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LOCAÇÃO FINANCEIRA
COMPRA E VENDA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
SUB-ARRENDAMENTO
Sumário
I - A declaração negocial deve valer de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário. II - A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia III – O direito de preferência previsto no artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) do CC pressupõe que o proprietário alienante do imóvel arrendado seja simultaneamente o locador desse imóvel. Se o imóvel foi dado de arrendamento pelo locatário financeiro, o (sub)arrendatário não tem o direito de preferir na venda que o proprietário faça do imóvel (ao locatário financeiro ou a terceiro).
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
EMP01..., L.da, intentou accção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP02..., L.da, e Banco 1..., S.A., pedindo a condenação das Rés a reconhecer o direito de preferência da Autora na alienação das frações ..., ..., ..., ..., ... e ..., com a consequente transmissão do direito de propriedade para si, e, bem assim, ser a Ré EMP02... condenada a restituir-lhe todos os valores de rendas pagas desde Dezembro de 2022 e até ao trânsito em julgado da sentença.
Alega para tanto, e em síntese, que é arrendatária daquelas fracções, uma, desde 24 de Fevereiro de 2016, e, outra, desde 31 de Janeiro de 2018, sendo a sua senhoria inicial a sociedade EMP03..., posteriormente substituída pela 1ª Ré.
Refere que as senhorias eram locatárias sendo locadora a 2ª Ré e que, em 16 de Dezembro de 2022, a EMP03... declarou transmitir para a 1ª Ré a posição contratual de locatária, em 30 de Dezembro de 2022, tendo as Rés resolvido o contrato de locação financeira e a 2ª Ré declarado vender à 1ª Ré as fracções em causa, sem que tivessem dado oportunidade à Autora de exercer o seu direito de preferência enquanto arrendatária.
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As Rés contestaram, impugnando os factos alegados na petição inicial, sustentando que não foi celebrado com a Autora um contrato de arrendamento, mas sim um contrato inominado de cedência de espaço e, por essa razão, a Autora não era titular do direito de preferência na compra e venda das fracções e que o direito da locatária na aquisição do bem prevalecerá sobre qualquer direito da Autora.
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Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho saneador e despachos a fixar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, após o que foi realizada a audiência final, sendo posteriormente proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu dos pedidos as Rés EMP02..., L.da, e Banco 1..., S.A.
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II-Objecto do recurso
Inconformada com essa decisão, veio a A. interpôr o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Por via da presente ação, peticionou a Recorrente que fosse reconhecido e exercido o seu direito de preferência na venda, pelo R. Banco 1... à R. EMP02..., Ld.ª, das frações autónomas onde tem instalados os seus escritórios e de que é arrendatária.
2. Nesta sequência, vem o presente recurso interposto da mui douta decisão datada de 14.11.2024, que julgou improcedente a presente ação de preferência e absolveu ambas as rés do pedido.
3. No que à matéria de facto concerne, expressamente se consigne, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, que os pontos da matéria de facto cujo sentido decisório vem inquinado por erro de julgamento e que mereciam resposta em sentido diferente, são os pontos reduzidos às alíneas P e T do elenco de factos provados.
4. E, pelo contrário, impunha-se que tivesse o douto aresto recorrido julgado provado os seguintes factos: i.AR.EMP02...nãoéproprietáriadetodasasfraçõesqueconstituemoprédioconstituídoempropriedadehorizontaldenominado“PólodeNegóciosde...”; ii.Oprédiodenominado“PólodeNegóciosde...”temafisionomiaeagestãodeumcondomíniodeumprédioconstituídoempropriedadehorizontal;e iii.Aspartescomunsdoprédiosãoadministradaspelaadministraçãodocondomínio.
5. Expressamente se consigne, nos termos e para todos os legais efeitos, que os meios de prova que impunham decisão em diverso sentido para os pontos P e T do acervo material relevado na sentença e para os três pontos acima referidos são o depoimento da testemunha AA, e, pela sua inépcia para tal, os contratos de (alegada) cedência de espaço e os depoimentos das testemunhas BB e CC (Cfr. Gravações através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo “H@bilus Media Studio”, nos termos do art.º 155.º do CPC, assim como em suporte físico (CD), ficheiros de áudio Diligencia_3855-23.7T8BRG_2024-10-08_10-06-52, de 6m11s a 8m17s; ficheiro de áudio Diligencia_3855-23.7T8BRG_2024-10-08_11-09-58, de 8m51s a 9m06s e de 10m58s a 12m13s e, ficheiro de áudio Diligencia_3855-23.7T8BRG_2024-10-08_11-46-24, de 50m38s a 50m57s.).
6. A menção, no ponto “P” a “espaço” é – salvo o muito respeito que é devido – tendenciosa à subsunção da relação jurídica a um enquadramento divergente da pura relação de arrendamento. Os contratos são muito claros na identificação das concretas frações autónomas do prédio em propriedade horizontal que são locadas à Recorrente.
7. O ponto P da matéria de facto assente, em bom rigor e em conformidade com a verdade, teria de ter sido redigido de forma a deixar evidente que o objeto dos contratos firmados entre a EMP03... e a EMP01... são as frações autónomas concretamente identificadas nos contratos e nos autos.
8. Revertendo agora ao facto vertido sob T, o Insigne Tribunal Recorrido firmou o seu entendimento no pressuposto de que o Pólo de Negócios de ... constituiria um empreendimento comercial que se subsume “pelasuaafinidade,àrealidadejurídicadoscontratoscelebradospeloslojistasqueintegramosseusestabelecimentosnoscentroscomerciais”. No entanto, a prova testemunhal e documental carreada para os presentes autos refuta esta interpretação.
9. Do depoimento das testemunhas AA, BB e CC, bem como da prova documental junta aos autos, resulta, também, que o ponto T da matéria de facto provada vem inquinado por flagrante erro de julgamento.
10. Deveria, ao invés, o ponto T do elenco de factos provados ter atendido à ausência de elementos essenciais a um “espaço” da natureza de um centro comercial, tais como gestão centralizada, lojas âncora, áreas comuns estruturadas, campanhas de marketing conjuntas e espaços de lazer.
11. Crê a Recorrente que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, mal andou o Tribunal aquo ao entender ser de enquadrar o edifício denominado “Polo de Negócios de ...” no conceito de “centro comercial” e, consequentemente, ao aplicar ao objeto do presente dissídio a norma geral, prevista no n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, ao invés do regime especial da Locação, consagrado nos artigos 1022.º a 1120.º do mesmo diploma.
12. Ora, conforme é consabido, não é nome que se dá a um contrato que vai definir ou vincular a subsunção dele à lei, e o contrato outorgado entre a Recorrente e a primitiva locatária tem todas as características que configuram a relação contratual de arrendamento, pelo que, salvo o devido respeito, de maneira nenhuma pode a Recorrente compadecer-se com o entendimento seguido pelo Mm. Juiz aquo.
13. Um Centro Comercial é um estabelecimento comercial único, dotado de clientela própria, com um proprietário próprio e gerido sob uma administração própria, integrado por lojas e espaços distribuídos de acordo com uma planificação técnica e estratégica, a que se somam espaços comuns de circulação e lazer, com todas as infraestruturas de apoio – serviços de limpeza, manutenção, ventilação, segurança e promoção – com o objetivo de assegurar a exploração integrada das diversas atividades comerciais de retalho e de prestação de serviços, de forma harmoniosa e com uma gestão centralizada. Feito este enquadramento preliminar, e atentando no conceito daquilo que é um verdadeiro Centro Comercial, facilmente se constata que não é este o caso do Pólo de Negócios de ....
14. Ora, o empreendimento denominado “Polo de Negócios de ...” é um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, que em pouco ou nada se assemelha a um centro comercial quatale. Do mesmo modo, o objeto da relação contratual aqui apreciada são frações autónomas, concretas e determinadas, e não um espaço sem autonomia jurídica.
15. Em suma, o Edifício denominado “Polo de Negócios de ...”:
i. é um prédio constituído em regime de propriedade horizontal;
ii. com o condomínio constituído e em funcionamento nos termos do disposto nos artigos 1417.º e seguintes do Código Civil;
iii. os imóveis locados são frações autónomas dele e não espaços indiferenciados de uma universalidade;
iv. a EMP02... nem sequer é proprietária da totalidade das frações autónomas do prédio, afastando a unicidade que caracteriza um centro comercial;
v. não é um centro comercial quatale, mas sim um simples prédio com lojas no rés-do-chão e escritórios nos pisos superiores, com corredores de acesso aos mesmos e entradas independentes;
vi. não possui lojas âncora; vii. nem WC’s de uso público;
viii.não tem largos corredores, nem zonas de estar e de lazer;
ix. não existem ações de promoção do espaço como um todo;
x. não existe um sistema de ventilação comum às diversas frações; xi. não há uma obrigatoriedade de estabelecer horários comuns de abertura e encerramento das lojas e escritórios.
16. Por tudo, é por demais evidente que, apesar do nome atribuído ao contrato, a relação jurídica que existiu entre a Recorrente e a EMP03... e existe entre a Recorrente e a EMP02... assenta num puro contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais.
17. O contrato de exploração de loja num centro comercial trata-se de um tipo contratual inominado, que se caracteriza pela cedência do gozo de um espaço – uma loja –, para o exercício deuma atividade comercial ou de prestação de serviços. As lojas que integram um centro comercial, encontram-se inseridas num complexo imobiliário coletivo, composto por diversas lojas, com comércios e serviços variados, e por espaços comuns de lazer, o que determina a sujeição a uma organização coletiva, com regras de funcionamento gerais do próprio centro comercial.
18. Já no que se refere ao contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, como é o caso no contrato que existiu entre a Recorrente e a EMP03... e existe entre a Recorrente e a EMP02..., o mesmo é regulado por disposições imperativas, e as frações objeto do contrato são exploradas individualmente. Há um afastamento do princípio geral da liberdade de estipulação, decorrente do princípio da autonomia privada, e emergem os princípios da proteção das expectativas de confiança do destinatário e da proteção de segurança do tráfego jurídico.
19. Resulta, assim, ostensivamente prejudicado o decidido pelo Insigne Tribunal aquo, sendo insofismável a qualificação do edifício e da sua administração como um típico condomínio e da relação entre a Recorrente e EMP03... e EMP02... como um claro arrendamento, com todas as legais consequências daí emergentes.
20. Resulta evidente que, também no que concerne à configuração do direito de preferência e à aplicação deste instituto jurídico ao dissídio presente, incorreu o Insigne Tribunal num manifesto erro e, além do mais, vai contra o que resulta da prova produzida.
21. Por escrito datado de 16.12.2022, a EMP03... declarou transmitir para a EMP02... a posição contratual de locatária no contrato de locação financeira que tem por objeto, entre outras, as frações das quais é arrendatária a Recorrente. Subsequentemente, a então locatária EMP02... e o locador financeiro, Banco 1..., S.A., declararam resolver o contrato de locação financeira em crise. Uma vez resolvido o contrato, o Banco 1... declarou vender à EMP02... as referidas frações autónomas.
22. A adquirente – que, antes de o ser, foi locatária do Banco e locadora da Recorrente – bem sabia, ao comprar, que os imóveis estavam onerados com contratos de arrendamento à aqui Recorrente, há bem mais de dois anos.
23. Assim sendo, na sequência da cessão da posição contratual de locatária financeira a EMP02... tomou a posição da EMP03..., Ld.ª nos contratos de arrendamento em vigor sobre aquelas frações, tendo notificado a Recorrente, que lhe deveria passar a pagar a si a contrapartida financeira pela utilização das frações.
24. Ou seja, a Recorrente mantém-se na posição de arrendatária das frações autónomas acima referidas, - tal como se mantinha à data da compra e venda pelo Banco 1... à EMP02... – tendo apenas alterado a entidade que figura na qualidade de senhorio e tendo a atual senhoria adquirido o direito de propriedade sobre os imóveis.
25. Mais, não pode, igualmente, a Recorrente aquiescer com a posição sufragada pelo Insigne Tribunal aquo quando refere que, face à cessação da locação financeira, a sublocação caduca imediatamente, razão pela qual caducaria também o direito de preferência da Recorrente.
26. A Recorrente tem vindo a pagar as prestações mensais à EMP02..., a título de rendas, despesas e encargos, desde a data em que esta adquiriu o direito de propriedade sobre as frações, até ao presente, e, naturalmente, continuará a pagar as rendas que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na presente ação.
27. A faculdade de o locatário originário ceder a terceiro parte ou a totalidade do espaço locado, quando exercida, configura um novo contrato, regido pelas suas próprias regras e condições, pelo que a extinção da locação originária não deve, em si mesma, implicar automaticamente a extinção da sublocação.
28. A proteção do sublocatário, como a aqui Recorrente, como ocupante legítimo do espaço, é um elemento central na justificação da manutenção da sublocação.
29. Além disso, o respeito pelos princípios da autonomia contratual, boa-fé e a proteção do sublocatário justificam a manutenção da sublocação, assegurando a continuidade das relações jurídicas estabelecidas no âmbito desse contrato específico.
30. Em jeito de conclusão, sempre se repita que a EMP02... bem sabia, ao adquirir as frações, que os imóveis estavam onerados com contratos de arrendamento à aqui Recorrente, há bem mais de dois anos.
31. Ora, através da cessão da posição contratual de locatária financeira, a EMP02... tomou a posição da EMP03... nos contratos de arrendamento em vigor sobre aquelas frações. Tendo, aliás, notificado a Recorrente, de que lhe deveria passar a pagar a si a contrapartida financeira pela utilização das quatro frações.
32. Pelo que, nesta sequência, a Recorrente mantém-se na posição de arrendatária das frações autónomas, tendo apenas alterado a entidade que figura na qualidade de senhorio e tendo a atual senhoria adquirido o direito de propriedade sobre os imóveis.
33. Contudo, não obstante a Recorrente se mantenha na posição de arrendatária, nem o Banco 1..., nem a adquirente EMP02..., procederam à sua notificação para exercer o direito legal de preferência que lhe assistia na venda das frações autónomas, ao arrepio das instruções constantes dos artigos 416.º, 1410.º e 1091.º do CC.
34. Por todo o exposto, conforme peticionado, é imperioso o reconhecimento do direito de preferência da Recorrente, com a consequente transmissão das frações arrendadas para a sua titularidade, bem como a restituição integral das rendas pagas desde a data da alienação até ao trânsito em julgado da decisão, julgando-se procedente o presente recurso, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Nestestermos,enosmelhoresdeDireitoque V.Exas.doutamentesuprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a Sentença proferida pelo Insigne Tribunal a 14.11.2024, com as legais consequências.
Assim decidindo, V. Exªs. farão, como sempre, JUSTIÇA!
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Quer a 1.ª R., quer o 2.º R., apresentaram contra- alegações pugnando pela improcedência do recurso.
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Recebido o recurso, foram colhidos os vistos.
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III-O Direito
Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, importa apurar se a Autora é titular do direito de preferência na compra e venda das fracções.
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Fundamentação de facto
A) No âmbito de um contrato de locação financeira imobiliária, o Banco 2..., S.A., adquiriu e deu em 26.06.2012 em locação à sociedade “EMP03..., Ld.ª”, fracções autónomas (entre outras, as fracções ..., ..., ..., ..., ... e ...) que integram o prédio urbano, constituído no regime da propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28, da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...22.º.
B) Tal contrato foi objecto de dois aditamentos, respectivamente em 26.03.2020 e 16.12.2022.
C) Também em 16.12.2022, ocorreu a cessão da posição contratual de locatária da sociedade EMP03..., Lda., para a Ré EMP02..., Lda., ao abrigo do disposto na Cláusula 11.ª do Contrato de Locação Financeira e com o acordo do locador, ora Réu.
D) O Banco 1..., S.A. sucedeu ao Banco 2..., S.A. na posição de proprietário dos imóveis e locador financeiro.
E) Por escrito particular outorgado a 31 de Janeiro de 2018, a EMP03... obrigou-se a proporcionar à A., mediante o pagamento de uma contrapartida mensal que se fixou em Eur 1.500,00, pelo período de dez anos, a fracção autónoma designada pelas letras ... do prédio urbano, constituído no regime da propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28, da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...22.º.
F) Bem como das fracções autónomas designadas pelas letras ... e ..., correspondentes a dois lugares de garagem localizados no piso ....
G) Por um outro escrito particular, outorgado a 24 de fevereiro de 2016, a EMP03... obrigou-se a proporcionar à A., mediante o pagamento de uma contrapartida mensal que se fixou em Eur 1.100,00 (mil e cem euros), pelo período de dez anos, a fracção autónoma designada pelas letras ... do mesmo prédio urbano.
H) Bem como das fracções autónomas designadas pelas letras ... e ..., correspondentes a dois lugares de garagem localizados no piso ....
I) Ambos os acordos firmados entre a A. e a EMP03... têm por objecto fracções autónomas, concretas e determinadas, de um prédio constituído no regime da propriedade horizontal, sendo duas destinadas a escritório e quatro destinadas a estacionamento.
J) Por documento particular autenticado, outorgado a 30 de dezembro de 2022, a R. EMP02..., Ld.ª e o locador financeiro, Banco 1..., S.A., declararam resolver o contrato de locação financeira em crise.
K) E o Banco 1... declarou vender à R. EMP02..., Ld.ª 175 fracções autónomas, incluindo as frações ..., ..., ..., ..., ... e ... do prédio referido.
L) E declarou vender à R. EMP02..., Ld.ª, que as declarou comprar, pelos seguintes valores:
Fracção ... – Eur 196.749.70;
Fracção ... – Eur 181.882,77;
Fracção ... – Eur 4.447,99;
Fracção ... – Eur 4.447,99;
Fracção ... – Eur 4.447,06;
Fracção ... – Eur 4.447,06.
M) A R. EMP02..., Ld.ª, notificou a A., em inícios do ano de 2023, informando-a que lhe deveria passar a pagar a contrapartida financeira pela utilização dos imóveis.
N) Nem o Banco 1..., nem a R. EMP02..., Ld.ª procederem à notificação à A. para, querendo, exercer direito legal de preferência.
O) À data da instauração da acção, a A. pagou à R. EMP02..., Ld.ª, desde a data em que esta adquiriu o direito de propriedade sobre as fracções, a quantia total de Eur 28.404,00.
P) Nos dois contratos celebrados com a Autora, a Ré obriga-se a proporcionar à Autora o gozo de um espaço e vinculou-se, igualmente, a prestar um determinado conjunto de serviços.
Q) Nos considerandos e cláusulas dos contratos denominados “Contratos de Cedência de Espaço”, prevê-se, além do mais, o seguinte:
i. a estrutura, enquanto empreendimento comercial - com o objetivo de assegurar a exploração integrada de diversas atividades comerciais e de prestação de serviços em Lojas, Escritórios e espaços, de harmonia com uma gestão centralizada -, do prédio, conforme considerando C) dos Contratos que infra se transcreve:
“C) O PÓLO DE NEGÓCIOS DE ... constitui um EMPREENDIMENTO COMERCIAL composto por Lojas, Escritórios e espaços destinados a actividades comerciais de retalho, lazer e prestação de serviços distribuídos de acordo com uma cuidada planificação técnica e espaços comuns de circulação e lazer, com todas as infraestruturas de apoio, nomeadamente, serviços de limpeza, manutenção, segurança, promoção, criação de espaços de diversão e lazer, decoração, iluminação, climatização e parque de estacionamento, com o objetivo de assegurar a exploração integrada de diversas actividades comerciais e de prestação de serviços em Lojas, Escritórios e espaços, de harmonia com uma gestão centralizada”.
ii. obrigatoriedade e direito contratual de a Ré gerir e explorar, sob a forma de comércio integrado, o PÓLO DE NEGÓCIOS DE ..., designadamente, desenvolvendo a atividade de organização, administração, promoção, direção e fiscalização do funcionamento e utilização, conforme considerando D) dos Contratos que infra se transcreve:
“D) A EMP03... por si ou por via de uma entidade para o efeito contratada, tem o dever e o direito de gerir e explorar, sob a forma de comércio integrado, o PÓLO DE NEGÓCIOS DE ... incluindo as áreas de utilização comum do mesmo, ainda que sejam áreas de circulação; inclui-se na gestão, de um modo geral, a organização, administração, promoção, direção e fiscalização do funcionamento e utilização do PÓLO DE NEGÓCIOS DE ...”.
iii. aprovação, pela Ré, de um Regulamento Interno, que deu a conhecer à Autora e que esta aceitou, que visa a simplificação e harmonização dos direitos e obrigações dos Lojistas/Utilizadores, enquanto utilizadores a qualquer título, das Lojas, Escritórios, ou de quais quer outros espaços ou dependências que constituem o PÓLO DE NEGÓCIOS DE ..., com vista ao sucesso integrado do empreendimento comercial, conforme considerando E) dos Contratos que infra se transcreve:
“E) Para simplificação e harmonização dos direitos e obrigações dos Lojistas/Utilizadores, enquanto utilizadores a qualquer título, das Lojas, Escritórios, ou de quais quer outros espaços ou dependências que constituem o PÓLO DE NEGÓCIOS DE ..., bem como para permitir o seu bom e normal funcionamento, indispensável ao seu sucesso e assim, também no interesse de todos os Lojistas e utilizadores do mesmo e, ainda, para viabilizar essa administração, a EMP03... aprovou um Regulamento lnterno de Condomínio do PÓLO DE NEGÓCIOS DE ..., daqui em diante designado por REGULAMENTO, que é entregue ao SEGUNDO CONTRAENTE na sua versão final, que deverá ser respeitado pelas ora Contraentes e demais lojistas/utilizadores que integrarão o PÓLO DE NEGÓCIOS DE ...”
iv. Realização de diligências prévias por parte do Locatário Financeiro que antecedeu a Ré na sua posição contratual, que envolveram pesquisas de mercado, estudos de viabilidade económica, de projetos e de distribuição de "tenant mix" com vista à conceção implantação e implementação do referido PÓLO DE NEGÓCIOS DE ... e que permitiram a criação de uma estrutura adequada ao funcionamento, que é fator de valorização do empreendimento como um todo e de cada um dos negócios nele integrados, conforme considerandos F) , H) e I) dos Contratos que infra se transcreve:
“F) A EMP03... elaborou e suportou apurados estudos técnicos que envolveram pesquisas de mercado, estudos de viabilidade económica, de projetos e de distribuição de "tenant mix" com vista à conceção implantação e implementação do referido PÓLO DE NEGÓCIOS DE ... (…).
H) Os referidos estudos e planeamento possibilitaram a criação de uma estrutura adequada ao funcionamento do PÓLO DE NEGÓCIOS DE ...;
I) Essa estrutura, conseguida mercê dos elementos coligidos pelos meios e processos acima indicados, é um factor decisivo na valorização do PÓLO DE NEGÓCIOS DE ... e de toda e cada um a das Lojas/Escritórios nele integradas no âmbito do respectivo mercado”.
v. Subordinação do empreendimento comercial a normas técnicas de manutenção e melhoramento da sua qualidade e operacionalidade uniformizadas, cujo acompanhamento fica a cargo da ora Ré e que constituem uma prestação do serviço do mesmo, prestação essa indissociável da utilização a qualquer título das Lojas Lojas/Escritórios e espaços pelos respetivos Lojistas/Utilizadores, conforme considerando J) dos Contratos que infra se transcreve:
J) O PÓLO DE NEGÓCIOS DE ... deve funcionar como um todo harmónico, subordinado a normas técnicas de manutenção e melhoramento da sua qualidade e operacionalidade, e sujeito a um acompanhamento constante por parte do seu responsável, aqui EMP03..., para o que é indispensável a prestação dos serviços cometidos à EMP03... e descritos no presente contrato e REGULAMENTO, sendo essas prestações indissociáveis da utilização a qualquer título das Lojas Lojas/Escritórios e espaços pelos respetivos Lojistas/Utilizadores”.
R) No que se refere à contrapartida financeira, os contratos prevêem, na sua Cláusula Quinta, uma contrapartida financeira mensal acrescida de actualizações anuais pela cedência dos escritórios e lugares de garagem,
S) Prevêem, na Cláusula Sexta, a comparticipação da Autora, na respectiva quota-parte, nas despesas e encargos incorridos pela Ré – ou por quem esta tenha incumbido a gestão do Pólo de Negócios de ... –, com a administração e manutenção do mesmo, sendo indispensáveis ao seu funcionamento, nomeadamente, seguros, conservação, limpeza, segurança, fiscalização, marketing e modernização do empreendimento comercial.
T) Os espaços objecto de cedência à Autora integram-se num empreendimento comercial – denominado Pólo de Negócios de ... –, um espaço construído e concebido para funcionamento de vários estabelecimentos de comércio e de serviços de acordo com um plano prévio, tecnicamente concebido e que oferece aos lojistas/utilizadores e ao consumidor adequada e diversificada concentração de actividades comerciais e de serviços.
U) Da Cláusula Décima Primeira dos contratos resulta que a celebração do contrato foi realizada “intuitus personae”, tendo em conta o perfil, qualidades e garantias oferecidas pela Autora, assim como a base negocial e identidade dos gerentes.
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Fundamentação Jurídica
Entende a A./Recorrente que o tribunal a quo cometeu um grave erro de julgamento quanto ao dado como provado nos pontos P) e T), que deviam ter merecido uma resposta de sentido diferente, e que se impunha que tivessem sido julgados provados os seguintes factos: i.AR.EMP02...nãoéproprietáriadetodasasfracçõesqueconstituemoprédioconstituídoempropriedadehorizontaldenominado“PólodeNegóciosde...”; ii.Oprédiodenominado“PólodeNegóciosde...”temafisionomiaeagestãodeumcondomíniodeumprédioconstituídoempropriedadehorizontal;e iii.Aspartescomunsdoprédiosãoadministradaspelaadministraçãodocondomínio.
Especificamente, diz que a menção, no referido ponto “P” a “espaço” é tendenciosa à subsunção da relação jurídica a um enquadramento divergente da pura relação de arrendamento, pelo que teria de ter sido redigido de forma a deixar evidente que o objecto dos contratos firmados entre a EMP03... e a EMP01... são as fracções autónomas concretamente identificadas nos contratos e nos autos.
Relativamente ao facto vertido sob T, defende que a prova testemunhal e documental carreada para os autos refuta a interpretação de que os espaços que ocupa se inserem num empreendimento comercial, apontando, nesse sentido, o depoimento das testemunhas AA, BB e CC, bem como da prova documental junta aos autos.
In casu, a A./Recorrente, nas conclusões, não apontou a razão do tribunal a quo ter errado, no sentido de explicar porque deveria ter sido outra a convicção a formar com base na prova que indicou, não tendo igualmente, por outro lado, mencionado qual o concreto conteúdo dos documentos e respectivo teor dos depoimentos constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada quanto a toda a prova testemunhal, que impunham uma decisão diferente.
Sob esta perspectiva e considerando o que do corpo das alegações consta, impõe-se analisar a prova e sentido da factualidade apurada, por se considerar ter sido minimamente cumprido o ónus de impugnação da matéria factual posta em causa.
Aliás, como aponta o Acórdão do STJ UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL), de 17-10-2023, Proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, não se pode ‘deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.’.
Posto isto, nessa prospecção da prova tida em conta pelo tribunal a quo em confronto com a que é apontada pela recorrente, decorre que:
- a testemunha AA, gerente de um ginásio a funcionar no mesmo pólo de negócios, admitiu que tem um diferendo em Tribunal contra a 1ª Ré, tendo referido o modo de funcionamento do pólo de negócios e afirmado que quem manda no espaço é a 1ª Ré;
-a testemunha BB, administrativo, que trabalha para a 1ª Ré há 25 anos, fazendo a gestão dos contratos de cedência de espaço e dos contratos de arrendamento, há cerca de 10 anos, esclareceu sobre o critério da EMP02... na celebração de contratos de arrendamento (edifícios de habitação, sem outros serviços) e na celebração dos contratos de cedência de espaço (edifícios comerciais, entre eles os retails, os pólos de negócios e os centros comerciais), confirmando a sujeição a IVA dos contratos de cedência de espaço e os serviços prestados pelo condomínio no pólo de negócios; e
-a testemunha CC, director comercial da EMP02... desde 2008, pronunciou-se sobre os contratos em causa, descreveu o pólo de negócios, a forma de organização, os serviços prestados aos lojistas, o critério usado para a celebração de contratos de arrendamento (locais em que o espaço não precisa do funcionamento do todo, como habitação e armazéns), atestando que quem faz a gestão do espaço é uma empresa de gestão de condomínios do grupo EMP02....
Contudo, como o apontou o tribunal a quo, a sua convicção para dar os factos impugnados como provados baseou-se essencial e fundamentalmente nos contratos, com os seus extensos considerandos e cláusulas exaustivas.
Assim, não se pode olvidar que a primeira das referidas testemunhas tem litígio contra a EMP02..., interessando-lhe que os contratos sejam considerados como arrendamentos, sendo o seu depoimento meramente opinativo, sem sustentação no que foi clausulado pelas partes nos contratos em causa.
Com efeito, como apontado pelo tribunal a quo, o elemento literal dos textos em causa, não abalado pela prova produzida em audiência final, apenas permite concluir que as partes quiseram celebrar contratos com aquelas concretas especificidades, que vão muito além daquilo que é habitualmente estipulado em contratos de arrendamento, quer ao nível dos serviços prestados por quem cede os espaços (serviços de interesse comum ao centro de negócios, como segurança, limpeza, publicidade, condições de funcionamento, acesso a áreas comuns), quer à sujeição da contrapartida financeira ao regime do IVA, quer aos poderes do cedente relativamente às fracções cedidas.
Acresce que tratando-se de pessoas colectivas, já com um certo nível de organização, as regras da experiência comum dizem-nos que se quisessem ter celebrado contratos de arrendamento tê-los-iam denominado dessa forma e não lhes teriam chamado contratos de cedência de espaço e estipuladas seriam cláusulas que apontassem naquele sentido.
Na verdade, a interpretação da vontade das partes, em termos jurídicos, refere-se ao processo de determinar o significado e o alcance de um negócio jurídico, como um contrato, com base na intenção real das partes envolvidas. Este processo visa garantir que o contrato reflicta a verdadeira vontade das partes, mesmo que a redacção possa ser ambígua ou obscura.
É que a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário – art.º 236.º, n.º 2, CC.
A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) – Acordão do STJ de 28.10.97, BMJ 470, 597 e de 12.6.12, proferido no proc. 14/06.7TBCMG.G1.S1, publicado na dgsi.
Há que imaginar - escreve o Prof. Paulo Mota Pinto em Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 208 - uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este efectivamente conheceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declaratário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo.
Ainda segundo este mesmo autor, “… a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento”. Importa por fim acrescentar que estando-se no caso sub judice em presença dum contrato, e dum contrato tipicamente sinalagmático, há que atender, simultaneamente, às declarações de ambas as partes porque ambas são, também simultaneamente, declarante e declaratário (neste sentido, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, II, 2ª edição, pág. 435).
Tudo isto significa em termos práticos que o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição de declaratário real.
Foi o que o tribunal a quo fez no caso dos autos.
De qualquer das formas, o facto é que o tribunal a quo para não comprometer a interpretação e integração do direito aos factos, limitou-se a especificar a obrigação assumida pela Ré de proporcionar à A. o gozo de um espaço e de prestar igualmente um determinado conjunto de serviços, em conformidade com o vínculo por si assumido (ponto P).
Ainda de acordo com os mesmos elementos, deu-se como provado que os espaços cedidos à Autora se integram num empreendimento comercial, denominado Pólo de Negócios de ..., construído e concebido para funcionamento de vários estabelecimentos de comércio e de serviços de acordo com um plano prévio, tecnicamente concebido e que oferece aos lojistas/utilizadores e ao consumidor adequada e diversificada concentração de actividades comerciais e de serviços (ponto T).
Resultando da prova documental, face ao teor dos contratos celebrados entre as referidas partes, apurada essa factualidade, deve a mesma ser mantida, tanto mais que a prova testemunhal não o contraria.
Por outro lado, não se vê, como pretende a A. ver demonstrada outra realidade sem assento na vontade manifestada pelas partes com a subscrição dos contratos firmados e pelo que é revelado pelo sentido que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) do que resulta das cláusulas apostas no acordo celebrado entre as partes.
Importa, também, ter em mente que na apreciação crítica de toda a prova há que valorar tanto individualmente como globalmente a prova produzida, socorrendo-nos das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida.
Acresce que a este Tribunal de 2ª jurisdição compete, na análise das provas gravadas ou escritas, determinar se a convicção expressa pelo julgador “a quo” tem suporte razoável naqueles elementos probatórios (conjuntamente com os demais elementos existentes nos autos).
Por outro lado,o tribunal de recurso não deve sequer reapreciar a matéria de facto se a alteração pretendida não tiver qualquer relevância jurídica, isto é, se for inócua para a decisão da causa, se for insusceptível de fundamentar a sua alteração, sob pena de levar a cabo uma actividade processual inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei (art.º 130º do NCPC).
Note-se que os recursos, nas suas variadas vertentes, destinam-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido, estando a impugnação funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter a alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido em sentido a si favorável – e por isso que tal propósito só ocorre quando ao fundamento do recurso se reconheçam efeitos práticos, com possibilidade de se repercutir na decisão, levando à sua modificação/alteração (vide, o ac. da RP de 10.07.2024, processo nº 1653/23.7T8AMT.P1, consultável in www.dgsi.pt).
Assim sendo, mesmo não se sabendo exactamente o que pretende a A. que seja dado como provado e sua exacta redacção, dado que se limita a concluir que outro devia ter sido o sentido de decisão do tribunal a quo, sempre, a final, o resultado seria o mesmo como se irá demonstrar.
Certo é que a matéria impugnada não podia ser dada como não provada, por a prova produzida levar a que seja tida como provada.
Já relativamente à matéria que se pretende aditar, dependente de prova documental, torna-se óbvio, face aos factos já elencados na matéria apurada ser a mesma totalmente inócua para a decisão a proferir, como se irá ver.
É que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, pelo que a reapreciação da matéria de facto e de todas as demais questões suscitadas, está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objecto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo - neste sentido Ac. deste TRG de 26/10/2017, quanto a decisão nesse sentido proferida no proc. 103/16.0T8MLG-A.
É neste último pressuposto (do efeito útil) que importa apreciar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto e proceder apenas às alterações que se impõem que importam para a boa decisão da causa.
Na verdade, a procedência da pretensão do recorrente só relevaria na estrita medida em que tenha algum efeito sobre a decisão a proferir.
Não sendo esse o caso, por sempre o resultado ser o mesmo, é de manter o decidido. Vejamos, pois, perante os factos o direito aplicável.
A questão a decidir, como se apontou, é a de saber se à autora-recorrente cabe o direito de preferência previsto no artigo 1091.º, alínea a) do Código Civil.
Para sustentar a sua pretensão no sentido de lhe ser reconhecido esse direito, a autora invocou a sua qualidade de arrendatária das fracções que foram alvo dos contratos celebrados.
Por sua vez, as rés contestaram a natureza do contrato por meio do qual a autora acedeu ao gozo dessas fracções, afirmando não se tratar de um contrato de arrendamento, mas sim de um contrato atípico de cedência de espaço numa área empresarial.
Vejamos.
Decorre da regra geral do artigo 1091.º, n.º 1, al. a), do Cód. Civil, que o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, por força do seu n.º 4, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º.
E o artigo 416.º do CC (complementado pelo disposto no n.º 4 do art.º 1091º) estabelece o conteúdo da obrigação de informação que o obrigado à preferência deve observar, quando pretende vender a coisa que é objecto da preferência.
Deste modo, estando na génese de determinada preferência legal uma concreta relação de arrendamento, só se podem considerar vinculados pela obrigação de dar preferência os titulares dessa relação jurídica – que simultaneamente sejam titulares do direito real com base no qual o arrendamento se constituiu e subsiste - e não quaisquer outros titulares de direitos reais sobre a coisa arrendada, estranhos à relação jurídica de arrendamento e por ela não minimamente vinculados ou afectados – cfr. Ac.STJ de 4.2.2010, proferido no proc. 3370/05.0TBB.
Igualmente, tal como é referido por J.A. Aragão Seia, in RAU, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 1998, pp. 261 e 262., e Pinto Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano”, Vol. II, 5.ª Edição, 2011, Almedina, pág. 817, «c[C]onvém lembrar que, com a preferência do arrendatário, se pretende eliminar um intermediário que, em princípio, faz aumentar os encargos com a habitação».
Assim, ao conferir ao arrendatário o direito de preferência na venda que o locador faça do imóvel arrendado, o legislador dá-lhe a possibilidade de converter um gozo temporário, baseado no contrato de arrendamento (e por isso, mais frágil) num acesso definitivo à propriedade desse bem, pagando o mesmo valor que um terceiro estaria disposto a pagar ao locador.
Acontece que, o mercado imobiliário tem assistido nos últimos anos ao desenvolvimento e generalização de novos conceitos de cedência de espaço para instalação de escritórios de empresas ou de profissionais liberais.
A par da comum cedência simples de espaço para instalação de escritório, o comércio jurídico gerou o desenvolvimento de novos modelos contratuais em que o espaço é cedido em conjunto com uma multiplicidade de serviços associados, que vão desde a disponibilização de infra-estruturas de telecomunicações, serviços de manutenção, limpeza e segurança, equipamento informático, gestão de correspondência, salas de reuniões, podendo até incluir a prestação de serviços de secretariado.
A chegada desta nova realidade lançou o debate sobre o enquadramento, pela ordem jurídica, destas novas fórmulas de contratação de espaços.
O que acontece é que, nestes contratos, observa-se a existência de inúmeras cláusulas estranhas a um simples arrendamento, rompendo, em larga medida, com o conceito de utilização individual de um espaço, elemento típico de um contrato de arrendamento, propendendo a doutrina e jurisprudência dominantes em Portugal para qualificar esse tipo de contratos como de inominados ou atípicos, livremente regulados pelas partes.
Isto porque estes contratos espelham igualmente uma realidade que supera, em larga medida, a função económico-social e tipo contratual de um simples e comum arrendamento.
Aqui chegados, importa clarificar que em momento algum o tribunal a quo caracterizou o espaço como tratando-se de um centro comercial, antes considerando, e bem, estar-se perante um pólo de negócios, com uma realidade similar e paralela, com pontos comuns em parte, que se julga ser de considerar nos moldes supra expostos.
Assim sendo, o direito de preferência em contratos inominados de cedência de espaço é um direito que depende da vontade das partes e da natureza do espaço cedido. Se o espaço for um imóvel e houver vínculo de locação, a legislação sobre direito de preferência em locação se aplica. Em outros casos, a preferência só existe se expressamente estipulada no contrato. É fundamental que as partes clarifiquem os termos do direito de preferência, para evitar dúvidas e conflitos futuros.
In casu, nos dois contratos celebrados com a Autora, a Ré, enquanto locatára, obrigou-se a proporcionar à Autora o gozo de um espaço e vinculou-se, igualmente, a prestar um determinado conjunto de serviços, em conformidade com o que consta dos pontos Q) a T), dos factos provados, assumindo o Banco 1..., S.A. a posição de proprietário e locador financeiro que, nessa qualidade, cedeu àquela Ré o gozo dos imóveis objecto daqueles dois contratos.
Daqui resulta, à evidência, estar-se perante uma sublocação (o tribunal não está, no que à qualificação jurídica respeita, às alegações das partes – art.º 5.º/3 do CPC), já que, tem por base um anterior contrato de locação, dependente e subordinado a este – cf. Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, Almedina, 2017, 8.ª Edição, pág. 120.
Trata-se, pois, de uma cedência (total ou parcial) do gozo do imóvel – cf. Maria Olinda Garcia, “Arrendamentos Para Comércio e Fins Equiparados”, Coimbra Editora, 2006, pág. 162 – reportada à transferência temporária dos direitos de uso de um imóvel, normalmente feita a um terceiro, sem que a propriedade mude de mãos.
Efectivamente, é inequívoco que se o direito à preferência emerge do regime legal que disciplina o contrato de arrendamento, quem pode exercer o direito de preferência só pode ser o sujeito que tem a qualidade de locatário nesse contrato.
No caso dos autos, como a própria autora afirma na sua petição inicial, e como se encontra provado, quem lhe cedeu o gozo dos imóveis relativamente aos quais invoca o direito de preferência não foi o proprietário desses imóveis (o Banco 1..., que sucedeu ao Banco 2...), mas sim o locatário financeiro.
O contrato pelo qual a autora acedeu ao gozo dos imóveis em causa não foi designado pelos contratantes como “contrato de arrendamento”, mas sim como “contrato de cedência de espaço”.
É certo que, como se expôs já, o nome que as partes atribuem ao contrato não é, por si só, decisivo para a respectiva qualificação.
De qualquer das formas, mesmo que se provasse que o contrato pelo qual a locadora financeira cedeu o gozo dos imóveis à autora era, efectivamente, um contrato de arrendamento, sempre esse acordo teria a natureza de um subcontrato relativamente à proprietária desses imóveis.
Embora, em termos gerais, um locador financeiro possa ter legitimidade para dar de arrendamento o imóvel que é objecto da locação financeira, dado que tal constitui um acto de administração ordinária (art.º 1024.º do CC), não a tem para vender a terceiro (art.º 892º do CC).
Como tal, nunca existiria, portanto, coincidência entre a posição de senhorio no contrato de arrendamento e a de alienante da coisa locada.
Por outro lado, se é o próprio sujeito que deu de arrendamento quem vem posteriormente a adquirir o imóvel, seja no âmbito do regime do contrato de locação financeira, seja fora dessa hipótese, é óbvio que ao (sub)arrendatário não assiste o direito de preferência nessa compra, pois a venda nem é feita por quem tem a qualidade de senhorio nesse contrato de arrendamento (o senhorio é, precisamente, o comprador), nem é feita a terceiro – neste sentido veja-se, entre outros, o Ac do STJ 073009JSTJ00014483, de 19-11-1985, e mais recentemente, o Ac. desta Relação prolatado no proc. 3967/23.7T8BRG.G1.S, a 12/11/2024.
Certo é que, mesmo depois da resolução, também a extinção do vínculo existente entre o locatário e o locador não confere ao sublocatário o direito de preferir, tanto mais que entre as partes deixou de existir qualquer relação contratual que legitimasse o exercício desse direito.
Isto independentemente de, depois, o locador que passa a proprietário pretender manter a sua relação com o (sub)locatário.
Carece, como tal, de razão, a A./Recorrente quando afirma que, após, a resolução do contrato entre o locatário e o locador, se manteve a sua posição como ‘arrendatária’.
O facto é que, de qualquer das formas, com o locador a A./Recorrente nenhum vínculo estabeleceu.
Assim, sem mais considerandos, por desnecessários, tem o recurso de improceder, mantendo-se, consequentemente o decidido.
*
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se nesta 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela A., confirmando-se, consequentemente, o decidido.
Custas pela A.
Notifique.
*
Guimarães, 11.06.2025
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária, sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser nos textos reproduzidos e transcritos, e é assinado electronicamente pelo colectivo)
Relatora: Maria dos Anjos Melo Adjuntos: António Figueiredo de Almeida Paulo Reis