INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
IMÓVEL
PASSIVO HIPOTECÁRIO
PARTILHA
FORMA DA DEDUÇÃO DO VALOR
Sumário

Numa situação de processo de inventário para partilha subsequente a divórcio, em que ambos os ex-cônjuges contraíram empréstimo bancário para compra dum imóvel, ambos reconheceram o passivo, um deles licitou o imóvel que lhe é adjudicado e inexistiu qualquer acordo sobre a imputação do passivo, bem como qualquer acordo do Banco credor, o passivo hipotecário deve ser abatido ao valor do imóvel fixado pela licitação, calculando-se depois a meação de cada interessado sobre o valor sobrante.

Texto Integral

Apelação nº 2409/20.4T8MTS-D.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado

1. AA instaurou processo de inventário para partilha dos bens comuns na sequência da dissolução do seu casamento com BB.

Citada, a Requerida deduziu reclamação à relação de bens apresentada, por omissão de bens e quanto ao respetivo valor. O cabeça de casal respondeu.

O credor Banco 1..., SA reclamou o seu crédito.

Realizou-se audiência prévia, na qual se logrou acordo quanto à exclusão de determinadas verbas do ativo, e do respetivo valor, bem como quanto ao crédito reclamado pelo Banco 1....

Dilucidadas as diversas questões que foram surgindo, designadamente sobre a reclamação de bens, procedeu-se à conferência de interessados, na qual ficou consignado o seguinte:

Pelos interessados foi dito aceitarem o valor indicado como sendo o do passivo, à data de hoje, relacionado sob a verba 1.

Mais foi dito acordarem com a eliminação das verbas 3 e 4 do passivo e, quanto verba n.º 2 do passivo, a interessada não a reconhece.


*

Após, pelo cabeça de casal e interessada foi declarado estar de acordo em proceder à adjudicação de parte dos bens da seguinte forma:

Verba nº 1º - 3.462,43 Euros depositados na conta bancária sediada no Banco 1..., com o n.º ... - fica adjudicado à interessada.

Verba nº. 2º - 18.112,33 Euros depositados na conta bancária sediada no Banco 1..., com o n.º ...- fica adjudicado à interessada.

Verba nº3 - 38.283,73 Euros depositados na conta bancária sediada no Banco 1..., com o n.º ...- fica adjudicado à interessada.

Verba nº 4.º - 1.232,80 Euros depositados na conta bancária sediada no Banco 1..., com o n.º ... fica adjudicado à interessada.

Verba 5º - 21.499,19 Euros depositados na conta bancária sediada no Banco 1...- PPR, com o n.º ..., fica adjudicado ao cabeça-de-casal pelo valor indicado na relação de bens

Verba Nº 6.º - 22.360,10 Euros depositados na conta bancária sediada no Banco 1... com o Nº ...- fica adjudicado ao cabeça-de-casal pelo valor indicado na relação de bens

Verba 9ª - Veículo ligeiro, marca Toyota, modelo ..., matrícula ..-RV-.. fica adjudicado à interessada pelo valor de 4.000,00 €.

Verba nº. 10º- Veículo ligeiro, marca Audi, modelo ..., matrícula ..-TI-.. fica adjudicado ao cabeça-de-casal pelo valor indicado na relação de bens

Verba 40º - 1 Televisão pequena, com bastante desgaste pelo valor de €20,00 fica adjudicado à interessada.

verba nº. 46º - 1 Louceiro c/ gavetas, em bom estado de conservação Valor atribuído de €150 - fica adjudicado à interessada.

Verba nº. 51 - 1 Quadro Grande Coração de Viana, em bom estado de conservação pelo Valor de €15,00 fica adjudicado à interessada

Verba nº. 52º - 1 Quadro Família, em bom estado de conservação pelo valor de €15,00 fica adjudicado à interessada;

Verba nº. 85º - Quadro grande pintado à mão em tons castanho e bege sala, pelo valor de €70,00 fica adjudicado à interessada.

Verba nº. 86 - Quadro médio em tons verde e castanho, pelo valor de €20,00 fica adjudicado à interessada;

Verba nº. 106º - 3 suportes de bicicletas, pelo de valor de 25€ fica adjudicado à interessada.


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De seguida, e dado não haver acordo respeitante às verbas nº. 56º, 79º, 95º, 107º, 111º e 112º procedeu-se a licitações da seguinte forma, nos termos do artigo 1113º do CPC:

Verba nº. 56º - 1 Bimby M6, em razoável estado de conservação fica atribuída à interessada pelo valor 370,00 €

Verba 79º - Disco rígido marca WD fica atribuído ao cabeça de casal pelo valor de 20,00 €

Verba nº. 95º - Móvel bege dos Arrumos fica atribuído à interessada pelo valor de 10,00 € (interessada)

Verba nº. 107º. - 2 barras de tejadilho de carro ficam atribuído ao cabeça de casal pelo valor de 52,00 €

Verba nº. 111º - Bicicleta, fica atribuído à interessada pelo valor de 31,00 €

Verba nº. 112º - Portátil, fica atribuído à interessada pelo valor de 160,00 €


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Os restantes bens móveis são adjudicados ao cabeça-de-casal, pelo valor da relação de bens, exceto os bens relacionados sob as Verbas 37º, 43º, 44º, 47º, 71º, 72º, 87º, 103º, 108º, uma vez que nenhum dos interessados pretende ficar com os mesmos, sendo que deverão ser constituídos lotes, nos termos do artigo 1117º, n.º 2, b) do CPC, pelos valores constantes da relação de bens.

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Mais acordam que relativamente ao bem imóvel sob a verba nº113 - Prédio urbano composto de cave, rés-do-chão, destinada a habitação, sita na Rua ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial da Maia e inscrita na matriz predial urbana da União de freguesias ... sob o artigo ... fica adjudicado ao cabeça de Casal pelo valor de 199.602, 75 €;

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De seguida o Mmº Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO

Atenta a posição das partes, julgo reconhecida o valor da verba 1 do passivo - dívida ao Banco 1..., SA – no valor, à data, de 63.872, 75 € - 1106º/1 do CPC.


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No que se refere à verba 2 do passivo, o requerido fundamenta o seu pedido com o pagamento de despesas relacionadas com a casa que foi de morada de família, tais como água, luz, internet, telefone e prestações bancárias, estando em causa o período posterior ao divórcio.

Ora, conforme se retira dos acordos celebrados no âmbito da ação de divórcio em apenso, o direito à utilização da casa de morada de família foi atribuído ao aqui cabeça-de-casal, que se obrigou a assumir o pagamento das prestações relativas à amortização do crédito à habitação. Ora, por maioria de razão, estando em causa despesas relacionadas com a utilização de tal imóvel, as mesmas são apenas da responsabilidade do cabeça-de-casal.

Pelo exposto, determino a eliminação da verba 2 do passivo.

Seguidamente, as partes apresentaram proposta de forma à partilha, tendo o Mmº Juiz decidido em 07/10/2024:

a) Somam-se todas as verbas do ativo, levando em conta o decidido em conferência de interessados, nomeadamente em termos de licitações;

b) A soma de tais valores é dividida em 2, cabendo cada metade à meação de cada um dos cônjuges;

c) o valor do passivo reconhecido por ambos os interessados é da responsabilidade de ambos os interessados, na proporção de metade para cada um, devendo, assim, ser deduzido ao valor do ativo;

d) a meação dos interessados é preenchida de acordo com o resultado das licitações e do acordo entre os interessados;

e) os bens relacionados sob as Verbas 37º, 43º, 44º, 47º, 71º, 72º, 87º, 103º, 108º, uma vez que nenhum dos interessados pretende ficar com os mesmos, deverão ser divididos em lotes, nos termos do artigo 1117º, n.º 2, b) do CPC, pelos valores constantes da relação de bens, e sorteados entre os interessados.

Em 09/10/2024, foi então efetuado o mapa da partilha nos seguintes termos:

BENS A PARTILHAR:

Procede-se a inventário para partilha da meação nos bens comuns subsequente ao divórcio de CC (Cabeça de Casal) e de BB. Os bens a partilhar são os, referidos no quadro do Ativo.

O passivo aprovado é de € 63.872,75. (…)

Operações de Partilha

(de acordo com o despacho determinativo e os elementos resultantes da conferência de interessados)

Ao valor das verbas a partilhar, subtrai-se o passivo € 347.143,53-€ 63.872,75 = € 283.270,78

O montante obtido divide-se em duas partes iguais, constituindo cada parte a meação de cada um dos ex-cônjuges €283.270,78/2 = €141.635,39

CC (Cabeça de Casal) €141.635,39

BB (Interessada) €141.635,39

Na conferência de interessados foram adjudicados:

Ao Cabeça de Casal (CC), verbas pelo valor de € 264.730,04

À Interessada, BB, verbas pelo valor de € 81.716,50

PAGAMENTOS

Ao Cabeça de Casal, CC, coube-lhe:

As verbas 5, 6, 10 a 36, 39, 41, 42, 60 a 70, 73 a 84, 90 a 93, 96 a 102, 104, 105, 107, 109 a 111 e 113 no valor de € 264.730,04, o lote 1 (constituído pelas verbas 37, 47, 71, 72, 87, 103 e 108, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024) no valor de € 347,00, e deduzido o passivo da sua responsabilidade (€ 31.936,38) perfazendo o montante total de € 233.140,66.

À Interessada, BB, coube-lhe:

As verbas 1 a 4, 7 a 9, 40, 46, 51, 52, 56, 85, 86, 95, 106 e 111 no valor de € 81.716,50, e o lote 2 (constituído pelas verbas 43 e 44, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024) no valor de € 350,00, e deduzido o passivo (€ 31.936,38), perfazendo o montante total de € 50.130,12.

RESUMO

Ao Cabeça de Casal, CC, coube-lhe:

As verbas 5, 6, 10 a 36, 39, 41, 42, 60 a 70, 73 a 84, 90 a 93, 96 a 102, 104, 105, 107, 109 a 111 e 113 no valor de € 264.730,04, e o lote 1 (constituído pelas verbas 37, 47, 71, 72, 87, 103 e 108, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024) no valor de € 347,00, e deduzido o passivo da sua responsabilidade (€ 31.936,38), perfazendo o montante total de € 233.140,66;

o seu quinhão é de € 141.635,39;

pelo que excede em € 91.505,27;

Tem a pagar à Interessada, BB, € 91.505,27 de tornas.

À Interessada, BB, coube-lhe:

As verbas 1 a 4, 7 a 9, 40, 46, 51, 52, 56, 85, 86, 95, 106 e 111 no valor de € 81.716,49, e o lote 2 (constituído pelas verbas 43 e 44, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024) no valor de € 350,00, e deduzido o passivo da sua responsabilidade (€ 31.936,38), perfazendo o montante total de € 50.130,12.;

o seu quinhão é de € 141.635,39;

pelo que faltam € 91.505,27;

Tem a receber do cabeça de casal, € 91.505,27

Deste mapa da partilha veio reclamar a interessada mulher quanto (i) ao valor das verbas nº 1 e 79; (ii) à verba nº 111, que lhe foi atribuída, mas constando do mapa como atribuída ao interessado ex-marido; (iii) a omissão da verba nº 112, que lhe foi adjudicada.

Também o interessado marido reclamou quanto (i) o valor total não está correto; (ii) consta como lhe tendo sido atribuídas as verbas nº 25, 28, 33, 38, 61, 80 a 82 e 92, quanto as mesmas tinham sido excluídas da relação de bens por acordo; (iii) a verba nº 111 consta como lhe tendo sido atribuída, quando o foi à interessada ex-mulher, bem como a 112; (iv) necessidade de retificar o valor do ativo adjudicado a cada um deles; (v) errada indicação do valor do passivo no campo “pagamentos”, pois que o mesmo já o havia sido no cálculo para apurar as respetivas meações, tendo ficado o cabeça de casal por ele responsável; (vi) incorreção do valor adjudicado à interessada ex-mulher; (vii) em consequência, necessidade de corrigir diversos items do campo “resumo”, bem como do cálculo das tornas.

O Mmº Juiz decidiu em 18/11/2024:

Requerimentos de 18 e 2/10: proceda à retificação dos lapsos indicados nos requerimentos em causa.

No que se refere ao passivo (verba 1), existe um lapso no nosso despacho de 07/10 [[1]], não sendo um lapso do mapa de partilha.

Com efeito, tendo sido adjudicado ao cabeça-de casal o bem imóvel, e sendo o passivo relativo a esse mesmo bem, tal significa que o valor total do passivo em causa deve ser abatido apenas na meação daquele cabeça-de-casal, o que se determina.

Em obediência a este despacho, em 18/11/2024 foi elaborado novo mapa da partilha, nos seguintes termos:

BENS A PARTILHAR:

Procede-se a inventário para partilha da meação nos bens comuns subsequente ao divórcio de CC (Cabeça de Casal) e de BB. Os bens a partilhar são os, referidos no quadro do Ativo.

O passivo aprovado é de € 63.872,75. (…)

Operações de Partilha

(de acordo com o despacho determinativo e os elementos resultantes da conferência de interessados)

Ao valor das verbas a partilhar, subtrai-se o passivo € 347.143,53 - 63,872,75 = € 283.270,78

O montante obtido divide-se em duas partes iguais, constituindo cada parte a meação de cada um dos ex-cônjuges €283.270,78/2= €141.635,39

CC (Cabeça de Casal) € 141.635,39

BB (Interessada) €141.635,39

Foram adjudicados:

Ao Cabeça de Casal (CC), verbas pelo valor de € 265.077,04

À Interessada, BB, verbas pelo valor de € 82.066,49

PAGAMENTOS

Ao Cabeça de Casal, CC, coube-lhe:

As verbas 5, 6, 10, 12 a 24, 26, 27, 29 a 32, 34 a 36, 39, 41, 42, 60 a 70, 73 a 79, 83, 84, 90, 91, 93, 96 a 102, 104, 105, 107, 109, 110, 113, o lote 1 (constituído pelas verbas 37, 47, 71, 72, 87, 103 e 108, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024) no valor de € 265.077,04, e deduzido o passivo da sua responsabilidade (€ 63.872,75) perfazendo o montante total de € 201.204,29.

À Interessada, BB, coube-lhe:

As verbas 1 a 4, 7 a 9, 40, 46, 51, 52, 56, 85, 86, 95, 106, 111, 112 e o lote 2 (constituído pelas verbas 43 e 44, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024) no valor de € 350,00, e deduzido o passivo (€ 31.936,38), perfazendo o montante total de € 82.066,49.

RESUMO

Ao Cabeça de Casal, CC, coube-lhe:

As verbas 5, 6, 10, 12 a 24, 26, 27, 29 a 32, 34 a 36, 39, 41, 42, 60, 62 a 70, 73 a 79, 83, 84, 90, 91, 93, 96 a 102, 104, 105, 107, 109, 110, 113, o lote 1 (constituído pelas verbas 37, 47, 71, 72, 87, 103 e 108, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024) no valor de € 265.077,04, deduzido o passivo da sua responsabilidade (€ 63.872,75), perfazendo o montante total de € 201.204,29;

o seu quinhão é de € 141.635,39;

pelo que excede em € 59.568,90;

Tem a pagar à Interessada, BB, € 59.568,90 de tornas.

À Interessada, BB, coube-lhe:

As verbas 1 a 4, 7 a 9, 40, 46, 51, 52, 56, 85, 86, 95, 106, 111, 112 e o lote 2 (constituído pelas verbas 43 e 44, de acordo com a alínea e) do despacho determinativo de 07.10.2024), perfazendo o montante total de € 82.066,49,

o seu quinhão é de € 141.635,39;

pelo que faltam € 59.568,90;

Tem a receber do cabeça de casal, € 59.568,90

Notificado às partes, dele veio reclamar de novo a interessada mulher, concluindo:

Assim sendo, e seguindo o douto raciocínio,

3. O Valor Total do Ativo 347.143,53€: 2 = 173.571,77€ (Valor da meação)

4. A meação do Cabeça de Casal, abatido a totalidade do passivo (63.872,75€), é de 109.699,02€, conforme despacho.

5. O total dos bens adjudicados ao Cabeça de Casal é de 265.077,04€.

6. O total dos bens adjudicados à Interessada é de 82.066,49€.

7. O Cabeça de Casal leva a mais 155.378,02€, sendo estas as tornas a pagar à Interessada, o que desde já se requer.

8. Salvo o devido respeito, o mapa de partilha agora elaborada não cumpre o determinado por V. Exa.

Em 16/12/2024, o Mmº Juiz decidiu:

Requerimento de 28/11: o mapa de partilha foi elaborado de acordo com o despacho de 18/11, pelo que indefiro a reclamação apesentada.

No mais, sendo reclamado o pagamento de tornas, cumpra o disposto no artigo 1121º, n.º 2 do CPC.

Posteriormente foi proferida decisão de homologação «do mapa da partilha, adjudicando ao cabeça de casal e à interessada os bens que nele, expressa e respetivamente, lhes foram designados para composição das respetivas meações.»

2. Inconformada, veio a interessada mulher apelar da “sentença homologatória da partilha e do despacho e mapa da partilha datados de 18/11/2024”, formulando as seguintes conclusões:

I. Em 04/02/2025, o Tribunal a quo homologou o mapa da partilha que havia previamente elaborado no dia 18/11/2024. Sendo do modesto entendimento da aqui Recorrente, que tal não deveria ter acontecido nos moldes em que o fez, atentas as razões que infra exporá.

II. No dia 07/10/2024, através de Despacho o Tribunal a quo deu forma à partilha, estipulando que “realizada conferência de interessados, e tendo aqueles vindo indicar proposta de mapa de partilha., e nos termos do artigo 1120º, n.º 2, 3 e 4 do CPC, a partilha deverá ser feito nos seguintes termos:

a) Somam-se todas as verbas do ativo, levando em conta o decidido em conferência de interessados, nomeadamente em termos de licitações;

b) A soma de tais valores é dividida em 2, cabendo cada metade à meação de cada um dos cônjuges;

c) o valor do passivo reconhecido por ambos os interessados é da responsabilidade de ambos os interessados, na proporção de metade para cada um, devendo, assim, ser deduzido ao valor do ativo;

d) a meação dos interessados é preenchida de acordo com o resultado das licitações e do acordo entre os interessados;

e) os bens relacionados sob as Verbas 37º, 43º, 44º, 47º, 71º, 72º, 87º, 103º, 108º, uma vez que nenhum dos interessados pretende ficar com os mesmos, deverão ser divididos em lotes, nos termos do artigo 1117º, n.º 2, b) do CPC, pelos valores constantes da relação de bens, e sorteados entre os interessados.

Notifique – artigo 1120º, n.º 5 do CPC”.

III. Em 09/10/2024, foi então dado cumprimento ao despacho e elaborado o mapa da partilha conforme documento com a referência Citius 464356858.

Que em resumo, resultava que a Recorrente a título de tornas havia de receber a quantia de 91.505,27€ (noventa e um mil quinhentos e cinco euros e vinte e sete cêntimos).

IV. Através de despacho datado de 18/11/2024, o tribunal ordenou que se efetuasse uma alteração ao mapa da partilha anteriormente elaborado, “Requerimentos de 18 e 2/10: proceda à retificação dos lapsos indicados nos requerimentos em causa.

No que se refere ao passivo (verba 1), existe um lapso no nosso despacho de 07/10, não sendo um lapso do mapa de partilha.

Com efeito, tendo sido adjudicado ao cabeça-de casal o bem imóvel, e sendo o passivo relativo a esse mesmo bem, tal significa que o valor total do passivo em causa deve ser abatido apenas na meação daquele cabeça-de-casal, o que se determina. Notifique.”

V. Foi elaborado novo mapa da partilha conforme documento com a referência Citius 455807715. De onde resultou que a Recorrente apenas tinhas a receber a título de tornas a quantia de 59.568,90€ (cinquenta e nove mil quinhentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos). A 18/11/2024, entendeu o Tribunal a quo, salvo melhor entendimento, erroneamente, alterar o anteriormente decidido, o que expressamente se impugna pelas razões que infra melhor se explanará e de que ora se recorre. Designadamente em sede de responsabilidade do passivo existente e reconhecido. Despachando em 18/11/2024 que, “No que se refere ao passivo (verba 1), existe um lapso no nosso despacho de 07/10, não sendo um lapso do mapa de partilha. Com efeito, tendo sido adjudicado ao cabeça-de casal o bem imóvel, e sendo o passivo relativo a esse mesmo bem, tal significa que o valor total do passivo em causa deve ser abatido apenas na meação daquele cabeça-de-casal, o que se determina.

VI. Foi então elaborado um novo mapa da partilha, que alterou a forma de abatimento do passivo, que tal como infra se exporá prejudica de forma evidente a aqui Recorrente. Analisando este segundo mapa verificamos que: ao valor do ativo foi subtraído o valor do passivo reconhecido pelos Interessados (347.143,53€ – 63.872,75€) = 283.270,78€. Tal valor (283.270,78€) representa o valor líquido sem encargos do ativo a dividir pelos dois Interessados. Pelo que 283.270,78€/2 = 141.635,39€. Sendo o valor de 141.635,39€ a meação de cada um dos interessados. Ao Cabeça de Casal foram adjudicados bens no valor de 265.077,04€. Até aqui tudo certo, o problema surge nos pontos seguintes.

VII. Segundo o novo entendimento do Tribunal a quo, abatendo-se a totalidade do passivo - 63.872,75€ (erradamente, pois o passivo é da responsabilidade de ambos), o Cabeça de Casal ficaria com bens no valor de 201.204,29€ (265.077,04€ - 63.872,75€). Por outro lado, à Recorrente foram adjudicados bens no valor de 82.066,49€. Não lhe sendo abatido qualquer montante referente ao passivo.

VIII. Ao atuar da forma descrita, o Tribunal a quo permite que o Recorrido, Cabeça de Casal, abata o passivo de que é da sua exclusiva responsabilidade (31.936,38€) nas tornas que tem a pagar à Interessada, Recorrente. Reduzindo o valor das tornas a pagar à Interessada para o montante de 59.568,90€. Ou seja, a elaboração deste segundo mapa, em 18/11/2024, não respeita a forma dada à partilha. Nem tampouco, respeita o disposto no nº 3 do artigo 1120º CPC. Ao que acresce ainda o facto de, in casu, o Recorrido sair indevidamente beneficiado por assumir/deduzir a totalidade do passivo, quando apenas podia deduzir os 50% da responsabilidade da Recorrente.

IX. Isto porque, a sua meação, sem a dedução do passivo, excede o montante de 123.441,65€, e, assumindo a totalidade do passivo, como salvo melhor entendimento, erroneamente decidiu o Tribunal a quo, faz com que a sua meação apenas exceda no montante de 59.568,90€. Facilmente se constata que tal abatimento do passivo apenas na meação do Recorrido, lhe é benéfico, em termos de pagamento de tornas. Pois, em vez de efetuar o pagamento no valor de 91.505,27€, tem apenas de pagar à Recorrente o montante de 59.568,90€. Tendo, desta forma, abatido a sua quota parte do passivo, nas tornas que devia pagar à Recorrente, o que não se pode conceber e, por isso, se recorre.

X. O Tribunal a quo, salvo melhor entendimento, errou na aplicação de normativos legais tal como infra melhor se explanará. Tal como supra se expôs, primeiramente o Tribunal a quo, em 07/10/2024, decidiu em consonância com o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 1110º do CPC, que deviam somar-se todas as verbas constantes do ativo, levando em conta o decidido em conferência de interessados, nomeadamente em termos de licitações. Proceder-se à soma de tais valores, e dividindo-se em 2 partes, cabendo metade à meação de cada um dos cônjuges.

XI. Quanto ao valor do passivo, reconhecido por ambos os Interessados, tal é da responsabilidade de ambos, na proporção de metade para cada um, devendo ser deduzido ao valor do ativo. Sendo a meação dos Interessados preenchida de acordo com o resultado das licitações e do acordo entre estes. O que, salvo melhor entendimento, se encontrava correto.

XII. Cumpre desde logo relembrar que estipula o nº3 do artigo 1120º do CPC que “Para a formação do mapa determina-se, em primeiro lugar, a importância total do ativo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efetuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos, após o que se determina o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, e por fim faz-se o preenchimento de cada quota com referência às verbas ou lotes dos bens relacionados.”

Inexistindo qualquer acordo entre Recorrente e Recorrido acerca da responsabilidade da verba do passivo, ambos são solidariamente responsáveis.

Pelo que, com a alteração do mapa da partilha ordenada através do despacho de 18/11/2024, o Tribunal a quo, erra ao imputar a totalidade de tal verba, referente ao passivo, unicamente ao Cabeça de Casal, aqui Recorrido.

XIII. Neste sentido, veja-se o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no processo nº 583/20.9T8ACB.C1, relator Vítor Amaral, onde se decidiu que, “Em processo de inventário judicial, havendo diversos bens a partilhar, tal como passivo determinado, e não tendo os interessados acordado no sentido de esse passivo ser suportado apenas por algum ou alguns deles, deve a decisão determinativa da partilha – e o mapa dela decorrente – mostrar como distribuir, não apenas o ativo, mas também aquele passivo, com o pagamento a constar relativamente a cada um dos interessados responsáveis.” Mais se esclarecendo que, “O mapa da partilha materializa a divisão, sujeita a homologação na sentença dos autos de inventário, contendo enunciação do ativo e do passivo, da quota de cada interessado e do preenchimento do respetivo quinhão com bens (ou lotes de bens), e sendo a peça processual que concretiza os direitos de cada interessado, quanto aos bens que lhe serão atribuídos e a tornas a prestar/receber”, e disponível em www.dgsi.pt.

XIV. Tal como nos explica Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1990, págs 126 e ss., relativamente à organização do mapa da partilha, devem considerar-se “três aspectos, desde a (i) determinação da total do ativo, passando pela (ii) determinação da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, até ao (iii) preenchimento das quotas. O primeiro daqueles aspetos reporta-se «à prática de duas operações: I Soma dos valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efectuadas; II Dedução a essa soma das dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos»”. E bem assim, neste âmbito esclarece ainda o Tribunal da Relação de Guimarães que “o passivo aprovado deve ser submetido às mesmas regras da partilha do ativo (divisão entre os herdeiros, na proporção das respetivas quotas, com recurso, se necessário, a compensação de créditos).” Mais esclarecendo que, “como é a herança que responde pelo passivo, também o valor global deste tem de ser submetido à partilha, em operação subsequente à inicial dedução de valores passivos (uma não impede a outra). Havendo passivo aprovado e inexistindo acordo em sentido diverso, esse passivo tem de ser partilhado/distribuído entre os interessados, do mesmo modo que o ativo.”

Defendendo que, “importa proceder ao preenchimento de cada quota ou quinhão, de acordo com um “princípio igualitário” seja quanto ao que compõe a massa do ativo, seja quanto ao passivo.”

XV. Partilhando do mesmo entendimento do que Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 465, “a partilha supõe igualdade e é mister fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau” (cfr. p. 468), sem esquecer que, no mapa da partilha, “não se faz unicamente a distribuição do activo pelos interessados; determina-se ainda a parte que a cada um deles compete no pagamento do passivo” (p. 490).”

XVI. O Tribunal a quo, quando deu forma à partilha de acordo com a alínea a) do nº 2 do artigo 1110º do CPC, em despacho datado de 07/10/2024, decidiu que “o valor do passivo reconhecido por ambos os interessados é da responsabilidade de ambos os interessados, na proporção de metade para cada um, devendo, assim, ser deduzido ao valor do ativo;”. Pelo que, em 18/11/2024, quando decide alterar a forma de liquidação do passivo, age salvo melhor entendimento, de forma contrária ao anteriormente decidido e violando os preceitos legais supra expostos. E bem assim, com o devido respeito, vem trazer uma tal confusão aos autos, dando o dito por não dito, alterando uma decisão que goza de primazia, e que estipula a forma da partilha – Despacho datado de 07/10/2024. Que deu origem ao primeiro mapa de partilha, em 09/10/2024, e que se encontrava corretamente elaborado.

XVII. Designadamente, ao valor do ativo foi subtraído o valor do passivo reconhecido pelos Interessados (347.143,53€ – 63.872,75€) = 283.270,78€. Tal valor (283.270,78€) representa o valor do ativo líquido e sem encargos a dividir pelos dois Interessados. Pelo que 283.270,78€/2 = 141.635,39€. Sendo o valor de 141.635,39€ a meação de cada um dos Interessados. Ao Cabeça de Casal, Recorrido, foram adjudicados bens no valor de 264.730,04€. Abatendo o passivo de que é co-responsável (63.872,75€/2 = 31.936,38€), o Cabeça de Casal ficaria com bens no valor de 233.140,66€ (264.730,04€ - 31.936,38€). Por outro lado, à Recorrente foram adjudicados bens no valor de 82.066,49€. Abatendo a tal valor, o passivo de que é co-responsável, a Recorrente ficaria com bens no valor de 50.130,12€ (82.066,49€ - 31.936,38€). O valor dos bens adjudicados ao Cabeça de Casal, abatendo o passivo da responsabilidade da Recorrente, excede ainda a sua meação em 91.505,27€. Porquanto o montante restante de 31.936,38 €, passivo da responsabilidade do Recorrido, tem de ser por este assumido e nunca abatido nas tornas que este tem de pagar à Recorrente. Pois se assim não fosse, e de acordo com o Despacho recorrido, seria a Recorrente a assumir a integralidade da verba do passivo.

XVIII. Por sua vez, o valor dos bens adjudicados à Recorrente não é suficiente sequer para preencher a sua meação, daí ter direito a receber a título de tornas o valor de 91.505,27€ (valor este já descontado de 50% do passivo da sua responsabilidade). Desta forma, o mapa da partilha datado de 09/10/2024 encontrava-se corretamente elaborado, pelo que a Interessada, aqui Recorrente, teria de receber do Cabeça de Casal, a título de tornas o valor de 91.505,27€. Uma vez que, abatia o passivo na proporção de 50% por cada um dos Interessados, aqui Recorrente e Recorrido, respeitando a forma dada à partilha, e efetuando uma equitativa composição das meações. Termos em que deve ser a verba do passivo reconhecido abatida na proporção de metade em ambas as meações da Recorrente e Recorrido.

XIX. Desta forma, e atento o supra exposto, deve o despacho datado de 18/11/2024 ser revogado, e bem assim ser dado sem efeito o segundo mapa da partilha datado de 18/11/2024, uma vez que desrespeita a forma dada à partilha e o disposto no artigo 1120º, nº 3 do CPC. E, consequentemente, considerar o mapa da partilha primeiramente elaborado, datado de 09/10/2024. Nesse seguimento, dando sem efeito e revogando-se a sentença homologatória da partilha.

Nestes termos, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado total provimento ao presente Recurso, nos termos enunciados nas conclusões, decidindo V. Exas.:

Revogar a sentença homologatória da partilha, anulando o despacho datado de 18/11/2024, e bem assim o mapa da partilha datado de 18/11/2024, decorrente deste.

Confirmar-se o primitivo mapa da partilha datado de 09/10/2024, e declarar-se o abatimento do passivo em quotas de igual proporção em ambas as meações da Recorrente e Recorrido.

Decidindo, em conformidade, farão V. Exas., Juízes Desembargadores, aliás, como sempre, inteira e sã justiça!

3. O cabeça de casal apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

4. Apreciando o mérito do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

No caso, trata-se de apurar como deve ser imputado o passivo no caso dum processo de inventário para partilha subsequente a divórcio, em que ambos os ex-cônjuges contraíram empréstimo bancário para compra dum imóvel, ambos reconheceram o passivo, um deles licitou o imóvel que lhe é adjudicado e inexistiu qualquer acordo sobre a imputação desse passivo, bem como qualquer acordo do Banco credor.

§ 1º - Preliminarmente, há que especificar algumas ocorrências dos autos.

Na verdade, reage-se aqui contra o mapa da partilha que mais não é do que um documento que concretiza e materializa o que foi decidido no despacho determinativo da partilha.

Ambos os interessados apresentaram proposta do mapa de partilha e fizeram-no em termos não coincidentes.

Assim, a interessada mulher considerou ser de somar as verbas do ativo (com a atualização resultante da conferência e licitações) e subtrair o valor do passivo relacionado e reconhecido (63.872,75€) e que o valor assim obtido, se dividiria em duas partes iguais, assim se achando a meação de cada cônjuge.

Já o interessado marido considerou que ao valor das verbas a partilhar (conforme o resultado das licitações) se deveria subtrair o valor do passivo reconhecido. O montante obtido divide-se em duas partes iguais, constituindo cada parte a meação de cada um dos ex-cônjuges. Porém, quanto ao passivo, referiu: “Dívida de que é credor o Banco 1..., em consequência da celebração de contrato de mútuo oneroso N.º ... no valor de € 63.872, 75. A cada um dos interessados pertence do passivo de: € 31 936,375.

Nos termos do art.º 1120º nº 2 do CPC, o Mmº Juiz deveria ter solucionado as divergências.

No dia 07/10/2024 foi proferido o despacho determinativo da partilha, aí se referindo (no que ao caso interessa) que “c) o valor do passivo reconhecido por ambos os interessados é da responsabilidade de ambos os interessados, na proporção de metade para cada um, devendo, assim, ser deduzido ao valor do ativo”.

Este despacho não foi impugnado por nenhum dos interessados.

O mapa da partilha foi elaborado no dia 09/10/2024, cumprindo o determinado no despacho, ressalvadas as incorreções que depois lhe foram apontadas e mandadas corrigir por despacho de 18/11/2024.

Sucede que, neste despacho, “emendando a mão”, o Mmº Juiz alterou a forma à partilha que tinha efetuado no despacho de 07 de outubro. Ou seja, determinou agora que “No que se refere ao passivo (verba 1), existe um lapso no nosso despacho de 07/10, não sendo um lapso do mapa de partilha. Com efeito, tendo sido adjudicado ao cabeça-de casal o bem imóvel, e sendo o passivo relativo a esse mesmo bem, tal significa que o valor total do passivo em causa deve ser abatido apenas na meação daquele cabeça-de-casal, o que se determina”.

O mapa da partilha de 18/11/2024 limitou-se a obedecer a este despacho.

Donde, se algum erro existe, é do despacho (que alterou o anteriormente decidido), e não do mapa da partilha que lhe obedeceu.

§ 2º - Questiona a Recorrente que se tenha abatido a totalidade do passivo (passivo da responsabilidade de ambos, decorrente da compra de imóvel por empréstimo bancário garantido por hipoteca) no imóvel que foi licitado pelo cabeça de casal.

É sabido que o passivo, tal como o ativo, deve ser partilhado segundo um princípio igualitário pois que, nos termos do art.º 1730º nº 1 do Código Civil (CC), “Os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso”.

Porém, nada impede, e a lei aceita e incentiva (art.º 1111º nº 1 e 3 CPC), que no respeito pela liberdade contratual e autonomia privada, os interessados possam acordar que essa distribuição/pagamento se processe de modo diverso, posto que a igualdade fique assegurada. [[2]]

Como resolver então a situação de um ex-cônjuge que licitou um imóvel que se mostra onerado com uma hipoteca, na sequência de empréstimo bancário, dívida essa aprovada e reconhecida por ambos os ex-cônjuges?

No domínio das relações externas (ex-cônjuges-Banco credor), face ao regime de funcionamento da hipoteca e da sua natureza de garantia real com a caraterística da sequela, de acordo com as regras legais, “os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão” (art.º 1730º nº 1 do CC), significando que em termos contratuais ambos continuariam responsáveis perante o Banco credor pelo pagamento do empréstimo na proporção de metade (art.º 1694º nº 1 do CC).

Porém, em caso de incumprimento do pagamento do empréstimo, e pese embora ambos os ex-cônjuges continuem vinculados perante o Banco credor (empréstimo por ambos contraído), o certo é que o Banco tem de iniciar a execução obrigatoriamente pela penhora do bem hipotecado (art.º 752º do CPC). Assim, na prática, e na hipótese de a venda do imóvel ser bastante para pagar a dívida, tal redundaria em que apenas o (agora) titular do imóvel licitado iria suportar as consequências do incumprimento de um débito da responsabilidade de ambos.

Há por isso que colmatar tais inconvenientes.

A resolução de tal questão tem sido objeto de concordância na doutrina e na jurisprudência.

Assim, entendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa, «no caso de licitação de um bem comum imóvel por um dos cônjuges, estando tal imóvel onerado por hipoteca, haverá que equacionar dois cenários: ou os cônjuges acordam que ambos pagarão o passivo hipotecário ou inexiste tal acordo. Na primeira situação, estando o passivo a cargo dos dois cônjuges, o imóvel entra no apuramento do ativo e do passivo a par dos demais bens. Na segunda situação, ficando o pagamento do passivo somente a cargo do licitante, haverá que autonomizar tal imóvel para efeitos do nº 3 do art.º 1120º, abatendo-se o passivo hipotecário ao valor do imóvel fixado pela licitação e calculando-se a meação de cada interessado sobre o valor sobrante. Cabendo ao ex-cônjuge licitante de imóvel onerado com hipoteca o encargo de pagar o passivo que o onera, tal deve ser tido em consideração na avaliação do preenchimento da meação desse interessado, refletindo-se no cálculo de eventuais tornas.» [[3]] (sublinhado nosso)

No caso, os autos não dão nota de que tenha existido qualquer acordo sobre a responsabilidade pelo passivo hipotecário. [[4]]

No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência [[5]]:

Acórdão do STJ de 12/05/2016, processo nº 797/08.0TMCBR-A.C2.S1

I - Em partilha subsequente a uma ação de divórcio, tendo um dos cônjuges licitado um imóvel que compunha o acervo patrimonial do dissolvido casal, na composição do respetivo quinhão há que subtrair ao valor da adjudicação do bem o valor das dívidas por ele garantidas com hipoteca, desde que todo esse passivo fique a seu cargo exclusivo.

II - A outra solução possível, que consistiria em imputar a ambos os cônjuges o pagamento do passivo em partes iguais, suscitaria o risco de necessidade de repetição da prestação – se acaso o cônjuge não licitante não efetuasse o pagamento da sua parte no passivo – e teria o inconveniente de manter no tempo uma ligação que os cônjuges quiseram em definitivo quebrar.

III - A circunstância de a execução começar pelos bens hipotecados (n.º 1 art.º 752.º do NCPC (2013) torna irrelevante o facto de o credor hipotecário não ter exonerado o cônjuge não licitante.

IV - A solução referida em I respeita o equilíbrio entre os cônjuges que dissolvem o património comum sem que antes hajam satisfeito o crédito hipotecário ou procedido à sua remição (art.º 730.º, al. a) e art.º 2099.º, ambos do CC), encontrando-se em consonância com o disposto no n.º 1 do art.º 2100.º do mesmo diploma.

No mesmo sentido, do mesmo STJ e do mesmo Relator, o acórdão de 17/12/2009, processo nº 147/06.OTMAVR.C1.S2.

Acórdão do TRL de 29/11/2016, processo nº 2697/09.7TBVFX-B.L1-7

III. No caso de licitação de um bem móvel comum por um dos ex-cônjuges, estando tal imóvel onerado por hipoteca, haverá que equacionar dois cenários: (i) os ex-cônjuges acordam que ambos pagarão o passivo hipotecário ou (ii) inexiste tal acordo. Na primeira situação (i), estando o passivo a cargo dos dois ex-cônjuges, tal imóvel entra no apuramento do ativo e do passivo a par dos demais bens. Na segunda situação (ii), ficando o pagamento do passivo somente a cargo do ex-cônjuge licitante, haverá que autonomizar tal imóvel para efeitos do Artigo 1375º, nº2, do CPC, abatendo-se o passivo hipotecário ao valor do imóvel fixado pela licitação, calculando-se a meação de cada interessado sobre o valor sobrante (valor da licitação - passivo hipotecário = valor sobrante).

Acórdão do TRL de 24/05/2018, processo nº 2356/07.5TBCSC-B.L1-2

Não acordando os ex-cônjuges em contrário na conferência de interessados e ainda que o credor hipotecário não prescinda da responsabilização solidária de ambos, caberá ao ex-cônjuge licitante de verba onerada com hipoteca o encargo de pagar, em primeira linha, o passivo que onera essa verba, o que deve ser tido em consideração na avaliação do preenchimento da meação do aludido interessado e refletir-se no cálculo de eventuais tornas.

Acórdão deste TRP de 05/02/2024, processo nº 2304/19.0T8VFR.P1

IX - No inventário para partilha de bens na sequência de divórcio, o interessado que licitou um imóvel onerado pela hipoteca fica responsável perante o terceiro credor pela totalidade do pagamento das prestações que se forem vencendo, mas esse valor é da responsabilidade de ambos os cônjuges, por isso é que “se descontará o valor desses direitos” (cfr. art.º 2100.º do Código Civil).

X - Solução que se destina a evitar que o licitante do bem ficasse com a obrigação de entregar de imediato ao seu ex-cônjuge a quantia com a qual este, por sua vez, deveria ir assegurar a metade do pagamento de cada prestação futura, correndo ainda o risco de ter que repetir a prestação para salvar o seu direito se acaso este último deixasse de cumprir pontualmente a metade de cada prestação futura.

Acórdão deste TRP de 26/05/2015, processo nº 398/07.0TMAVR-A.P1

I – Em inventário divisório, para partilha de bens do casal, as dívidas hipotecárias aprovadas pelos interessados, em função de empréstimos bancários, devem sempre ser abatidas no activo a partilhar, com a especialidade do regime previsto nos artºs 2099º e 2100º CCiv: se não se fizer antes da partilha a remição dos direitos de terceiro, sobre determinados bens comuns ou sobre determinados activos, deverá na partilha descontar-se o valor de tais direitos a quem couberem os bens (suportando ele porém as obrigações emergentes desses direitos).

Acórdão do TRL de 24/05/2018, processo nº 2356/07.5TBCSC-B.L1-2

Não acordando os ex-cônjuges em contrário na conferência de interessados e ainda que o credor hipotecário não prescinda da responsabilização solidária de ambos, caberá ao ex-cônjuge licitante de verba onerada com hipoteca o encargo de pagar, em primeira linha, o passivo que onera essa verba, o que deve ser tido em consideração na avaliação do preenchimento da meação do aludido interessado e refletir-se no cálculo de eventuais tornas.

Acórdão do TRC de 21/04/1994, processo nº 0062336

Ao elaborar-se o mapa de partilha e salvo acordo em contrário dos interessados, o passivo hipotecário é sempre abatido diretamente ao valor dos seus com ele onerados, somando-se depois o valor remanescente ao restante ativo após o que se prosseguirá nas subsequentes operações de partilha.

Acórdão do TRC de 19/06/2013, processo nº 1489/10.5TBGRD.C1

1.- Em inventário para partilha de meações subsequente a divórcio, o passivo “comum”, que tenha logrado ser aprovado por ambos os ex-cônjuges ou que, não o tendo logrado, o juiz tenha considerado verificado, submete-se à regra geral do art.1375º, nº2 do C.P.Civil, isto é, deduz-se ao activo, pura e simplesmente.

2.- Já quanto ao passivo “hipotecário”, na medida em que a lei especialmente dispõe que entrará em partilha o imóvel onerado como se tal ónus não existisse (cf. art. 2100º do C.Civil), importa descontar nele o valor desse ónus, pois que, atribuir a um dos cônjuges, no inventário para separação de meações, um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca.

Assim, conclui-se que nada há a apontar ao mapa da partilha, nem ao despacho que o determinou, nem à subsequente sentença homologatória da partilha.

5. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)

………………………………

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III. DECISÃO

6. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o decidido em 1ª instância.

Custas a cargo da Recorrente, face ao decaimento.


Porto, 26 de junho de 2025
Isabel Silva
José Manuel Correia
Francisca Mota Vieira
_______________
[[1]] Trata-se do despacho determinativo da forma à partilha, acima reproduzido.
[[2]] Como refere Domingos Silva Carvalho Sá, “Do Inventario, descrever, avaliar e partir”, 8ª Edição, 2020, Almedina, pág. 160: «Se as dívidas relacionadas não estiverem vencidas, não poderá o credor exigir o seu pagamento imediato. O seu pagamento ficará a cargo dos herdeiros e na proporção dos seus quinhões, por força do disposto no artigo 2098º nº 1 do Código Civil: “efetuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança” – Isto sem prejuízo de poder ser deliberada uma forma de pagamento diferente.»
[[3]] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 2ª edição, Almedina, anotação 20 ao art.º 1133º, pág. 672.
[[4]] Compulsados os autos, temos apenas o acordo do divórcio, homologado por sentença, em que ficou consignado o seguinte: «A casa de morada de família fica atribuída ao Autor até à venda ou partilha, assumindo o mesmo o pagamento da amortização devida pelo empréstimo bancário concedido para aquisição da casa.»
Por seu turno, já nestes autos de inventário, na Ata de produção de prova realizada no dia 23/06/2022, ficou consignado: «pela ilustre mandatária da entidade credora foi pedida a palavra e sendo-lhe concedida reiterou a posição do banco que não desonera nenhum dos interessados, desde que sejam respeitadas as garantias que tem.»
[[5]] Todos os acórdãos aqui referidos se mostram disponíveis em www.dgsi.pt/