I – Na sequência do princípio da liberdade de trabalho (consagrado no artº 47º da CRP) o nº 1 do artº 136º do CT determina que não se podem colocar entraves ao exercício do direito ao trabalho após a cessação do contrato.
II – Contudo, as cláusulas de não concorrência são legítimas desde que cumulativamente se verifiquem os seguintes requisitos: a) constarem de acordo escrito; b) tratar-se de atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) seja atribuído ao trabalhador uma compensação durante o período de limitação da atividade (por período não superior a 2 anos a contar da data da cessação do contrato).
III – O pagamento da compensação efetuada mensalmente em quantias variáveis na pendência do contrato de trabalho, não torna o pacto de não concorrência inválido.
IV – Violado este pacto, o trabalhador constitui-se na obrigação de restituir a quantia que lhe foi paga a título de compensação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva
Paula Roberto.
I - A..., S.A. instaurou a presente ação declarativa na forma comum contra AA pedido que:
a) seja a ação julgada procedente, por provada, e por via dela ser o réu condenado a pagar à autora a quantia de € 7.500,00;
b) mais deverá o réu ser condenado ao pagamento de juros moratórios à taxa legal, vencidos e vincendos, cujos vencidos somam na presente data o montante de € 789,83, contados desde a data dos respetivos pagamentos, acrescida dos juros vencidos até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito e em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que na pendência do contrato de trabalho, celebrou com o réu um Pacto de Não Concorrência pelo qual se obrigou a pagar-lhe a quantia de € 150,00 mensais.
Que, violando o Pacto, cessado o contrato, o réu encetou relação laboral com empresa sua concorrente, tendo procedido à abordagem de clientes da autora que anteriormente pertenciam à carteira que lhe havia sido entregue por esta, com a consequente venda de produtos similares aos por ela comercializados, o que lhe provocou prejuízos.
Pelo que deve improceder a ação.
Alega que sendo reconhecido o Pacto de Não Concorrência, o réu/reconvinte invoca o não cumprimento do mesmo. Que a redução unilateral do valor compensatório, que deve ser considerado retribuição, efetuada nalguns dos meses, reduziu o valor de desconto para efeitos de IRS e Segurança Social, com consequências para o reconvinte no acesso da sua reforma e em eventual subsídio de doença ou pensão por invalidez, o que equivale a dano patrimonial futuro.
Que sofreu de dano moral provocado pela intimidação da reconvinda ao fazer uso do PNC e sua cláusula penal para obrigar o reconvinte a não entregar a sua carta de despedimento.
Deve, assim, a reconvinda ser responsabilizada a reparar os danos causados ao reconvinte.
Contudo, uma vez que o art 136º do CT não disciplina sobre o incumprimento do empregador no que diz respeito ao pagamento do valor compensatório, o reconvinte requer que o item 5. do Pacto seja considerado com as seguintes alterações: em caso de incumprimento total ou parcial de qualquer das obrigações constantes do presente Pacto a autora/reconvinda ficará sujeita a indemnizar o réu/reconvindo no valor que o mesmo tiver recebido.
Deduz pedido reconvencional, pedindo:
a) seja julgada procedente e provada a reconvenção e, por via dela, ser a autora reconvinda condenada a pagar ao réu/reconvinte o montante de € 7.550,00 por danos não patrimoniais e patrimoniais;
b) o valor total compensatório recebido pelo réu/reconvinte ser convertido em valor indemnizatório, não tendo nada a receber ou dever à autora/reconvinda.
“Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente por não provada pelo que absolvo o réu dos pedidos contra o mesmo formulados pela autor.
Custas pela autora
Quanto à reconvenção, julgo a mesma procedente pelo que declaro que o autor/reconvinte nada deve ou tem a receber da autora/reconvinda
Custas pela autora/reconvinda
Valor total da ação: o da soma do pedido na ação com o pedido reconvencional (€ 15.838,83).”.
(…).
(…).
1. A autora é uma sociedade comercial, integrada num grupo multinacional, constituída em 23.08.1988, que tem a sua sede em ... e cujo objeto social é o comércio por grosso de produtos para montagem e fixação e produtos acessórios, designadamente para veículos automóveis e motociclos e construção.
2. A sua atividade consiste na comercialização de peças, acessórios automóveis, lubrificantes, consumíveis para ferramentas, ferramentas, ferragens, vestuário e prevenção, produtos químicos e limpeza, material bricolage, material elétrico, máquinas equipamentos industriais, aluguer de outras máquinas e equipamento industrial, montagem e fixação, componentes elétricos, equipamentos de proteção individual, equipamentos para oficinas, construção.
3. No exercício da sua atividade comercial, desde o ano de 1988, a autora comercializa os produtos marca A... para veículos automóveis, motociclos e construção no território nacional continental e ilhas.
4. O réu foi contratado e exerceu as funções e categoria de Vendedor, que consistiam, predominantemente, em, fora do estabelecimento, promover, vender e cobrar, por conta da autora, mercadorias, solicitar encomendas, transmitir as encomendas aos escritórios e enviar relatórios sobre as transações que efetuou, na carteira de clientes que lhe foi entregue pela autora.
5. Com a celebração e na pendência do contrato de trabalho, a autora forneceu e ministrou formação ao réu, bem como realizou reuniões periódicas com o mesmo.
6. Mediante o que transmitiu ao réu, que adquiriu e executou, know how, informações e conhecimentos relativos ao negócio específico da autora, informação específica sobre produtos e métodos de venda, preços, dados de natureza promocional, comercial e técnica, catálogos, dossiês, arquivos, documentos, contactos de clientela, informação no plano da concorrência.
7. Tendo o réu iniciado e exercido, durante a execução do contrato de trabalho, as funções de especial confiança de vendedor, na zona geográfica atribuída pela autora, de Leiria, Marinha Grande, Pombal, Pataias, Alcobaça, Ourém.
8. A autora entregou ao réu, que a recebeu, a carteira com identificação dos clientes A... dessa zona.
9. Durante a pendência do contrato de trabalho, o réu foi a pessoa de contacto direto em representação da autora, entre os clientes e a autora, e que fazia a ligação das necessidades comerciais dos clientes com os mais diversos serviços sitos nos escritórios na sede da autora e vice-versa.
10. A autora pagava ao réu uma retribuição mensal constituída por uma parte fixa e outra variável (comissões), sendo esta última apurada sobre as vendas efetivas que o réu promovia e concluía.
11. Na pendência do contrato de trabalho, com data de 01 de abril de 2019, autora e réu celebraram um acordo que denominaram de “Pacto de Não Concorrência”.
12. Conforme fls 28vº, é do seguinte teor o acordo celebrado entre autora e réu:
“1. As partes reconhecem que o Trabalhador ao abrigo das funções que exerce, adquire know-how e demais informações e conhecimentos relativos ao negócio específico na área da atividade desenvolvida pelo Empregador, e obtém informação sobre produtos e métodos de venda, preços, dados de natureza promocional, comercial e ou técnica catálogos, dossiês, arquivos, documentos e contactos de clientela, acesso a informação no plano da concorrência, cuja utilização e, ou, transmissão a outrem, e, ou, desvio de clientela poderá causar prejuízo efetivo ao Empregador.
2. Deste modo, acordam que o Trabalhador, por um período de 2 anos, subsequente à data da cessação do contrato de trabalho, independentemente do seu motivo, ficará sujeito ao dever de não concorrer com a atividade desenvolvida pelo Empregador, designadamente, não exercício por conta própria ou alheia, ao abrigo de contrato de trabalho, de prestação de serviços, de desempenho de funções em cargos sociais societários ou de qualquer outro tipo contratual, a título gratuito ou oneroso, por si ou por interposta pessoa, de qualquer atividade ou trabalho para qualquer entidade, qualquer que seja a sua forma ou tipo jurídico, que desenvolva atividade concorrente com a do Empregador, a título principal ou meramente acessório, assim como ficará obrigado a abster-se de contactar ou manter conversações com quaisquer clientes do Empregador, atuais ou passados, na zona geográfica onde exerceu as suas funções.
3. Pela limitação da atividade do trabalhador, o Empregador pagará ao Trabalhador, uma compensação fixa mensal no montante de € 150,00 (cento e cinquenta euros), pelo período de 1 ano, renovável sucessivamente por igual período, caso as partes não lhe ponham termo, com início na data da assinatura do presente pacto.
4. A quantia identificada no ponto anterior que se venha a apurar desde a data do início do presente pacto até à data da cessação do mesmo, será considerada para todos os efeitos, como compensação global, paga ao Trabalhador, nos termos do disposto no art.º. 136º nº 2 c) do Código do Trabalho.
5. Em caso de incumprimento total ou parcial, de qualquer uma das obrigações constantes do persente pacto, o Trabalhador ficará sujeito à restituição ao Empregador das quantias que houver recebido, acrescidas de juros de mora à taxa legal para as obrigações civis, devidos e calculados desde o momento em que tiverem sido pagas pelo Empregador até ao momento da sua efetiva restituição.
6. O trabalhador obriga-se no prazo de 8 dias a comunicar ao Empregador o exercício de qualquer outra atividade profissional iniciada após a cessação do contrato de trabalho.
7. As restrições previstas nesta cláusula são consideradas razoáveis pelas Partes e a validade de cada número não será afetada pela eventual invalidade de qualquer uma das demais.”
13. A autora pagou ao réu, que recebeu, o montante total de € 7.550,00, em cumprimento do acordo suprarreferido, e entre as datas de 01 de abril de 2019 até 31 de março de 2023.
14. O pagamento foi realizado de forma mensal, em quantias variáveis ao longo do período, de € 150,00, € 300,00, € 125,00, € 25,00, € 100,00 e € 200,00.
15. Foram pagos anualmente pela autora ao réu, que os recebeu, com início em 30 de abril de 2019 até 31 de março de 2023, os seguintes montantes:
(i) 2019 - € 1.650,00;
(ii) 2020 - € 1.950,00;
(iii) 2021 - € 2.100,00;
(iv) 2022 - € 1.550,00;
(v) 2023 - € 300,00.
16. O réu trabalhou para a autora, como vendedor, desde janeiro de 2017 até abril de 2023.
17. Em 02.03.2023, por carta, o réu comunicou à autora a cessação contratual, mediante denúncia do contrato de trabalho, com aviso prévio de 60 dias, solicitando a possibilidade de gozar as férias vencidas e não gozadas nesse período.
18. Findo o contrato, o réu não comunicou à autora o início de qualquer atividade comercial ou laboral por conta própria ou de outrem.
19. Entretanto, a autora tomou conhecimento, por terceiros, designadamente através de clientes e de vendedores da A..., que o réu estava a realizar visitas e a deixar cartões de visita em clientes da A..., nomeadamente a clientes da área geográfica onde havia exercido atividade por conta da autora e que compunham a carteira de clientes que por esta lhe havia sido atribuída enquanto seu trabalhador.
20. O réu visitou tais clientes em representação da sociedade B... ,Lda, neles deixando cartões de visita dessa empresa.
21. Perante esse conhecimento, a autora, em 23 de maio de 2023, interpelou o réu por carta registada com aviso de receção, para vir ao abrigo do pacto de não concorrência, informar a A... no prazo de 8 dias, do exercício de qualquer outra atividade iniciada após a cessação do Contrato de Trabalho.
22. E para, querendo exercer uma atividade concorrente com a atividade desenvolvida pela A..., podia fazê-lo, devolvendo à A... o montante já recebido, de € 7.550,00, acrescido dos respetivos juros de mora.
23. E, ainda, que findo o prazo de 8 dias, não existindo resposta, a A... daria entrada da competente ação judicial, com vista à cobrança coerciva da indemnização, à qual acresceriam os juros de mora à taxa legal, devidos desde a data do primeiro pagamento - abril de 2019 – até efetivo e integral pagamento, acrescidos de custos administrativos legalmente admissíveis, no valor de € 80,00, taxas de justiça, despesas e honorários com advogados.
24. O réu deu resposta a essa interpelação em 03 de julho de 2023, informando que, em 04.05.2023, iniciara atividade profissional com a empresa C..., Unipessoal, Lda.
25. A empresa C..., Unipessoal, Lda é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social o comércio a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis
26. O Diretor Comercial da autora, BB, e o seu Chefe de Vendas, CC, tiveram conhecimento, através de clientes que, entre os meses de junho e setembro de 2023, o réu andou a comercializar produtos para veículos automóveis e motociclos - área de atividade da A..., e em clientes da A... anteriormente atribuídos ao réu.
27. Nomeadamente os produtos da marca B... e nos clientes A... constantes do quadro do art 42º da petição inicial.
28. Os produtos vendidos pelo réu são produtos idênticos aos que a autora comercializa com a marca A....
29. A sociedade B..., Lda foi constituída em 09.08.2022 e o seu objeto social é, nomeadamente, o de “Comércio, representação, distribuição, manutenção, serviços, importação e exportação de peças, acessórios automóveis, lubrificantes, ferramentas, ferragens vestuário e prevenção, produtos químicos e limpeza, material de bricolage, material elétrico, máquinas e equipamentos industriais. Aluguer de outras máquinas e equipamento industrial” (…).
30. Os pagamentos efetuados pela autora ao réu a título de Complemento PNC foram realizados mensalmente, juntamente com o pagamento mensal da retribuição e foram iniciados em 30.04.2019 e efetuados até ao dia 19.10.2023, nos termos constantes dos arts 55º, 57º, 59º, 61º e 63º da petição inicial.
31. Quando o réu iniciou a sua atividade para a autora já estava no mercado na mesma área de atuação da autora há muitos anos, comercializando produtos similares aos vendidos pela autora e com o mesmo público alvo.
32. Nomeadamente, atuou na loja de peças da empresa D..., Concessionário Renault.
33. O réu destacou-se entre os vendedores da autora, motivo pelo qual lhe foi oferecido para assinar, o documento de fls 28vº intitulado de “Pacto de Não Concorrência”, o que aceitou.
34. O valor pago ao réu a título de Compensação PNC era um pagamento regular e não dependia do resultado de vendas do réu.
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Factos Não Provados:
- que o réu venha a ter danos na atribuição da reforma, auxílio de doença ou pensão por invalidez;
- que com a previsão do Pacto a autora tenha querido intimidar o réu a não entregar a sua carta de despedimento;
- que o réu apenas tenha tido acesso e conhecimento do documento intitulado “Pacto de Não Concorrência” na altura da denúncia do contrato de trabalho;
- que tenha sido exibido ao réu um documento de acordo de Não Concorrência em reunião ocorrida em 01 de abril de 2019.
1. Se a matéria de facto deve ser alterada.
2.Se o pacto de não concorrência é válido.
3. Na afirmativa, se o réu violou esse pacto.
4.Na afirmativa, qual as consequências dessa violação.
Da alteração da matéria de facto:
Pretende a recorrente que a matéria de facto seja alterada do modo seguinte:
(i) O ponto 30 dos factos provados que tem a seguinte redação “Os pagamentos efetuados pela autora ao réu a título de Complemento PNC foram realizados mensalmente, juntamente com o pagamento mensal da retribuição e foram iniciados em 30.04.2019 e efetuados até ao dia 19.10.2023, nos termos constantes dos arts 55º, 57º, 59º, 61º e 63º da petição inicial.
Deve passar a ter a seguinte redação:
“Os pagamentos efetuados pela autora ao réu a título de Complemento PNC foram realizados mensalmente, juntamente com o pagamento mensal da retribuição, identificados nos recibos de vencimento em 80. Complemento PNC, e foram iniciados em 30.04.2019 e efetuados até ao dia 31.03.2023, nos termos constantes dos arts 24, 25, 26, 50, 51, 53 da petição inicial”.
(ii) O ponto 33 dos factos provados que tem a seguinte redação “O réu destacou-se entre os vendedores da autora, motivo pelo qual lhe foi oferecido para assinar, o documento de fls 28vº intitulado de “Pacto de Não Concorrência”, o que aceitou.”
Deve ser eliminado
(iii) deve ser aditado aos factos provados um novo ponto com a seguinte redação:
“O Acordo teve como fundamento, o dever de sigilo, de lealdade e de não concorrência, relativamente aos conhecimentos fornecidos pela Autora, de clientela, angariada ao longo dos anos”
Nada obstando ao conhecimento da impugnação, depois de analisados o mapa de acumulados e os recibos de vencimentos juntos aos autos (donde consta o pagamento do complemento na rubrica 80. Complemento PNC) e depois de ouvido o depoimento da testemunha DD, diretor de recursos humanos da autora, embora a matéria que se pretende que seja aditada/ alterada na redação do ponto 30 pouca ou nenhuma relevância tenha para a decisão de direito na medida em que se encontra assente que durante o tempo em que perdurou a relação laboral a autora pagou ao réu, que recebeu, o montante total de € 7.550,00 em cumprimento do acordo (ponto 13º dos factos provados) resulta deste mesmo ponto (não impugnado) que os pagamento foram efetuados entre as datas de 01 de abril de 2019 até 31 de março de 2023.
Por isso, o ponto 30 passará a ter a seguinte redação:
“Os pagamentos efetuados pela autora ao réu a título de Complemento PNC foram realizados mensalmente, juntamente com o pagamento mensal da retribuição, identificados nos recibos de vencimento em 80. Complemento PNC, e foram iniciados em 01.04.2019 e efetuados até ao dia 31.03.2023, nos termos constantes dos arts 24, 25, 26, 50, 51, 53 da petição inicial”.
Relativamente ao ponto 33 dos factos provados alega a ré que não consta dos autos, nenhum elemento probatório documental, e/ou testemunhal que corrobore que o reu se destacou entre os vendedores da Autora, ou que esse tenha sido o motivo pelo qual lhe foi oferecido o Pacto de Não concorrência, e ou a sua aceitação.
A propósito da matéria do ponto 33, da fundamentação da matéria de facto apenas se colhe que EE, colega de trabalho do réu na autora (que trabalhou para esta como comercial no período entre setembro de 2013 e fins de dezembro de 2022) referiu “que foi dado um papel a alguns comerciais para assinarem, mas que a si não foi apresentado. Que a ideia que passou era para aqueles comerciais ficarem a ganhar mais alguma coisa face ao maior potencial da sua zona”, e não porque o réu se tivesse destacado entre os vendedores da autora.
Por outro lado, os testemunhos de BB (diretor comercial da autora) e de DD contrariam que o intitulado de “Pacto de Não Concorrência”, tivesse sido acordado por o réu se ter destacado entre os vendedores da autora.
Em face da prova produzida elimina-se o ponto 33 do rol dos factos provados
Por último relativamente à matéria que se pretende ver aditada, a mesma resulta já do teor do acordo de não concorrência, particularmente do seu nº 1.
Da validade do pacto de não concorrência.
Na sequência do princípio da liberdade de trabalho (artº 47º da CRP) o nº 1do artº 136º do CT determina que não se podem colocar entraves ao exercício do direito ao trabalho após a cessação do contrato e, no artº 138 do CT proíbem-se os acordos entre empregadores tendo em vista a contratação de trabalhadores que tenham prestado serviço a qualquer deles.
Contudo, as cláusulas de não concorrência são legítimas se o empregador tiver razões para temer um risco de concorrência pelo trabalhador através do contacto deste com clientela, com o acesso a informações específicas sobre o empregador e com a aquisição de um know-how próprio deste.
Assim, a lei admite o estabelecimento de um pacto de não concorrência desde que cumulativamente se verifiquem os requisitos previstos no nº 2 do artº 136º do CT.
Podendo as partes, como é o caso, ajustar uma cláusula penal para o caso de incumprimento por parte do trabalhador.
O tribunal a quo decidiu pela invalidade do pacto, fundamentando a sua decisão do seguinte modo:
“(…) a compensação pecuniária acordada, condição de validade do Pacto, tem, necessariamente de ser paga aquando da cessação do contrato de trabalho ou após a mesma, sendo ilegítimo (e passível de ser arguido pelo trabalhador como nulidade do Pacto por violação da alínea c) do art 136º nº 2 do CT), efetuar esse pagamento na pendência do contrato de trabalho.
Tal é a interpretação que melhor se adequa às finalidades do Pacto, e à proteção dos direitos fundamentais do trabalhador, e que tem suporte no teor da alínea c) do art 136º supratranscrito quando determina que a compensação retributiva é atribuída (para vigorar) “durante o período de limitação da sua atividade.
Ora, da análise da factualidade dada como provada, e que resulta essencialmente dos documentos juntos pela autora e dos recibos de vencimento juntos pelo réu, a compensação pecuniária foi sendo paga ao longo dos anos, mensalmente, 12 vezes por ano, portanto regular e periodicamente, estando diretamente ligada a uma especial qualificação do trabalhador (ao mérito profissional), devendo entender-se como retribuição, nos termos do nº 3 do art 258, não obstante ter tido caráter variável ao longo dos meses, atribuído pela autora a “equívoco” dos recursos humanos, sendo devida pela autora ao trabalhador conforme acordo escrito com o mesmo celebrado, incorretamente denominado de Pacto de Não Concorrência. Pelo que, sendo uma obrigação retributiva do empregador, tendo sido paga durante a pendência do contrato de trabalho, não tem o réu de proceder à sua devolução.”
Como se vê, o tribunal recorrido entendeu que o pagamento da compensação a que alude a alínea c) do nº 2 do artº 136º tem de ser feito aquando da cessação do contrato de trabalho ou após a mesma, não podendo ser feito durante a pendência do contrato
Ora, salvo melhor opinião, nada na lei impede que o pagamento da compensação seja feito na pendência do contrato e que o pagamento feito antes da cessação contratual tenha como consequência a invalidade do pacto.
Conforme escreve o Conselheiro Júlio Gomes in Direito do Trabalho, volume I, Coimbra editora 2007, p. 616 e 617 “a nossa lei não exige que a compensação seja paga de uma só vez, designadamente no momento em que o contrato cessa, parecendo que pode ser paga fracionadamente (como sucede em França, mas ao contrário do que se passa na Bélgica em que a lei impõe de uma só vez pelo empregador). Resta saber se a compensação poderá ser paga durante a vigência do contrato de trabalho de trabalho ou, inversamente, só depois do período de limitação da atividade chegar ao fim. Uma e outra possibilidade apresentam perigos e vantagens pata o trabalhador: (…). Dir-se-á, contudo, que a lei não impõe aqui qualquer limitação, funcionando, em última análise, a autonomia privada”.
Resulta destes ensinamentos que, pelo facto de o pagamento da compensação ter sido efetuado mensalmente em quantias variáveis na pendência do contrato, tal não é causa de invalidade do pacto, ao contrário do decidido na sentença.
Por outro lado, considerando a factualidade que se deu como assente nos pontos 1 a 9 e na cláusula 1ª do Pacto, onde expressamente as parte reconhecem “ que o Trabalhador ao abrigo das funções que exerce, adquire know-how e demais informações e conhecimentos relativos ao negócio específico na área da atividade desenvolvida pelo Empregador, e obtém informação sobre produtos e métodos de venda, preços, dados de natureza promocional, comercial e ou técnica catálogos, dossiês, arquivos, documentos e contactos de clientela, acesso a informação no plano da concorrência, cuja utilização e, ou, transmissão a outrem, e, ou, desvio de clientela poderá causar prejuízo efetivo ao Empregador”., afigura-se-nos evidente que a atividade cujo exercício se pretende limitar com a celebração do pacto podia, efetivamente causar prejuízo ao empregador.
Estão assim preenchidos, quanto a nós, os três pressupostos de que depende a validade do pacto, a saber: acordo escrito, atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador e atribuição de uma compensação durante o período de limitação da atividade.
Da violação do pacto e suas consequências:
A este propósito encontra provado que após o fim do contrato de trabalho que o ligou à autora:
- o réu realizou visitas e deixou cartões de visita em clientes da A..., nomeadamente a clientes da área geográfica onde havia exercido atividade por conta da autora e que compunham a carteira de clientes que por esta lhe havia sido atribuída enquanto seu trabalhador.
- O réu visitou tais clientes em representação da sociedade B... ,Lda, neles deixando cartões de visita dessa empresa.
- O réu em 04.05.2023, iniciou atividade profissional com a empresa C..., Unipessoal, Lda.
- A empresa C..., Unipessoal, Lda é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social o comércio a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis
- Entre os meses de junho e setembro de 2023, o réu andou a comercializar produtos para veículos automóveis e motociclos - área de atividade da A..., e em clientes da A... anteriormente atribuídos ao réu.
- Nomeadamente os produtos da marca B... e nos clientes A... .
- Os produtos vendidos pelo réu são produtos idênticos aos que a autora comercializa com a marca A....
- A sociedade B..., Lda foi constituída em 09.08.2022 e o seu objeto social é, nomeadamente, o de “Comércio, representação, distribuição, manutenção, serviços, importação e exportação de peças, acessórios automóveis, lubrificantes, ferramentas, ferragens vestuário e prevenção, produtos químicos e limpeza, material de bricolage, material elétrico, máquinas e equipamentos industriais. Aluguer de de outras máquinas e equipamento industrial”
Ora, desta materialidade resulta claro que o recorrido não cumpriu o acordado no pacto de não concorrência ao não se abster de contactar ou manter conversações com quaisquer clientes do Empregador, atuais ou passados, na zona geográfica onde exerceu as suas funções.
E, em caso de incumprimento há que levar em conta o que as partes clausularam, a esse propósito
Consta da cláusula 5º do Pacto: “Em caso de incumprimento total ou parcial, de qualquer uma das obrigações constantes do persente pacto, o Trabalhador ficará sujeito à restituição ao Empregador das quantias que houver recebido, acrescidas de juros de mora à taxa legal para as obrigações civis, devidos e calculados desde o momento em que tiverem sido pagas pelo Empregador até ao momento da sua efetiva restituição”.
Ou seja, para além da obrigação de restituir o valor que recebeu a título de compensação (consequência que resultaria do incumprimento mesmo que as partes nada tivessem cordado nesse sentido), obrigou-se o autor a pagar juros de mora de acordo com o clausulado.
Tendo ocorrido uma violação injustificada ou ilegítima por parte do autor do pacto de concorrência, a reconvenção improcede na sua totalidade.
1. condenar o réu:
a) a pagar/restituir à autora a quantia de € 7.500,00;
b) no pagamento de juros moratórios à taxa legal, vencidos e vincendos, cujos vencidos somam na data de entrada da petição em juízo o montante de € 789,83, contados desde a data dos respetivos pagamentos, acrescida dos juros vencidos até efetivo e integral pagamento.
2. julgar a reconvenção totalmente improcedente indo a autora absolvida do respetivo pedido
(…).
Coimbra, 27 de junho de 2025
*
(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)