou o arguido - € 2.500 -, num primeiro ímpeto, perante as lesões psicológicas e físicas sofridas pela Recorrente, decorrentes das agressões que o Recorrido lhe infligiu e os maus tratos que o Recorrido a submeteu, por não contribuir para a credibilização dos tribunais e da justiça, somos tentados a impugnar, desde logo, nesta parte a sentença.
III. Porém, não é o quantum indemnizatório que está na genese do presente recurso e o que move a Recorrente!
IV. A Recorrente, insurge-se, contra a moldura penal aplicada ao caso sub judice, na parte em que a pena de prisão é suspensão na sua execução.
V. Por não acautelar devidamente as finalidades da prevenção geral e especial das penas, desprestigiando-se assim (desnecessariamente), no final, a sentença, e contaminando-a de uma intolerável falta de sentido de JUSTIÇA.
VI. Pois bem, por via do presente recurso, a Recorrente pretende a reanálise da adequação e proporcionalidade da concreta pena aplicada ao Recorrente.
VII. Não acompanhamos, por isso, e ressalvando todo o respeito que nos merece, posição contrária, o entendimento plasmado na sentença pelo tribunal a quo quanto a esta questão de direito.
VIII. É com o objecto assim delimitado, por violação ao disposto no artigo 50º, n.º 1 do CP, que a Recorrente interpõe o presente recurso – artigo 412º, n.º 1 do CPP.
II – MOTIVAÇÕES DE RECURSO
ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE AO CASO SUB JUDICE DA CONCRETA PENA
APLICADA
IX. A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
“1) No dia ../../1984, o arguido e a assistente DD casaram;
2) O casal residia na Rua ..., sita em Alfândega ..., embora, atualmente, a assistente resida na casa da irmã;
3) Deste casamento não resultaram filhos;
4) As discussões entre o casal eram frequentes, já tendo existido outros processos por factos da mesma natureza;
5) Em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido disse à assistente que “parti-te os braços e não estou arrepeso”;
6) Em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido acusava a assistente de se envolver sexualmente com o marido da irmã, EE, e com outros homens;
7) No dia 23/06/2023, a hora não concretamente apurada, o arguido dirigiu-se para a assistente que se encontrava no corredor da habitação e empurrou-a com força, causando o embate da assistente com o membro superior direito num móvel que ali existe e, de seguida, a assistente caiu desamparada no chão;
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8) Como se tratava do braço a que havia sido operada, sentiu fortes dores e começou a chorar e a pedir auxílio, ao que a sua irmã, que estava na sala da casa, acudiu de imediato;
9) Com o comportamento supra descrito, o arguido causou dores e ainda uma equimose na face lateral do terço proximal e médio do braço esquerdo, com uma área de 6x4cm e mais distalmente 2x2cm;
10) O que determinou direta e necessariamente 15 dias de doença, com afetação parcial da capacidade para o trabalho geral por 15 dias;
11) Em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre 2023 e 2024, o arguido dirigiu expressões à assistente como: “puta, galdéria, ramboia e fodilhona”;
12) Durante o inverno de 2023/2024, o arguido manteve o gás fechado, impedindo a assistente de aceder à água quente, obrigando-a a ir tomar banho a casa da sua irmã;
13) Em tais ocasiões, o arguido desligava, de igual modo, a eletricidade;
14) Em inúmeras ocasiões, situadas no inverno de 2023/2024, o arguido colocou a assistente na rua durante a noite, obrigando-a a pernoitar na rua, ao frio e com roupa de dormir;
15) Em data não concretamente apurada, mas durante o inverno de 2023/2024, o arguido desferiu pontapés na perna direita da assistente, onde tem varizes, bem sabendo que podia rebentar-lhe com alguma;
16) Em data não concretamente apurada, mas situada nos períodos descritos supra, o arguido dirigiu- se à assistente nos seguintes termos: “estás toda podre e toda aleijada”;
17) Numa ocasião, em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido e a assistente foram passear a ..., e na viagem, além dos dois, ia a irmã da assistente, quando o arguido se dirigiu à assistente nos seguintes termos “és a maior puta do distrito ...”, e ainda lhe disse que “havia de te abrir a porta e botar-te do carro para baixo, e dizer que tu te mataste”, e só não o fazia porque a sua irmã ia no carro;
18) Numa sexta-feira, dia 07/06/2024, quando a assistente e irmã foram a ... falar com o advogado, o arguido disse-lhe que andava a dar a rata aos advogados e ao juiz em ...;
19) O arguido sabia que DD era sua mulher, ao agir da forma descrita, atuou sempre com o propósito, concretizado e reiterado, de a ofender e maltratar física e psiquicamente de modo a atingir o seu bem-estar físico e psíquico e a sua tranquilidade, honra, e dignidade pessoal, submetendo-a a uma tratamento degradante enquanto pessoa e sua mulher, com total desrespeito pela sua personalidade e autoestima;
20) Com a conduta supra descrita, contra a pessoa de DD, sua mulher, quis o arguido molestá-la física e psicologicamente e causar-lhe perturbação psicológica, humilhação quer em privado, quer em público e atemorizá-la, o que representou, quis e conseguiu;
21) O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente;
22) O arguido bem sabia que todos os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal, não se abstendo, porém, de os praticar; Dos pedidos de indemnização civil:
23) No dia 23/06/2023, em virtude do comportamento do arguido, a assistente foi assistida no Serviço de Urgência Básica de ..., o que importou tratamentos no valor de 57,84€ (cinquenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos);
24) A assistente sentiu-se com medo, atormentada e angustiada que o arguido repetisse os atos praticados;
25) Na sequência dos episódios, a assistente tinha dificuldades para dormir; Condições socioeconómicas do arguido;
26) O arguido reside na casa morada de família, que constitui uma habitação social, cedida pela Câmara Municipal ..., de tipologia T2, com condições de conforto;
27) O arguido trabalha na construção civil e em jeiras, auferindo cerca de 40€/45€ por cada dia de trabalho, fazendo face às despesas com algum esforço;
28) O arguido despende por mês cerca de 150,00€ (cento e cinquenta) com a renda da habitação, água, luz e gás;
29) O arguido é conotado como sendo uma pessoa trabalhadora, sociável e cooperante com os restantes trabalhadores;
30) Tem como habilitações literárias, o 4.º ano de escolaridade; Condenações do arguido:
31) No âmbito do Processo Comum n.º 97/21.0GAMCD, do Juízo de Competência Genérica de Mogadouro, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, o arguido foi, em 14/06/2022, condenado na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€, no total de 400,00€, pela prática, a 19/05/2021, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), transitada em julgado a 14/07/2022, extinta a 17/05/2023;”
X. É tudo muito cruel e de difícil perdão.
XI. No entanto, o Recorrido, foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, a) e n.º 2, alínea a) do CP, suspensa a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova, que de deverá contemplar, entre o mais, a frequência de um programa para agressores de violência doméstica e a proibição de contactos com a vítima por qualquer meio, incluindo na sua residência e eventual local de trabalho, sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP. v. i) e ii) da sentença pág. 34.
XII. O Recorrido tem passado criminal; foi já condenado no âmbito do Processo Comum n.º 97/21.0GAMCD, do Juízo de Competência Genérica de Mogadouro, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, em 14/06/2022, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€, no total de 400,00€, pela prática, a 19/05/2021, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), transitada em julgado a 14/07/2022, extinta a 17/05/2023. v. facto provado 31).
XIII. “O arguido não prestou declarações, o que não o prejudicando, também não o beneficia, na medida em que o Tribunal tem de se alicerçar noutros meios de prova,
XIV. para formular a sua convicção.” v. sexto parágrafo, pág. 8 da sentença; (o sublinhado e o negrito são nossos).
XV. Convém, salientar que, está provado, “Em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido disse à assistente que “parti-te os braços e não estou arrepeso;” v. facto 5) dos factos provados, pág. 3. (o sublinhado e o negrito são nossos).
XVI. Como se não bastasse, a ignóbil confessada concretização da maldade perpetrada pelo Recorrido sobre a Recorrente (v. facto 5) dos factos provados, pág. 3), convocam-se os Venerandos Desembargadores, para os relatórios clínicos: Exame de 09/01/2024
“ - Membro superior direito: na face lateral do terço proximal do braço, apresenta uma cicatriz hipocrómica, linear, vertical, com 12,5 cm de cumprimento, com palpação de material endurecido subjacente.
- Limitação de todos os movimentos do ombro, com dificuldade em chegar ativamente com a mão direita á nuca e ao ombro contralateral. Não conegue apertar o soutien, necessitando da ajuda da irmã.
- Membro superior esquerdo: na face do terço distal do antebraço, apresenta uma cicatriz hipocrómica, linear, vertical, com 5,5 cm de cumprimento, com palpaçºao de material endurecido subjacente.
- Limitação do movimento de flexão e extensão do punho esquerdo.” v. relatório clínico, fls. , dos autos.
Exame de 30/08/2023
“2. A nível situacional, compreendendo este nível a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efetuar certos gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais e de ftores pessoais e do meio, refere: - Atos da vida diária: necessita de ajuda para estender o roupa e para se pentear.
A irmã refere ir a casa da Examinada todos os dias.
- Vida afetiva, social e familiar: s inerentes ao contexto de violência relatado.” v. relatório clínico, fls. , dos autos, pág. 4.
A examinada menciona ser alvo de várias ameaças de morte, descrevendo que o alegado agressor lhe terá dito que se arrependia de só me ter partido um braço, que deveria ter feito pior e eu vou para a cadeia, mas tu vais para debaixo da terra…” v. relatório clínico, fls. , dos autos, segundo parágrafo, primeiro período, pág. 3.
XVII. Em inúmeras ocasiões, situadas no inverno de 2023/2024, o arguido colocou a assistente na rua durante a noite, obrigando-a a pernoitar na rua, ao frio e com roupa de dormir. v. facto provado 14), pág. 4 da sentença.
XVIII. Concretizando,
O Recorrido, partiu os dois braços à Recorrente, e expressou verbalmente que não está arrependido (para além dos demais desprezíveis factos provados), e em inúmeras ocasiões, situadas no inverno de 2023/2024, o arguido colocou a assistente na rua durante a noite, obrigando-a a pernoitar na rua, ao frio e com roupa de dormir! Em Alfândega ..., no Inverno, de madrugada, não raras vezes, atingem-se temperaturas negativas entre menos 1 e menos 5 graus!!!
XIX. Talvez por isso, o Recorrido, em sua defesa, em audiência de julgamento, submeteu-se ao silêncio; não o “Silêncio dos Inocentes”, mas o silêncio dos carrascos, dos algozes, o silêncio perverso, sem freio e sem contemplação pela vítima.
XX. É um direito constitucional e ordinariamente consagrado no nosso ordenamento jurídico – artigo 32º, n.º 1 da CRP e artigo 61º, alínea d) do CPP; dirá a defesa consternada, não com
XXI. a vítima, mas sim, com compaixão pelo criminoso, incapaz de se arrepender, convencido da sua impunidade.
XXII. Ora, se é certo que o arguido tem “direito ao silêncio”, não será menos certo que, no “silêncio”, está inegavelmente implícito, a ausência de arrependimento.
XXIII. Mais, o Recorrido, tem o direito de não confessar e não se arrepender! Contudo, o silêncio, por si só, revela falta de arrependimento.
XXIV. Por isso, o tribunal a quo, à luz das regras da experiência comum, teria forçosamente que extrair as devidas conclusões do “não arrependimento” do Recorrido.
XXV. “I. A ausência de arrependimento e de sentido crítico face aos factos que são imputados em processo crime regista-se quando quem nele figura como arguido se remete ao silêncio e também quando apresenta uma versão dos acontecimentos de onde decorre não ter cometido o crime que lhe é imputado. E semelhante postura processual – que é, ao cabo e ao resto exercício de direito que lhe assiste a quem figura como arguido…II. A confissão é a declaração dos próprios erros ou culpas, é o reconhecimento da culpa. O arrependimento é o pesar sincero por algum ato ou omissão, revelador do firme propósito de não tornar a fazer. ” Ac. TRE, de 28/02/2023, proc. n.º 167/21.4GBSTC.E1, disponível em www.dgsi.pt.
XXVI. Trata-se, pois, do comportamento processual positivo pós-delito do arguido, realizado em benefício da vítima, ou da administração da justiça — ou por esta considerado útil — e, por isso, valorado positivamente pelo direito.
XXVII. Ou seja, como assinala o Ac. STJ de 18.02.1999, do comportamento que a doutrina italiana apelida de arrependimento «post delictum», que não se confunde com o arrependimento ativo previsto no artigo 24.º do CPl, que alguma doutrina espanhola denomina “desistência ativa”.
XXVIII. Com efeito, o agente desenvolve uma atividade posterior ao crime destinada a eliminar ou atenuar os seus efeitos danosos ou perigosos, atividade essa que não poderá deixar de funcionar a seu favor.
XXIX. Recorda-o Germano Marques da Silva, salientando que [aquele que erra e se arrepende merece um tratamento penal mais favorável.].
XXX. Pode, igualmente, funcionar como fator de individualização da pena, previsto, de modo não taxativo, na alínea e) do n.º 2 do artigo 71º, n.º 2, alínea e) do CP, dado que, como vimos, a reparação pode constituir um dos possíveis elementos objetivos do arrependimento a considerar pelo julgador.
XXXI. Esse sentimento, que pode manifestar-se de diversas formas e em diversos momentos, não relevará, no entanto, como salienta Jorge de Figueiredo Dias, pela via da culpa, mas unicamente pela da prevenção, nomeadamente quando ligada à categoria da necessidade de pena.
XXXII. À semelhança do que sucede com a confissão, o valor atenuativo do arrependimento é variável em função do seu maior ou menor relevo, seja em termos investigatórios e probatórios, seja ao nível da prevenção de novos crimes.
XXXIII. Onde pretendemos chegar!
XXXIV. Tendo em conta a tipologia de crime aqui em discussão – crime grave – de elevada perigosidade e alarde social, com consequências, não poucas vezes, que resultam, na morte das vítimas ou na sua mutilação (como no caso vertente - mas aqui, nos abstemos de expor por estar bem patente no esprito dos senhores Venerandos Juízes Desembargadores), impõe maiores cuidados com a sua prevenção geral e especial.
XXXV. Ora, se o “silêncio” não pode prejudicar o Recorrido, a ausência de arrependimento, dai decorrente, impõe maior cuidado na averiguação, quanto à possibilidade do arguido vir a reincidir na prática do mesmo tipo legal de crime.
XXXVI. E por isso, no nosso humilde entendimento, salvo melhor opinião, a suspensão da execução da pena, por não acautelar as finalidades de prevenção geral e especial das penas, cria um inaceitável sentimento de impunidade no Recorrido, capaz de o permitir reincidir.
XXXVII. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Ed., pág. 55, [Em definitivo, do que deve tratar-se no efeito da prevenção especial é, bem mais modestamente, de – com respeito pelo modo de ser do delinquente, pelas suas concepções sobre a vida e o mundo, pela sua posição própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico –, criar as condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes. Neste último sentido se podendo afirmar com justeza que a finalidade preventiva especial da pena se traduz – e se traduz só – na “prevenção da reincidência”….]
XXXVIII. Pois bem, entende a Recorrente, neste segmento, ser injusta a suspensão da execução a pena de prisão aplicada ao Recorrido.
XXXIX. Assim sendo, parece-nos intolerável, a bem da justiça – e sob pena de degradação desta - , a complacência com uma tal actuação, a qual, exige sérias consequências.
XL. Aliás, deixar passar em claro este tipo de comportamento (suspendendo a execução da pena) seria premiá-lo com a indiferença e permitir o sentimento de impunidade ao Recorrido, que, desde sempre, agiu sobre a Recorrente com uma abjecta convicção de inexistência de lei, de tribunais e de justiça.
XLI. Estamos perante um daqueles casos em que “a generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, se indignariam.
XLII. Os bens jurídicos tutelados pela lei, violados pelo Requerido, de forma desprezável, merecem, condenação exemplar da justiça que aqui se propugna.
XLIII. Por isso,
É um imperativo de justiça, que o Recorrido seja condenado no cumprimento efectivo da pena de prisão de dois (2) anos e seis (6) meses em que foi condenado.
XLIV. A sentença recorrida teorizou adequadas considerações doutrinárias, esquecendo-se das cruéis circunstâncias do caso concreto e do critério matricial do artigo 40º, n.º 1, do CP relativa à dupla finalidade das penas: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (n.º 2 do mesmo artigo).
XLV. Na concretização dos critérios para a determinação da medida da pena – enumerados exemplificativamente no artigo. 71º, n.º 2, do CP -, a Mm.ª Juiz a quo não enfatizou, como circunstâncias negativas, a gravidade da ilicitude dos factos; partir os braços à Recorrente e coloca-la a dormir à noite, no Inverno, fora de casa.
XLVI. A sentença, não considera especialmente censurável, o dolo directo do Recorrido e as exigências de prevenção geral, que são de forte intensidade, por o “sentimento jurídico da comunidade” apelar, por um lado, à eliminação da violência doméstica, e por outro, a uma correspondente consciencialização por parte daqueles que se dedicam à prática deste tipo de ilícito com efeitos tão nefastos para a saúde e a vida das vítimas.
XLVII. Invoca-se ainda, contra o Recorrido, e em sede de prevenção especial, a absoluta ausência de capacidade de censura por parte deste em audiência de julgamento e a condenação anterior por ele sofrida.
XLVIII. Tudo isto revela um grau de ilicitude considerável que, aliado ao dolo directo e às exigências de prevenção referidas - aliás, mais acentuadas em meios mais pequenos, onde toda a gente se conhece e a prevenção geral tem maior impacto –, sempre teriam de afastar, de forma relevante, a pena aplicável do respectivo mínimo legal; nesta parte andou o tribunal a quo.
XLIX. A propósito, sabemos que, na fixação da pena (como na avaliação da prova), o Tribunal de 1ª instância beneficia da imediação de que sempre carece o de recurso, e por isso este Venerando Tribunal funciona, também aqui como “remédio jurídico”.
L. O Tribunal da Relação somente altera o quantum da pena fixada pela 1ª Instância se, e apenas, detectar incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, ou na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena; ou seja, não pode proceder como se o fizesse ex novo; como se inexistisse uma decisão de 1.ª instância.
LI. Ora, na fixação da pena pelo Tribunal a quo, pese embora o que fica dito a propósito do crime de violência doméstica, em que o Recorrido, foi condenado, não se vislumbra que tenha sido violada qualquer disposição legal; assim, não merecendo reparos de maior essa operação no Tribunal recorrido, inexistem motivos para alterar a pena encontrada pela Mtm.ª Juiz a quo.
LII. Como se disse, a Recorrente, insurge-se contra a suspensão da execução da pena, por esta violar o disposto no artigo 50º, n.º 1 do CP.
LIII. Dos factos assentes, o Tribunal a quo, não pode considerar que, atendendo à personalidade do Recorrido, às condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
LIV. Bem pelo contrário; por isso se enfatizou supra a postura do Recorrido em audiência de julgamento, por indiciar forte probabilidade de reincidir na prática do mesmo tipo legal de crime.
LV. Mais, a suspensão da execução da pena, traduz, no Recorrido, um verdadeiro sentimento de impunidade e de inação da justiça.
LVI. Pois, a pena, se não pode ultrapassar a medida da culpa (artigo. 40.º, n.º 2, do CP), não pode deixar de constituir um sacrifício real para o condenado, ou perderia a vertente da eficácia punitiva.
LVII. Precisamente, o que sucede no caso vertente, com a decretada suspensão da sua execução, da pena; sem esquecer, a indulgência na falta de consciência da ilicitude dos factos criminosos perpetrados pelo Recorrido e a não ressocialização do arguido
LVIII. Por não concretizar devidamente (como se pretende) o “fim das penas”, prevenção da reincidência, realização do direito e a exaltação da justiça.
LIX. A determinação da natureza e medida da pena, faz-se, assim, em função da culpa do arguido, por forma a satisfazer as particulares exigências de prevenção especial, tendo em vista a recuperação daquele, sem deixar de atender à necessidade de dissuasão
LX. A ilicitude dos factos, ao nível do desvalor de ação;
i) o período de tempo em que o Recorrido se dedicou, como quis e bem entendeu, a violentamente agredir física e psicologicamente a Recorrente – partindo-lhe os dois (2) braços, castigando-a de forma cruel, denotando, desta forma, uma atitude pessoal especialmente censurável;
ii) a intensidade da culpa do arguido, uma vez que agiu com dolo direto;
iii) as elevadas exigências de prevenção geral; a circunstância de ao arguido já ser conhecida uma anterior condenação em juízo pela prática de crime de idêntica natureza (ameaça);
iv) bem como a circunstância do Tribunal a quo, nos termos do artigo 50, .º 1 do CP, não poder considerar que, atendendo à personalidade do Recorrido, às condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
LXI. Sopesando todas essas circunstâncias, as elevadas exigências de prevenção geral e especial, a intensidade da culpa, a modalidade de dolo e a ilicitude da sua conduta, será perfeitamente equilibrado e ajustado que, a pena de prisão dois (2) anos e seis (6) meses em que o arguido foi condenado, seja efectivamente cumprida.
LXII. Sob pena de, a bem da justiça – ou sob pena de degradação desta -, ser intolerável o sentimento de impunidade criado do Recorrido (com a suspensão da execução da pena), acrescido duma correlativa complacência com uma tal actuação.
LXIII. Deixar passar em claro, este tipo de comportamento, seria premiar o Recorrido e permitir-lhe continuar a pensar (como sempre pensou), com uma perversa convicção de inexistência de lei, de tribunais e de justiça.
LXIV. Sem esquecermos o respeito pela dignidade do seu semelhante, cuja malvadez do Requerido, desconhece, maltrata e esmaga, sem dó nem piedade.
LXV. Assim, propugna a Recorrente, a revogação da sentença, por violação do disposto no artigo 50º, n.º 1 do CP, por outra, que condene o Recorrido no cumprimento efectivo da pena de prisão de dois (2) anos e seis (6) meses em que foi condenado.
TERMOS EM QUE, com o d.s., de V. Exas., Venerandos/as Juízes/as Desembargadores/as, deve o presente recurso, ser julgado procedente por provado e consequentemente:
a) a sentença recorrida, ser revogada por outra, que condene o arguido no cumprimento efectivo da pena de prisão de dois (2) anos e seis (6) meses em que foi condenado.
A BEM DA JUSTIÇA E DA LEGALIDADE!
3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):
1. Por sentença proferida a 21-01-2025, decidiu o Tribunal a quo: 1) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, na pessoa de DD; 2)Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de três anos, acompanhada de regime de prova, que deverá contemplar, entre o mais, a frequência de um programa para agressores de violência doméstica e a proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, incluindo na sua residência e eventual local de trabalho, sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP; 3) Não condenar o arguido nas penas acessórias, de acordo com 152.º, n.º 4 e 5 do Código Penal.
2. Inconformada com a referida sentença, veio a Assistente DD interpor recurso da mesma, insurgindo-se a recorrente “contra a moldura penal aplicada ao caso sub judice, na parte em que a pena de prisão é suspensão na sua execução”, porquanto, no seu entendimento, não acautela “devidamente as finalidades da prevenção geral e especial das penas”, pretendendo a recorrente a “reanálise da adequação e proporcionalidade da concreta pena aplicada”, pois entende que a sentença proferida viola o “disposto no artigo 50º, n.º 1 do CP”, em face dos antecedentes criminais do arguido e perante o facto de o arguido não ter demostrado arrependimento pela prática dos factos, remetendo-se ao silêncio.
3. Vejamos. Analisado o teor do recurso, a recorrente começou por transcrever os factos provados da sentença, tendo de seguida atribuído ao silêncio do arguido o sentido de falta de arrependimento, culminando no entendimento de que “a suspensão da execução da pena, por não acautelar as finalidades de prevenção geral e especial das penas, cria um inaceitável sentimento de impunidade no Recorrido, capaz de o permitir reincidir”, entendendo a recorrente “ser injusta a suspensão da execução a pena de prisão aplicada ao Recorrido”, porquanto “os bens jurídicos tutelados pela lei, violados pelo Requerido, de forma desprezável, merecem, condenação exemplar da justiça” – que, para a recorrente, é: “que o Recorrido seja condenado no cumprimento efectivo da pena de prisão de dois (2) anos e seis (6) meses em que foi condenado”.
4. Ora, salvo o devido respeito, entende o Ministério Público que o presente recurso não merece provimento, já que a douta sentença não merece censura.
5. O crime de violência doméstica, previsto e punido artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), do Código Penal, cometido pelo arguido é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos. E como bem se afirma na sentença recorrida: “No direito penal português, a aplicação de uma pena tem como objetivo a proteção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade, nunca podendo ultrapassar a medida da culpa do agente e sempre segundo o princípio da proporcionalidade, tendo em conta a gravidade do facto e a perigosidade do agente (artigo 40.º, Código Penal). A aplicação de penas deve ser orientada não só pelo princípio da culpa (artigo 40.º, n.º 2 Código Penal) e pelos princípios de proporcionalidade, necessidade, adequação e subsidiariedade (artigo 18.º CRP), mas também por um verdadeiro princípio de humanidade, i.e., tendo sempre em conta a dignidade da pessoa humana”.
6. As finalidades da aplicação de uma pena, de acordo com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal “residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, traduzida na tutela das expectativas comunitárias na vigência da norma violada [prevenção geral positiva] e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade [prevenção especial positiva]”, como elucida Jorge de Figueiredo Dias (ob. cit.).
7. Em matéria de prevenção geral e especial, cumpre elucidar que, conforme consta da douta sentença: “A prevenção geral traduz-se na necessidade de reafirmação da norma e da pacificação social. Estamos, assim, a tratar de necessidades positivas da sociedade que nos irão guiar para definir o limite mínimo da pena, i.e., o ponto a partir do qual estas necessidades de prevenção geral já não seriam satisfeitas, e o ponto ótimo para as alcançar, sem nunca se esquecer que o limite máximo da pena se define pela culpa. Por outro lado, a prevenção especial está relacionada com as necessidades específicas do próprio arguido, de ressocialização e de prevenção de novo cometimento de crimes”.
8. Ao invés do que a recorrente pretende fazer crer, a douta sentença recorrida não olvidou as circunstâncias do caso concreto nem o “critério matricial do artigo 40º, n.º 1, do CP relativa à dupla finalidade das penas”.
9. Conforme consta da douta sentença recorrida “para determinar a pena concreta a aplicar em cada caso, deverá o julgador atender ao grau de culpa do agente e às exigências de prevenção, nas quais se incluem não só a prevenção especial, como também a prevenção geral (artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal). A pena concreta deverá ter em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, favorecem ou desfavoreçam o agente, tendo o legislador no artigo71.º, n.º 2 do Código Penal indicado, a título exemplificativo, algumas possibilidades de circunstâncias a atender”. E no que concerne à escolha e medida da pena, consta da sentença recorrida: “o julgador deverá primeiramente ponderar a aplicação de pena privativa da liberdade ou não privativa da liberdade, estando a sua escolha dependente do que for mais adequado e suficiente face às finalidades da punição (artigo 70.º do Código Penal). Para tal, terá de se ponderar as necessidades preventivas existentes no caso”.
10. In casu, o crime de violência doméstica é apenas punido com pena de prisão, pelo que não houve que efetuar nenhuma ponderação entre a pena privativa ou não privativa da liberdade. Por seu turno, para determinar a pena concreta a aplicar, o Tribunal deve atentar às exigências de prevenção geral e especial, aos factos relativos à execução do facto, aos factos relativos à personalidade do agente e aos factos relativos à sua conduta anterior e posterior.
11. Apesar de a recorrente alegar que “a sentença, não considera especialmente censurável, o dolo directo do Recorrido e as exigências de prevenção geral” e que “invoca-se ainda, contra o Recorrido, e em sede de prevenção especial, a absoluta ausência de capacidade de censura por parte deste em audiência de julgamento e a condenação anterior por ele sofrida”, atente-se ao vertido na douta sentença: “Volvendo ao caso concreto, conforme referido, a aplicação da pena de prisão no crime de violência doméstica, tem como limite mínimo 2 anos e limite máximo 5 anos (152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal).
Relativamente aos níveis de prevenção geral, estes são elevados, pois estamos perante um crime que tem como bens jurídico-penais protegidos não só a integridade física e psíquica, como também a liberdade pessoal, a liberdade, a autodeterminação sexual e a própria honra, ou seja, todos os bens jurídico-penais essenciais para a realização de qualquer ser humano como tal. Acresce que é um tipo de crime que ocorre na maioria das vezes em casa da vítima, o local onde esta se deveria sentir mais segura e protegida. Com efeito, é ainda de considerar as necessidades de prevenção especial. Quanto aos fatores relativos à conduta anterior e posterior ao facto, temos que o arguido tem uma condenação criminal, pela prática de dois crimes de ameaça agravada. Quanto ao mais, não há notícia de outros processos, ou situações idênticas ocorridas após os factos aqui em causa. No que respeita à culpa, esta é elevada e o arguido atuou com dolo, na sua modalidade mais intensa, o dolo direto. Em relação aos factos relativos à execução do facto, é de mencionar que a ilicitude é elevada, atendendo às expressões e atos praticados contra a vítima, nomeadamente deixando-a a dormir fora de causa, desprotegida, demonstrando insensibilidade, indiferença e ausência de crítica para os seus atos, e, ainda, as lesões da mesma, num ambiente (a sua casa)/ lugar onde esta se devia sentir mais protegida e pela qual o arguido devia demonstrar ainda mais respeito. No que concerne aos factos inerentes à personalidade do agente, verifica-se que o arguido está inserido ao nível profissional, sendo agricultor, e reside sozinho”.
12. Com efeito, o Tribunal a quo ponderou a medida da pena tendo em conta as necessidades de prevenção geral, prevenção especial, culpa, personalidade do agente e conduta anterior e posterior ao facto.
13. Ora, cumpriu ao Tribunal recorrido ponderar da pena de substituição. E, nesse sentido, cumpre referir, conforme resulta da sentença recorrida, que “O sistema penal português consagra a regra da substituição das penas de prisão, em alguns casos, salvo se a execução da prisão se mostrar necessária face às exigências de prevenção especial de socialização. Neste sentido, cabe ao julgador optar pela pena de substituição que julgue mais adequada à realização, no caso, das finalidades preventivas da punição ou que mais se aproxime dessa realização, tendo em vista os critérios legalmente estabelecidos para cada pena.”.
14. Ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser decretada caso a pena de prisão aplicada não seja superior a cinco anos e a personalidade do agente, as condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias do ilícito permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e as necessidades de prevenção geral e especial do caso. A suspensão da execução da pena de prisão pode ser acompanhada da imposição de deveres e de regras condutas ou da imposição de um regime de prova – e no que concerte ao crime de violência doméstica, assim o impõe o artigo 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16/09.
15. Atente-se ao vertido na sentença: “quanto às suas condições de vida, o arguido encontra-se relativamente integrado, desempenhando trabalhos nas jeiras.
Quanto à conduta anterior e posterior ao crime, conforme ventilado tem uma condenação por dois crimes de ameaça agravada. Desta feita, e ante o quadro factual descrito, leva o Tribunal a concluir que a mera censura do facto e a mera ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No que concerne à prevenção geral, embora elevada, as mesmas ainda são compatíveis com a substituição da pena aplicada. Assim, não se afigura necessária a execução da pena de prisão, bastando-se a suspensão como suficiente advertência para que, de futuro, não pratique tais crimes, satisfazendo a ameaça da efetivação da pena de prisão as próprias finalidades da punição.
Deste modo, o Tribunal entende que as necessidades de prevenção geral e especial ficam devidamente asseguradas com a suspensão da pena por três anos”. Assim, tudo ponderado, decidiu o Tribunal a quo suspender a execução da pena de prisão aplicada por três anos, ao abrigo do artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal.
16. Ademais, “Dada a gravidade dos factos e a relação familiar existente entre arguido e vítima, aos atos praticados pelo arguido (…)”, entendeu o Tribunal a quo ser essencial sujeitar a suspensão a regime de prova, nos termos do artigo 53.º do Código Penal e 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º112/2009, designadamente frequentar um programa para agressores de violência doméstica, trabalhando no sentido de reconhecer o desvalor da conduta e adquirir mecanismos adequados de relacionamento com a família que garantam o não cometimento de novos crimes de idêntica natureza e proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, pelo período de 3 anos.
17. Verifica-se que, também quanto à ponderação da substituição da pena e à escolha do concreto regime de prova, o Tribunal a quo ponderou a personalidade do agente, as condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias do ilícito, concluindo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e as necessidades de prevenção geral e especial do caso.
18. Todo este percurso foi percorrido pelo Tribunal e consta da douta sentença, com a qual o Ministério Público concorda.
19. Todavia, parece-nos que a recorrente não compreende como o Tribunal a quo não valorou o silêncio do arguido como falta de arrependimento e, nessa sequência, optou por suspender a pena de prisão aplicada. Entende a recorrente que, em face dos antecedentes criminais do arguido e da sua não manifestação de arrependimento, o Tribunal a quo não deveria ter determinado a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido e que, ao fazê-lo, violou o artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.
20. Crê o Ministério Público que não colhe a argumentação da recorrente. Vejamos que, em julgamento, o arguido é informado do direito de não ser obrigado a prestar declarações, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo, nos termos do artigo 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. A nossa lei processual penal consagra de forma expressa e ampla o direito do arguido a não prestar declarações, consagrando ainda a proibição de se extrair dessa opção processual alguma consequência contrária aos interesses do arguido. Os artigos 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do Código de Processo Penal proíbem que o arguido possa ser desfavorecido em consequência de em julgamento não prestar declarações ou, prestando-as, se recusar a responder a alguma ou todas as perguntas. Esta proibição impede que o juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos desfavoráveis ou simplesmente o valore como circunstância agravante da pena.
21. Quanto à possibilidade de valorar o silêncio como índice de falta de arrependimento, “O que os tribunais têm afirmado é que a agravação da pena, nesses casos, não ocorre por valoração desfavorável do silêncio — o que seria inadmissível —, mas sim como consequência objectiva e inevitável de o arguido não revelar ao tribunal circunstâncias que poderiam ter efeito atenuante da pena e que só ele conhece. Sendo a confissão do crime, em regra, uma circunstância atenuante da necessidade da pena, por revelar sentido crítico em relação ao desvalor do acto, a ausência dessa confissão acabará por ter um efeito reflexo negativo para o interesse do arguido” (cfr. ob. cit.).
22. In casu, conforme se extrai do teor da sentença recorrida, o silêncio do arguido não foi, em momento algum, valorado no sentido de atribuir àquele qualquer significado probatório. E bem andou o Tribunal a quo também em não extrair do silêncio do arguido a sua falta de arrependimento pelo cometimento dos factos, sendo certo que, em face do seu silêncio, evidentemente o Tribunal recorrido também não extraiu qualquer circunstância atenuante que eventualmente poderiater resultado das suas declarações, caso fossem prestadas.
23. Por tudo isto, atendendo que o Tribunal a quo ponderou a personalidade do agente, as condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias do ilícito, e, nessa sequência, concluiu que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e as necessidades de prevenção geral e especial do caso, determinando a suspensão da pena de prisão, sujeita ao referido regime de prova, em nada merece censura a sentença recorrida.
24. O Ministério Público concorda com a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo, sendo por demais evidente que a douta sentença não merece qualquer censura, considerando que a condenação é proporcional, adequada e justa.
25. A recorrente, ao verter “Deixar passar em claro, este tipo de comportamento, seria premiar o Recorrido e permitir-lhe continuar a pensar (como sempre pensou), com uma perversa convicção de inexistência de lei, de tribunais e de justiça”, parece equiparar a condenação em apreço a uma absolvição. O recorrido foi condenado. Só não foi condenado como a recorrente pretende, nomeadamente “no cumprimento efetivo da pena de prisão dois (2) anos e seis (6) meses em que foi condenado”.
26. Pese embora a recorrente invoque que o Tribunal a quo não ponderou as “cruéis circunstâncias do caso”, a gravidade dos factos e as suas consequências, certo é que o Tribunal recorrido na determinação da pena atentou aos níveis elevados de prevenção geral, às necessidades de prevenção especial, referindo, no que concerne à conduta anterior e posterior ao facto, que o arguido tem uma condenação criminal, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, inexistindo notícia de outros processos, ou situações idênticas ocorridas após os factos em causa nos presentes autos, atentou à personalidade do arguido, nomeadamente que está inserido ao nível profissional, sendo agricultor, e que reside sozinho, considerando a culpa elevada, tendo em conta que o arguido atuou com dolo, na sua modalidade mais intensa, o dolo direto, realçando a ilicitude elevada, atendendo às expressões e atos praticados contra a vítima, nomeadamente deixando-a a dormir fora de casa, desprotegida, demonstrando insensibilidade, indiferença e ausência de crítica para os seus atos, e, ainda, as lesões da mesma, num ambiente (a sua casa)/ lugar onde esta se devia sentir mais protegida e pela qual o arguido devia demonstrar ainda mais respeito.
27. Mais, a recorrente entende que o Tribunal a quo deveria ter valorado, na determinação da pena, “a absoluta ausência de capacidade de censura por parte deste em audiência de julgamento e a condenação anterior por ele sofrida”. Todavia, o Tribunal recorrido, na sua ponderação, teve em consideração a condenação criminal anterior do arguido, pela prática de dois crimes de ameaça agravada. Por seu turno, oTribunal a quo não atendeu à “absoluta ausência de capacidade de censura por parte [do arguido] em audiência de julgamento”.
Contudo, não o fez por o arguido não ter demonstrado essa incapacidade de censura, pois que o Tribunal recorrido não pode extrair do silêncio do arguido a falta de arrependimento pelo cometimento dos factos, conforme pretende a recorrente fazer crer, não se podendo extrair do silêncio qualquer circunstância agravante.
28. Por fim, quanto à suspensão da execução da pena de prisão, em consonância com a sentença recorrida, na ponderação da substituição da pena e na escolha do concreto regime de prova, atenta a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias do ilícito, entende o Ministério Público que, in caso, não se afigura necessária a execução da pena de prisão, bastando-se a suspensão como suficiente advertência para que, de futuro, o arguido não pratique tais crimes, satisfazendo a ameaça da efetivação da pena de prisão as próprias finalidades da punição, ficando as necessidades de prevenção geral e especial devidamente asseguradas com a suspensão da pena, por 3 anos, mediante a sujeição ao referido regime de prova.
29. Nesta conformidade, considera o Ministério Público que nenhuma norma foi violada com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, designadamente a douta sentença não violou o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, não merecendo qualquer censura, pelo que deverá manter-se a condenação nos seus exatos termos.
30. Pelas razões ora aduzidas, entendemos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não deverá merecer quaisquer reparos, devendo ser mantida nos seus precisos termos.
31. Nestes termos, e face ao exposto, entendemos não dever ser dado provimento ao recurso da Assistente, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida. Contudo, V.ªs Ex.ªs, farão como sempre JUSTIÇA!
4. O arguido respondeu ao recurso interposto pela assistente, tendo concluído nos seguintes termos (conclusões):
I. Em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público acusou AA, imputando-lhe a prática em autoria material e na forma consumada um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a), 2, al. a), do Código Penal.
II. Após a realização da Audiência de Discussão e Julgamento o Tribunal a quo decidiu julgar parcialmente provada e procedente a acusação pública e, em consequência:
III. “Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, na pessoa de DD; Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova, que deverá contemplar, entre o mais, a frequência de um programa para agressores de violência doméstica e a proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, incluindo na sua residência e eventual local de trabalho, sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP; Não condenar o arguido nas penas acessórias, de acordo com 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal; Julgar procedente o pedido de reembolso da Unidade Local de Saúde ..., condenando o arguido no pagamento do valor de 57,84€ (cinquenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescido de juros à taxa de 4%, contados desde a notificação do pedido de reembolso até efetivo e integral pagamento; Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante DD e, por conseguinte, condenar o demandado AA a pagar o valor de 2500,00€ a título de indemnização, por danos não patrimoniais, acrescido de juros contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.”
IV. Por sua vez, a Recorrente põe em crise o acórdão condenatório proferido, designadamente no que concerne à execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado, alegando, em resumo, que o arguido não mostrou arrependimento no decurso da audiência de discussão de julgamento porque se remeteu ao silêncio; a tipologia do crime cometido e o facto de a suspensão da pena não acautelar as exigências de prevenção geral e especial.
V. Conforme suprarreferido, o Recorrido foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.
VI. Fundamentou o Tribunal a quo, no que se refere à suspensão da execução da pena que, “quanto às suas condições de vida, o arguido encontra-se relativamente integrado, desempenhando trabalhos nas jeiras. Quanto à conduta anterior e posterior ao crime, conforme ventilado tem uma condenação por dois crimes de ameaça agravada. Desta feita, e ante o quadro factual descrito, leva o Tribunal a concluir que a mera censura do facto e a mera ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
VII. “No que concerne à prevenção geral, embora elevada, as mesmas ainda são compatíveis com a substituição da pena aplicada. Assim, não se afigura necessária a execução da pena de prisão, bastando-se a suspensão como suficiente advertência para que, de futuro, não pratique tais crimes, satisfazendo a ameaça da efetivação da pena de prisão as próprias finalidades da punição.”
VIII. “Deste modo, o Tribunal entende que as necessidades de prevenção geral e especial ficam devidamente asseguradas com a suspensão da pena por três anos. Assim, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada por 3 (três) anos, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal. Como já foi referido, a lei penal prevê ainda a possibilidade de a suspensão da execução da pena de prisão ser subordinada ao cumprimento de determinados deveres ou observância de determinadas condutas, bem como a sujeição do arguido a um regime de prova (cfr. artigo 50.º n.º 2 do Código Penal). “
IX. “Dada a gravidade dos factos e a relação familiar existente entre arguido e vítima, aos atos praticados pelo arguido, entende este Tribunal ser essencial sujeitar a presente suspensão a regime de prova, nos termos do artigo 53.º do Código Penal e 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009. No âmbito do plano elaborado pela DGRSP deverá o arguido frequentar um programa para agressores de violência doméstica, trabalhando no sentido de reconhecer o desvalor da conduta e adquirir mecanismos adequados de relacionamento com a família que garantam o não cometimento de novos crimes de idêntica natureza.”
X. “Além disso, tendo em consideração as situações em causa, e o período durante os quais se perpetraram, antevendo-se, pois constrangimentos, nomeadamente relativas ao facto de ainda se encontrarem casados, entende este Tribunal que cumpre impor medidas de proteção à vítima, em concreto, a proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio.”
XI. Em síntese, pode afirmar-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2a Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
XII. Prevenção e culpa são, pois, os fatores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (arts. 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.o 1 do CP).
XIII. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-2006, disponível em www.dgsi.pt:
XIV. “I - Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem se perder de vista a culpa do agente.”
XV. “II - Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (Anabela Miranda Rodrigues, “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570).”
XVI. “III - É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena, que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade.
XVII. “Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade da prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica (mesma obra, pág.seguinte).”
XVIII. “IV - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.”
XIX. “V - Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...” (ainda a mesma obra, pág. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (pág. 558).”
XX. “VI - O art. 50.o do CP consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, no sentido em que ele terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades de punição, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.”
XXI. “VII - Na suspensão da execução da pena é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.”
XXII. “VIII - Na suspensão da execução da pena o tribunal deve correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.”
XXIII. Reforçando, a determinação da pena tem de ser em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção geral e especial.
XXIV. Nesta conformidade, a pena aplicada valorou todas as circunstâncias que depunham a favor do arguido, designadamente, a circunstância de o arguido ser primário neste tipo de crime, estar bem inserido socialmente e trabalhar com regularidade, nomeadamente fazendo jeiras para terceiros.
XXV. Mas o Tribunal a quo não deixou de valorar todas as circunstâncias que depunham contra o arguido – e é nessa conformidade que aplica ao arguido a suspensão da pena de prisão por 3 anos.
XXVI. Porque a pena de prisão se tem demonstrado nociva e contraproducente na perspetiva da reinserção social, propugnam-se penas alternativas à pena de prisão, que, pelo contrário, facilitem e estimulem a reinserção social (ou, pelo menos, evitem a “desinserção” social associada à pena de prisão).
XXVII. Este princípio está presente no artigo 70.º do Código Penal, que estabelece, como critério de escolha da pena, a preferência por pena não privativa da liberdade sempre que esta «realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
XXVIII. Ora, o recorrente não tem antecedentes criminais que versem sobre o crime de violência doméstica, pelo que ainda será de atender às exigências de prevenção especial positiva. O grau de ilicitude da sua conduta e o seu grau de culpa serão sempre menores quando comparados com indivíduos detentores de vastos registos criminais por crimes da mesma natureza.
XXIX. Efetivamente, os factos praticados pelo Recorrido que deram origem à única condenação de que foi alvo antes do presente processo ocorreram já em 2021, portanto, há 4 anos, não havendo qualquer registo da prática de qualquer outro crime neste interregno temporal.
XXX. A prevalência há de ser dada a esse juízo de culpa, porque, como é amplamente conhecido, em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
XXXI. O próprio princípio da dignidade da pessoa humana, e o princípio da culpa impedem que o agente sirva de instrumento, numa lógica de bode expiatório, para intimidar e combater a criminalidade através de penas exemplares e desproporcionais em relação à sua culpa em concreto, como se ele tivesse de “pagar” não só pelo que fez, mas também pelo que muitos outros impunemente fizeram e fazem.
XXXII. Aliás, é de resto essa a base da argumentação da Recorrente.
XXXIII. O juízo de prognose realizado pelo Tribunal do julgamento parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
XXXIV. Tendo em vista a ressocialização do arguido, a sua reeducação, a sua reintegração na sociedade, a suspensão da execução da pena poderá ficar condicionada ao regime de prova, como ficou, a que alude o artigo 53.º do CP, de acordo com um Plano Individual de Readaptação Social a elaborar pela DGRSP e a aprovar pelo Tribunal.
XXXV. Não restam dúvidas ao Recorrido de que o juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão levado a cabo pelo Tribunal a quo foi assente não só na personalidade e inserção do arguido na sociedade, mas também nos factos provados e não provados.
XXXVI. Acresce que a atual situação pessoal e social do arguido denota alguma estabilização e distanciamento das condutas delituosas típicas aqui julgadas, sugerindo até que o arguido, mediante o teor do relatório da DGRSP, foi sempre o baluarte de uma família, uma vez que é o único que possui rendimentos para sustentar a casa de morada de família e as despesas inerentes.
XXXVII. Salvo melhor opinião, os índices de inserção profissional e social permitem inferir menor propensão para a reincidência criminosa, diminuindo as razões de prevenção especial negativa. Assim sendo, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição sendo, por isso, viável conseguir a sua ressocialização em liberdade.
XXXVIII. Dispõe o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
XXXIX. De facto, “I - A suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes.”
XL. “II – Na ponderação da personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, o tribunal terá que ter em mente que a suspensão da execução da pena de prisão apenas poderá ser aplicada se sustentar e viabilizar os desígnios de prevenção especial - apoiando e promovendo a reinserção social do condenado - e geral - na perspetiva em que a comunidade não encare a suspensão, como um sinal de impunidade.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-03- 2015.
XLI. Pelo que, neste sentido, e quanto à decisão de suspensão, escreve Anabela Rodrigues, “a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da determinação da medida concreta da pena de prisão – não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção (Anabela Rodrigues, Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português, 1988, pp. 24 e segs.).” – Cfr. http://www.carloscanaes.pt/2017/04/17/a-valoracao-dos-antecedentes- criminais-na- determinacao-da-medida-da-pena/.
XLII. Ainda que se considere que a simples suspensão da execução da pena de prisão não é suficiente, sempre aquela poderá ser subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta e, bem assim, sujeita a regime de prova assente num plano individual de readaptação social – que foi exatamente o que o Tribunal a quo entendeu, e bem, aplicar: a frequência de um programa para agressores de violência doméstica e a proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, incluindo na sua residência e eventual local de trabalho, sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP.
XLIII. Não optando por uma pena de suspensão da execução da pena de prisão, o Tribunal a quo desvirtuaria, por completo, a ideia de ressocialização, indo em sentido contrário ao previsto no artigo 50.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, cujas normas devem ser interpretadas no sentido de a pena de prisão efetiva ser sempre a última pena a aplicar e apenas quando já não é, em absoluto, possível evitar a prática de novos crimes, o que não acontece no caso dos autos, em que ainda é possível fazer um juízo de prognose em favor do Recorrido, através do facto de ser primário na prática deste tipo de crime, de a última condenação se reportar a factos ocorridos em 2021, de estar inserido social e laboralmente e, sobretudo, tendo em conta o facto de que a Recorrente já não reside com o Recorrido há meses (cfr. relatório da DGRSP junto aos autos).
XLIV. Há, ainda, outra situação que não pode ser obviada: é que segundo este mesmo relatório da DGRSP, pese embora a Recorrente já não resida com o Recorrido, certo é que só lá não pernoita, permanecendo na casa de morada de família durante o dia e, pasme-se, fazendo refeições com o Recorrido.
XLV. Nessa sequência, pode questionar-se: onde é que afinal reside o medo e a angústia da Recorrente perante o Recorrido se, após os acontecimentos que relata, continua a conviver com frequência com o mesmo?
XLVI. No que ao silêncio do arguido durante a audiência de discussão e julgamento diz respeito, diga-se, desde logo, que, de acordo com Dá Mesquita, in A Prova do Crime e o Que se Disse Antes do Julgamento, 2011, p. 555, o direito ao silêncio é a “primeira e imediata expressão da liberdade”.
XLVII. O aproveitamento de provas obtidas através do arguido pressupõe ainda que tal não contenda com o princípio nemo tenetur se ipsum accusare. Embora a CRP não contenha uma consagração expressa do direito à não autoincriminação, também aqui se entende que o nemo tenetur configura um princípio constitucional implícito ou não escrito.
XLVIII. A sua origem radica na alteração do modelo processual penal, do inquisitório para o acusatório, da mutação da posição do arguido de objeto de prova para sujeito do processo, (Augusto Silva Dias, Vânia Costa Ramos, O Direito à não inculpação no processo penal e contra-ordenacional português, 2009).
XLIX. O nemo tenetur reconhece a todo o imputado da prática de um crime o direito ao silêncio e a não produzir prova em seu desfavor. O direito ao silêncio configura “o núcleo do nemo tenetur” e “os seus titulares são o arguido e o suspeito” (Augusto Silva Dias, Vânia Costa Ramos, loc. cit., p. 20).
L. Em análise à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, João Gomes de Sousa lembra que “o T.E.D.H., reconhecendo que a obtenção de prova em violação do direito ao silêncio do arguido e do direito de não contribuir para a sua própria incriminação são standards normativos internacionais reconhecidos e que estão no cerne da noção de processo equitativo tal como garantido pelo artigo 6º da Convenção, centrou a razão de ser de tais princípios, entre outros, na proteção do acusado contra um constrangimento abusivo por parte das autoridades a fim de evitar erros judiciários. Em particular, o direito de não contribuir para a sua própria incriminação assenta na ideia de que a acusação deve fundar a sua argumentação sem recorrer a métodos de coerção ou opressão contra a vontade do acusado” – Saunders c. UK de 17-12-1996 (§ 68) e Heaney and McGuinness c. UK de 21- 12-2000.
LI. Como concretiza o Tribunal Constitucional com referência à ligação entre estes dois direitos, o direito ao silêncio “traduz-se na faculdade reconhecida ao arguido de não se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados, diferentemente do que sucedia nos processos regidos pelo princípio do inquisitório em que as declarações obrigatórias do arguido, maxime a confissão forçada, tendem a convertê-lo em instrumento da sua própria condenação”, enquanto que o direito à não autoincriminação “impede a transformação do arguido em meio de prova por via de uma colaboração involuntária obtida com recurso a meios coercivos ou enganosos”. (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 298/2019, de 15 de maio).
LII. Por sua vez, o próprio direito ao silêncio é assegurado por outros direitos fundamentais, com sucede com a liberdade de prestar declarações sem estar obrigado a dizer a verdade e de se sujeitar a sanções ou proibições de valoração probatória de silêncio, (ou, noutras palavras, é assegurado pela liberdade para mentir).
LIII. No Código Processual Penal vigente no nosso ordenamento jurídico vem o direito ao silêncio desde logo previsto na al. d) do art. 61.º do C.P.P., sendo um direito do arguido “Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”, e concretizado no n.º 1 do art. 343.º do C.P.P., sendo que, no âmbito das declarações do arguido, “O presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objeto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo”.
LIV. Na realidade, a Recorrente pretende apenas que o silêncio, direito amplamente reconhecido ao arguido, seja valorado desfavoravelmente pelo Tribunal ad quem. A Recorrente afirma que pelo facto de o Recorrido se ter remetido ao silêncio, e de não ter verbalizado arrependimento durante a audiência de discussão e julgamento, tem correlação direta à sua culpa e, em consequência, fazem disparar as exigências de prevenção especial e geral a ter em conta na escolha da pena.
LV. Este argumento, porém, contraria, como demonstrado, o princípio consagrado nos mais reconhecidos e relevantes diplomas legais no nosso país e no resto da Europa – o de que o silêncio não pode desfavorecer o arguido.
LVI. Não havendo verbalização de arrependimento por parte deste, porque entendeu lançar mão de um princípio constitucionalmente reconhecido, o Tribunal a quo não pode valorar a sua falta.
LVII. Isto é, se o arguido, no decorrer da audiência, tivesse usado da palavra para referir que estava arrependido dos factos que lhe foram imputados, tal configuraria uma circunstância atenuativa no momento da determinação da medida da pena e da sua eventual substituição.
LVIII. Mas o contrário não é verdade: se o arguido não verbalizou arrependimento, embora tal não sirva como atenuação, também não pode servir como penalização, porque o arrependimento, enquanto omissão, não é valorável pela negativa.
Pelo exposto, Venerandos/as Juízes/as Desembargadores/as, deve o presente recurso, ser julgado improcedente e, em consequência manter-se inalterada a sentença recorrida, fazendo V. Exas. COSTUMADA JUSTIÇA!
5. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual defende que o recurso deverá ser julgado improcedente, tendo expressado a sua concordância com a sentença proferida e com a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na primeira instância. 6. Cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta. 7. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1- Objeto do recurso
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, a única questão a decidir consiste em saber se a pena de dois anos e seis meses de prisão em que o arguido foi condenado, em lugar de ter sido declarada suspensa na sua execução, com regime de prova nos termos definidos na sentença recorrida, deverá ser antes efetivamente cumprida.
2- A decisão recorrida 1. Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva fundamentação de matéria de facto e de direito:
1.1. Factos provados
Resultam provados com relevância para a boa decisão da causa os seguintes factos:
Da acusação pública: 1) No dia ../../1984, o arguido e a assistente DD casaram; 2) O casal residia na Rua ..., sita em Alfândega ..., embora, atualmente, a assistente resida na casa da irmã; 3) Deste casamento não resultaram filhos; 4) As discussões entre o casal eram frequentes, já tendo existido outros processos por factos da mesma natureza; 5) Em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido disse à assistente que “parti-te os braços e não estou arrepeso”; 6) Em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido acusava a assistente de se envolver sexualmente com o marido da irmã, EE, e com outros homens; 7) No dia 23/06/2023, a hora não concretamente apurada, o arguido dirigiu-se para a assistente que se encontrava no corredor da habitação e empurrou-a com força, causando o embate da assistente com o membro superior direito num móvel que ali existe e, de seguida, a assistente caiu desamparada no chão; 8) Como se tratava do braço a que havia sido operada, sentiu fortes dores e começou a chorar e a pedir auxílio, ao que a sua irmã, que estava na sala da casa, acudiu de imediato; 9) Com o comportamento supra descrito, o arguido causou dores e ainda uma equimose na face lateral do terço proximal e médio do braço esquerdo, com uma área de 6x4cm e mais distalmente 2x2cm; 10) O que determinou direta e necessariamente 15 dias de doença, com afetação parcial da capacidade para o trabalho geral por 15 dias; 11) Em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre 2023 e 2024, o arguido dirigiu expressões à assistente como: “puta, galdéria, ramboia e fodilhona”; 12) Durante o inverno de 2023/2024, o arguido manteve o gás fechado, impedindo a assistente de aceder à água quente, obrigando-a a ir tomar banho a casa da sua irmã; 13) Em tais ocasiões, o arguido desligava, de igual modo, a eletricidade; 14) Em inúmeras ocasiões, situadas no inverno de 2023/2024, o arguido colocou a assistente na rua durante a noite, obrigando-a a pernoitar na rua, ao frio e com roupa de dormir; 15) Em data não concretamente apurada, mas durante o inverno de 2023/2024, o arguido desferiu pontapés na perna direita da assistente, onde tem varizes, bem sabendo que podia rebentar-lhe com alguma; 16) Em data não concretamente apurada, mas situada nos períodos descritos supra, o arguido dirigiu-se à assistente nos seguintes termos: “estás toda podre e toda aleijada”; 17) Numa ocasião, em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido e a assistente foram passear a ..., e na viagem, além dos dois, ia a irmã da assistente, quando o arguido se dirigiu à assistente nos seguintes termos “és a maior puta do distrito ...”, e ainda lhe disse que “havia de te abrir a porta e botar-te do carro para baixo, e dizer que tu te mataste” , e só não o fazia porque a sua irmã ia no carro; 18) Numa sexta-feira, dia 07/06/2024, quando a assistente e irmã foram a ... falar com o advogado, o arguido disse-lhe que andava a dar a rata aos advogados e ao juiz em ...; 19) O arguido sabia que DD era sua mulher, ao agir da forma descrita, atuou sempre com o propósito, concretizado e reiterado, de a ofender e maltratar física e psiquicamente de modo a atingir o seu bem-estar físico e psíquico e a sua tranquilidade, honra, e dignidade pessoal, submetendo-a a uma tratamento degradante enquanto pessoa e sua mulher, com total desrespeito pela sua personalidade e autoestima; 20) Com a conduta supra descrita, contra a pessoa de DD, sua mulher, quis o arguido molestá-la física e psicologicamente e causar-lhe perturbação psicológica, humilhação quer em privado, quer em público e atemorizá-la, o que representou, quis e conseguiu; 21) O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente; 22) O arguido bem sabia que todos os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal, não se abstendo, porém, de os praticar;
Dos pedidos de indemnização civil: 23) No dia 23/06/2023, em virtude do comportamento do arguido, a assistente foi assistida no Serviço de Urgência Básica de ..., o que importou tratamentos no valor de 57,84€ (cinquenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos); 24) A assistente sentiu-se com medo, atormentada e angustiada que o arguido repetisse os atos praticados; 25) Na sequência dos episódios, a assistente tinha dificuldades para dormir;
Condições socioeconómicas do arguido: 26) O arguido reside na casa morada de família, que constitui uma habitação social, cedida pela Câmara Municipal ..., de tipologia T2, com condições de conforto; 27) O arguido trabalha na construção civil e em jeiras, auferindo cerca de 40€/45€ por cada dia de trabalho, fazendo face às despesas com algum esforço; 28) O arguido despende por mês cerca de 150,00€ (cento e cinquenta) com a renda da habitação, água, luz e gás; 29) O arguido é conotado como sendo uma pessoa trabalhadora, sociável e cooperante com os restantes trabalhadores; 30) Tem como habilitações literárias, o 4.º ano de escolaridade;
Condenações do arguido: 31) No âmbito do Processo Comum n.º 97/21.0GAMCD, do Juízo de Competência Genérica de Mogadouro, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, o arguido foi, em 14/06/2022, condenado na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€, no total de 400,00€, pela prática, a 19/05/2021, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), transitada em julgado a 14/07/2022, extinta a 17/05/2023;
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1.2. Factos não provados
Resultam não provados para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
A. Em 19/04/2023, o arguido entrou na casa de morada de família e, por motivos não concretamente apurados, encetou uma discussão com a assistente; B. Sem que nada o fizesse prever, o arguido dirigiu-se à assistente nos seguintes termos “filha da puta, filha de um corno, espeto-te uma navalha”; C. Com receio do que lhe pudesse fazer, a assistente fechou-se no quarto onde dorme e começou a ouvir o arguido a fechar as portas da casa com força e a atirar com objetos ao chão, ao mesmo tempo que repetia “era capaz de agarrar numa navalha e espetar-ta”; D. No dia 23/06/2023, pelas 13h00m, foram à casa morada de família do casal dois funcionários da Câmara Municipal ... para reparar a canalização; E. Foi após a saída dos funcionários da habitação que o episódio descrito em 7) ocorreu; F. O arguido começou a dirigir-se à assistente e à irmã desta nos seguintes termos: “chamai a GNR suas putas”; G. Comportamento que o arguido repetiu no dia seguinte, pelas 06h00m, após a vítima lhe ter pedido que ligasse o gás, uma vez que queria tomar banho, o que o arguido recusou ao mesmo tempo que afirmava que a vítima havia de andar toda suja para ir ter com os amantes e ainda acrescentou “um dia pego numa seringa e ponho-te veneno na comida para te matar”; H. Ademais, afirmou o arguido que a havia de enterrar; I. Na ocasião em que foram passear a ..., o arguido chamou à assistente “galdéria, fodona, puta podre e ramboia”; J. A autoestima da assistente ficou destruída;
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O Tribunal não se pronunciou sobre a restante matéria constante da douta acusação pública e pedido de indemnização civil por se tratar de matéria eminentemente conclusiva, repetida, irrelevante ou de cariz normativo.
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1.3. Motivação da matéria de facto
Cotejando todos os elementos indicados como provados, cumpre referir que nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nas declarações prestadas pela assistente, na prova testemunhal e documental junta aos autos.
O arguido não prestou declarações, o que não o prejudicando, também não o beneficia, na medida em que o Tribunal tem de se alicerçar noutros meios de prova, para formular a sua convicção.
Desta feita, para sustentar a factualidade dada como provada, o Tribunal considerou as declarações prestadas pela assistente DD, a qual, embora de modo pouco pormenorizado, atento o tempo decorrido, mas circunstanciando-os nos últimos três anos, ou seja, entre 2022 e 2024, aludiu aos episódios constantes na acusação e descritos na factualidade dada como provada, descrevendo-os, nos quais o arguido reagiu da forma descrita, nomeadamente com as expressões e atos que se deram como provados, e o que sentiu. Explanou, de igual modo, a conduta assumida pelo arguido, no que tange ao gás, luz e a tê-la colocado fora de casa, situando tais comportamentos no inverno de 2023/2024. Mais se pronunciou quanto ao modo como os factos descritos abalaram e alteraram o seu dia-a-dia, tendo saído de casa, e sentindo-se com receio do arguido.
Considerando alguns problemas de memória da assistente que afirmava não se recordar, o Tribunal validamente procedeu à leitura das declarações prestadas pela mesma perante Magistrado, nomeadamente no que se refere ao episódio da ida ao advogado, e bem assim à data do mesmo – artigo 356.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal.
Valorou-se, de igual modo, o depoimento da testemunha EE, irmã da assistente, que acompanhou os episódios constantes no libelo acusatório, confirmando, nomeadamente as situações do episódio ocorrido a 23/06/2023 (cuja data se sustentou no auto de notícia, e, ainda, no documento hospitalar que dá conta da assistência realizada à assistente), e o episódio da ida a ..., embora tenha manifestado alguma confusão, não estando suficientemente segura se o mesmo não terá antes ocorrido quando se deslocaram a .... De todo o modo, a divergência não abala a convicção do Tribunal quanto à sua ocorrência, até porque se afigura consonante com as regras da experiência comum que o destinatário apreenda melhor as expressões e contornos dos atos a si dirigidos, retendo melhor o seu conteúdo.
De igual modo, e suportando os depoimentos prestados, o Tribunal teve em consideração o relatório de exame pericial ao dano corporal, inerente às lesões da assistente, de fls. 250 a 251, 300 a 302, os elementos clínicos de fls. 260 a 261, os assentos de nascimento de fls. 20 e 25, e bem assim o auto de notícia de fls. 4 a 6, 149, 453, 4 a 6, do apenso A.
Para prova dos factos atinentes aos elementos subjetivos do ilícito em causa, temos que tal pertence, por natureza, ao mundo interior do agente, sendo que, neste caso, é inferido através da consideração do circunstancialismo objetivo com idoneidade suficiente para revelá-lo. Assim, o teor dos factos objetivos está de acordo com as regras da experiência, que o arguido atuou de forma intencional, conhecendo o carácter ilícito da sua conduta, sabendo que tal ato é proibido por lei e que causa lesões à ofendida, ficando física e psicologicamente afetada.
Relativamente aos factos do pedido de indemnização civil, estes ressumam das declarações da assistente nas quais relatou, genuinamente, o modo como se sentiu com os comportamentos do arguido, devidamente coligidos com o depoimento da testemunha EE, irmã da assistente, que observou de perto a maioria dos episódios. Considerou-se, de igual modo, a fatura do tratamento hospitalar prestado à assistente.
Quanto aos factos referentes à situação socioeconómica do arguido, o Tribunal, neste particular, valorou o relatório social, junto aos autos, do qual inexistem elementos para duvidar.
Considerou-se, de igual modo, o Certificado do Registo Criminal do arguido, junto ao processo eletrónico.
Por fim, os factos não provados emergem da contradição ou da ausência de prova em seu sentido, e bem assim do facto de não surgir suportado com mais nenhuma prova, restando assim dúvida razoável, no concernente aos mesmos, ou, ainda, pelo facto, de não terem sido espontaneamente relatados pela assistente e pela testemunha. Nessa sequência, e restando dúvida razoável quanto a terem efetivamente ocorrido e quando, o Tribunal resolveu a dúvida a favor do arguido, em cumprimento do princípio in dubio pro reu.
É esta a convicção do Tribunal.
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2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 2.1. Do enquadramento jurídico-penal 2.1.1. Do crime de violência doméstica
O arguido encontra-se acusado da prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código Penal.
No que toca ao bem jurídico, urge revisitar a doutrina e jurisprudência.
Efetivamente, segundo TAIPA DE CARVALHO, o ilícito em causa visa a proteção da pessoa individual e a sua dignidade humana, reconduzindo-se a proteção do bem jurídico à saúde – física, psíquica e mental (in Comentário Conimbricense, Tomo II, Coimbra editora, 1999, pág. 332).
A este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/04/2021 (processo n.º 668/19.4GAFLG.P1, disponível em www.dgsi.pt), sintetiza, chamando à colação um Acórdão, do mesmo Tribunal (de 12/10/2016), segundo o qual “característica indelével do crime de violência doméstica é o seu bem jurídico, que lhe confere não apenas autonomia mas legitimidade constitucional (artigo18.º) de interferência/ regulação/ limitação, nas relações humanas e sociais, num âmbito específico destas (relações familiares ou análogas). Assim, fundamental na apreciação de tal ilícito é que os factos em que se desdobra (ou o facto em que se traduz – pois que tanto pode ser um como vários – de modo reiterado ou não, infligir maus tratos – artigo 152.º, n.º 1, do CP) signifiquem a afetação da dignidade pessoal da vítima através do seu desrespeito como pessoa traduzida a mais das vezes no desejo de sujeição/dominação sobre a mesma e a sua manipulação. Dos termos legais do artigo 152.º, n.º 1, do CP resulta a nosso ver que o conceito de violência doméstica, podendo traduzir-se em atos reiterados ou não, deles têm de resultar «maus tratos físicos ou psíquicos», o resultado da atuação tem de traduzir uma gravidade que vá para além da simples ofensa em causa. Mau trato, traduz…, uma ofensa à dignidade humana (…), bem jurídico abrangente que (para além da saúde) está subjacente a toda a proteção legal (…), o que tem de ser entendido para além da integridade física ou da honra (…) cf. ac. RG de 10/07/2014: “essencial é que os comportamentos assumam uma gravidade tal que justifique a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar”, e se não necessita de uma reiteração (face à norma legal) não prescinde de uma gravidade que vá para além e ultrapasse a ofensa à integridade física ou à honra (sob pena de um o crime de violência doméstica se traduzir apenas num crime familiar) ou seja é necessário que justifique a sua autonomia, pondo em causa a relação existente entre agressor e ofendido” (…) Assim, à luz do bem jurídico protegido os factos devem apresentar-se perante a vítima como dotados de um especial desvalor (pondo em causa a dignidade da pessoa enquanto tal, nomeadamente pelo desejo de domínio da relação familiar existente) sob pena de não se verificar o ilícito de violência doméstica”.
No fundo, podemos afirmar que a incriminação dos atos que consubstanciam a violência doméstica, os denominados maus tratos, como de seguida se desenvolverá, tem como objetivo proteger a dignidade da pessoa humana, princípio constitucionalmente previsto e basilar de qualquer sociedade de direito democrática (cfr. artigo 1.º da CRP).
O elemento objetivo do tipo de ilícito é preenchido por condutas que consubstanciem maus tratos físicos ou psíquicos, nos quais se incluem a violência física, psicológica, verbal e sexual, praticadas contra uma das pessoas referidas nas alíneas do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal, desde que tais condutas não sejam punidas com pena mais grave por força de disposição legal.
Assim, o tipo de ilícito de violência doméstica tem como pressupostos do seu elemento objetivo os seguintes:
1. Uma das relações previstas no n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal entre a vítima e o agente, i.e.,:
a. Casamento (contemporâneo ou anterior);
b. Relação de namoro ou união de facto;
c. A vítima ser progenitora de descendente comum em 1.º grau;
d. Coabitação com a vítima, sendo esta pessoa particularmente indefesa;
e. A menor que seja seu descendente ou uma das pessoas previstas nas alíneas b., c. e d., ainda que com ele não coabite;
2. Infligir maus tratos físicos ou psíquicos.
Quanto ao primeiro requisito, e como afirma MIGUEZ GARCIA, este é um “crime de relação (…). Relações que, além de não suporem, necessariamente, um vínculo afetivo estável, nalguns casos são longínquas (pretéritas) ou desprovidas de laços familiares. Relevará, mais exatamente, um certo grau de proximidade, ao lado de uma estreita comunidade de vida, realidades que instituem normas de conduta cuja violação fundamenta ou agrava a ilicitude do facto” (GARCIA, Miguez, O Direito Penal – Passo a Passo, Vol. I, Almedina, 2ª Ed., 2015, pág. 217).
Efetivamente, como nota também PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, este é um crime “cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima” (inComentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3ª Ed., 2015, pág. 591).
Apesar de ser necessária uma das relações acima citadas, o tipo de ilícito pretende punir a violência praticada contra pessoas pelas quais o agente deveria nutrir especial respeito e cuidado. Pretende-se, pois, proteger a integridade individual dessas mesmas pessoas (DIAS, Figueiredo, Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial. Tomo I: artigos 131.º a 201.º, 2ª edição, Coimbra, 2012, págs. 511 e 512).
No que concerne à alínea a), do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal, é necessário que se esteja perante pessoa com quem o agente seja casado ou ex-cônjuge.
Além disso, no crime em questão releva a “reiteração” do comportamento, caracterizadora de uma certa habitualidade e intensidade. No entanto, também se enquadra neste tipo legal de crime a prática de um ato único, apesar de não ser qualquer ação isolada que seja apta a ser qualificada como maus tratos, mas antes a repercussão que estes detenham na vida em comum (GARCIA, Miguez e CASTELA RIA, J.M, Código Penal Parte Geral e especial com notas e comentários, Almedina, 3ª Ed. Atualizada, 2018, pág. 702 a 704).
Todavia, face a comportamentos isolados, a jurisprudência tem exigido, conforme já referido, “uma gravidade notoriamente acrescida e com efeitos nefastos para a vítima, ao nível da sua dignidade como pessoa.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/02/2017, processo n.º 1816/14.6PFLRS.L1-5, disponível em www.dgsi.pt). Somente se existir essa gravidade se poderá falar de uma conduta que consubstancie um crime de violência doméstica.
Quanto ao segundo requisito, o tipo legal exige maus tratos físicos ou psíquicos, o que implica que se prove a existência de “atos que revelam crueldade, desprezo, vingança, especial desejo de humilhar e fazer sofrer a vítima” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/03/2013, processo n.º 78/12.4GDVCT.G1, disponível em www.dgsi.pt).
Como referido, os atos de violência poderão ser de carácter físico, psicológico, verbal e sexual. Com interesse para o caso concreto, veja-se os seguintes tipos de violência, descritos pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG): “Violência emocional e psicológica: consiste em desprezar, menosprezar, criticar, insultar ou humilhar a vítima, em privado ou em público, por palavras e/ou comportamentos; criticar negativamente todas as suas ações, características de personalidade ou atributos físicos; gritar para atemorizar a vítima; destruir objetos com valor afetivo para ela, rasgar fotografias, cartas e outros documentos pessoais importantes; persegui-la no trabalho, na rua, nos seus espaços de lazer; acusá-la de ter amantes, de ser infiel; ameaçar que vai maltratar ou maltratar efetivamente os filhos, outros familiares ou amigos da vítima; não a deixar descansar/dormir (...).”
“Intimidação: intrinsecamente associada à violência emocional-psicológica, consiste em manter a mulher vítima sempre com medo daquilo que o agressor possa fazer contra si e/ou contra os seus familiares e amigos, a animais de estimação ou bens. O ofensor pode recorrer a palavras, olhares e expressões faciais, agitação motora, mostrar ou mexer em objetos intimidatórios (...) Através destas estratégias, o agressor consegue manter a vítima sob domínio, na medida em que, num contexto de tensão e violência iminente, esta acaba por viver submergida pela ansiedade e pelo medo.”
“Violência física: consiste no uso da força física com o objetivo de ferir/causar dano físico ou orgânico, deixando ou não marcas evidentes - engloba atos como empurrar, puxar o cabelo, dar estaladas, murros, pontapés, apertar os braços com força, apertar o pescoço, bater com a cabeça da vítima na parede, armários ou outras superfícies, dar-lhe cabeçadas, dar murros ou pontapés na barriga, nas zonas genitais, empurrar pelas escadas abaixo, queimar, atropelar ou tentar atropelar, (...).” in “Violência Doméstica – implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno”, Manual Pluridisciplinar, Centro de Estudos Judiciários, abril 2016, págs. 31 a 33.
Os maus tratos físicos e psíquicos traduzem-se em atos que revelam uma especial perversidade e perigosidade por parte de quem os pratica. De um ponto de vista ético e social, uma conduta violenta por parte de um indivíduo contra pessoas por quem este deveria nutrir especial respeito, como já foi referido, devido à relação com estas (presente ou passado), ou existir uma especial vulnerabilidade da vítima, torna os seus atos mais gravosos e censuráveis.
Todavia, tal não implica que não se deva ir para além da constatação da relação entre a vítima e o agente. Simultaneamente, deverão ser analisadas todas as condutas concretas do agente e a as suas motivações. Não basta a qualidade de cônjuge ou ex-cônjuges, ou de descendente ou ascendente, ou de namorados, entre as partes, para, face a comportamentos integrativos de um crime de ofensa à integridade física, injúria, ameaça ou perseguição, se conclua pela prática de um crime de violência doméstica. Terá de ser feita uma avaliação global do comportamento do agente (“quadro global” – BRANDÃO, Nuno, “A Tutela pena especial reforçada da violência doméstica”, in Julgar, 12.º, 2020, pág. 17 a 22).
Nesta senda, a conduta típica do crime de violência doméstica inclui: agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (exemplo: coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), agressão sexual, agressão económica (por exemplo, impedindo-a de gerir os seus proventos) e agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto em que são produzidas e atendendo à relação entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima. Aquilo que efetivamente releva é «saber se a conduta do agente, pelo carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como «maus tratos»” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/02/2018, processo n.º 663/16.5PBCTB.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Deste modo, a violência usada pelo agente neste tipo de ilícito terá de “comprometer gravemente o desenvolvimento da personalidade da pessoa atingida” (GARCIA, Miguez, op. cit., pág. 218), afetando de forma grave a sua própria dignidade de pessoa humana e, consequentemente, atingir a sua saúde, quer física, quer mental.
Como eficazmente se resume no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/12/2010 (processo n.º 224/05.4GCTVD.L1-5 , disponível em www.dgsi.pt), “está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano”.
Deste modo, o comprometimento da dignidade da pessoa humana pode ser alcançado das mais diversas formas, mas terá sempre de se revelar na ação do agente um domínio sobre a vítima, i.e., “a panóplia de ações que integram o tipo de crime em causa, analisadas à luz do contexto especialmente desvalioso em que são perpetradas, constituem-se em maus tratos quando, por exemplo, revelam uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou um estado de agressão permanente” (vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/10/2016, processo n.º 311/15.0JAPDL.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
Por fim, quanto ao elemento subjetivo, o tipo legal exige o dolo. Logo, “é necessário o conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica e o conhecimento e vontade da conduta (…) e do resultado (…)” (TAIPA DE CARVALHO, Américo, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2012, pág. 520).
A alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º, do Código Penal, dispõe que o crime é punido com pena de dois a cinco anos, nos casos em que o crime ocorrer, para o que releva, praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;
Analisemos, então, se a situação factual em causa consubstancia um crime de violência doméstica.
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Considerando a matéria de facto provada, constata-se que, designadamente:
- Em data não concretamente apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido disse à assistente “parti-te os braços e não estou arrepeso”;
- Em data não apurada, mas situada entre 2022 e 2024, o arguido acusava a assistente de se envolver sexualmente com o marido da irmã e outros homens;
- No dia 23/06/2023, o arguido empurrou a assistente com força, causando o embate da assistente num móvel, com o membro superior direito, e assistente caiu desamparada no chão, sentindo dores e lesões, de acordo com os factos provados 9) e 10);
- Em data não concretamente apuradas, mas situadas entre 2023 e 2024, o arguido dirigiu expressões à assistente como: puta, galdéria, ramboia e fodilhona;
- Durante o inverno de 2023/2024, o arguido manteve o gás fechado para a impedir de tomar banho e água quente;
- Em inúmeras ocasiões, durante o inverno de 2023/2024, o arguido colocou a assistente na rua durante a noite, obrigando-a a pernoitar na rua, ao frio e com roupa de dormir;
- Em tais ocasiões desferiu pontapés na perna direita da assistente, onde tem varizes;
- Disse-lhe, de igual modo, “estás toda podre e toda aleijada”;
- Numa ocasião, numa ida a ..., o arguido disse à assistente: “és a maior puta do distrito ...”, e ainda lhe disse que “havia de te abrir a porta e botar-te do carro para baixo, e dizer que tu te mataste” , e só não o fazia porque a sua irmã ia no carro;
Efetivamente, os atos empreendidos pelo arguido redundam, nomeadamente em ofensas à integridade física, ameaça e injúria, tratando-se de agressões físicas e psíquicas de intensidade tal, que ofendeu a dignidade da própria vítima, subjugada perante o arguido, sendo mister concluir pelo especial desvalor da ação e particular danosidade do facto.
Desta feita, as situações em apreço, sendo, em geral, no domicílio comum, assumem relevo mais do que suficiente para se integrarem no tipo legal de crime em análise, consubstanciando, pois, maus-tratos.
Ao nível subjetivo, o crime de violência doméstica, exige o dolo, tendo o arguido agido de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de atingir a dignidade da vítima, de a molestar física, psíquica e emocionalmente, o que representou. Sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
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Pelo exposto, reunindo-se os pressupostos objetivos e subjetivos do tipo de crime em causa, temos que o arguido praticou um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, pelo qual vinha acusado, na pessoa de DD.
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2.2. Das consequências jurídicas do crime 2.2.1. Da escolha e medida da pena
O crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, cometido pelo arguido é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos, pelo que não cabe ao julgador ponderar qual a pena a aplicar.
No direito penal português, a aplicação de uma pena tem como objetivo a proteção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade, nunca podendo ultrapassar a medida da culpa do agente e sempre segundo o princípio da proporcionalidade, tendo em conta a gravidade do facto e a perigosidade do agente (artigo 40.º, Código Penal).
A aplicação de penas deve ser orientada não só pelo princípio da culpa (artigo 40.º, n.º 2 Código Penal) e pelos princípios de proporcionalidade, necessidade, adequação e subsidiariedade (artigo 18.º CRP), mas também por um verdadeiro princípio de humanidade, i.e., tendo sempre em conta a dignidade da pessoa humana (artigo 1.º CRP).
Em harmonia com a conceção preventivo-ética hoje adotada, o julgador deverá primeiramente ponderar a aplicação de pena privativa da liberdade ou não privativa da liberdade, estando a sua escolha dependente do que for mais adequado e suficiente face às finalidades da punição (artigo 70.º do Código Penal). Para tal, terá de se ponderar as necessidades preventivas existentes no caso.
A prevenção geral traduz-se na necessidade de reafirmação da norma e da pacificação social. Estamos, assim, a tratar de necessidades positivas da sociedade que nos irão guiar para definir o limite mínimo da pena, i.e., o ponto a partir do qual estas necessidades de prevenção geral já não seriam satisfeitas, e o ponto ótimo para as alcançar, sem nunca se esquecer que o limite máximo da pena se define pela culpa.
Por outro lado, a prevenção especial está relacionada com as necessidades específicas do próprio arguido, de ressocialização e de prevenção de novo cometimento de crimes.
No caso em concreto, o crime de violência doméstica é apenas punido, conforme referido, com pena de prisão, pelo que, conforme referido, não há que efetuar nenhuma ponderação entre a pena privativa ou não privativa da liberdade.
Para determinar a pena concreta a aplicar em cada caso, deverá o julgador atender ao grau de culpa do agente e às exigências de prevenção, nas quais se incluem não só a prevenção especial, como também a prevenção geral, como já exposto (artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal).
A pena concreta deverá ter em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, favorecem ou desfavoreçam o agente, tendo o legislador no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal indicado, a título exemplificativo, algumas possibilidades de circunstâncias a atender (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/05/2015, processo n.º 421/14.1TAVIS.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Essas circunstâncias relevantes podem ser reconduzidas a 3 grupos distintos, os quais se autonomizam: os factos relativos à execução do facto (alíneas a), b) e c) do referido preceito), os factos relativos à personalidade do agente (alíneas d) e f) do mesmo artigo) e os factos relativos à sua conduta anterior e posterior (alínea e)).
Assim, os factos que se relacionam com a execução do facto e que abrangem o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência e ainda os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e motivos que o determinaram.
Em segundo lugar, é necessário considerar os factos relativos à personalidade do agente, como sejam as suas condições pessoais e económicas, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado ou as qualidades da personalidade manifestada no facto.
Por fim, os factos relativos à conduta anterior ou posterior ao facto, especialmente quando se destina a reparar as consequências do crime.
Sem nunca esquecer, na esteira do defendido por FIGUEIREDO DIAS que “uma pena que ultrapasse a culpa é ilegal e injusta. E a determinação da pena em concreto é a determinação pelo Juiz de pena necessária e justa” (Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra editora, pág. 222).
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Volvendo ao caso concreto, conforme referido, a aplicação da pena de prisão no crime de violência doméstica, tem como limite mínimo 2 anos e limite máximo 5 anos (152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal).
Relativamente aos níveis de prevenção geral, estes são elevados, pois estamos perante um crime que tem como bens jurídico-penais protegidos não só a integridade física e psíquica, como também a liberdade pessoal, a liberdade, a autodeterminação sexual e a própria honra, ou seja, todos os bens jurídico-penais essenciais para a realização de qualquer ser humano como tal. Acresce que é um tipo de crime que ocorre na maioria das vezes em casa da vítima, o local onde esta se deveria sentir mais segura e protegida.
Com efeito, é ainda de considerar as necessidades de prevenção especial.
Quanto aos fatores relativos à conduta anterior e posterior ao facto, temos que o arguido tem uma condenação criminal, pela prática de dois crimes de ameaça agravada. Quanto ao mais, não há notícia de outros processos, ou situações idênticas ocorridas após os factos aqui em causa.
No que respeita à culpa, esta é elevada e o arguido atuou com dolo, na sua modalidade mais intensa, o dolo direto. Em relação aos factos relativos à execução do facto, é de mencionar que a ilicitude é elevada, atendendo às expressões e atos praticados contra a vítima, nomeadamente deixando-a a dormir fora de causa, desprotegida, demonstrando insensibilidade, indiferença e ausência de crítica para os seus atos, e, ainda, as lesões da mesma, num ambiente (a sua casa)/ lugar onde esta se devia sentir mais protegida e pela qual o arguido devia demonstrar ainda mais respeito.
No que concerne aos factos inerentes à personalidade do agente, verifica-se que o arguido está inserido ao nível profissional, sendo agricultor, e reside sozinho.
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Ora, sopesados todos estes critérios, afigura-se justo, adequado e proporcional fixar ao arguido a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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2.2.2. Da pena de substituição
O sistema penal português consagra a regra da substituição das penas de prisão, em alguns casos, salvo se a execução da prisão se mostrar necessária face às exigências de prevenção especial de socialização. Neste sentido, cabe ao julgador optar pela pena de substituição que julgue mais adequada à realização, no caso, das finalidades preventivas da punição ou que mais se aproxime dessa realização, tendo em vista os critérios legalmente estabelecidos para cada pena.
A pena de prisão em medida igual a um ano pode ser substituída por pena de multa (artigo 45.º do Código Penal) ou por trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal), existindo ainda a possibilidade de executar tal pena em regime de permanência na habitação (artigo 43.º do Código Penal) ou mesmo suspender a sua execução (artigo 50.º do Código Penal).
A suspensão da execução da pena de prisão encontra-se prevista no artigo 50.º do Código Penal, determinando tal normativo, no seu n.º 1, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Assim, a suspensão pode ser decretada caso se verifiquem três pressupostos:
1. Pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos;
2. Personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do ilícito;
3. Que permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, i.e., as necessidades de prevenção geral e especial do caso.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser acompanhada da imposição de deveres e de regras condutas ou da imposição de um regime de prova (cfr. artigos 50.º, n.ºs 2 e 3, 51.º a 53.º, todos do Código Penal).
Por outro lado, prevê o artigo 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que “suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.
Desta feita, quanto às suas condições de vida, o arguido encontra-se relativamente integrado, desempenhando trabalhos nas jeiras.
Quanto à conduta anterior e posterior ao crime, conforme ventilado tem uma condenação por dois crimes de ameaça agravada.
Desta feita, e ante o quadro factual descrito, leva o Tribunal a concluir que a mera censura do facto e a mera ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No que concerne à prevenção geral, embora elevada, as mesmas ainda são compatíveis com a substituição da pena aplicada.
Assim, não se afigura necessária a execução da pena de prisão, bastando-se a suspensão como suficiente advertência para que, de futuro, não pratique tais crimes, satisfazendo a ameaça da efetivação da pena de prisão as próprias finalidades da punição.
Deste modo, o Tribunal entende que as necessidades de prevenção geral e especial ficam devidamente asseguradas com a suspensão da pena por três anos.
Assim, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada por 3 (três) anos, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal.
Como já foi referido, a lei penal prevê ainda a possibilidade de a suspensão da execução da pena de prisão ser subordinada ao cumprimento de determinados deveres ou observância de determinadas condutas, bem como a sujeição do arguido a um regime de prova (cfr. artigo 50.º n.º 2 do Código Penal).
Dada a gravidade dos factos e a relação familiar existente entre arguido e vítima, aos atos praticados pelo arguido, entende este Tribunal ser essencial sujeitar a presente suspensão a regime de prova, nos termos do artigo 53.º do Código Penal e 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009.
No âmbito do plano elaborado pela DGRSP deverá o arguido frequentar um programa para agressores de violência doméstica, trabalhando no sentido de reconhecer o desvalor da conduta e adquirir mecanismos adequados de relacionamento com a família que garantam o não cometimento de novos crimes de idêntica natureza.
Além disso, tendo em consideração as situações em causa, e o período durante os quais se perpetraram, antevendo-se, pois constrangimentos, nomeadamente relativas ao facto de ainda se encontrarem casados, entende este Tribunal que cumpre impor medidas de proteção à vítima, em concreto, a proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio.
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Pelo exposto, afigura-se adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova, e com obrigatoriedade de frequentar um programa para agressores de violência doméstica, acrescido da proibição de contactos com a assistente DD, por qualquer meio, seja na sua residência ou em eventual (caso venha a existir) local de trabalho (sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP).
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3. PENAS ACESSÓRIAS
O Ministério Público não requereu a aplicação de penas acessórias ao arguido, de acordo com o artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal.
As penas acessórias são aquelas que só podem ser decretadas na sentença conjuntamente com uma pena principal.
Apresenta-se como condição necessária da sua aplicação, a condenação do agente numa pena principal, mas já não, sua condição suficiente, pois que, como ensina Figueiredo Dias, “torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (DIAS, Figueiredo, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime). Em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória, sem, todavia, esquecer que a finalidade a atingir, nesta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.
Determina o artigo 152.º, n.º 4 do Código Penal que “nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”. O n.º 5, do mesmo preceito legal, dispõe que “a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”.
A aplicação de tais penas assenta ora na necessidade de especial proteção da vítima, no caso da proibição de contactos, ora na prevenção em concreto de determinados perigos, seja pela utilização de armas para a prática do crime, seja por especiais falhas na adesão às regras do ordenamento jurídico quanto ao crime de violência doméstica.
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No caso em apreço, não foi requerido pelo Ministério Público. No entanto, conforme resulta da fundamentação da determinação da pena principal, a medida de frequência do programa para agressores de violência doméstica e a proibição de contactos com a vítima foram aplicadas enquanto condição da suspensão da execução da pena, motivo pelo qual não haverá que (equacionar) condenar o arguido em sede de pena acessória.
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4. PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
A assistente/demandante deduziu pedido de indemnização cível, pedindo a condenação do demandado, a pagar-lhe a quantia global de 50000,00€ (cinquenta mil euros).
De igual modo, a Unidade Local de Saúde ... deduziu pedido de reembolso da despesa referente ao tratamento médico prestado à assistente no valor de 57,84€ (cinquenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos).
O artigo 71.º do Código Penal consagra o princípio da adesão, que se traduz na dedução obrigatória, salvo as exceções do artigo 72.º do Código Penal, do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime no processo penal.
Por seu lado, o artigo 129.º do Código Penal estatui que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”. Deste modo, teremos de ter em consideração os artigos 483.º e seguintes e 562.º e seguintes do Código Civil.
Para a efetivação da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, prevista no artigo 483.º Código Civil, é necessário que se encontrem preenchidos cinco pressupostos: conduta voluntária; ilicitude; culpa; dano; nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
A conduta voluntária pode consistir numa ação ou omissão, nos termos do artigo 486.º do Código Civil, sendo considerada ilícita quando viole uma norma ou um direito ou interesse legalmente protegido do lesado.
O pressuposto referente à culpa consubstancia um juízo de censura da conduta por parte do agente, atendendo à previsibilidade e possibilidade de adoção de medidas adequadas a evitar a produção do dano, existindo vários níveis de culpa em sentido amplo, como sejam o dolo e a mera culpa ou negligência (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).
Segundo o n.º 1 deste mesmo artigo 487.º, do Código Civil, a prova da culpa cabe ao lesado, salvo se a lei consagrar para o caso concreto uma presunção de culpa. Nesse caso, caberá ao lesante a tarefa de ilidir a presunção de culpa.
Por fim, o dano pode assumir diversas formas, cabendo primeiramente distinguir entre dano patrimonial ou não patrimonial, sendo o critério diferenciado a suscetibilidade de avaliação pecuniária dos primeiros, ao contrário dos segundos.
A obrigação de indemnizar encontra-se prevista nos artigos 562.º a 572.º do Código Civil e tem como objetivo primordial a restituição natural. Caso tal não seja possível, ou não repare totalmente os danos verificados, ou ainda constitua um ónus excessivo para o lesante, a indemnização deverá traduzir-se numa quantia monetária calculada tendo em conta a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente a que o tribunal puder atender e a situação patrimonial que o lesado teria nessa data caso não tivessem ocorrido os danos (artigo 566.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Por fim, qualquer dano, patrimonial ou não patrimonial, só será indemnizável caso esteja numa relação de causalidade adequada com o facto voluntário, ilícito e culposo (artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil). Considera-se existir causa adequada quando seja seguro afirmar que a não realização do facto pelo agente seria elemento bastante para evitar a produção do resultado.
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No caso vertente, estão presentes os pressupostos necessários e suficientes para que a assistente seja indemnizada, pelos danos não patrimoniais.
Deste modo, o demandado agiu de forma consciente e voluntária em todas as situações descritas nos autos.
É também inquestionável que este é um facto ilícito, que configura a prática de um crime de violência doméstica, como já supra desenvolvido. Assim, trata-se igualmente de um facto culposo, existindo dolo direto do agente, que com a sua conduta bem sabia lesar os interesses da demandante.
Relativamente à ocorrência de danos, ficou provado que, em virtude dos comportamentos do demandado, a demandante se sentiu angustiada, com medo, e sem conseguir dormir, causados pelas atitudes do arguido. Ora, este tipo de lesão é, sem sombra de dúvidas, uma lesão suficientemente grave para merecer a tutela do direito.
Deste modo, temos o facto, materializado no comportamento do arguido, o dano que se traduz na repercussão que esses factos tiveram na vida da ofendida, a ilicitude como comportamento contrários às normais legais, o nexo de causalidade e a culpa como juízo de responsabilidade pelo qual o arguido é responsável, pois podia e devia ter agido de modo diferente.
Conforme aludido, o montante da indemnização deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpa do agente, à situação económica, gravidade do dano e ainda às regras da prudência, bom senso e justa medida das coisas.
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Pelo exposto, perante os factos dados como provados, estando perante um dano que merece a tutela do direito, num juízo equitativo, entende-se ajustado que o arguido compense os danos causados à assistente, pagando-lhe a quantia de 2500,00€ (dois mil e quinhentos euros).
Nos termos dos artigos 804.º, 805.º e 559.º, n.º 1, do Código Civil, incidem juros de mora civis à taxa legal de 4% [nos termos da Portaria n.º 291/03, de 08.04], contados desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento (AUJ n.º 4/2002, de 09/05/2022, disponível em www.dgsi.pt).
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Nos termos do artigo 6.º, do DL 218/99, de 15 de junho, as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde podem constituir-se partes civis em processo penal relativo a facto que tenha dado origem à prestação de cuidados de saúde, para dedução de pedido de pagamento das respetivas despesas.
No caso concreto apurou-se um facto ilícito e culposo praticado pelo arguido, pelo qual vai condenado. A conduta do arguido foi causalmente adequada à provocação de lesões na assistente.
Como tal, encontrando-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, deverá o arguido suportar o valor da despesa com o tratamento médico prestado à assistente, indo assim condenado no pagamento da quantia de 57,84€ (cinquenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos).
Nos termos dos artigos 804.º, 805.º e 559.º, n.º 1, do Código Civil, incidem juros de mora civis à taxa legal de 4% (nos termos da Portaria n.º 291/03, de 08.04), contados desde a data da notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento.
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CUSTAS PROCESSUAIS:
Nos termos dos artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, o arguido é condenado nas custas processuais, quando ocorra condenação em 1.ª instância. Nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais o juiz fixa a taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa e dentro dos limites constantes da Tabela III que se fixam entre 2 a 6 UCs. Atendendo à atividade processual e à causa, o Tribunal fixa a taxa de justiça em 2 UCs, para as custas criminais.
No que concerne à parte cível, quando o pedido de indemnização deduzido é superior a 20 UC - € 2.040,00 -, há lugar ao pagamento de custas, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais. No que concerne às custas no pedido cível, dispõe o artigo 523.º do Código de Processo Penal que são aplicáveis as normas de processo civil, em concreto, o artigo 527.º do Código de Processo Civil, sendo estas fixadas na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção que a assistente beneficie.
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3- Apreciação do recurso 3.1- A assistente interpôs o presente recurso restrito a matéria de direito, defendendo, por razões de prevenção geral e especial, que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão em que o arguido foi condenado não deveria ter sido declarada suspensa na sua execução, com regime de prova nos termos definidos na sentença recorrida, pugnando pelo cumprimento efetivo da pena de prisão.
Vejamos.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 50º do C. Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Em face do que dispõe esta norma, a suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de dois pressupostos: um formal e outro material.
O pressuposto de ordem formal exige que a pena aplicada não exceda cinco anos.
Quanto ao pressuposto material - “que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, entendidas estas de acordo com o disposto no artigo 40º, nº 1 do CP , segundo o qual a aplicação das penas visa a “proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade” - convirá referir que a suspensão da execução da pena, como qualquer pena de substituição, não pode ser vista como forma de clemência legislativa, mas como autêntica medida de tratamento bem definido com sentido pedagógico e educativo.[3]
Acresce que, não podemos olvidar, que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético – social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas.
Porém, um dos seus vetores é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adotar novas condutas desviantes.
Com ensina Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 344, “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime»(…) estão aqui em questão não quaisquer considerações relativas à culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em análise”.
No mesmo sentido, vide Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 77, para quem “A afirmação de que são finalidades exclusivamente preventivas as que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade não invalida que a finalidade preventiva primordial seja a de proteção de bens jurídicos. A defesa da ordem jurídica e da paz social – o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva – atua como limite às exigências de prevenção especial”.
Na mesma linha, vem sendo decidido na jurisprudência. Assim, v.g. no Acórdão RE, de 24.04.2007, CJ, Ano XXXII, Volume 1, p. 258 e segs., pode ler-se “Desde que as exigências de prevenção especial fiquem asseguradas, a pena de prisão só não deve ser suspensa na sua execução se a esta decisão se opuserem as exigências mínimas de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico”;; e o ac. RC de 27.09.2017, processo 147/15.9GTCTB.C1, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (arts. 40º, nº 1, e 71º, nº 1, do CP) sendo portanto, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição), que fundam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.” No mesmo sentido vide ainda o Ac. STJ de 18.12.2008, processo 08P2837, também disponível em www.dgsi.pt.
Será, pois, na aludida dupla perspetiva que deverá incidir um juízo de prognose favorável à suspensão da correspondente pena de prisão, sendo certo que o ponto de partida para essa ponderação será sempre o momento desta decisão e não o momento da prática do crime[4].
Tal como refere Jescheqck[5] na base da decisão de suspensão da pena de prisão deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, 1º Vol., 2ª Edição, 1995, Rei dos Livros, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344.
Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível, às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, sendo certo que agora e em último termo somente poderão ser atendidas razões de prevenção especial.
No caso vertente, o tribunal recorrido fundamentou a suspensão da pena, com regime de prova, nos seguintes termos:
“O sistema penal português consagra a regra da substituição das penas de prisão, em alguns casos, salvo se a execução da prisão se mostrar necessária face às exigências de prevenção especial de socialização. Neste sentido, cabe ao julgador optar pela pena de substituição que julgue mais adequada à realização, no caso, das finalidades preventivas da punição ou que mais se aproxime dessa realização, tendo em vista os critérios legalmente estabelecidos para cada pena.
A pena de prisão em medida igual a um ano pode ser substituída por pena de multa (artigo 45.º do Código Penal) ou por trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal), existindo ainda a possibilidade de executar tal pena em regime de permanência na habitação (artigo 43.º do Código Penal) ou mesmo suspender a sua execução (artigo 50.º do Código Penal).
A suspensão da execução da pena de prisão encontra-se prevista no artigo 50.º do Código Penal, determinando tal normativo, no seu n.º 1, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Assim, a suspensão pode ser decretada caso se verifiquem três pressupostos:
1. Pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos;
2. Personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do ilícito;
3. Que permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, i.e., as necessidades de prevenção geral e especial do caso.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser acompanhada da imposição de deveres e de regras condutas ou da imposição de um regime de prova (cfr. artigos 50.º, n.ºs 2 e 3, 51.º a 53.º, todos do Código Penal).
Por outro lado, prevê o artigo 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que “suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.
Desta feita, quanto às suas condições de vida, o arguido encontra-se relativamente integrado, desempenhando trabalhos nas jeiras.
Quanto à conduta anterior e posterior ao crime, conforme ventilado tem uma condenação por dois crimes de ameaça agravada.
Desta feita, e ante o quadro factual descrito, leva o Tribunal a concluir que a mera censura do facto e a mera ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No que concerne à prevenção geral, embora elevada, as mesmas ainda são compatíveis com a substituição da pena aplicada.
Assim, não se afigura necessária a execução da pena de prisão, bastando-se a suspensão como suficiente advertência para que, de futuro, não pratique tais crimes, satisfazendo a ameaça da efetivação da pena de prisão as próprias finalidades da punição.
Deste modo, o Tribunal entende que as necessidades de prevenção geral e especial ficam devidamente asseguradas com a suspensão da pena por três anos.
Assim, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada por 3 (três) anos, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal.
Como já foi referido, a lei penal prevê ainda a possibilidade de a suspensão da execução da pena de prisão ser subordinada ao cumprimento de determinados deveres ou observância de determinadas condutas, bem como a sujeição do arguido a um regime de prova (cfr. artigo 50.º n.º 2 do Código Penal).
Dada a gravidade dos factos e a relação familiar existente entre arguido e vítima, aos atos praticados pelo arguido, entende este Tribunal ser essencial sujeitar a presente suspensão a regime de prova, nos termos do artigo 53.º do Código Penal e 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009.
No âmbito do plano elaborado pela DGRSP deverá o arguido frequentar um programa para agressores de violência doméstica, trabalhando no sentido de reconhecer o desvalor da conduta e adquirir mecanismos adequados de relacionamento com a família que garantam o não cometimento de novos crimes de idêntica natureza.
Além disso, tendo em consideração as situações em causa, e o período durante os quais se perpetraram, antevendo-se, pois constrangimentos, nomeadamente relativas ao facto de ainda se encontrarem casados, entende este Tribunal que cumpre impor medidas de proteção à vítima, em concreto, a proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio.
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Pelo exposto, afigura-se adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova, e com obrigatoriedade de frequentar um programa para agressores de violência doméstica, acrescido da proibição de contactos com a assistente DD, por qualquer meio, seja na sua residência ou em eventual (caso venha a existir) local de trabalho (sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP).”
Porém, no entender da recorrente, em síntese, esta pena não acautela “devidamente as finalidades da prevenção geral e especial das penas”, pretendendo, pois, que esta Relação proceda à “reanálise da adequação e proporcionalidade da concreta pena aplicada”, pois entende que a sentença proferida viola o “disposto no artigo 50º, n.º 1 do CP”, em face dos antecedentes criminais do arguido e perante o facto de o arguido não ter demostrado arrependimento pela prática dos factos, remetendo-se ao silêncio.
Todavia, sem razão. Na verdade, na decisão recorrida foram devidamente ponderadas as exigências de prevenção sentidas no caso concreto relativamente ao crime de violência doméstica perpetrado. A gravidade dos factos praticados não afasta, por si mesma, a suficiência da pena de 2 anos e 6 meses de prisão “suspensa na sua execução pelo período de três anos, acompanhada de regime de prova, e com obrigatoriedade de frequentar um programa para agressores de violência doméstica, acrescido da proibição de contactos com a assistente, sem prejuízo de ulterior determinação pela DGRSP”, para proteger os bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade. Isto pese embora, como diz Jescheck, “a crescente gravidade do facto confere uma maior importância ao interesse na execução da pena que possui uma orientação preventivo – geral”. No caso, a pena de prisão suspensa, nos moldes referidos, é proporcionalmente adequada e suficiente para que a comunidade sinta como válidas as normas jurídicas violadas, ou seja, para satisfazer as sentidas razões de prevenção geral, derivadas das exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Outrossim, a referida pena de substituição é bastante para que o arguido possa tomar consciência da gravidade do seu comportamento, por forma a que inverta o sentido da sua vida com respeito pela integridade física e psicológica e pela dignidade alheias, nomeadamente da ofendida. O mesmo é dizer, para que sejam garantidas as exigências de prevenção especial.
Efetivamente, apesar de não mostrar comprovado qualquer juízo critico por parte do arguido relativamente à sua conduta[6], sendo que os factos praticados revelam uma desconformidade da sua personalidade com os valores protegidos pela lei penal, o que se traduz numa carência de socialização, no âmbito da prevenção especial, a verdade é que o arguido é de origem socioeconómica modesta, residindo em habitação social; tem instrução escolar baixa (4º ano de escolaridade); trabalha na construção civil e faz jeiras; é conotado como sendo uma pessoa trabalhadora, sociável e cooperante com os restantes trabalhadores; e, não sendo primário, pois anteriormente sofreu uma condenação em pena de multa pela prática de dois crimes de ameaça, nunca sofreu qualquer condenação em pena de prisão, substituída ou não por pena não privativa da liberdade.
Nesta conformidade, a natureza e a gravidade dos factos e todos os elementos apurados relativos à personalidade, ao carácter e às condições pessoais do arguido, levam-nos a concluir que a simples ameaça da pena de prisão, com regime de prova, nos termos definidos pela primeira instância, será suficiente para demover o arguido da prática de novos crimes.
Acresce dizer que, pese embora não referido / pedido pela assistente no presente recurso, mas sugerido pela Exma. Procuradora Geral Adjunta no seu parecer, julgamos não ser imprescindível para proteção da vítima o controlo através de meios eletrónicos do dever imposto ao arguido de não contactar a assistente, cfr. artigos 35º e 36º da Lei nº 112/2009, de 16.09 (Lei que estabelece, nomeadamente, o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas).
Com efeito, a assistente, ainda na fase de inquérito, requereu a cessação da teleassistência por a julgar desnecessária, o que foi deferido (cfr. fls. 307 e 308), constando ainda do Relatório Social para Julgamento que a assistente e a sua irmã ( a assistente após a separação do arguido passou a pernoitar em casa da sua irmã) presentemente por vezes fazem refeições com o arguido em casa deste (cfr. fls. 391 –a 391), o que é evidenciador de pacificação do relacionamento entre eles, o mesmo é dizer da desnecessidade dos referidos meios técnicos de controlo à distância.
De forma que nenhum reparo nos merece a sentença recorrida relativamente ao efetuado juízo de prognose favorável quanto à reinserção social do arguido em liberdade, ficando garantidas as exigências de prevenção (geral e especial) sentidas no caso concreto.
Assim sendo, o presente recurso não pode obter provimento.
III – DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela assistente e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, uma vez que a assistente está delas isenta, por lhe ter sido atribuído o estatuto de vítima de crime de violência doméstica – artigo 4º, nº 1 al. z) do RCP. Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.
Notifique.
Guimarães, 27 de maio de 2025
Armando Azevedo (Relator)
Júlio Pinto – 1º Adjunto
Carlos da Cunha Coutinho – 2º Adjunto
[1] Nas transcrições de peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original, sem prejuízo da correção de erros ou lapsos manifestos e do processamento do texto da responsabilidade do relator. [2] De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P.. [3] cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, Vol. 1, 1986, pág. 289. [4] Neste sentido, cfr. F. Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 342 e seguintes e Ac. STJ de 24.05.2001, CJ, II, 201. [5] Jeschecck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, p. 898 e segs. [6]
Com isto, evidentemente não se pretende considerar como agravante a falta de arrependimento do arguido. Até porque, como bem se refere no Ac. STJ de 03.11.2022, processo 19/20.5JBLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “A confissão e o arrependimento são circunstâncias, quando se verificam, favoráveis ao arguido; não confessando o arguido, nem demostrando arrependimento, deixa de poder contar com essas circunstâncias favoráveis, mas isso não equivale a que se contabilize como agravantes a não confissão e não ter demonstrado arrependimento pela prática dos factos”.