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EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
INDEFERIMENTO LIMINAR
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PARA ENTREGA DE COISA CERTA
Sumário
I – Na execução fundada em decisão judicial portuguesa, se o exequente deduzir diretamente o requerimento executivo logo na secção especializada de execução, ao invés de apresentá-lo no processo onde foi prolatada a sentença exequenda, em desrespeito do estatuído no n.º 1, do art.º 85º do CPC, tal não configura excepção dilatória inominada insuprível, conducente ao indeferimento liminar do requerimento inicial executivo. II – Reconhecida a existência de erro na forma do processo, condição de aproveitamento dos atos praticados é, como decorre diretamente do art. 193º, n.º 2, do Código Processo Civil, a de que desse aproveitamento não resulte uma diminuição de garantias do executado. III - A entrega coerciva ou forçada do imóvel no âmbito da execução para entrega de coisa certa (arts. 861º, n.ºs 1 e 3 do CPC) não consubstancia por si só fundamento de inutilidade superveniente dos embargos de executado. IV - Reconhecido o direito sobre determinado imóvel e a condenação de restituição ao seu titular por sentença transitada em julgado, o exequente deve intentar uma ação executiva para entrega de coisa certa (art. 10º, n.º 6 do CPC). V - Estando a obrigação de entrega titulada por decisão judicial condenatória haverá que lançar mão do regime específico previsto no art. 626º do CPC, resultando do seu n.º 3 que não haverá despacho liminar, nem a notificação prévia, e a oposição será posterior à apreensão e entrega da coisa.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.
AA e BB, executados nos autos principais de execução, que correm termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juiz 2 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, deduziram oposição à execução, mediante embargos de executado, à execução que é movida por CC DD, EE, FF de GG, HH e BB, peticionando a extinção da execução apensa.
Para tanto, e em síntese, dizem ocorrer falta de pressuposto processual de que depende a regularidade da instância executiva, porquanto os exequentes recorreram a acção executiva para prestação de facto com prazo certo quando o prazo para a prestação (de facto) não está determinado no título executivo, tendo sido postergada a norma contida no preceituado no art. 729º, al. c) conjugado com o disposto no art. 874º, ambos do CPCivil.
Mais referem que a obrigação exequenda é inexigível por falta de exequibilidade do título executivo, posto que o título não fixa prazo certo ou determinado e os Exequentes não indicaram prazo, nem requereram fixação judicial de prazo para a prestação.
Alegam, por fim, que não foi dado cumprimento ao estatuído no art. 713º do CPC.
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Recebidos liminarmente, os exequentes/embargados não apresentaram contestação.
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Foi realizada tentativa de conciliação, tenho as partes requerido a suspensão da instância (ref.ª ...59).
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Por despacho de 29.11.2020, foram as partes notificadas para, querendo, em 10 dias, exercerem o contraditório quanto à excepção do erro na forma de processo executivo e, bem assim, os exequentes esclarecerem se desistem da fixação da peticionada sanção pecuniária compulsória (cfr. ref.ª ...22).
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Em resposta, os exequentes admitiram estar-se perante uma execução para entrega de coisa certa, sendo tal exceção dilatória sanável, devendo aproveitar-se o requerimento executivo; mais declararam desistir da fixação da peticionada sanção pecuniária compulsória (cfr. ref.ª...76).
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Responderam os executados, referindo que, antes da questão ora suscitada, coloca-se a questão de saber se era por apenso ao processo declarativo, onde foi proferida a sentença, que tinha de ser instaurada a acção executiva, questão de conhecimento oficioso que não foi apreciada pelo Tribunal - e já suscitada pelos executados em sede de recurso -, o que acarreta a nulidade de todo o processado, incluindo do presente apenso.
Subsidiariamente, referem que, a admitir-se o erro na forma do processo, teria de ser anulado todo o processado, incluindo o requerimento executivo, pois, objetivamente, as suas garantias de defesa ficaram diminuídas e prejudicadas (cfr. ref.ª...04).
Findos os articulados, e dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador (ref.ª ...29), datado de 25/02/2021, no qual se decidiu:
- julgar verificada a excepção do erro na forma do processo e, em consequência, decidiu que:
a) mantendo-se a competência do tribunal, os autos principais/executivos seguirão os termos da execução para entrega de coisa certa;
b) aproveitar todos os actos praticados até à data;
- julgar válida a requerida desistência do pedido de fixação de sanação pecuniária compulsória, declarando extinta, nessa parte, a instância executiva (cf. Art. 277.º, alínea d), do Cód. Proc. Civil).
- declarar extintos, ao abrigo do disposto no art. 277.º, alínea e), do Cód. Proc. Civil, os autos de embargos de executados, por inutilidade superveniente da lide.
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Inconformados com o despacho saneador, a 20-03-2021 dele interpuseram recurso os Executados/Embargantes, II e Outro (ref.ªs ...17 e ...09), tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem[1]):
«1ª- Face ao que se encontra estipulado no actual Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artigo 85º, nºs 1 e 2, do NCPC. 2ª Ao conhecer do Erro na Forma do Processo Executivo o douto Despacho ora apelado devia também conhecer do flagrante e notório “Erro” na própria instauração do Processo Executivo, à margem do preceituado no Art. 85º NCPC . 3ª Deveria indeferir (liminarmente) o Requerimento executivo, absolvendo-se os Executados/Recorrentes da instância executiva, devendo ser repristinada a situação e reposto o statu quo ante, reconstituindo-se a situação actual hipotética, como se a instauração da presente Execução não tivesse existido, restituindo - de imediato e com urgência - os Executados/Recorrentes à posse e plena utilização do prédio em causa onde têm residência, se necessário com o auxílio da força pública, conhecendo-se ainda das questões de (in)constitucionalidade suscitadas, com as legais consequências.” 4ª A própria Execução enferma - intrinsecamente - de nulidade insuprível; Oficiosamente podia/devia ser conhecida daquela Inexistência/ Nulidade insuprível; Os Apensos, designadamente os presentes Embargos consequentemente também o são, tabelarmente. 5ª - Estava em tempo para a Absolvição da Instância executiva; E, não para correcção de “Erro na forma de Processo Executivo”, Impondo-se a revogação do douto Saneador-Sentença recorrido. 6ª- O Saneador-Sentença apelado é proferido no Processo de EMBARGOS e destina-se ao Processo Executivo, É por isso inexistente. Tendo, nessas circunstâncias, recaído Despacho-Saneador proferido no Processo de Embargos sobre o aludido Erro na forma do Processo Executivo, estamos perante uma Decisão a non judice. 7ª- Quando assim se não entenda, então sempre se trata de nulidade absoluta e insuprível e insanável, que devia ser declarada nestes Embargos. 8ª- Afigura-se claramente que o douto Despacho Saneador-Sentença não podia – da forma como o fez - conhecer do mérito da causa. 8ª-A) - O Despacho Saneador-Sentença recorrido, proferido nos Embargos, não podia - do modo como o fez - suprir o Erro na Forma do Processo Executivo; O que o Despacho Saneador fez não foi suprir qualquer Erro na Forma do Processo dos Embargos, mas sim um Erro na Forma de Processo da Execução ; 9ª -A montante e antes da questão suscitada, de ocorrer Erro na Forma do Processo Executivo coloca-se a questão de que é/era por Apenso ao Processo Declarativo onde foi proferida a Sentença a executar que a Acção Executiva tinha de ser instaurada (Cfr.:Art.85º-nº1 NCPC). 10ª- E, assim não tendo sucedido tal configura uma nulidade insuprível de conhecimento oficioso - de que cumpria – tabelarmente - conhecer neste Apenso dos Embargos; Como decorrência da Nulidade insuprível da Execução, todo o Processo Apenso dos Embargos é igualmente nulo. Excepção dilatória que é/era de conhecimento oficioso (Ars.577º e 595º NCP). 11ª -Essa questão é prévia e preexistente àquela do Erro na forma do processo e à apreciação de Erro na forma do Processo Executivo ! O Despacho-Saneador/Sentença recorrido podia e devia conhecer - até mesmo oficiosamente – dessa questão central. 11ª-A)- No circunstancialismo dos autos de Execução e dos Embargos – ressalvado o devido respeito- afigura-se ser claramente irrelevante se se trata de Execução para Prestação de Facto ou de Execução para Entrega de Coisa Certa: O formalismo sequencial decorrente do estatuído no artº 85º, nºs 1 e 2, do NCPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos enunciados princípios da oficiosidade (inquisitório), da cooperação, adequação formal ou economia processual; 12ª- Decisão recorrida quando menos face aos elementos constantes dos autos, (cfr. Peças processuais dos Recorrentes) devia apreciar oficiosamente as nulidades acima aludidas (Art. 595º-nº1, alínea a) e Art. 85º-nºs1 NCPC); 13ª- Não estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito para conhecimento do mérito da causa, nos termos em que foi feito. 13ª-A) - Ao decidir que houve Erro na forma do Processo Executivo convertendo-o para Execução para Entrega de Coisa Certa, UMA DE DUAS: Ou se anulava todo o Processo Executivo ab initio Ou, assim não sucedendo, então sempre deveria ser concedido Novo Prazo (de 20 dias) aos Executados/Embargantes para deduzir Oposição à nova Execução para Entrega de Coisa Certa (Art.860º, 861º-nºs 5 e 6 , 863º NCPC ): Assim não ocorrendo enferma de Erro de julgamento o Saneador/Sentença recorrido; 13ª-B) – Ressalvado o devido respeito, claramente se afigura estarmos perante uma flagrante dualidade de critérios: Os Exequentes têm o Tribunal a quo que lhes corrige oficiosamente o ERRO na Forma do Processo Executivo, aproveitando-lhes o Requerimento executivo E os Executados/Embargantes não têm - sequer - nova oportunidade de corrigirem eles próprios a sua Oposição à Execução, mediante novos Embargos a essa nova luz; 14ª -O Saneador/Sentença apelado não conheceu daquela excepção dilatória oficiosamente como podia e devia e estava em tempo - Art. 595º-nº1 al. a) NCPC 15ª-O que configura uma excepção dilatória - a incompetência relativa - de conhecimento oficioso - (Cfr.: Arts : 104º, 85º-1, 577º e 595º todos do NCPC) O douto Saneador/Sentença “Deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar” (Art.615º-nº1, al. d) NCPC). 16ª-A Decisão recorrida diz que como está pendente Recurso na Execução não se pode pronunciar, Então Dever-se-ia aguardar pela Decisão de tal Recurso e suspender até lá a instância nos presentes Embargos - Pois trata-se de uma Questão prejudicial . 17- Ao admitir-se Erro na forma do processo executivo, Então sempre teria de ser anulado todo o processado, começando/incluindo o próprio Requerimento Executivo. 18ª-Ao conhecer e declarar o Erro na forma de Processo Executivo e não concedendo Novo Prazo (de 20 dias) para deduzir Oposição à Execução para Entrega de Coisa Certa, decretando a Inutilidade superveniente da lide as garantias de defesa dos Executados/Embargantes ficaram clara e objectivamente diminuídas. 18ª-A)- Não houve fixação de Prazo no Processo de Execução para Prestação de Facto; A Execução prosseguiu e procedeu-se - com a ajuda de força policial - à usurpação (ilegal !) e ao apossamento da Casa de Habitação onde morava a Executada/Recorrente, Como se na realidade não tivesse havido Embargos . 18ª-B) - O uso errado ou desadequado feito pelos Exequentes, ao não instaurarem a Acção executiva nos próprios autos do Processo Declarativo - determinou que a Plataforma informática Citius ficasse inoperacional para assumir o tratamento/tramitação dos Embargos de Executado apresentados em 26.01.2016 - com isso prejudicando - da forma mais gravosa - a apreciação/não apreciação dos Embargos de Executado, tempestivamente apresentados. 19ª- Não ocorre Inutilidade superveniente da lide quando não foi apreciada questão suscitada pelas partes maxime uma das Partes processuais, por razões que são totalmente alheias a essa Parte e para as quais em nada contribuiu. 20ª -Devia, o douto Despacho- Saneador/Sentença recorrido – ao decidir agora em 25.02.2021 Erro na forma do Processo Executivo instaurado em Dez. 2015 - conceder - no mínimo - novo Prazo para deduzir Oposição à Execução Para Entrega de Coisa Certa. 21ª- Na própria óptica do Despacho-Saneador/Sentença recorrido a considerar que se trata de Entrega de coisa certa Então “feita a entrega” (não voluntária) sempre deveria seguir-se a “notificação dos executados para deduzir oposição, seguindo-se , com as necessárias adaptações , o disposto nos artigos 860º e seguintes” (Art. 626º-nº3 NCPC) . 22ª-É ao Executado - e só ao Executado - a quem cabe organizar e apresentar a sua Defesa e não ao próprio Tribunal, tecendo considerações, dar por “adaptada” a Oposição à Execução para Prestação de Facto, anteriormente apresentada, à nova situação criada ex officio ; Reformulando o Tribunal a quo _- oficiosamente - o Requerimento Executivo quanto à Forma do Processo, Então, Sempre deveria também ser dada oportunidade aos Executados para, em novo prazo, adequar - formal e substantivamente - a sua Defesa, para Oposição à Execução para Entrega de Coisa Certa, nesse novo condicionalismo. 23ª- Encontra-se postergado o princípio da igualdade de armas entre as partes processuais. 23ª-A) – É de Prestação de Facto que se trata e não de Execução para Entrega de Coisa Certa. 24ª- Sem prescindir, afigura-se que no caso ocorrente não seria nunca aplicável o Art. 626º -nº3 NCPC , mas sim (Execução para entrega de coisa certa) o Art. 859º NCPC. 24ª-A)- A Decisão recorrida violou o Princípio de economia processual e os Deveres de gestão processual e de Adequação formal . 25ª - Ao entender diferentemente, o douto Saneador/Sentença apelado fez assim, nas várias vertentes assinaladas, incorrecta interpretação e errada aplicação do direito, ao caso sujeito, incorrendo em Erro de Julgamento, impondo-se pois a sua revogação. 25ª-A - Foram violados, entre outros, os artigos 6º, 85º, 595º, 547º, 615º , 626º, 723º , 860º, 861º, todos do Código de Processo Civil e Art. 6º da C.E.D.H.) e os demais preceitos legais assinalados.
Inconstitucionalidades a) A norma contida, conjugadamente nos arts 193º e 595º NCPC na interpretação segundo a qual é possível corrigir o Erro na forma do Processo Executivo sem apreciação prévia das questões suscitadas na Oposição à Execução e de conhecimento oficioso e ser decretada a inutilidade superveniente da lide da Oposição à Execução/Embargos é inconstitucional por violação do direito a um Processo Equitativo, do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art.6º CEDH e Arts. 2 e 20º da Constituição). b) A norma contida, conjugadamente, nos Arts. 6º, 193º,547º, 723º NCPC na interpretação segundo a qual pode ser decretada a inutilidade superveniente da lide da Oposição à Execução (Embargos) por erro na forma do Processo Executivo sem prévia apreciação oficiosa de questões preexistentes a montante de que cumpria conhecer, consubstanciadas na própria instauração da Acção Executiva fundada em Sentença judicial condenatória à margem do preceituado no Art. 85º- nº1 NCPC é inconstitucional por violação do direito a um Processo Equitativo, do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art. 6º CEDH e dos Arts. 2 e 20º da Constituição). c) A norma contida nos Arts 193º e 626º-nº3 NCPC, conjugadamente, de que se fez aplicação, na interpretação acolhida de que corrigido oficiosamente pelo Tribunal o Erro na forma do Processo executivo - de Prestação de Facto para Entrega de coisa Certa - “feita a entrega”, involuntariamente, não há lugar à fixação de novo prazo para deduzir Oposição à Execução em substituição da Oposição à Execução anteriormente apresentada é inconstitucional por violação do direito a um Processo equitativo e do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art.6º CEDH e dos Arts. 2º e 20º da Constituição). d) A norma contida nos Arts. Arts 193º e 626º-nº3 NCPC, conjugadamente, de que se fez aplicação, na interpretação acolhida de que corrigido o Erro na forma do Processo Executivo- de Prestação de Facto para Entrega de coisa Certa “feita a entrega”, involuntariamente, não há lugar à fixação de novo prazo para deduzir Oposição à Execução em substituição da Oposição à Execução anteriormente apresentada, corrigindo o Tribunal oficiosamente o Erro na Forma do Processo cometido pelos Exequentes/Embargados e não dando, sequer, oportunidade aos Executados para com fixação de novo prazo (de 20 dias) adequarem eles próprios a sua posição à nova situação criada impossibilita-lhes assim a apresentação de nova Oposição à Execução para Entrega de Coisa Certa é inconstitucional por violação do direito a um Processo equitativo, do principio da igualdade de armas das partes processuais, do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art.6º CEDH e Arts 2º, 13º e 20º da Constituição). e) A norma contida nos Arts. Arts 193º e 626º-nº3 NCPC, conjugadamente, de que se fez aplicação, na interpretação acolhida de que corrigido o Erro na forma do Processo Executivo- de Prestação de Facto para Entrega de coisa Certa -“feita a entrega”, involuntariamente, não há lugar à fixação de novo prazo para deduzir Oposição à Execução em substituição da Oposição à Execução anteriormente apresentada, corrigindo o Tribunal oficiosamente o Erro na Forma do Processo cometido pelos Exequentes/Embargados e decretando a Inutilidade Superveniente da Lide não dando, sequer, oportunidade aos Executados para com fixação de novo prazo (de 20 dias) adequarem eles próprios a sua posição à nova situação criada impossibilita-lhes assim a apresentação de nova Oposição à Execução para Entrega de Coisa Certa é inconstitucional por violação do direito a um Processo equitativo, do principio da igualdade de armas das partes processuais, do princípio da proporcionalidade e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do Estado de direito (Art.6º CEDH e Arts. 2º, 13º e 20º da Constituição). Inconstitucionalidades essas, que aqui se invocam para os pertinentes efeitos .
TERMOS EM QUE, na procedência do recurso, deve ser revogado o douto Despacho- Saneador Sentença apelado, indeferindo-se (liminarmente) o Requerimento executivo, absolvendo-se os Executados/Recorrentes da instância executiva, devendo ser repristinada a situação e reposto o statu quo ante, reconstituindo-se a situação actual hipotética, como se a instauração da presente Execução não tivesse existido, restituindo - de imediato e com urgência - os Executados/Recorrentes à posse e plena utilização do prédio em causa onde têm residência, se necessário com o auxílio da força pública, conhecendo-se ainda das questões de (in)constitucionalidade suscitadas, com as legais consequências.».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª ...71).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
a) Do erro na instauração do processo executivo à margem do preceituado no art. 85º CPC;
b) Do indevido conhecimento do erro na forma do processo executivo;
c) Dos efeitos da verificação do erro na forma do processo executivo;
d) Da inutilidade superveniente da lide;
e) Da prestação de facto ou da entrega de coisa certa;
f) Da aplicação do art. 859º do CPC ao invés do art. 626º, n.º 3, do CPC.
g) Das inconstitucionalidades.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto
As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos/incidências processuais [resultantes da pesquisa, através do Citius (processo Viewer), dos autos de execução principais n.º 9617/15.8T8VNF]:
1. Em 29.11.2015, CC, DD, EE, FF de GG, HH e BB instauraram execução contra AA e II, requerendo: «- A restituição por parte dos executados aos exequentes do prédio urbano denominado ..., em propriedade total, sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, a confrontar do Norte, Sul, Nascente e Poente com caminhos e terreno público, inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...4, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55, livre e devoluto. - A aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo em que se mantiver a violação do direito de propriedade dos Exequentes, de valor diário não inferior a €50,00 (cinquenta euros)».
2. No requerimento executivo expuseram os exequentes o seguinte: «1. Por douta sentença transitada em julgado, proferida nos autos de acção declarativa a que a presente execução corre por apenso, foram os ali RR e aqui executados condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano denominado ..., em propriedade total, sem andares nem divisões susceptiveis de utilização independente, a confrontar do Norte, Sul, Nascente e Poente com caminhos e terreno público, inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...4, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55 e a restituirem aos exequentes o mesmo livre e devoluto. 2. Acontece que, apesar de já terem sido interpelados para restituirem o prédio em questão livre e devoluto, os executados, continuam até hoje a permanecer no mesmo, negando-se a restitui-lo aos exequentes. 3. O que impede os exequentes de exercer o seu direito de propriedade sobre o referido prédio. 4. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 868.º do Código de Processo Civil, os exequentes podem requerer a aplicação da sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo em que se mantiver a violação do dever de abstenção pelos executados, violação essa que se iniciou na data do trânsito em julgado da sentença exequenda. 5. Deixando-se ao prudente arbitrio de V.ª Ex.ª a fixação da mesma, sugerindo-se o valor diário de €50,00, por cada dia em que os executados se mantenham no prédio referido no item 1».
3. Deram à execução a sentença proferida no processo n.º 365/12...., da Instância Central Cível de Braga - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
4. Datado de 10-02-2016, foi proferido nos autos de execução principais o seguinte despacho (ref. ...27: «Requerimento que antecede: Atentos os motivos invocados no auto de diligência que antecede, defiro o requerido auxílio da força pública no acto de penhora, com recurso a eventual arrombamento de portas, se necessário, tudo nos termos do art.º 757.º e 764.º, n.º 4, do CPC, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6».
5. Interposto recurso do referido despacho proferido em 10-02-2016, por acórdão desta Relação de 13.05.2021 foi decidido não admitir o dito recurso (Ref.ª ...11 do apenso C).
6. A entrega judicial do imóvel ocorreu a 17/02/2016, conforme auto de entrega de imóvel dos autos principais de execução (Ref.ª ...04).
7. Interposto recurso do despacho proferido em 16.04.2018 nos autos principais de execução, por acórdão desta Relação de 17.10.2019 foi decidido “julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida, embora com base em fundamentação diversa da avançada no Tribunal de 1ª instância” (Ref.ª ...01 do apenso B).
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V. Fundamentação de direito.
1. Do erro na instauração do processo executivo à margem do preceituado no art. 85º CPC.
Alicerçando-se no Ac. da RE de 28.02.2019 (relator Rui Machado e Moura), disponível in www.dgsi.pt., sustentam os recorrentes que, “[f]ace ao que se encontra estipulado no actual Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artigo 85º, nºs 1 e 2, do CPC”.
Ao conhecer do erro na forma do processo executivo referem que o despacho apelado devia também conhecer do flagrante e notório “Erro” na própria instauração do processo executivo, à margem do preceituado no art. 85º do CPC.
Consequentemente, concluem que a execução não devia ter prosseguido os seus termos, porquanto:
1 - deveria o requerimento executivo ser – mesmo oficiosamente – liminarmente indeferido, com absolvição da instância executiva dos Executados;
2 - perante a apresentação de oposição à execução, mediante embargos de executado, a execução deveria, quando menos, ser suspensa.
A questão em apreço convoca a apreciação da incompetência do Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão.
Vejamos.
Configurando-se a sentença condenatória como título executivo – art. 703º, n.º 1, al. a), do CPC –, o art. 85º do mesmo diploma, sob a epígrafe “competência para a execução fundada em sentença”, estatui, nos nºs. 1 e 2, que: “1 - Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado. 2 - Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”.
Por sua vez, a Portaria n.º 282/2013, de 29/08, que veio regulamentar vários aspectos das acções executivas cíveis, entre os quais os termos de apresentação do requerimento nas execuções de decisão judicial condenatória [art. 1º, n.º 1, al. b)], estabelece, no que especificamente a estas concerne (art. 4º), que: “1 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória é efetuada nos termos previstos para as demais peças processuais no Código de Processo Civil e na portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais, com as especificidades previstas nos números seguintes. 2 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória por via eletrónica deve ser efetuada através do preenchimento do formulário específico constante no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais. 3 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória em suporte físico é dirigida ao tribunal que proferiu a decisão em 1.ª instância, e efetuada por qualquer dos meios legalmente previstos, utilizando o modelo de requerimento que consta do anexo II do presente diploma. 4 - O exequente deve indicar, no requerimento de execução da decisão judicial condenatória, a decisão judicial que pretende executar, estando dispensado de juntar cópia ou certidão da mesma. 5 - À execução da decisão judicial condenatória aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nas secções anteriores, considerando-se o requerimento de execução de decisão judicial condenatória apresentado apenas na data de pagamento das quantias previstas no n.º 6 do artigo 724.º do Código de Processo Civil, quando sejam devidas. 6 - Quando a parte pretenda executar pedidos com finalidade diversa, é designado apenas um agente de execução para a realização das diligências de execução”.
Acrescenta, ainda, o art. 2º, n.º 1, do mesmo diploma, prevendo acerca dos termos de apresentação electrónica, que “o requerimento executivo é apresentado por mandatário judicial através do preenchimento e submissão do formulário eletrónico de requerimento executivo constante do sítio eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, nos termos do artigo 132.º do Código de Processo Civil e de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes, ao qual se anexam os documentos que o devem acompanhar”.
Sendo este o quadro legal elementar, importa determinar qual a solução legalmente pertinente para as situações em que o exequente, pretendendo instaurar execução fundada em sentença, instaura-a directamente na secção especializada de execução, segundo os termos da lei de organização judiciária, em vez de apresentar o requerimento executivo no processo em que a sentença exequenda foi prolatada.
Vejamos, pois, o respetivo enquadramento doutrinário:
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2] explicitam que o n.º 1 do art.º 85º do CPC “não encerra uma norma de competência. Respeita à determinação, já não do tribunal, mas sim do processo no qual a execução é tramitada, estabelecendo a regra de que o é nos autos da ação em que a decisão (na 1ª. Instância) foi proferida”.
Por sua vez, o n.º. 2 do mesmo normativo “também não trata da competência para a execução, mas da remessa, ao tribunal competente para a execução de sentença, de certos elementos (o que se justifica pela circunstância de não ter sido esse o tribunal que proferiu a sentença), tendo, porém, implícitas as determinações das normas da LOSJ que se ocupam da competência para a execução da decisão (sentença ou outra de conteúdo condenatório: art.ºs 703-1-a e 705-1) proferida por tribunal português em acção proposta na 1.ª instância (art.ºs 111-2, 112-3, 113-2, 128-3, 129, 130-2-c e 131, todos da LOSJ) (…). Essas execuções são instauradas nos autos da ação declarativa ou no translado (n.º 1), mas subsequentemente processadas, em separado, no juízo de execução (n.º 2). No entanto, tal como as que são processadas no tribunal que proferiu a decisão exequenda, são consideradas como «executadas no próprio processo» para o efeito do art.º 550-2-a”.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[3] referem que “[n]os casos em que, de acordo com a LOSJ, a competência para a execução seja atribuída a um tribunal diverso daquele que proferiu a sentença (juízo especializado de execução), exigindo-se, embora, que o impulso processual ocorra nos autos declarativos (…), a lei determina que se extraia cópia da sentença, do requerimento executivo e dos eventuais documentos que o acompanham, sendo o processo de execução autuado com base nesse expediente (…)”.
Acrescentam tratar-se tal imposição “de um pormenor de natureza formal, pouco relevante para a eficácia da ação executiva, servindo essencialmente para traduzir a ideia de que à sentença condenatória se segue, sem hiatos, a execução coerciva, à semelhança do que já esteve previsto relativamente às ações de despejo cuja fase executiva surgia enxertada na ação declarativa (…)”.
Confirmando tal entendimento, referencia Marco Carvalho Gonçalves[4] que, na situação descrita no n.º 2 do art. 85º, “a secretaria do tribunal onde correu ou corre termos o processo declarativo deve, com carácter de urgência, remeter uma cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham para o juízo de execução competente”.
O que significa que “o requerimento executivo deve ser apresentado junto do tribunal onde correu ou corre termos o processo declarativo e não diretamente junto do juízo de execução que será competente para a tramitação da execução, pois que caberá ao tribunal onde foi proferida a sentença remeter ao juízo de execução a cópia da sentença, do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham”.
Por sua vez, Rui Pinto[5] aduz que o n.º 1 do art. 85º traduz a “expressão de algum sincretismo processual na execução de sentença proferida por tribunais nacionais, por meio da dedução do requerimento executivo nos próprios autos da ação declarativa”.
Pelo que, na concretização de tal sincretismo, “o artigo reconduz a determinação da competência territorial na execução de sentença nacional a um princípio de coincidência: a sentença nacional é sempre executada na comarca onde foi proferida”, sendo tramitada “de forma autónoma, no mesmo tribunal que proferiu a condenação, ao qual o requerimento executivo deverá ser dirigido, segundo os requisitos do artigo 4º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, incluindo o modelo do respectivo Anexo II. Será esse tribunal que tramitará a execução até ao seu termo, salvo se existir juízo de execução na respectiva comarca. Efetivamente, se existir juízo de execução na comarca (cf. artigos 81º., n.º 3, al. j) e 129º da Lei nº. 62/2013, de 26 de agosto e o Mapa III anexo ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março) o n.º 2 dita que a execução é remetida para o juízo de execução (...). Portanto, começando por ser executada nos próprios autos (n.º 1 do artigo 85º), depois da remessa para o juízo de execução a sentença passa a ser executada em separado”.
Todavia, caso o exequente deduza “diretamente o requerimento executivo logo no juízo de execução, tal não obsta à sua receção pela secretaria e à admissão pelo tribunal. Efetivamente, nem o juízo de execução é incompetente para tramitar a execução, nem a irregularidade constitui nulidade processual, à luz do critério do artigo 195º, nº. 1”.
Pelo que, após criticar o juízo defendido no aresto da RP de 01/02/2016, acrescenta que “a utilização dos instrumentos «clássicos» de interpretação das normas (cf. artigo 9.º CC) sempre levaria a concluir que o fito do «sincretismo» assente nos artigos 85.º n.º 1 e 626º n.º 1 é a economia processual a favor do exequente, e, não, a favor da lei; além do mais, a colocação direta da execução de sentença no juízo de execução não causa dano, processual ou substantivo, ao executado”.
Por fim, em sentido diferenciado, pronunciaram-se Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo[6], referindo que, “devendo a sentença ser executada nos próprios autos, vem sucedendo, com alguma frequência, que o exequente, em desrespeito pelo estatuído no nº. 1, em vez de remeter o requerimento executivo para a ação declarativa onde foi proferida a sentença, intenta a ação executiva diretamente na secção de execução. Poder-se-á argumentar que, existindo na comarca secção com competência especializada executiva, o requerimento executivo poderia ser aproveitado, convidando-se apenas o exequente a integrar no processo os elementos em falta”.
Todavia, “aceitar a referida prática, seria frustrar os objetivos legislativos no sentido de assegurar que a execução da sentença corra sempre nos próprios autos, transmitindo a ideia de que não se trata de um novo processo, dessa forma procurando assegurar o respeito pelo caso julgado”, donde concluem que se “trata de uma exceção dilatória inominada não suprível, devendo o requerimento executivo ser liminarmente indeferido”.
Vejamos, agora, o enquadramento jurisprudencial sobre a matéria em discussão:
Perfilhando entendimento idêntico ao sustentado no citado Ac. da RE de 28.02.2019 (relator Rui Machado e Moura), e ao propugnado pelos recorrentes, temos o Ac. da RP de 01/02/2016 (relator Caimoto Jácome), in www.dgsi.pt., no qual se explicitou impor “o nº 2, do art.º 85º, do CPC, que a execução de sentença é instaurada no processo onde foi proferida a decisão judicial que se pretende executar e apenas em momento ulterior passará a ser tramitada pelo tribunal com competência especializada de execução”.
Mais conclui que, “face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artº 85º, do CPC”, pelo que o “formalismo sequencial decorrente do estatuído no artº 85º, nºs 1 e 2, do CPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos enunciados princípios da oficiosidade (inquisitório), da cooperação, adequação formal ou economia processual”.
Citamos também o Ac. da RL de 07/06/2018 (relatora Octávia Viegas), in www.dgsi.pt., no qual se sumariou que “baseando-se a execução em sentença de homologação de pagamento proferida em processo judicial é nesse processo que deve ser apresentado o requerimento executivo (art.º 85, nº1, do CPC) Sendo apresentado requerimento executivo nos juízos de execução acompanhado de certidão da decisão, há lugar à sua rejeição”.
Adoptando entendimento claramente divergente com o propugnado pelos recorrentes, enunciamos os seguintes arestos: Ac. da RP de 08/03/2019 (relator João Diogo Rodrigues), Ac. da RE de 13/02/2020 (relatora Cristina Dá Mesquita), Ac. da RL de 10/09/2020 (relator António Santos), Ac. da RP de 23/05/2022 (relatora Fernanda Almeida), Ac. da RL de 22/06/2023 (relator Arlindo Crua) e o Ac. da RL de 23/05/2024 (relatora Gabriela de Fátima Marques), todos in www.dgsi.pt.
Na ponderação das duas posições em confronto, cremos que a última posição jurisprudencial citada mostra-se mais adequada e pertinente (pelo que será a acolhida), respeitando, ainda, o dever de gestão processual que incumbe ao julgador nos termos do art. 6º do CPC, o princípio da adequação formal inscrito no art. 547º do mesmo diploma, e, ainda, o princípio de economia e aproveitamento dos actos processuais.
Socorrendo-nos da circunstanciada e sólida argumentação aduzida no referido Ac. da RL de 22/06/2023 (relator Arlindo Crua), podemos/devemos enunciar e concluir o seguinte:
- estando-se perante decisão executável, proferida pelos tribunais portugueses, o princípio geral decorrente do n.º 1 do art. 85º do CPC, impõe que o requerimento executivo inicial seja apresentado no processo (declarativo) em que aquela foi prolatada, correndo a execução nos próprios autos declarativos, ainda que tramitada de forma autónoma;
- todavia, existindo, nos termos da lei da organização judiciária, secção especializada de execução naquela área onde foi proferida a sentença exequenda, o processo já não prosseguirá nos autos declarativos, devendo este remeter cópia da sentença exequenda, do requerimento executivo inicial e dos eventuais documentos que o acompanhem àquela secção especializada – o n.º 2, do mesmo art. 85º;
- caso o exequente, de forma indevida, apresente o requerimento executivo inicial na secção especializada de execução, ao invés de apresentá-lo no processo onde foi prolatada a sentença exequenda, em desrespeito do estatuído no n.º 1, do art. 85º, tal não configura excepção dilatória inominada insuprível, conducente ao indeferimento liminar do requerimento inicial executivo;
- o que se justifica, entre outras razões, pela circunstância daquele art. 85º não tratar de questões de competência ou de repartição da função jurisdicional, mas antes de determinação do processo no qual a execução deve ser tramitada;
- acresce que aquela solução, desde logo, revela-se extremada e maculada por um formalismo excessivo, pois, sendo certo que o prescrito no citado n.º 1 do art.º 85º tem por subjacente razões de economia/celeridade processual estabelecidas a favor do exequente, sempre seria destituído de lógica jurídica que, apresentando este o requerimento executivo directamente no tribunal de execução (que é, efectivamente, o competente para a acção executiva), tal revertesse contra si;
- na procura de uma solução ou compromisso equilibrado, e no apelo ao dever de gestão processual e princípio da adequação formal - arts. 6º e 547º, ambos do CPC -, bem como ao princípio da economia processual, antes se impõe e justifica que o tribunal da secção especializada de execução deva prosseguir com esta, em virtude da sua natural competência;
- no caso concreto, para além das aludidas razões, não é de desprezível valoração o facto de estarmos perante execução pendente há mais de 9 anos[7] (!), com vários apensos, sendo inclusive que a sentença apelada foi proferida no âmbito de deduzida oposição à execução mediante embargos;
- pelo que, neste circunstancialismo, fazer agora cessar a operacionalidade do decidido, só porque, decorrido tal tempo, se constatou que o requerimento executivo inicial não foi primariamente apresentado nos autos declarativos onde foi proferida a sentença exequenda, sempre se configuraria como um incompreensível e irrazoável desperdiçar dos actos processuais praticados ao longo de tais anos;
- obrigando, consequentemente, os exequentes a apresentar novo requerimento executivo, agora no processo fonte da sentença exequenda, que, juntamente com cópia desta, seria logo remetido à secção de execução onde já tramitam os presentes autos!
- o que, salvaguardado o devido respeito por posição contrária, não poderia deixar de revelar-se destituído de sentido e razoabilidade.
É, assim, improcedente a argumentação dos recorrente a este respeito.
Quanto à segunda questão colocada pelos exequentes – da suspensão da execução –, dir-se-á tão somente que o recebimento dos embargos de executado não suspende o prosseguimento da execução visto não se mostrar verificada nenhuma das hipóteses taxativamente elencadas no art. 733º do CPC[8].
Termos em que, devendo os autos executivos (e respectivos apensos) prosseguirem os seus ulteriores termos, improcede a pretensão dos recorrentes neste ponto.
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2. Do indevido conhecimento do erro na forma de processo executivo.
Tentando sistematizar os múltiplos e reiteradosargumentos aduzidos pelos recorrentes, advogam estes que o despacho saneador-sentença recorrido, proferido nos embargos de executado, não podia – do modo como o fez – suprir o erro na forma do processo executivo, na medida em que o referido despacho não supriu qualquer erro na forma do processo dos embargos, mas sim um erro na forma do processo de execução.
Como é sabido, a oposição à execução mediante embargos de executado é o modo de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais (que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação)[9], seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução[10].
Constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado e na dependência do processo executivo, fisicamente correndo por apenso.
Assim, embora os embargos constituam um procedimento estruturalmente autónomo, estão funcionalmente ligados ao processo executivo (fala-se em função instrumental da oposição[11], até porque sem execução não há oposição à execução), visando a pronúncia que neles é feita, quer sobre o mérito, quer sobre matéria processual, servir exclusivamente as finalidades e os fins da execução[12].
Este carácter incidental ou instrumental dos embargos, funcionalmente vinculados ao processo executivo em que se enxertam, resulta claramente do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 732.º do CPC, nos termos dos quais a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, além de que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
No caso em apreço, a questão do erro na forma do processo executivo não foi invocada pelos embargantes em sede do requerimento de oposição à execução, tendo sido, sim, aventada pela Mm.ª Juíza “a quo” no decurso do processo de embargos, sendo que previamente ao seu conhecimento deu oportunidade às partes para, querendo, se pronunciarem sobre a referida matéria, o que estas fizeram.
Como é sabido, o erro na forma do processo dá-se nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral (comum) ou especial de processo legalmente prevista.
É uma das nulidades que pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, nos termos dos arts. 196º, 547º e 551º, n.º 1, ambos do CPC.
Segundo o art. 193º do CPC:
«1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. 2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. 3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados».
Daqui se retira que o erro sobre a forma do processo só é configurável como exceção dilatória, conducente à absolvição da instância, quando nem a petição ou o requerimento inicial se pode aproveitar.
Não sendo esse o caso, o erro na forma do processo configura mera nulidade processual, sujeita ao regime geral do art. 195º, n.º 1, do CPC, pelo que o desvio ao formalismo processual só constitui nulidade quando possa influir no exame ou na decisão da causa; quando isso não acontece, ou seja, quando a formalidade preterida ou omissa não impede que o ato em causa atinja a sua finalidade, estamos perante uma mera irregularidade, sem qualquer relevo processual[13].
A acção executiva pode ter diferentes finalidades, em função da obrigação exequenda que consta do título executivo que lhe serve de fundamento.
Nos termos do n.º 6 do art. 10º do CPC, o fim da acção executiva, para efeitos do processo aplicável, pode consistir no pagamento de uma quantia certa, na entrega de uma coisa certa ou na prestação de um facto, positivo ou negativo.
Ora, no caso sub júdice, embora se pudesse dizer que se a forma do processo executivo não correspondia à forma legal ao juiz cabia no processo de execução mandar seguir a forma adequada, aproveitando os actos já praticados que pudessem ser aproveitados para esta forma (art. 193º, n.º 1, do CPC), a verdade é que a solução alcançada pelo Tribunal recorrido – de apreciar a referida questão em sede de embargos de executado – nada tem de censurável ou ilegal, até porque a convolação operada – prosseguimento dos autos principais como execução para entrega de coisa certa, ao invés da deduzida execução para prestação de facto – terá directa repercussão na delimitação da conformação e tramitação dos autos principais de execução, dos quais os embargos de executado são instrumentais ou dependentes (art. 732.º n.º 4, do CPC).
Dai não resultou nenhuma diminuição das garantias de defesa dos executados/embargantes (como adiante melhor explicitaremos), sendo na prática indiferente que a decisão sobre o erro na forma do processo executivo tivesse sido tomada no despacho saneador proferido nos embargos de executados, ao invés do próprio processo executivo.
Ao conhecer dessa concreta questão o despacho saneador não conheceu do mérito da causa, mas sim apreciou uma questão de índole processual com influência na modelação e tramitação do processo executivo (e dos demais apensos).
Veja-se que ao defenderem que o “despacho-saneador/sentença recorrido podia e devia conhecer - até mesmo oficiosamente” – da questão de saber se “é/era por apenso ao processo declarativo onde foi proferida a sentença a executar que a acção executiva tinha de ser instaurada”, a apreciação dessa questão igualmente teria atinência com a sorte e o desenvolvimento da acção executiva, posto que, a concluir-se como preconizado na apelação, tal acarretaria a verificação de uma excepção dilatória insuprível – a incompetência do Juízo de Execução –, com a consequente absolvição da instância executiva dos executados.
Por outro lado, embora na ordem sequencial enunciada no art. 577º do CPC a exceção de incompetência do tribunal preceda a nulidade total do processo e o art. 608º, n.º 1, do mesmo diploma legal imponha que, “sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”, o facto de o Tribunal recorrido ter conhecido do erro da forma do processo sem ter apreciado aquela questão não acarreta qualquer nulidade insuprível da execução. Tão pouco o despacho-saneador padece de inexistência.
Termos em que improcede este fundamento da apelação.
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3. Dos efeitos da verificação do erro na forma do processo executivo.
Dizem os recorrentes que, ao «decidir que houve erro na forma do processo executivo, convertendo-o para execução para entrega de coisa certa, uma de duas: ou se anulava todo o processo executivo ab initio ou, assim não sucedendo, então sempre deveria ser concedido novo prazo (de 20 dias) aos executados/embargantes para deduzir oposição à nova execução para entrega de coisa certa (Art. 860º, 861º-nºs 5 e 6 , 863º NCPC ): Assim não ocorrendo enferma de Erro de julgamento o Saneador/Sentença recorrido».
Acrescentam «estarmos perante uma flagrante dualidade de critérios: Os Exequentes têm o Tribunal a quo que lhes corrige oficiosamente o ERRO na Forma do Processo Executivo, aproveitando-lhes o Requerimento executivo E os Executados/Embargantes não têm -sequer - nova oportunidade de corrigirem eles próprios a sua Oposição à Execução, mediante novos Embargos a essa nova luz».
Na sequência da exposição anteriormente explicitada, dir-se-á que a consequência do erro na forma de processo consiste, regra geral, na anulação, maior ou menor, dos actos praticados (art. 193º, n.º 1, do CPC). O princípio geral é este: anulam-se unicamente os actos que não puderem ser aproveitados (e praticam-se os actos necessários ao ajustamento/adaptação do processado à forma prescrita na lei).
Portanto, o princípio, manifestamente norteado por uma ideia de máximo aproveitamento dos actos processuais, é o seguinte: o erro na forma de processo não importa, em regra, a anulação de todo o processo e, portanto, não se resolve, em regra, numa excepção dilatória (art. 278º, n.º 1, al. b), do CPC).
Pode, porém, excepcionalmente, ter esse efeito em dois casos: i) quando nada se puder aproveitar, por haver uma incompatibilidade irredutível entre a forma que se seguiu e a que devia seguir-se – como sucede quando a petição não puder ser aproveitada para a forma de processo que devia adoptar-se; ii) quando o aproveitamento do processo, embora possível, redunde numa diminuição de garantias do réu (art. 193º, n.ºs 1 e 2 do CPC)[14]. O limite a observar é sempre o das garantias da defesa do réu, não podendo aproveitar-se qualquer acto praticado de que resulte diminuição de tais garantias.
Este critério diz respeito às garantias asseguradas, em abstrato, na defesa dos direitos do réu (no caso, dos executados) em cada uma das formas de processo em confronto e não à comparação, em concreto, da defesa usada pelo réu ou pelo executado com a defesa pelo mesmo pretendida usar e inviabilizada pelo processo escolhido[15].
Correntemente a diminuição das garantias de defesa ocorre quando os prazos de impugnação são distintos e há um encurtamento do período para apresentar a contestação que é prejudicial aos interesses da pessoa demandada, quando existem diferentes efeitos cominatórios ou quando as consequências da revelia são mais gravosas entre as diferentes formas de processo[16].
E notoriamente não é este o caso.
Seguindo de perto a fundamentação explicitada na decisão recorrida diremos que, no caso das duas ações executivas em confronto – execução para prestação de facto (arts. 868º e ss. e 551º, n.º 2) e execução para entrega de coisa certa (arts. 859º e ss. e 551º, n.º 2) –, não se vê que haja qualquer diminuição das garantias do executado com o aproveitamento do requerimento executivo, que, para ambos os casos, preenche, minimamente, os requisitos previstos no art. 724.º, n.º 1, do CPC.
Tratando-se da execução de uma sentença condenatória transitada em julgado, os exequentes, na parte expositiva dos factos, limitaram-se a narrar o dispositivo da referida sentença, mais alegando que, apesar de já terem interpelado os executados para restituírem o prédio em questão livre e devoluto, estes negaram-se a restituí-lo e, daí, a instauração da acção executiva com vista a obter a restituição coerciva do referido imóvel.
Por outro lado, quer na execução para entrega de coisa certa como na execução para prestação de facto o prazo para deduzir oposição à execução, mediante embargos, é o mesmo – 20 dias (arts. 859º e 868º, n.º 2, do CPC).
Na execução para entrega de coisa certa, se a obrigação de entrega estiver titulada por sentença, a execução não está sujeita a despacho liminar, providenciando-se pela apreensão da coisa e só depois pela notificação do executado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 860.º e seguintes (arts. 626º, n.º 3 e 856º, n.º 1, do CPC).
Diversamente, na execução para prestação de facto os executados são logo citados para deduzir oposição (art. 868º, n.º 2, do CPC)[17], o que sucedeu no caso.
Acresce que, “sendo a apresentação da oposição à execução o ato adequado à realização da defesa pelos executados e dado que, no caso, foi deduzida oposição à execução, mediante embargos de executado, o ato de citação efetuado à luz do regime da execução para prestação de facto não implicou qualquer diminuição das respetivas garantias de defesa”.
A obrigação exequenda que emerge do título executivo é a mesma – obrigação de entrega/restituição de um determinado imóvel –, sendo que a Mm.ª Juíza “a quo”, tendo julgado verificado o erro na forma do processo, decidiu que, a manter-se a competência do Tribunal – de que não tomou expresso conhecimento[18] –, os autos principais/executivos seguirão os termos da execução para entrega de coisa certa – procedendo, portanto, à adaptação do processado à forma prescrita na lei e que era de aproveitar todos os atos praticados até essa data por daí não resultar diminuição das garantias de defesa dos executados.
Constata-se, por outro lado, que os executados estavam impedidos de deduzir oposição à execução com fundamento em benfeitorias a que se arrogassem titulares (para efeitos do disposto no art. 860º, n.º 1, 2ª parte, do CPC), porquanto, baseando-se a execução em sentença condenatória, essa questão foi formulada pelos réus, na acção declarativa, em sede de reconvenção (art. 266º, n.º 2, al. b) do CPC), tendo sido julgada improcedente essa pretensão reconvencional, pelo que formou caso julgado material (art. 619º, n.º 1, do CPC).
Mais aduzem os recorrentes que, ao conhecer e declarar o erro na forma do processo executivo, convertendo a execução para prestação de facto numa execução para entrega de coisa certa, e não concedendo novo prazo de 20 dias para deduzir oposição à execução em função dessa nova finalidade da execução, decretando a inutilidade superveniente da lide (dos embargos), as garantias de defesa dos executados ficaram claramente diminuídas.
A verdade é que, afora essa alegação genérica e conclusiva, não concretizam em que termos viram diminuídas ou afetadas as suas garantias de defesa.
Aliás, a ter-se desde logo enveredado pela observância da tramitação inerente à execução para entrega de coisa certa, a entrega coerciva do prédio teria sido desde logo efetivada antes mesmo dos executados terem sido notificados para deduzir oposição (art. 626º, n.º 3, do CPC). Nesse domínio poderá até concluir-se que, no caso, houve um benefício dos executados, pois que as diligências executórias com vista à entrega do imóvel apenas foram efetuadas após a dedução de oposição à execução.
Evidencia-se, por último, que os executados também não concretizam em que termos ficaram impedidos de invocar um fundamento novo de oposição à execução não cogitável à data da sua citação em função do modo como a execução foi apresentada, não sendo despiciendo assinalar o facto de, tratando-se de execução de sentença que decretou a entrega do imóvel, os fundamentos são limitados, restringindo-se aos elencados no art. 729º do CPC, quais sejam, factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.
Pelo exposto, entendemos que não havia fundamento quer para anular todo o processo executivo ab initio, nem, em alternativa, havia razões válidas para conceder aos Executados/Embargantes novo prazo (de 20 dias) para deduzir oposição à “convolada” execução para entrega de coisa certa.
Por isso, o saneador/sentença recorrido não enferma, nessa parte, de erro de julgamento, improcedendo este fundamento da apelação.
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4. Da inutilidade superveniente da lide.
Advogam os recorrentes que não ocorreu a inutilidade superveniente da lide, sob pena de privilegiar a prática do facto consumado, sendo que não foram apreciadas as questões levantadas na oposição à execução, nem foram conhecidas as questões de conhecimento oficioso, mas que até foram relembradas – pelos embargantes/recorrentes – no requerimento do exercício do contraditório quanto ao erro na forma do processo executivo.
Formalmente, assiste aos recorrentes em parte razão na crítica dirigida à solução jurídica alcançada na sentença impugnada, se bem que substantivamente careçam de fundamento no efeito jurídico que daí pretendem retirar.
Justificando.
Como é sabido, o modo normal de extinção da instância é o trânsito em julgado da sentença final ou do acórdão, seja uma decisão sobre a relação material controvertida, seja uma decisão de absolvição da instância.
No entanto, entre os fundamentos para a extinção da instância figura, nos termos do disposto na alínea e) do art. 277.º do CPC, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção anormal da instância, resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do demandante não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida[19].
A instância extingue-se porque se tornou inútil o prosseguimento da lide.
Verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
Na sentença recorrida, a Mm.ª Juíza “a quo” enunciou as seguintes premissas:
- através dos embargos de executado, os executados/embargantes invocaram, por um lado, a inexigibilidade da obrigação exequenda, uma vez que a sentença dada à execução não fixou o prazo para a prestação de facto nem os exequentes o indicaram ou requereram que fosse judicialmente fixado, e, por outro, a falta de pressupostos para a fixação da sanção pecuniária compulsória;
- foi decidido que os autos de principais seguirão os termos da execução para entrega de coisa certa, aproveitando-se todos os actos praticados até à data;
- na execução para entrega de coisa certa não há lugar à fixação de prazo para essa entrega, daí que se afigure inútil a prossecução dos embargos para apreciação da suscitada questão de inexigibilidade da obrigação exequenda, por falta de fixação de prazo para o cumprimento da obrigação; atenta a natureza do processo executivo – entrega para coisa certa -, a referida questão é, com o devido respeito, manifestamente improcedente.
- ademais, já houve lugar a entrega do imóvel em causa aos exequentes - cfr. Ref.ª ...04 do proc. principal -, desiderato pretendido com a propositura da execução;
- por outro lado, em face da desistência pelos exequentes do pedido de fixação de sanção pecuniária, mostra-se prejudicada a apreciação da eventual verificação dos pressupostos para a sua fixação.
Concluiu, por isso, não existir qualquer utilidade no prosseguimento dos embargos de executado.
E, consequentemente, ao abrigo do disposto no art. 277.º, alínea e), do CPC, declarou extintos os autos de embargos de executados, por inutilidade superveniente da lide.
Atalhando caminho, diremos ser de subscrever a solução jurídica aduzida pela Mm.ª Juíza “a quo” no tocante à questão atinente à fixação da sanção pecuniária, posto que, por força da desistência do pedido dessa pretensão, ficou inelutavelmente prejudicada a sua apreciação, tornando-se inútil o prosseguimento da lide para dela tomar conhecimento.
Quanto ao mais, ou seja, quanto ao facto dos demais fundamentos aduzidos nos embargos de executados não se traduzirem em nenhum dos motivos especificados no art. 729º “ex vi” dos arts. 626º, n.º 3 e 860º do CPC, ao invés de julgar extintos os embargos por inutilidade superveniente da lide, impunha-se, antes, salvo o devido respeito, julgar improcedentes os embargos de executado, visto os mesmos serem manifestamente inviáveis com vista à extinção da execução, no todo ou em parte.
Note-se que, dado o seu carácter restritivo, na execução de sentença que decretou a entrega de imóvel não podem ser deduzidos outros fundamentos senão os do art. 729º do CPC[20].
Aliás, essa ponderação de improcedência dos embargos não deixou de ser feita (e bem) pela Mm.ª Juíza “a quo”, embora subsequentemente tenha enveredado (quanto a nós, erroneamente) pela extinção dos embargos de executados por inutilidade superveniente da lei.
Por fim, importa dizer que, tendo a entrega do imóvel na execução sido coerciva ou forçada (arts. 861º, n.ºs 1 e 3 do CPC), e não voluntária, aquele facto por si só jamais teria a virtualidade de consubstanciar a inutilidade superveniente dos autos de embargos, posto que estes manteriam o interesse na análise dos fundamentos (impeditivos, modificativos e/ou extintivos) neles invocados. E, a procederem os embargos, com a consequente revogação da decisão de entrega da coisa, os executados poderiam requerer que se procedesse à respetiva restituição, nos termos do n.º 5 do art. 861º do CPC.
Assim, sendo de concluir pela improcedência dos embargos de executado (e não pela sua inutilidade superveniente), no tocante ao fundamento da sua extinção convola-se a respetiva qualificação jurídica da sentença recorrida.
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5. Da prestação de facto ou da entrega de coisa certa.
Sustentam os recorrentes que a acção executiva destina-se à prestação de facto e não à entrega de uma coisa certa.
Como é sabido, é de acordo com o objeto da pretensão que se determina se a ação executiva seguirá a tramitação correspondente ao pagamento de quantia certa, à entrega de coisa certa ou à para prestação de facto, positivo ou negativo[21].
Fundamental por isso é atentar na natureza da prestação devida ou nas diferentes finalidades da execução.
A acção executiva pode ter diferentes finalidades, em função da obrigação exequenda que consta do título executivo que lhe serve de fundamento.
Nos termos do n.º 5 do art. 10º do CPC, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
E, segundo o n.º 6 do citado normativo, o fim da acção executiva, para efeitos do processo aplicável, pode consistir no pagamento de uma quantia certa, na entrega de uma coisa certa ou na prestação de um facto, positivo ou negativo.
A execução para entrega de coisa certa visa efetivar obrigações que, em conformidade com o título executivo, tenham por objeto a prestação de uma coisa, nomeadamente imóvel ou móvel (arts. 204º e 205º do CC) e quer tenham por base uma relação obrigacional, quer decorram de um direito real (art. 827º do CC e art. 861º do CPC). Com efeito, de acordo com o art. 827º do CC, se a prestação consistir na entrega de coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que a entrega lhe seja feita judicialmente.
Por ela, o credor faz valer, não a garanta patrimonial do seu crédito, mas sim a faculdade de execução específica, mediante a apreensão da coisa que o devedor está obrigado a prestar-lhe[22]. O efeito jurídico pedido pelo credor é o resultado que se atingiria com o cumprimento[23].
Mesmo que a coisa tenha perecido ou desaparecido do património do executado, se do título executivo constar a obrigação de prestação de coisa, o processo adequado à sua efetivação é o da execução para entrega de coisa certa (que, em tais hipóteses, se poderá subsequentemente converter em execução para pagamento da indemnização substitutiva, nos termos do art. 867º do CPC)[24].
Por sua vez, a execução para prestação de facto tem como finalidade a efetivação prática das obrigações que, em conformidade com o titulo executivo, tenham por objeto uma prestação de facto, quer positivo (prestação “de facere”), quer negativo (prestação de “non facere”), ainda que de facto infungível se trate (arts. 828º e 829º do CC e arts. 10º, n.º 6 e 868º do CPC.
Por vezes, nas obrigações complexas, que envolvam tanto uma entrega de coisa, como uma prestação de facto, não é fácil, em concreto, fixar o fim da execuçãopara efeitos de determinar qual a espécie de execução adequada:se a execução para prestação de facto; se a execução para entrega de coisa certa
Como exemplos situados na fronteira entre as duas espécies de prestação, pode dar-se os casos em que o devedor está obrigado a entregar uma coisa após a sua criação ou montagem ou após determinadas alterações ou obrigado a prestar um facto e ao mesmo tempo a entregar certas coisas acessórias[25].
Contudo, se o título configurar uma obrigação de prestação de coisa, ainda que o devedor esteja também obrigado a uma prestação de facto a ela respeitante (obrigação de reparação, obrigação de montagem), deve usar-se o processo de execução para entrega de coisa certa[26].
Feita esta enunciação (sobre as finalidades da execução), dúvidas não temos no caso em apreço em subscrever o juízo formulado na sentença recorrida no sentido de estamos perante uma execução para entrega de coisa certa.
Como aí se referiu: «Posto isto, e sabendo-se que é ‘a análise do título’ que «deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da ação executiva» , no caso dos autos, (…), da mera análise da sentença que integra o título dado à execução resulta, desde logo, claramente, que o objeto da obrigação não é uma prestação de facto [a ação executiva para prestação de facto tem lugar sempre que o objeto da obrigação é uma prestação de facto de natureza positiva (obrigação de facere) ou negativa (obrigação de non facere)], mas outrossim a entrega do imóvel da propriedade dos exequentes. Nesse sentido, também aponta, sem margem para dúvidas, o próprio pedido executivo».
Em abono do assim decidido limitar-nos-emos a complementar que o título executivo judicial mais importante para entrega de uma coisa é a sentença de condenação na restituição do bem ao seu titular em ação de reivindicação (art. 1311º do CC)[27], como é precisamente o caso dos autos.
Com efeito, na sentença condenatória dada à execução os ali RR. e aqui executados foram condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano denominado ..., em propriedade total, sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, a confrontar do Norte, Sul, Nascente e Poente com caminhos e terreno público, inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...4, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55 e a restituírem aos exequentes o mesmo livre e devoluto (sublinhado nosso).
Portanto, reconhecido o direito sobre determinado imóvel e a condenação de restituição ao seu titular por sentença transitada em julgado, é admissível e é a adequada a instauração de acção executiva para a sua entrega.
Os demais argumentos invocados pelos recorrentes não deixam de ser uma reposição de objecções já anteriormente formuladas e julgadas inviáveis, pelo que, por razões de economia processual e a fim de evitar indevidas e fastididosas repetições, dando aqui por reproduzidas os motivos da sua improcedência nos dispensamos de os repetir.
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6. Da aplicação do art. 859º do CPC ao invés do art. 626º, n.º 3, do CPC.
Singelamente, referem os recorrentes que o saneador/sentença incorreu em erro de julgamento, por se lhes afigurar que, no caso ocorrente, não seria nunca aplicável o art. 626º, n.º 3, do CPC, mas sim o art. 859º do CPC, pois que, «não é uma “coisa certa” qualquer», tratando-se «da Casa de Habitação principal dos Executados (Art.861º-nº6 NCPC)».
A resposta à questão colocada não pode deixar de ser negativa.
Da leitura articulada do art. 626º com os arts. 85º, n.º 1 e 2 e 550º, n.º 2, al. a) resulta que o n.º 1 daquele normativo é aplicável à execução da decisão judicial condenatória proferida em processo que corra termos no tribunal. Qualquer execução cujo título executivo seja decisão judicial condenatória, independentemente do seu fim, fica sujeita a este regime, ou seja, aplica-se às execuções para pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa e para prestação de facto[28].
Estando a obrigação de entrega titulada por decisão judicial condenatória haverá que lançar mão do regime específico previsto no art. 626º[29], cujo n.º 3 estabelece que, «na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes».
Portanto, não haverá despacho liminar, nem a notificação prévia, e a oposição é posterior à apreensão e entrega. O que significa que o processo comum de forma única (art. 550º, n.º 4 e 859º e ss. do CPC) não é seguido, na medida em que não é aplicável o disposto no art. 859º e, depois, se faz primeiro a entrega e só a seguir a notificação ao executado (n.º 3 do art. 626º), em lugar de este ser primeiro citado e só depois ter lugar a entrega (arts. 859º e 861º do CPC)[30].
O disposto no n.º 3 do art. 626º aplica-se, indistintamente, às execuções para entrega de coisa certa que corram termos nos próprios autos e às execuções que corram perante secção especializada de execução[31].
Por fim, é inócua a invocação do regime previsto art. 861º, n.º 6, do CPC, na medida em que, aquando da entrega judicial do imóvel ou mesmo subsequentemente, e com vista à suspensão das diligências executórias, os executados não requereram nem comprovaram, por atestado médico, que a diligência punha em risco de vida a(s) pessoa(s) que se encontrava(m) no local, por razões de doença aguda.
Considerando, pois, a referida regra especial do art. 626º, n.º 3, do CPC que prevalece sobre o regime geral, resta julgar improcedente o fundamento de apelação em análise.
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7. Das inconstitucionalidades suscitadas nas alegações de recurso.
Nas conclusões das suas alegações, sob o item “Inconstitucionalidades”, os recorrentes sustentam: «a) A norma contida, conjugadamente nos arts 193º e 595º NCPC na interpretação segundo a qual é possível corrigir o Erro na forma do Processo Executivo sem apreciação prévia das questões suscitadas na Oposição à Execução e de conhecimento oficioso e ser decretada a inutilidade superveniente da lide da Oposição à Execução/Embargos é inconstitucional por violação do direito a um Processo Equitativo, do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art.6º CEDH e Arts. 2 e 20º da Constituição). b) A norma contida, conjugadamente, nos Arts. 6º, 193º,547º, 723º NCPC na interpretação segundo a qual pode ser decretada a inutilidade superveniente da lide da Oposição à Execução (Embargos) por erro na forma do Processo Executivo sem prévia apreciação oficiosa de questões preexistentes a montante de que cumpria conhecer, consubstanciadas na própria instauração da Acção Executiva fundada em Sentença judicial condenatória à margem do preceituado no Art. 85º- nº1 NCPC é inconstitucional por violação do direito a um Processo Equitativo, do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art. 6º CEDH e dos Arts. 2 e 20º da Constituição). c) A norma contida nos Arts 193º e 626º-nº3 NCPC, conjugadamente, de que se fez aplicação, na interpretação acolhida de que corrigido oficiosamente pelo Tribunal o Erro na forma do Processo executivo - de Prestação de Facto para Entrega de coisa Certa - “feita a entrega”, involuntariamente, não há lugar à fixação de novo prazo para deduzir Oposição à Execução em substituição da Oposição à Execução anteriormente apresentada é inconstitucional por violação do direito a um Processo equitativo e do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art.6º CEDH e dos Arts. 2º e 20º da Constituição). d) A norma contida nos Arts. Arts 193º e 626º-nº3 NCPC, conjugadamente, de que se fez aplicação, na interpretação acolhida de que corrigido o Erro na forma do Processo Executivo- de Prestação de Facto para Entrega de coisa Certa “feita a entrega”, involuntariamente, não há lugar à fixação de novo prazo para deduzir Oposição à Execução em substituição da Oposição à Execução anteriormente apresentada, corrigindo o Tribunal oficiosamente o Erro na Forma do Processo cometido pelos Exequentes/Embargados e não dando, sequer, oportunidade aos Executados para com fixação de novo prazo (de 20 dias) adequarem eles próprios a sua posição à nova situação criada impossibilita-lhes assim a apresentação de nova Oposição à Execução para Entrega de Coisa Certa é inconstitucional por violação do direito a um Processo equitativo, do principio da igualdade de armas das partes processuais, do Estado de direito e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (Art.6º CEDH e Arts 2º, 13º e 20º da Constituição). e) A norma contida nos Arts. Arts 193º e 626º-nº3 NCPC, conjugadamente, de que se fez aplicação, na interpretação acolhida de que corrigido o Erro na forma do Processo Executivo- de Prestação de Facto para Entrega de coisa Certa -“feita a entrega”, involuntariamente, não há lugar à fixação de novo prazo para deduzir Oposição à Execução em substituição da Oposição à Execução anteriormente apresentada, corrigindo o Tribunal oficiosamente o Erro na Forma do Processo cometido pelos Exequentes/Embargados e decretando a Inutilidade Superveniente da Lide não dando, sequer, oportunidade aos Executados para com fixação de novo prazo (de 20 dias) adequarem eles próprios a sua posição à nova situação criada impossibilita-lhes assim a apresentação de nova Oposição à Execução para Entrega de Coisa Certa é inconstitucional por violação do direito a um Processo equitativo, do principio da igualdade de armas das partes processuais, do princípio da proporcionalidade e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do Estado de direito (Art.6º CEDH e Arts. 2º, 13º e 20º da Constituição)».
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A Constituição Portuguesa consagrou o controlo difuso e concreto da constitucionalidade.
Perante as características do controlo difuso, a fiscalização concreta assume-se como um incidente na acção principal e, por isso, em cada acção judicial o tribunal pode conhecer e decidir uma questão de constitucionalidade[32].
O juízo de inconstitucionalidade só tem razão de ser enquanto reportado a normas jurídicas e não a decisões judiciais.
Com efeito, segundo o preceituado no art. 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro – correspondente ao art. 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição da Républica Portuguesa (CRP) –, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (recurso este que, como expressamente acrescentam os arts. 280º, n.º 6, da CRP e 71º da Lei n.º 28/82, é restrito à questão da inconstitucionalidade suscitada).
Objecto do recurso é sempre a constitucionalidade ou a legalidade de uma norma, não a constitucionalidade ou a legalidade de uma decisão judicial. Não abrange, obviamente, a questão principal discutida no tribunal “a quo”[33].
Nessa conformidade, o Tribunal Constitucional tem decidido em numerosos arestos que decorrem claramente daquele dispositivo que, por um lado, o recurso de inconstitucionalidade só pode ter por objecto normas jurídicas, pelo que não cabe na sua competência o controlo de outro tipo de actos jurídicos, designadamente de decisões judiciais; e que, por outro lado, esse seu controlo normativo compreende não só a norma jurídica como o que simplesmente se reporta a certa dimensão ou interpretação dada pelas instâncias à norma questionada[34].
Daqui se extrai a conclusão de que a sentença, como decisão judicial que é, não pode ser objeto de um juízo de inconstitucionalidade.
O que poderá ser objecto desse juízo são as normas jurídicas que a sentença explicita ou implicitamente aplicou[35].
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O art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).
Como se sintetizou no Acórdão do TC n.º 462/2016, de 14/07/2016 (relator João Cura Mariano), in www.dgsi.pt. (n.º 2.2), «o direito de ação ou direito de agir em juízo, efetivado através de um processo equitativo, entendido num sentido amplo, significa não apenas que o processo deverá ser justo na sua conformação legislativa, mas também que deverá ser um processo informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, de modo a que seja adequado a uma tutela judicial efetiva». Assim, «a doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de ação ou de recurso; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 415 e 416).». Acresce que, «se é certo que a exigência de um processo equitativo não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impõe, contudo, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva».
E, ainda nos termos do citado Acórdão do TC n.º 462/2016, de 14/07/2016 (relator João Cura Mariano) (n.º 2.1), «o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, constitui um verdadeiro princípio estruturante da ordem jurídica constitucional, sendo mesmo uma exigência do princípio do Estado de Direito. Trata-se de um princípio que vincula diretamente todos os poderes públicos – particularmente o legislador –, que estão assim obrigados a tratar de modo igual situações de facto essencialmente iguais e de modo desigual situações intrinsecamente desiguais, na exata medida dessa desigualdade, desde que esse tratamento desigual tenha uma justificação razoável e objetivamente fundada. O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem constitucional portuguesa, as seguintes dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 339)».
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade está consagrado no art. 18º, n.º 2, da CRP, o qual se desdobra em três subprincípios[36]:
«Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
Esquemática e sucintamente – posto que a invocação das “Inconstitucionalidades” também ela é sintética –, diremos o seguinte:
i) No tocante à inconstitucionalidade invocada sob a al. a), este Tribunal da Relação não deixou de apreciar a questão de conhecimento oficioso – atinente à (in)competência do Juízo de Execução e ao eventual erro da instauração do processo executivo à margem do preceituado no art. 85º do CPC –, bem como divergiu da decisão extintiva dos embargos de executado com fundamento em inutilidade superveniente, tendo concluído antes pela improcedência dos embargos de executado.
Por isso, sendo a sentença recorrida mantida com fundamento diferente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento da alegada inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal recorrido fez dos arts 193º e 595º CPC;
ii) No que concerne à inconstitucionalidade arguida sob a al. b), remete-se para a fundamentação explanada no item antecedente (i), quer quanto ao facto de no presente acórdão ter sido apreciada a alegada violação do disposto no art. 85º do CPC, quer quanto à divergência quanto à decisão recorrida que julgou extintos os embargos com fundamento em inutilidade superveniente da lide;
iii) Relativamente à inconstitucionalidade referenciada sob a al. c), diremos que não obstante a verificação do erro na forma do processo executivo e a determinação dos actos necessários ao ajustamento do processado de acordo com a lei, a verdade é que os executados foram citados para deduzir oposição à execução, tendo por referência o título dado à execução, que consubstancia uma sentença condenatória transitada em julgado, que, além de ter reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre o identificado prédio urbano, condenou os Réus a restituí-lo livre e devoluto, sendo que o efeito jurídico pretendido através da execução principal era a restituição/entrega judicial do aludido prédio.
O que significa que a concreta obrigação exequenda, não obstante a convolação da qualificação jurídica da finalidade da ação executiva, não foi objecto de qualquer alteração.
Consequentemente, entendeu-se não haver fundamento legal para a concessão de uma nova oportunidade para deduzir nova oposição à execução, visto não se ter verificado nenhuma alteração dos fundamentos da execução, além de se ter concluído que do aproveitamento dos actos já praticados não resultava diminuição das garantias de defesa do executados.
Acresce que os executados também não invocam nenhum fundamento novo de oposição à execução, sendo certo que, tratando-se de execução de sentença que decretou a entrega do imóvel, não podiam deduzir outros fundamentos senão os elencados no art. 729º do CPC, quais sejam, factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.
iv) Quanto à inconstitucionalidade aduzida sob a al. d), remete-se para a fundamentação aduzida no item iii);
v) No que diz respeito à inconstitucionalidade objeto da al. e), reiteramos a fundamentação explanada nos itens anteriores, destacando-se o facto de termos divergido da decisão que julgou extintos os embargos por inutilidade superveniente da lide, tendo antes concluído pela sua improcedência.
Nessa conformidade, sendo a sentença recorrida mantida com fundamentação diferente ou não exatamente coincidente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento da alegada inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal recorrido fez dos arts 193º e 626º, n.º 3, CPC.
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Assim, embora com fundamentação não exatamente coincidente, a sentença recorrida é de manter, improcedendo as conclusões dos apelantes.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas da apelação serão da responsabilidade dos recorrentes/embargantes (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida, embora com fundamentação não exatamente coincidente.
Custas da apelação a cargo dos apelantes (art. 527º do CPC).
[1] Reportamo-nos às conclusões corrigidas/rectificadas. [2] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edª., 2018, Almedina, pp. 193 e 194 [3] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., Almedina, 2025, p. 121. [4] Cfr. Lições de Processo Civil Executivo, 3ª Ed.ª, Almedina, 2019, p. 196 [5] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 231 a 233 e A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 267. [6] Cfr. A Acção Executiva Anotada e Comentada, 4ª ed., Almedina, 2024, p. 66. [7] A execução foi instaurada a 29/11/2015 (cfr. ref.ª ...84). [8] Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, a respeito da execução para entrega de coisa certa, por princípio, nada dizendo a lei em contrário acerca do efeito da pendência dos embargos de executado sobre a marcha da execução, aplica-se o regime no n.º 1 do art. 733º do CPC (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 291).
E, no tocante à execução para prestação de facto, resulta expressamente do n.º 3 do art. 868º do CPC que o “recebimento da oposição tem os efeitos indicados no artigo 733.º, devidamente adaptado”. [9] Cfr. Paulo Pimenta, In Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9, 2004, p. 73. [10] Cfr. José lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Almedina, 2022, pp. 449 e ss.; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, pp. 195/196, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, Almedina, pp. 149/150 e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 195. [11] Cfr. Ac. do STJ de 29/09/2009 (relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt. [12] Cfr. Ac. do STJ de 12/11/2009 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt. [13] Cfr. Ac. da RG de 23/03/2010 (Rosa Tching), CJ, Ano XXXV, T. II/2010, pp. 275/276. [14] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 476/477 e decisão singular da Relação de Coimbra de 26/06/2012 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt. [15] Cfr. Ac. da RG de 23.11.2017 (relatora Margarida Sousa), in www.dgsi.pt. [16] Cfr. Ac. da RE de 10/09/2020 (relator Tomé de Carvalho), in www.dgsi.pt. [17] Se o título executivo for uma sentença e correr cumulação entre a execução para prestação de um facto e a execução para pagamento de quantia certa ou para entrega de coisa certa, a citação do executado prevista no n.º 2 do artigo 868.º só será efetuada depois da realização da penhora (na execução para pagamento de quantia certa) ou da apreensão (na execução para entrega de coisa certa), sendo realizada em conjunto com a notificação do executado para deduzir oposição ao pagamento ou à entrega (art. 626º, n.º 4 do CPC). [18] A excepção da incompetência do Juízo de Execução foi suscitada, pelos executados, no recurso de apelação interposto em 14/03/2016 do despacho proferido nos autos de execução em 10/02/2016, recurso que não foi admitido pelo acórdão desta Relação de 13.05.2021 (apenso C). [19] Cfr. Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ n.º 1/2014, de 8/05/2013 (relator Fernandes da Silva), in Diário da República, 1.ª série, de 25 de Fevereiro de 2014). [20] Cfr. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 989. [21] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina, p. 39. [22] Cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva (…), p. 436. [23] Cfr. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 984. [24] Cfr. Manuel Tomé Soares Gomes, Da execução para entrega de coisa certa, Linhas Esquemáticas, novembro 1994, Centro de Estudos Judiciários, p. 1; Rui Pinto, obra citada, p. 985. [25] Cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva (…), p. 452. [26] Cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva (…), p. 436. [27] Cfr. Rui Pinto, A Acção Executiva (…), p. 985, que esclarece não constituir título executivo para entrega do bem a sentença de simples reconhecimento do direito (em especial, de propriedade) sobre o mesmo. [28] Cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 616/617. [29] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 290 e Rui Pinto, obra citada, p. 987. [30] Cfr. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º (artigos 627º a 877º), 3ª ed., 2022, Almedina, p. 768. [31] Cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 620. [32] Cfr. Manuel Afonso Vaz, Ana Teresa Ribeiro, Inês Folhadela, Raquel Carvalho e Catarina Santos Botelho, Direito Constitucional / O sistema constitucional português, 2ª Edição, Universidade Católica Portuguesa, 2015, p. 171. [33] Cfr. Jorge Miranda, O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal, in https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1119-2440.pdf. [34] Cfr. v. g., os Acórdãos n.º 388/87, no DR - 2 série-, de 15 de Dezembro de 1987; n.º 28/88, no DR, 2 série, de 7 de Maio de 1988; n.º 70/88, no DR, 2 série, de 22 de Agosto de 1988; n.º 123/88, do DR, 2 série, de 5 de Setembro de 1988, e n.º 199/88, no DR, 2 série, de 28 de Março de 1989. [35] Cfr. Ac. da RL de 31/03/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt. [36] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, de 2/05/2001, in www.dgsi.pt.