EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA
AVALISTA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Sumário


1 - A obrigação do avalista é autónoma em relação à obrigação do afiançado.
2 - Os subscritores de uma livrança são solidariamente responsáveis para com o portador, que tem direito de os acionar individual ou coletivamente, podendo exigir de qualquer deles toda a prestação.
3 - O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores na parte que a estes compete.
4 – O avalista de uma afiançada sujeita a PER, a menos que tenha intervindo expressamente no PER e a sua obrigação tenha sido reestruturada no âmbito desse plano, não pode beneficiar das suas disposições.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:
           
AA, residente na Rua ..., ... deduziu embargos à execução intentada por Banco 1..., S.A., ..., com sede na Rua ..., em ..., visando a respetiva extinção, ou, caso assim não se entenda, a suspensão até transitar em julgado a decisão a proferir no PER requerido pela subscritora das livranças dadas à execução.

Alega, para fundamentar a respetiva pretensão, em suma, que não foi interpelado aquando do incumprimento e antes do preenchimento da livrança – para o qual não deu o consentimento - o que obsta à exequibilidade da livrança ou, pelo menos, à inexigibilidade dos juros.
A exequente contestou no sentido da improcedência dos embargos.

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Foi proferida sentença que julgou a improcedentes os embargos.
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Inconformado veio o Embargante recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1ª - Na opinião do recorrente, a sentença de que se recorre enferma de uma incorreta interpretação e aplicação das normas previstas nos artigos 217º, nº 4 do CIRE, em conjugação com a letra e espírito subjacentes aos artigos 1º e 17ºA a 17 H do CIRE, bem como aos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10;
2ª - Está dado por assente, que e) Encontra-se pendente no Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz 1, o Processo Especial de Revitalização relativo à sociedade também aqui executada, com o nº 5019/24.3T8GMR, no qual já foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório;
3º - Está também dado por provado que f) O exequente reclamou no PER o crédito avalizado;
4º - Sendo que está ainda assente que g) Nos termos do Plano de Recuperação aprovado no processo referem apreciação, o mesmo prevê o pagamento do crédito avalizado nas seguintes condições: Consolidação da dívida à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização, com capitalização de juros vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação; Liquidação de juros de crédito, com periodicidade trimestral contados a partir da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados à taxa fixa de 3,50%. Pagamento de 100% da dívida consolidada, líquida da amortização que vier a resultar do produto da venda do imóvel da executada, em prestações postecipadas, de carater trimestral, em 11 anos, com amortização de capital e taxas de juro crescentes.
5ª - O atual processo especial de revitalização a que se reportam os arts 17º-A a 17º-H da L 16/2012 de 20/4, aliado ao SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extra-Judicial a que se refere o DL 178/2012 e outros que entretanto surgiram com a pandemia Covid-19) pretenderam inverter a referida lógica do CIRE, retornando, de algum modo - e em nome do interesse público de defesa da economia - a recolocar como primordial a recuperação do devedor, pois que, como é acentuado na Proposta de Lei 39/XII da Presidência do CM «cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que dificilmente se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas»”.
6º - Espelho desta mudança de paradigma decorre, desde logo, da redação do art. 1º do CIRE, onde se passou a afirmar na redação dada pela dita Lei nº 16/2012 que, primeiramente, “o processo de insolvência (…) tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente” e, só secundariamente, “quanto tal não se afigure possível, (n)a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” – redação esta que não sofreu alterações quer pela Lei nº 99-A/2021 de 31/12 quer pela Lei 9/2022 de 11 de janeiro.
7º - Aliás, se dúvidas houvesse, o nº 1 do art. 17º-A CIRE dispõe que “o processo de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
8º - Nesta conceção de recuperar a empresa, salienta-se o efeito previsto no nº 1 do art. 17º-E que “obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade”.
9º - Durante as negociações para ser recuperada, a empresa em PER e os credores devem atuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10, tal como impõe o nº 12 do art. 17º-D, destacando-se que as partes devem atuar de boa fé, [2º princípio]; devem cooperar entre si e com o devedor [4º princípio]; os credores envolvidos não devem agir contra o devedor [5º princípio];
10º - Com a suspensão das ações executivas contra a empresa em recuperação o que se pretende é pois não inviabilizar à partida o possível êxito das negociações com os credores e garantir a eficácia de qualquer medida de recuperação, por isso exigindo o legislador no «segundo princípio» acima referido que «durante todo o procedimento, as partes devem atuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos.
11º - A este propósito, atente-se na explanação de Madalena Perestrelo de Oliveira, in RDS, IV, 2012, 3, pg.718 e segs., supra citada e na jurisprudência supra referida, o Ac. do STJ, publicado na dgsi, com o n.º 172724/12.6YIPRT.L.S1, entre muitos outros aí citados; Veja-se também o Ac. STJ, com o n.º 1839/15.8T8STR.E1.S1, de 27-4-2017;
12º - E, de facto, aquilo que se pretendeu com esta medida (PER) - tanto quanto possível salvar o frágil tecido empresarial do País - arrisca-se a transformar-se numa «perda de tempo fatal».
13º - Pois não será difícil aceitar que o prosseguimento das ações executivas contra o sócio-gerente (e avalista) daquela empresa (como sucede no caso) põe também em causa a possibilidade de qualquer recuperação da empresa.
14º - De facto, a penhora de bens pessoais inerente à ação executiva instaurada contra o aqui recorrente, avalista e sócio-gerente da empresa em recuperação, limita seriamente a ação e o empenho que este dever empenhar na recuperação da empresa em PER, minando desde logo, quaisquer tentativas de aproximação deste (em representação da recuperada), aos credores garantes.
15º - Acresce que, a aprovação do plano de revitalização tem, precisamente, entre os seus objetivos, permitir o cumprimento dos contratos, adequando o programa debitório às concretas possibilidades do devedor.
16º - Este plano de modelação dos débitos pode, em concreto, comportar uma variante quantitativa (de perdão ou redução do capital ou juros), expressamente prevista no art. 217º, n.4 CIRE, (que não aproveita aos garantes do devedor) ou apenas uma variante quanto ao modo de cumprimento das obrigações, como se verifica no caso concreto, no qual foi modificado o tempo do cumprimento.
17º - O plano de revitalização tem pois um propósito distinto do da insolvência, sendo tipicamente um instrumento transitório destinado à superação de uma fase de crise económico-financeira do devedor, tendo em vista evitar a sua insolvência.
18º - Deste modo, a moratória ou o novo prazo de pagamento que os credores concedem ao devedor com a aprovação do plano de revitalização deverá aproveitar aos terceiros que pessoalmente garantem o crédito, enquanto o devedor continuar a cumprir o plano acordado.
19º - Não existindo, no caso concreto, afetação quantitativa do crédito, deverá entender-se que a aprovada modificação temporal aproveita aos terceiros que garantem o cumprimento das obrigações (leia-se embargado/recorrido), sobretudo porque a dilação do tempo de execução da obrigação modificada não é irrazoavelmente excessivo ou desequilibrado face à capacidade económico-financeira dos sujeitos envolvidos (credor e garantes).
20º - Sendo o plano de revitalização um contrato plurilateral, dotado de um sui generis procedimento formativo, cuja eficácia depende de homologação judicial, não lhe é, porém, estranha a aplicação das regras dos contratos.
21º - Não partilhamos o entendimento plasmado na sentença recorrida, segundo o qual, parece afirmar que aqueles que prestam garantias pessoais ao devedor, não sendo membros daquela estrutura negocial, não poderiam beneficiar das medidas aprovadas no plano – ora, a relatividade dos contratos não é um princípio absoluto e hermético.
22º - Por outro lado, a constatação da realidade sociológica permite concluir que, em regra, os terceiros que prestam garantias pessoais para financiamento das empresas (geralmente, micro ou pequenas empresas) são os seus sócios ou gerentes ou familiares destes, como é o caso.
23º - Assim, do ponto de vista da avaliação geral da solução, pode afirmar-se que ela se justifica por evitar uma excessiva onerosidade ou penalização daqueles que prestam garantias pessoais às empresas (e, por isso, expõem o seu património pessoal e familiar), quando a dívida garantida se encontra contemplada no PER.
24º - Entendemos, assim, pelo exposto, que a decisão recorrida não fez a correta aplicação do direito e, em particular, do art. 217º, n.4 do CIRE ao caso concreto, pelo que, ao contrário da sentença proferida pelo tribunal a quo, não está vedado ao embargante/recorrente invocar a abrangência do PER relativamente à sua obrigação.
25º - Em conclusão, a aprovação do Plano de Recuperação de Empresa que se encontra a ser negociado em processo judicial que tem como devedora a mutuária e subscritora da livrança dada à execução aproveita ao aqui recorrente, sendo, pois, inexigível a obrigação exequenda.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, nos termos das articuladas conclusões,
Assim se fazendo serena, sã e objetiva JUSTIÇA.
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Foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
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Questão a decidir:
- Verificar se deve aproveitar ao Recorrente/Avalista a moratória concedida ao devedor principal decorrente do recebimento do PER.
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A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:
           
a) Foi dada à execução a livrança no valor de €: 50.868,03 (cinquenta mil oitocentos e sessenta e oito euros e três cêntimos), com vencimento a 26 de Abril de 2024, nos termos do documento junto ao requerimento executivo como Doc. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
b) No exercício da sua atividade creditícia, a Exequente celebrou com a sociedade EMP01..., Lda., na qualidade de mutuária e com AA, na qualidade de avalista, o Contrato Mútuo (Empresas) n. º ..., em 16/01/2021;
c) Para garantia do cumprimento integral e atempado de todas e cada uma das obrigações resultantes do referido contrato, a sociedade mutuária subscreveu e entregou à Exequente, a livrança referida em a), em branco, no verso da qual o executado AA apôs a sua assinatura por baixo dos dizeres “Dou o meu aval ao subscritor”;
d) A referida Livrança destinava-se a ser preenchida pela Exequente, no caso de incumprimento do citado contrato, ao abrigo do pacto de preenchimento previsto na Cláusula 9.ª das condições gerais do Contrato;

Da petição de embargos:
e) Encontra-se pendente no Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz 1, o Processo Especial de Revitalização relativo à sociedade também aqui executada, com o nº 5019/24.3T8GMR, no qual já foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório;--
f) O exequente reclamou no PER o crédito avalizado;
g) Nos termos do Plano de Recuperação aprovado no processo referem apreciação, o mesmo prevê o pagamento do crédito avalizado nas seguintes condições: Consolidação da dívida à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização, com capitalização de juros vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação; Liquidação de juros de crédito, com periodicidade trimestral contados a partir da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados à taxa fixa de 3,50%. Pagamento de 100% da dívida consolidada, líquida da amortização que vier a resultar do produto da venda do imóvel da executada, em prestações postecipadas, de carater trimestral, em 11 anos, com amortização de capital e taxas de juro crescentes.

Da contestação:--
h) À data da apresentação da mutuária a Processo Especial de Revitalização, o contrato em apreço já se encontrava em incumprimento, tendo a ora Embargada remetido para a mutuária e avalista cartas para pagamento das quantias em mora em 02/04/2024;
i) Não tendo sido feito qualquer pagamento, a embargada declarou o vencimento antecipado do Contrato, ao abrigo da Cláusula 11.ª das Condições Gerais, nos termos das cartas juntas à contestação como documentos 4 e 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
j) Tanto as cartas de mora remetidas a 02/04/2024, como as cartas de declaração de vencimento antecipado do Contrato de 15/04/2024, foram remetidas para as moradas constantes do Contrato celebrado;
k) Nos termos dos pontos 14.2 e 14.3 da Cláusula 14.ª das Condições Gerais do Contrato: “14.2 As comunicações do BANCO ao(s) CLIENTE(S) e/ou AVALISTA(S) poderão ser dirigidas, salvo instrução ou disposição legal ou contratual em contrário: Para a(s) morada(s) do(s) CLIENTE(S) indicada(s) nas Condições Particulares; Para a(s) morada(s) do(s) AVALISTA(S) indicada(s) nas Condições Particulares; 14.3. Para efeitos de realização da citação no âmbito de ação judicial destinada ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do presente contrato, as partes convencionam as moradas indicadas nas Condições Particulares”;
l) Prescreve a Cláusula 9.ª do contrato que: “9.1. Em garantia do bom e pontual cumprimento de todas e cada uma das obrigações emergentes do presente Contrato, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas, impostos e demais encargos resultantes do presente crédito, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais que o BANCO venha a incorrer para cobrança dos seus créditos, o(s) CLIENTE(S) entrega(m) nesta data ao BANCO uma livrança em branco por si devidamente subscrita, e avalizada pelo(s) AVALISTA(S) caso tal seja indicado nas Condições Particulares. 9.2. O BANCO fica desde já expressamente autorizado pelo(s) CLIENTE(S), e pelo(s) AVALISTA(S) caso aplicável, a preencher o título referido no número anterior, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades que para si emergem do presente contrato, em caso de não cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato ou se, por qualquer motivo contratualmente previsto, vier a ser decretado o vencimento antecipado do contrato nos termos do artigo 11 infra.”
           
Do requerimento do executado de 28/10:
m) - As cartas remetidas ao embargante com as referências ..., respetivamente, ...87... e ...50... foram devolvidas ao remetente.

Do requerimento exequente de 7/11:
n) A morada contratual do Embargante correspondia à Rua ..., ..., ..., ... ...;
o) Essa mesma morada consta da Insc. 1 - AP. ...20, referente ao registo de constituição de sociedade e designação de membro de órgão social da mutuária EMP01..., Lda., no âmbito da qual o Embargante foi designado como gerente;
p) A comunicação de alteração de morada foi remetida a 24/07/2024 e rececionada pelo Banco a 31/07/2024.
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Factos não provados:

Da petição de embargos:
1) O exequente estava obrigado a avisar o aqui executado de que iria proceder ao preenchimento da livrança em caso de incumprimento do referido contrato;
2) Não foi dada qualquer autorização prévia do executado para o seu preenchimento;
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O Direito:

O Embargante entende que a suspensão das ações executivas prevista no nº 1 do art. 17º-E do CIRE, lhe deve aproveitar, na qualidade de avalista da empresa sujeita a PER.

Vejamos:
O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito.
O título executivo constitui, pois, a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art. 10º, nº5 do C. P. Civil).
No caso, o título executivo é uma livrança que o Embargante assinou na qualidade de avalista da sociedade subscritora.
Na parte com interesse para o caso em apreço, são aplicáveis às livranças, por via do art. 77º da LULL , os arts. 30º, 31º e 32º da mesma Lei.
Nos termos do artigo 30º, o pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.
Por sua vez, o artigo 31º, estipula que o aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa. Exprime-se pelas palavras «bom para aval» ou por qualquer fórmula equivalente; é assinado pelo dador do aval. O aval considera-se como resultando da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador. O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-á ser pelo sacador.
O artigo 32º, da LULL. estabelece que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.
Com base nos citados preceitos legais poderemos definir o aval como sendo o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança, garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores.
A obrigação do avalista é autónoma em relação à obrigação do afiançado. Na verdade, o avalista, ao apor a sua assinatura na livrança, assume uma obrigação cambial autónoma e solidária perante o credor, ora exequente.
No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2013 (publicado no DR, 1ª série de 21/01/23), explica que “O aval é uma garantia cambiária unilateral, não receptícia, abstracta, formal e escrita; espontânea e independente; pode ser parcial e configura um direito literal autónomo. Unilateral porquanto decorre da literalidade, autonomia, abstracção dos títulos de crédito que suprimem perante terceiros as defesas que se sustentam da inexistência de discernimento livre ou de causa, pelo que resulta juridicamente transcendente para criar responsabilidade a existência material do acto cambiário ainda que lhe falte a causa ou existam vícios de vontade do avalista. O referido pronunciamento voluntário torna-se incondicional, irrevogável e obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado ou a determinar. Não receptícia significa que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato.”
Relativamente ao Processo Especial de Revitalização, o mesmo vem previsto nos artigos 17º - A e seguintes do CIRE.
Como sublinham Carvalho Fernandes e João Labareda (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª ed., pág. 137, o Processo Especial de Revitalização), o Processo de Revitalização não se trata de uma modalidade do processo de insolvência, mas sim de uma espécie que vive em paralelo e autonomamente àquele, construído para a obtenção de resultados distintos. 
Acrescentando que, enquanto o processo de insolvência se constitui como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e nessa medida, a satisfação, também dos interesses dos credores.
Sobre a suspensão das ações em curso até à homologação do PER, dispõe o art. 17º - E, nº 1 do CIRE que, a decisão a que se refere o nº 5 do art. 17º-C (nomeação de administrador provisório) obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.     Assim, com a prolação do despacho acima referido, suspendem-se as ações executivas para cobrança de dívida que correm contra a empresa sujeita a processo especial de revitalização.

Como explicam Nuno Salazar Casanova e David Sequeira (in PER, o Processo Especial de Revitalização, pág. 104) “Importa referir que todos os efeitos do nº 1 do art. 17º-E estão exclusivamente direccionados à relação material e processual estabelecida com o devedor. Quer isto dizer que, se numa ação pendente existirem várias partes passivas entre as quais se conte o devedor, a ação deverá prosseguir – admitindo que não existem entraves de outra ordem – contra as demais partes passivas que não sejam o devedor.”
Assim, sendo a obrigação do avalista autónoma em relação à obrigação do afiançado, tal como acima se disse, a sua responsabilidade não está diretamente dependente do sucesso ou insucesso da recuperação da empresa afiançada no Processo Especial de Revitalização (PER).
Por outro lado, o plano de recuperação homologado no PER vincula apenas o respetivo devedor e os seus credores, nos termos previstos no nº11 do art. 17º - F do CIRE.
Assim, o avalista, a menos que tenha intervindo expressamente no PER e a sua obrigação tenha sido reestruturada no âmbito desse plano (o que no caso não acontece), não pode beneficiar das suas disposições.           
A alegação de que a continuação do processo executivo contra si (ora Embargante) com “a penhora de bens pessoais inerente à ação executiva instaurada contra o aqui recorrente, avalista e sócio-gerente da empresa em recuperação, limita seriamente a ação e o empenho que este dever empenhar na recuperação da empresa em PER, minando desde logo, quaisquer tentativas de aproximação deste (em representação da recuperada), aos credores garantes”, não colhe como argumento válido no sentido da suspensão da presente execução, pois a instauração de execução contra o avalista é um direito do portador da livrança/exequente que decorre da solidariedade da obrigação assumida pelos devedores da livrança (art. 47º e. 77º da LULL) e que não pode ser condicionado por fatores subjetivos relacionados com o avalista e externos ao título.
Acresce que, no âmbito do um Processo Especial de Revitalização (PER), os gerentes ou administradores da empresa objeto do Plano, mantêm a responsabilidade pelas sua ações ou omissões, podendo assim ser responsabilizados civil ou penalmente por danos causados à empresa, aos sócios, aos credores ou a terceiros, caso violem os seus deveres de cuidado, diligência ou lealdade, pelo que é do interesse do ora Recorrente agir com empenho e cuidado na gestão da empresa identificada nos autos, até para que essa empresa obtenha lucros que lhe permitam pagar as sua dívidas, incluindo as por si avalizadas.
É necessário ainda sublinhar que, ainda que os bens do avalista respondam por dívidas da avalizada, aquele tem direito de regresso contra os outros devedores /subscritores e, nomeadamente, contra o devedor principal, podendo, pois, posteriormente, reclamar contra este o valor que pagou (v. art. 524º do C. Civil), pelo que o prosseguimento da presente execução não lhe causa prejuízo irreparável.
Ao garantir a livrança o Embargante assumiu um risco e uma obrigação que são independentes da situação da devedora principal e, designadamente, da sua recuperação no âmbito de um PER.
Improcede, pois, a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.           
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.     Custas a cargo do Recorrente.
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Guimarães, 11 de junho de 2025

Alexandra Rolim Mendes
António Figueiredo de Almeida
Afonso Cabral de Andrade