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EMBARGOS DE EXECUTADO
MÚTUO BANCÁRIO
PRESCRIÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário
I - Tal como decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – No caso de vencimento antecipado de todas as prestações de um mútuo liquidável em prestações, com juros, em consequência da perda do benefício do prazo, o prazo de prescrição aplicável não se altera, sendo de cinco anos nos termos do disposto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório AA, deduziu os presentes embargos de executado por apenso à execução n.º 2766/22.8T8LLE em que é Exequente EMP01... STC, S.A., peticionando que:
I) seja declarada a inexequibilidade do título dado à execução, dada a falta de poderes da Embargada para o efeito;
II) seja declarado inepto o Requerimento Executivo inicial e, em consequência, o Embargante absolvido da instância;
III) seja declarado nulo o suposto contrato de consumo/adesão que subjaz à livrança exequenda, por força da violação dos artigos 5.º e 6.º do Dec. Lei n.º 446/85 de 25 de outubro e a consequente nulidade do título executivo;
IV) seja declarada extinta a instância executiva por verificada a exceção preenchimento abusivo da livrança dada à execução;
V) seja declarado que inexiste o direito de ação contra o executado porquanto a livrança não foi protestada nem apresentada a pagamento previamente à presente execução, dela não constando uma cláusula “sem despesas”;
VI) seja declarada a prescrição da totalidade da dívida exequenda e inexigibilidade da obrigação ou, caso assim não se entenda
VII) seja declarada a prescrição dos juros vencidos e dos valores peticionados a título de comissões e penalizações;
A Exequente contestou sustentando que nenhuma das exceções se encontram preenchidas, pugnando em especial pela aplicação aos presentes autos do prazo ordinário de 20 anos de prescrição.
Foi proferido despacho saneador que decidiu julgar totalmente procedente e provada a exceção alegada de prescrição e absolver o Executado/embargante do pedido, determinando, após trânsito em julgado, o levantamento das penhoras efetuadas, respeitantes ao Executado/Embargante.
Inconformada, apelou a Exequente/Embargada, concluindo as suas alegações da seguinte forma (que aqui transcrevemos na parte que releva):
“G.
Ora, salvo o devido respeito que é muito, não cremos que seja de aplicar o prazo prescricional de curto prazo (cinco anos) ao crédito exequendo e, conforme alegado, genericamente, aos créditos bancários, sem mais.
H.
Com efeito, não ignorando o mais recente entendimento jurisprudencial nesta matéria, diga-se Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6 /2022, permitimo-nos discordar do entendimento perfilhado neste Acórdão, designadamente, o que postula a aplicação do prazo prescricional de curto prazo, de cinco anos, à totalidade dos créditos vencidos antecipadamente, contados desde a data em que ocorreu o vencimento antecipado, com aparente acolhimento na alínea e) do art.º 310.º do C.C.
I.
Ora, fazendo uma interpretação daquele normativo, importa, antes de mais, relembrar o texto da norma, sendo o elemento literal, simultaneamente, ponto de parda e limite do entendimento que àquela será dado, de acordo com o disposto no art.º 9.º do C.C.
J.
Diz-nos o art.º 310.º, e), o seguinte:
“Prescrevem no prazo de cinco anos: As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”;
K.
Importa, assim numa primeira analise, definir o que são quotas de amortização de capital pagáveis com os juros.
L.
Muito sucintamente, refere-se a norma às situações de obrigações fraccionadas, ou as comuns prestações, em que o devedor se vincula ao cumprimento duma obrigação a que se encontra adstrito, amortizando-a de modo repartido, ou fraccionado, englobando tal amortização capital e juros, de modo a formar uma “prestação unitária e global” – as quotas.
M.
O que importa para integrar tal conceito é, pois, que o cumprimento da obrigação principal se faça desse modo fraccionado e que não haja distinção quanto a prestações de juros e de capital, sendo estes amortizados simultaneamente, de forma unitária.
N.
Além da letra da Lei, que nos parece ser relativamente clara, atente-se ao douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 19 de Dezembro de 2017, no âmbito do processo 561/16.2T8VIS-A.C1, e citando este mesmo acórdão “Resultando as quotas de amortização do capital da especulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e periódico de capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fraccionamento da dívida em parcelas do capital - e em que cada prestação é composta por uma parcela de capital e outra de juros -, faz sendo a existência de um prazo prescricional de curta duração aplicável a cada prestação que se vença, considerada individualmente, como ´obrigação autónoma”. (ANA FILIPA MORAIS ANTUNES – “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III Vol., pp. 44 e seguintes)” in hp://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/dc7185ee23e065d8802582 2100555c71
O.
Assim, cumpre afirmar que o prazo prescricional de cinco anos deverá ser aplicado quando estejam em causa prestações vencidas, de capital e juros, sendo cada uma delas individualmente considerada para este efeito.
P.
Como tal, cada uma das prestações vencidas na vigência do contrato, conta com um prazo prescricional de curto prazo, que será diverso em relação a cada uma das que se vençam, dependendo da data do vencimento.
Q.
Diferente será quando está em causa a resolução do contrato por incumprimento, nos termos no art.º 781.º do C.C. – o vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida.
R.
Nestes casos o vencimento ocorre em bloco, relativamente aos montantes ainda em dívida, inclusive aqueles que, do ponto de vista do esquema contratual, ainda não se hajam vencido.
S.
Ora ocorrendo incumprimento definitivo, imputável ao Devedor, resolvido o contrato e vencida antecipadamente a totalidade da dívida, não se entende ser de aplicar o art.º 310.º, e) do C.C.
T.
Desde logo porque deixa de fazer qualquer sendo falar em quotas e muito menos em quotas de amortização de capital pagável com juros.
U.
As quotas referidas no art.º 310.º, e) do C.C. apenas resultam do esquema contratual fixado pelas partes.
V.
Sendo o mesmo resolvido, deixa, em primeiro lugar, de haver contrato e, por conseguinte, quotas.
W.
Desta feita, o esquema periódico de restituição dos valores mutuados é de natureza diversa do que vem a ser exigido posteriormente em sede de resolução do contrato, apesar da fonte comum, isto é, o contrato.
X.
O fundamento do primeiro é a autonomia privada, no âmbito da qual as partes conformam o esquema contratual que melhor lhes aprouver e tudo se passa ao abrigo do contratualmente estipulado.
Y.
O segundo tem por fundamento o incumprimento definitivo e a resolução do contrato.
Z.
E o que é exigido nesse segundo momento é a totalidade do montante em dívida e não quotas, por força do incumprimento, quotas essas que já nem sequer terão aplicação.
AA.
Relembremos o disposto no art.º 9.º, n.º 2 do C.C. que prescreve que a interpretação deve ter um mínimo de correspondência na letra da Lei.
BB.
E, salvo o devido respeito, a alusão do elemento literal a quotas veda qualquer possibilidade de interpretação no sendo de aplicar aos montantes resultantes do vencimento antecipado correspondentes à totalidade da obrigação em causa, porque, repita-se, já não há lugar a quotas.
CC.
E mais: ainda que se pudesse artificialmente falar em quotas, o que por mera hipótese académica se admite, também o montante vencido nunca corresponderia a quotas de amortização de capital, pagável com juros.
DD.
Desde logo, porque os montantes assim vencidos já não estão ao abrigo do esquema contratual e, como tal, também uma eventual regularização, ou pagamentos, não serão forçosamente efectuados do mesmo modo, ou seja, em pagamentos unitários de capital e juros.
EE.
Atenda-se ao disposto no art.º 785.º do C.C., ao presumir que a imputação de qualquer montante se faça primeiramente, a despesas, posteriormente, a indemnização, depois a juros e apenas após deverá ser efectuada imputação ao capital.
FF.
Daqui resulta que os pagamentos, a não ser outra a vontade de ambas as partes, não terão carácter unitário.
GG.
Também os juros vencer-se-ão de forma diversa. Já não sobre o montante de cada quota cujo pagamento se encontre em falta, mas sim sobre a totalidade do capital que resulte em dívida, por conta do vencimento antecipado.
HH.
O que se justifica por, naturalmente, já não fazer sendo nesta fase falar em quotas, ou prestações.
II.
Como tal, se tudo o resto que pressupõe o cumprimento fraccionado, através das tais quotas, é insuscetível de aplicação no cenário previsto no art.º 781.º do C.C., então também não vemos como, nesse mesmo cenário, seja possível aplicar, por uma questão de coerência sistemática, o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no art.º 310.º, e) do C.C. que pressupõe a existência dessas mesmas quotas.
JJ.
Desta feita, depõem os elementos literal e sistemático contra a posição defendida pelo Tribunal a quo.
KK.
Tenha-se ainda em consideração a ratio legis da norma constante do art.º 310.º, e) do C.C
LL.
Veja-se o descrito por VAZ SERRA (VAZ SERRA – Prescrição extintiva e caducidade, BMJ, n.º 106, p. 119), segundo o qual o fundamento do prazo prescricional de curto prazo, quanto ao tema em causa, se prende com a necessidade de evitar a acumulação desmesurada de montantes em dívida, conduzindo à ruína financeira do Devedor, viesse o pagamento a “ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos”.
MM.
Esta é a ratio do preceito.
NN.
De facto, o incumprimento, conjugado com a inércia do Credor, que poderia até ser propositada, permitiria, assim, a acumulação de valores em dívida, durante anos a fio e, potencialmente, de forma tão gravosa para o Devedor, que pudesse conduzir ao seu colapso económico, situação que se pretendeu salvaguardar com a solução legislava adoptada.
OO.
Com efeito, antevendo e prevenindo, até, a eventual má-fé de Credores, que viessem reclamar montantes em dívida patentemente inflacionados consagrou-se, para o que ao caso interessa, que as prestações vencidas beneficiavam de um prazo mais curto de prescrição, evitando a potencial ruína do Devedor.
PP.
Ora, e a diferença entre face ao vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida reside exactamente na medida em que, ocorrendo o vencimento antecipado da totalidade da dívida esta é determinada automaticamente por referência àquela data, vencendo-se os juros, também, a partir daquela data.
QQ.
Contrariamente, se permanecessem as quotas sujeitas ao prazo de prescrição ordinário, teríamos contratos cuja execução se estende no tempo a acumular prestações em dívida
RR.
Além de que a inércia do Credor seria porventura susceptivel, atento o tempo decorrido, de ter criado pelo menos alguma confiança na esfera do Devedor de que tais montantes não viriam a ser exigidos.
SS.
No limite, é a materialização normativa da tentava de evitar, ainda que indirectamente, uma modalidade específica de abuso de direito por parte dos Credores, num caso particular, como o das quotas – a suppressio.
TT.
Diferentemente, com o vencimento antecipado inexiste já qualquer fundamento de criação de expectavas de que o direito venha a ser exercido. A resolução por incumprimento e o vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida são, justamente, sinais contrários a qualquer expectava de que não venham tais direitos a ser exercidos.
UU.
Além do mais, o vencimento imediato e em bloco, como se disse, tem a virtualidade de acertar o que está efectivamente em dívida, de modo global e desde que data, com os correspondentes juros a serem contados desde então, à respectiva taxa, sobre o capital em dívida.
VV.
Posto isto não podemos concordar com o entendimento perfilhado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, proferido pelo Supremo Tribunal de Jusça, em 30 de Junho de 2022,
WW.
Ademais, veja-se que segundo o Ilustre Juiz Relator tal entendimento alinha-se com o objectivo de evitar, a acumulação desmedida de montantes em dívida, no entanto já existe uma norma apta a proteger os Devedores no que aos juros diz respeito – neste caso, o art.º 310.º, d) do C.C.
XX.
Efecvamente, a acumulação de montantes de que fala o Acórdão, com o vencimento antecipado, apenas se obtém através dos juros de mora e, quanto a estes, já rege norma diversa, que nesta interpretação ficaria esvaziada de qualquer conteúdo útil.
YY.
Interpretação essa que implicaria a desconsideração do disposto no art.º 9.º, n.º 3 do C.C. (neste ponto em particular, ou, de todo o art.º 9.º do C.C. se tomarmos a globalidade das considerações apontadas supra).
ZZ.
Ora o capital nada mais é do que a quantia que foi entregue ao Devedor, pelo Credor e que por si só, não representa um acréscimo ilegítimo dos montantes em dívida, estando, por isso, fora da ratio do art.º 310.º, e) do C.C., pelo contrário, reflete a quantia, efectivamente mutuada e que o Credor tem direito, legitimo, a reaver.
AAA.
Assim, concluindo, temos por aplicável quanto aos juros, qualquer que seja a sua natureza, sem dúvida, o prazo prescricional de cinco anos, todavia, ao abrigo do art.º 310.º, d) do C.C.
BBB.
O art.º 310.º, e) do C.C. está, assim, reservado aos casos em que a dívida é composta por prestações incumpridas.
CCC.
Mesmo após a resolução e vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida estas, porque se venceram anteriormente, continuam a beneficiar do mecanismo previsto no art.º 310.º, e) do C.C.
DDD.
Logicamente, as posteriores que ainda não se encontravam vencidas àquela data e só o foram em razão do incumprimento do contrato e consequente resolução e vencimento antecipado terão tratamento diverso e sujeitas, em nosso entendimento, ao prazo prescricional ordinário.
EEE.
Ademais, não se entende movo pelo qual, as prestações de capital não pagáveis com juros, ou casos em que não há lugar a juros se encontram sujeitas ao prazo de prescrição ordinário de vinte anos, e o capital vencido antecipadamente e em bloco não beneficie deste mesmo prazo.
FFF.
A nosso ver, e salvo o devido respeito, que é muito, a interpretação tomada pelo Tribunal a quo é incorrecta e parte duma petição de princípio, considerando que as quotas se mantêm num cenário de resolução do contrato / vencimento antecipado e que tudo (capital, juros e outras) é misturado numa massa uniforme e sujeito aos mesmos prazos.
GGG.
Com o devido respeito, a questão é mais complexa.
HHH.
Assim, é forçoso concluir, que mal andou o douto Tribunal ao julgar que se mostram prescritas todas as prestações de capital e juros vencidas, todavia, e com o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com esse entendimento.
III.
Sem prescindir, caso o entendimento seja outro, o que só por mera hipótese se admite, por razões de salvaguarda do patrocínio sempre se dirá quanto ao caso especial da prescrição dos juros o seguinte:
JJJ.
No que à prescrição dos juros diz respeito, novamente, pugna, o Tribunal a quo, pela prescrição da totalidade dos montantes em dívida, baseando-se este na aplicação do art.º 310, e) do C.C. – prazo de cinco anos.
Ora desde já se diga que,
KKK.
Nas palavras do Acórdão: “para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no argo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”. Resulta, assim, inalterada a natureza de quotas de capital pagáveis com os juros.
LLL.
E é neste ponto que importa fazer a distinção, pois que nem todos os juros são os mesmos.
MMM.
Com efeito, uma das principais divisões na categorização dos juros é aquela entre os juros moratórios e remuneratórios.
NNN.
Ora, os remuneratórios, como o nome indica, destinam-se a remunerar o Mutuante pela disponibilização do capital ao Mutuário, tendo em consideração o montante, o período de reembolso, entre outros critérios. Diz respeito, nos Contratos de Mútuo, à Taxa Anual Efectiva, que são devidos por mero efeito da celebração do Contrato.
OOO.
Já os juros moratórios, destinam-se, a sancionar o incumprimento pelo Mutuário e a compensar o Mutuante pela mora no ressarcimento do que lhe é devido, com os constrangimentos que tal, inevitavelmente, causa e são devidos pelo eventual incumprimento.
PPP.
Portanto, duvidas não existem de que os juros remuneratórios e os juros moratórios, são de natureza diversa.
QQQ.
Ora, nos termos do argo 310.º, e) do C.C.: “prescrevem no prazo de cinco anos (…) as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
RRR.
E o entendimento do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência é tomado com base no facto de que o vencimento antecipado não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas.
SSS.
Só que, nos casos (como o dos autos) em que o cumprimento parcelado se traduz no pagamento de prestações que incluem reembolso de capital e juros, esses juros são os remuneratórios (os que se incluem na prestação).
TTT.
Ora, os juros moratórios não cabem nas chamadas “quotas” pois, não são pagos em prestações conjuntamente com o capital e os demais juros – são independentes, não fazendo parte do esquema de reembolso acertado pelas partes, contratualmente,
UUU.
Assim, se o vencimento antecipado não altera a natureza das quotas de capital e juros, também não é susceptivel de alterar a natureza dos juros de mora que ali não se incluem. Especialmente após o vencimento antecipado e a resolução.
VVV.
Tanto mais que têm previsão própria – o art.º 310.º, d) do C.C., sendo certo que a estes também é aplicado o prazo de cinco anos.
WWW.
Tendo previsão própria, o fundamento da aplicação da prescrição de curto prazo a umas rúbricas e a outras deve ter em atenção tal dicotomia, sob pena de esvaziamento do conteúdo da norma constante do art.º 310.º, d) do C.C. na parte respeitante aos juros, ao amalgamar todo e qualquer caso de prescrição no âmbito de um Contrato de Mútuo em que o reembolso é feito em prestações, sob a égide do art.º 310.º, e) do C.C.
XXX.
Assim, salvo melhor opinião, e sem prescindir, sempre se diga que não se encontram prescritos todos os montantes em dívida, sendo que pelo menos se mantêm os juros de mora com menos de cinco anos.
YYY.
Porque, o que é certo é que os montantes continuam em dívida.
ZZZ.
E a tal não obsta o facto do capital e os demais juros se encontrarem (hipotecamente) prescritos.
AAAA.
Com efeito, assim dispõe o art.º 561.º do C.C., ao estabelecer a autonomia do crédito de juros.
BBBB.
Assim, não obstante se tratar duma prestação acessória, a mesma goza de ampla autonomia face à obrigação principal, podendo, segundo o normativo invocado no argo antecedente, subsistir independentemente da obrigação principal. Transcrevendo: “desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.
CCCC.
Assim, e sem prescindir, é forçoso concluir, que mal andou o douto Tribunal ao julgar que se encontram prescritos os juros moratórios.”
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da decisão recorrida, prosseguindo a ação os seus trâmites normais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. Delimitação Do Objeto Do Recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, é a de saber se a quantia exequenda, compreendendo capital em dívida, juros remuneratórios e juros de mora, se encontra prescrita.
***
III. Fundamentação
3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância:
6.1.1. O Banco 1..., S.A. foi constituído por deliberações do Conselho de administração do Banco de Portugal lavradas em atas de reuniões extraordinárias de 3 e 11 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do RGICSF, usando número de pessoa coletiva ...16, registado na Conservatória de Registo Comercial conforme certidão permanente com o código de acesso ...74, e cujo objeto social consiste na "Administração de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco 2..., S.A. para o Banco 1..., S.A., e desenvolvimento das atividades transferidas enunciadas no artigo 145º - A do RGICSF e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito.
6.1.2. Operou-se a favor do Banco 1..., S.A., nos termos da supras referidas atas, a transferência de direitos (e ativos) e obrigações do Banco 2..., S.A. a favor deste banco de transição que, para os devidos efeitos legais e contratuais, sucedeu ex lege nos direitos (e ativos) e obrigações daquelem mais ficando investido na posição de credor de cada um dos créditos anteriormente detidos pelo Banco 2..., S.A.
6.1.3. A EMP02..., S.A.R.L., sociedade de responsabilidade limitada (société à responsabilité limitée), constituída ao abrigo das leis do Luxemburgo, com sede em Rue ..., ... Luxemburgo, registada no Registo Comercial e das Sociedades do Luxemburgo sob o n.º ...79, celebrou com o Banco 1..., S.A. um Contrato de Cessão de Créditos, em ../../2018, mediante o qual a referida entidade cedeu diversos créditos, bem como, todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora Executados.
6.1.4. Por sua vez, por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2020, alterado a 31 de março de 2021, a Sociedade EMP03... cedeu à Sociedade EMP04... – STC, S.A., diversos créditos, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, cfr. Doc. n.º 1 Dos Créditos: Livrança subscrita no âmbito do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 2... n.º ...73 (ref. ...17) – N.º ...95:
6.1.5. O Exequente é dono e portador de uma livrança preenchida pelo montante de €9.705,69 (nove mil setecentos e cinco euros e sessenta a nove cêntimos), cfr Doc. N.º 2
6.1.6. A referida livrança foi subscrita por AA, ora Executado, teve o seu vencimento em 31/08/2022.
6.1.7. Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 2... com a ref. ...17, que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º ...73 e que atualmente assume o n.º ...95, celebrado entre o Banco 2..., S.A., atualmente designado por Banco 1..., S.A., e o Executado em 08/05/2012.
6.1.8. O Contrato de Crédito ao Consumo referido em 6.1.7. tem a data de 04/05/2012.
6.1.9. No Contrato de Crédito ao Consumo referido em 6.1.7. foi mutuado ao Embargante o valor de 3.104,96 a ser pago em 36 prestações mensais e sucessivas, no valor de €103,84, vencendo-se a primeira no dia 3/6/2012.
6.1.10. Atendendo ao vencimento do contrato por incumprimento definitivo e respetiva mora, o Exequente procedeu ao preenchimento da livrança, no montante total de €9.705,69, e com data de vencimento em 31/08/2022.
6.1.11. Foi enviada missiva pela Embargada em 17/08/2022, para URB ... ..., onde consta que: Exmo(a). Senhor(a), Por Contrato de Cessão de créditos, celebrado em ../../2018, o Banco 1..., S.A. cedeu à sociedade comercial EMP03...., que, posteriormente, e por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2020, alterado a 31 de março de 2021, cedeu à EMP04... – Stc, S.A., todas as responsabilidades emergentes do Contrato de Crédito n.º ...73, pelo que, nos termos do disposto no artigo 582.º do Código Civil, é a atual titular de todas as garantias e acessórios do direito transmitido, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações.
Atento o lapso temporal decorrido sem qualquer perspetiva de regularização dos montantes em dívida, resultantes do incumprimento do contrato de crédito supra identificado, cumpre-nos informar V/ Ex.ª. de que em 31 de agosto de 2022 procederemos ao preenchimento da livrança caução subscrita por V/ Ex.ª., e dada como garantia de integral cumprimento do referido contrato, pelo montante atual em dívida de €9.705,69 (nove mil setecentos e cinco euros e sessenta e nove cêntimos), que corresponde a:
a) Capital em dívida: €3.033,38;
b) Juros devidos: €3.669,97 calculados à taxa contratual de 12,00%; c) Comissões e penalizações: €3.002,34;
d) Total da Livrança a Pagar: €9.705,69
Caso V/ Ex.ª. pretenda a resolução extrajudicial, deverá proceder, no prazo indicado, ao pagamento do montante em dívida para a conta identificada pelo seguinte IBAN, do Banco 3...: ...05
Caso o pagamento da quantia em dívida não seja efetuado até à referida data de vencimento da livrança, outra opção não restará à Credora que não seja acionar os mecanismos legais destinados à cobrança coerciva, com as consequentes diligências de penhora de bens e vencimentos. Com os melhores cumprimentos, cfr doc. n.º 3
6.1.12. O Exequente não obteve qualquer resposta do Executado, no sentido de ser a dívida liquidada.
6.1.13. Os autos executivos forma autuados em 4/7/2023.
***
3.2. Da prescrição
O Executado AA deduziu os presentes embargos de executado suscitando diversas questões, de entre as quais a exceção de prescrição da totalidade da dívida exequenda e inexigibilidade da obrigação ou, caso assim não se entendesse, a prescrição dos juros vencidos e dos valores peticionados a título de comissões e penalizações.
O Tribunal a quo, fazendo consignar que, não obstante as variadíssimas exceções invocadas nada obstava ao conhecimento liminar do mérito da causa, seguindo o princípio adjetivo de inversão do dogma da prioridade (o que não foi questionado pelas partes) conheceu da invocada exceção de prescrição considerando prescrita a obrigação constante dos autos, a título de capital e de juros nos termos do disposto no artigo 310º, alíneas d) e e) do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC).
É contra este entendimento que se insurge a Recorrente sustentando que não é de aplicar o prazo prescricional de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310º do CC, ao crédito exequendo, esgrimindo, no essencial, argumentos que em seu entender contrariam a jurisprudência firmada no Acórdão Uniformizador n.º 6/2022 (publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/6-2022-201354551), com o qual não concorda. Vejamos se lhe assiste razão.
A questão a que aqui importa responder é a de saber qual o prazo de prescrição do direito de crédito proveniente de um contrato de mútuo bancário, pelo qual o banco emprestou determinado montante, obrigando-se o mutuário a restituir o montante recebido, respetivos juros remuneratórios e encargos legais, em diversas prestações distribuídas ao longo de determinado período de tempo, incluindo o montante acordado para cada prestação de capital, juros e encargos: o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º do CC ou o prazo curto de prescrição de 5 anos previsto na alínea e) do artigo 310º do CC?
Conforme decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 298º do CC estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição para ser eficaz necessita de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público (artigo 303º do CC) e, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (n.º 1 do artigo 304º do CC).
A este propósito esclarece Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1988, p. 374) que “[o] beneficiário da prescrição, completada esta, pode recusar o cumprimento da prestação ou opor-se ao exercício do direito prescrito. No entanto, se o devedor, beneficiário da prescrição, tiver cumprido espontaneamente a obrigação prescrita (ignorando ou não a prescrição), o credor goza da soluti retentio, não podendo o obrigado repetir o que haja prestado (cfr. art. 304.º)”
Assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para alem da simples invocação do decurso do tempo, começando o prazo de prescrição a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido (cfr. artigo 306º n.º 1 do CC).
Quanto às razões de ser da prescrição, como ensina Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em Especial Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra. 1987, 7.ª reimpressão, p. 445 e segs) “segundo a doutrina dominante o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica (…). Outras razões, porém, se costumam invocar, num plano secundário, para justificação do instituto prescricional: 1) Uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por antí-jurídicas. 2) Proteger os obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a que estariam expostos no caso de o credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido. O devedor pode realmente ter pago sem exigir recibo, ou pode tê-lo perdido. 3) Exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles.”
A relevância do decurso do tempo como causa extintiva de direitos não tem como único fundamento sancionar a inércia negligente do seu titular, antes atendendo também a razões referentes à paz e à segurança jurídica do devedor, pelo que não podendo, em regra, estes interesses ficar na dependência de qualquer impedimento relativo à pessoa do credor, designadamente a sua ignorância sobre a existência do direito, consagrou-se no artigo 306º do CC como regra geral aplicável aos prazos de prescrição o sistema objetivo, estabelecendo-se que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, sendo irrelevante o eventual desconhecimento pelo titular do direito da sua existência.
Como se bem afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/07/2023 Processo n.º 3702/20.1T8VCT.G1.S1, Relatora Maria João Vaz Tomé, disponível para consulta em www.dgsi.pt) “[a] prescrição é um dos institutos que regula a repercussão do tempo nas situações jurídicas. Tem como fundamentos a segurança jurídica - impondo que o não exercício do direito durante certo período de tempo produza efeitos de estabilização da situação jurídica; a negligência do titular do direito em exercê-lo, que permite presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna indigno da tutela da ordem jurídica; a proteção dos obrigados, especialmente dos devedores, contra as dificuldades de prova; e o estímulo para os titulares dos direitos não descurarem o seu exercício quando não queiram abdicar deles.”
Reportamo-nos aqui, naturalmente, apenas à prescrição comum ou extintiva por ser a única que releva, carecendo de qualquer interesse para a decisão a proferir analisar a prescrição presuntiva.
Assim, e no âmbito da prescrição extintiva o prazo ordinário é de 20 anos (cfr. artigo 309º do CC).
Porém, o legislador consagrou ainda no artigo 310º do CC um prazo curto de prescrição.
Prevê este preceito, na parte que aqui releva, que prescrevem no prazo de cinco anos: os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades [alínea d)], as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros [alínea e)] e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis [alínea g)].
Como se afirma no já citado Acórdão Uniformizador n.º 6/2022 “[o] prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de "proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos". Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª ed., pg. 278). (…) Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros. (…) Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis. "Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
(…) A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na proteção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).
Ora, a obrigação do mutuário de reembolso do capital mutuado, respetivos juros remuneratórios e encargos, a cumprir em prestações mensais distribuídas ao longo do período de prazo contratado para o mútuo, é uma prestação duradoura, fracionada ou repartida.
Assim, num contrato de mútuo bancário, o valor acordado de cada uma das prestações mensais do respetivo reembolso compreende parte do capital, juros e encargos, de modo a que a totalidade das prestações perfaça a totalidade do capital mutuado, dos respetivos juros remuneratórios e demais encargos.
Entendemos, por isso, que o crédito do banco mutuante correspondente a cada uma dessas prestações se encontra compreendido na alínea e) do artigo 310º do CC por estar em causa uma quota de amortização do capital pagável com os juros, encontrando-se sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos.
E tal não se altera em caso de vencimento antecipado de prestações, pretendendo o credor receber de imediato o valor da totalidade das prestações ainda não pagas, devendo o seu crédito continuar sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos.
A aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo vem sendo afirmada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se dá conta no citado Acórdão Uniformizador, sendo neste sentido a jurisprudência uniformizada: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento o de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Veja-se ainda que, não obstante não ter sido atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral e nem sequer vinculativa para a organização judiciária, a jurisprudência uniformizada, com um valor reforçado que deriva do facto de emanar do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, “deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão”, sendo que a “publicidade dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos pelo STJ, consubstanciando uma exigência do princípio do Estado de direito democrático, tem a ver, fundamentalmente, com o direito de os cidadãos tomarem conhecimento do sentido interpretativo fixado relativamente às normas que os regem em situações de conflito de jurisprudência” e a “linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objeto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2022, Processo n.º 1562/17.9T8PVZ.P1.S1, Relatora Graça Amaral, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Reiteramos, por isso, o entendimento definido no citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022.
Relativamente ao momento a partir do qual se conta o prazo de prescrição entendemos que é a partir do respetivo vencimento, independentemente deste ocorrer no momento programado ou de forma antecipada.
Contudo, no caso dos autos, a Exequente apenas alegou que, “atendendo ao vencimento do contrato por incumprimento definitivo e respetiva mora, o Exequente procedeu ao preenchimento da livrança, no montante total de €9.705,69, e com data de vencimento em 31/08/2022” tendo dado conhecimento ao Executado desse preenchimento e da data de vencimento através de carta de interpelação datada de 17/08/2022.
Assim, constando dos factos provados que o plano de pagamento começou em 3/06/2012 e durou 36 prestações mensais e sucessivas, no valor de €103,84, este teria tendo necessariamente terminado em 3/06/2015 pelo que, se o Embargante deixou de pagar as prestações a que estava obrigado, incorrendo no alegado incumprimento definitivo e mora, tal teria ocorrido necessariamente em momento anterior a 3/06/2015.
Pelo Tribunal a quo foi considerado como data de constituição em mora e de vencimento de todas as prestações, a referida data conhecida de 3/06/2015, tendo o crédito prescrito em 03/06/2020 e, por isso, em momento anterior ao preenchimento da livrança em 31/08/2022. e da autuação dos autos executivos em 4/7/2023.
Tal entendimento, não tendo resultado demonstrada qualquer outra data, afigura-se-nos correto, sendo certo que a Recorrente também não questionou o momento a partir do qual foi contado o prazo de prescrição (o que até lhe seria favorável) mas tão só o prazo a aplicar.
Por último, sustenta ainda a Recorrente que, mesmo a considerar-se o prazo de cinco anos, não se encontram prescritos todos os montantes em divida, mantendo-se pelo menos os juros de mora com menos de cinco anos pois, quanto a estes, não cabendo nas “chamadas quotas” têm previsão própria na alínea d) do artigo 310º do CC, uma vez que os montantes continuam em divida, não obstando a tal o facto de se vir a considerar que o crédito por capital e juros remuneratórios se encontra prescrito.
Não podemos, contudo, perfilhar este entendimento.
Vejamos.
Aos juros de mora é também aplicável o prazo de prescrição de cinco anos conforme decorre expressamente da alínea d) do artigo 310º do CC, pelo que, quer a obrigação principal de pagamento de capital, juros remuneratórios e encargos, quer a obrigação do pagamento de juros moratórios encontram-se sujeitas ao mesmo prazo de prescrição.
Assim, uma vez prescrita a obrigação principal de pagamento de capital, juros remuneratórios e encargos, a obrigação de pagamento de juros moratórios deixa também de poder operar uma vez que, podendo o devedor recusar o pagamento do capital em dívida com fundamento na prescrição decorrido o prazo de cinco anos, não deve, naturalmente, poder ser-lhe exigido juros de mora sobre esse mesmo capital.
O direito de crédito invocado pela Exequente mostra-se, por isso, prescrito tal como decidido na sentença recorrida, a qual, não merecendo censura, deve ser confirmada, improcedendo integralmente a apelação.
As custas são da responsabilidade da Recorrente atento o seu decaimento (artigo 527º do CPC).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):
…
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 11 de junho de 2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (Relatora) Paulo Reis (1º Adjunto) Carla Sousa Oliveira (2ª Adjunta)