INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
RECORRIBILIDADE
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
Sumário

I - Da decisão final sobre a admissibilidade de incidente de intervenção principal provocada referida no n.º 2 do art. 318.º do Cód. Proc. Civil cabe recurso de apelação autónomo, a ser interposto nos termos e prazo previstos nos arts. 644.º, n.º 1, al. a) e 638.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
II - Com a prolação dessa decisão sobre a admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada referida no n.º 2 do art. 318.º do Cód. Proc. Civil esgota-se o poder jurisdicional do tribunal quanto a tal incidente de intervenção de terceiros, não podendo ser novamente apreciada a (in)admissibilidade da intervenção requerida, perante requerimento apresentado pelo interessado chamado a intervir, após a sua citação nos termos previstos no n.º 1 do art. 319.º do Cód. Proc. Civil.

Texto Integral

Processo: 848/23.8T8PVZ-B.P1

Sumário:

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

No âmbito da ação de processo comum n.º 848/23.8T8PVZ, intentada por A..., Lda. contra B..., S.A., foi admitida a intervenção principal provocada passiva de C..., S.A., requerida pela ré e, tendo esta interveniente apresentado contestação, na qual requereu, por sua vez, a intervenção principal provocada passiva da sociedade D..., foi admitida a requerida intervenção desta sociedade para ‘intervir como ré’, tendo sido ordenada a citação da chamada nos termos do art. 319.º do Cód. Processo Civil.

Citada, a chamada D... apresentou contestação na qual suscitou, como questão prévia, a inadmissibilidade do seu chamamento a título de intervenção principal, concluindo pela rejeição do seu chamamento a título de intervenção principal, tendo o tribunal, em despacho saneador, considerado que a questão da admissibilidade da requerida intervenção já havia sido apreciada anteriormente, no despacho que deferiu o incidente e ordenou a citação da chamada D..., com o que se esgotou o poder jurisdicional quanto à questão.

Em 10-01-2025 a interveniente D... apresentou requerimento de interposição de recurso desse despacho saneador ‘na parte em que manteve o seu chamamento e intervenção’, concluindo pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra decisão que rejeite o seu chamamento a título de intervenção principal.

Em 19-02-2025 o tribunal a quo proferiu despacho de indeferimento do requerimento de interposição de recurso.

Em 06-03-2025 a interveniente D... apresentou reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 643.º do Cód. Proc. Civil, deste despacho de não admissão do recurso de apelação, concluindo nos seguintes termos:

1.ª A presente Reclamação vem apresentada do Despacho com ref. CITIUS n.º 468925012, que não admitiu o Recurso autónomo interposto pela Ré da decisão que indeferiu o requerido na sua Contestação quanto à qualificação e fundamento com que ocorre o seu chamamento, por entender que o mesmo apenas podia ser objeto de impugnação a final, conjuntamente com a decisão que venha a pôr termo à causa.

2.ª O recurso interlocutório da decisão recorrida deve ser admitido nos termos do artigo 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, uma vez que a decisão sobre a intervenção de terceiros na lide constitui um incidente, a que o Tribunal a quo pôs termo através da decisão recorrida.

3.ª O chamamento da Reclamante a título principal foi admitido num momento em que esta não era ainda parte no processo, pelo que o poder jurisdicional do juiz quanto a esta questão apenas se esgota depois de ter sido conferido o direito ao contraditório a todas as Partes, sendo a decisão final proferida após esse contraditório a decisão que põe termo ao incidente, para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.

4.ª A referida norma não opera qualquer destrinça no sentido de apenas ser recorrível imediatamente a decisão que rejeita o incidente, reportando-se tanto à decisão que o admite, como à que o indefere.

5.ª Entendimento similar foi recentemente esposado na decisão proferida no processo n.º 1280/23.9T8MTS-A.P1, em situação em todo idêntica à dos autos, em que, tendo a sua pretensão sido indeferida, a Chamada recorreu do despacho de indeferimento, recurso esse que foi admitido nas duas instâncias, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado a apelação totalmente procedente, assim determinando que a sua intervenção fosse admitida a título acessório.

6.ª Deverá, assim, ser julgada procedente a presente Reclamação, admitindo-se o recurso interposto pela Chamada, e seguindo-se os ulteriores trâmites até final, dando ao mesmo provimento.

Termos em que

Deve ser julgada procedente a presente Reclamação e, em consequência, ser admitido o Recurso interposto pela Chamada do Despacho Saneador com ref. CITIUS n.º 466387567, na parte em que manteve o chamamento da Reclamante a título principal, seguindo o processo os seus ulteriores trâmites e concluindo-se, a final, pela integral procedência do Recurso interposto.

Em 05-05-2025 foi proferida pela aqui relatora, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 643.º do Cód. Proc. Civil, decisão que julgou improcedente a reclamação, mantendo o despacho reclamado.

Em 19-05-2025 a interveniente D... apresentou, nos termos conjugados dos arts. 643.º, n.º 4, e 652.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, reclamação para a conferência dessa decisão que manteve o despacho de não admissão de recurso, com as seguintes conclusões:

1.ª A presente Reclamação vem apresentada da Decisão Singular de 05.05.2025, que julgou improcedente a Reclamação da Ré, mantendo o Despacho de 19.02.2025 do Tribunal de Primeira Instância, que não admitiu o recurso de apelação interposto pela mesma em 10.01.2025, do Despacho Saneador de 09.12.2024, na parte em que manteve o chamamento da Reclamante a título principal.

2.ª Salvo o devido respeito, que muito é, não pode a aqui Reclamante conformar-se com a aludida Decisão Singular, já que o recurso interlocutório da decisão recorrida deve ser admitido nos termos do artigo 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, uma vez que a decisão sobre a intervenção de terceiros na lide constitui um incidente, a que o Tribunal a quo pôs termo através da decisão recorrida.

3.ª O chamamento da Reclamante a título principal foi admitido num momento em que esta não era ainda parte no processo, pelo que o poder jurisdicional do juiz quanto a esta questão apenas se esgota depois de ter sido conferido o direito ao contraditório a todas as Partes, sendo a decisão final proferida após esse contraditório a decisão que põe termo ao incidente, para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, tal como entendeu, entre o mais, este mesmo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão proferido no processo n.º 1280/23.9T8MTS-A.P1 (em situação totalmente idêntica à dos presentes autos).

4.ª Incumbir ao chamado, que pretende exercer o direito ao contraditório sobre o seu chamamento, o ónus de, citado apenas e só para contestar a acção, não só apresentar o seu articulado, como também recorrer do despacho que admitiu a sua intervenção, como é preconizado na Decisão Singular, não tem qualquer respaldo legal e implicaria um ónus manifestamente excessivo para o chamado.

5.ª Deverá, assim, ser julgada procedente a presente Reclamação, admitindo-se o recurso interposto pela Chamada, e seguindo-se os ulteriores trâmites até final, dando ao mesmo provimento.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:


Cumpre a este coletivo, atenta a finalidade da reclamação para a conferência – que visa apenas a prolação de decisão colegial quanto à questão da admissibilidade do recurso interposto pela interveniente/reclamante em 10-01-2025, o qual não foi admitido por despacho do tribunal a quo de 19-02-2025, despacho este mantido por decisão singular de 05-05-2025 – apreciar da admissibilidade desse recurso interposto pela interveniente e aqui reclamante D..., por forma a aferir se é de manter o despacho reclamado ou admitir o recurso.

III – Fundamentação

De facto

Os factos a considerar para a apreciação da reclamação, que resultam da tramitação processual, são os seguintes:

1 – A autora A..., Lda., intentou contra a ré B..., S.A., ação com processo comum alegando, em síntese, ter adquirido à ré um veículo automóvel novo que apresentava defeitos que motivaram a sua resolução do contrato, tendo sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, que alega, peticionando a condenação da ré a: a) pagar à autora a quantia total de 65.966,75 € relativos à resolução do contrato de compra e venda e reparação de danos sofridos, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data de 28.04.2023; b) o valor de 30 € diários desde a notificação até ao pagamento efetivo do preço do contrato resolvido.

2 – A ré contestou e requereu a intervenção principal provocada passiva de C..., S.A., intervenção essa que foi admitida por despacho proferido de 06-11-2023.

3 – Citada, esta interveniente apresentou contestação, na qual, além do mais arguiu a sua ilegitimidade, alegando ter adquirido o veículo, na sua qualidade de importadora, ao seu fabricante, a sociedade D..., e requerendo a intervenção principal provocada passiva da sociedade D....

4 – Em 07-03-2024 (ref. 457616115) foi admitido a requerida intervenção, nos termos do seguinte despacho:

Incidente de intervenção principal provocada:

Na sequência do invocado na contestação apresentada pela C..., S. A.; e tendo em consideração, nomeadamente, o estabelecido no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de novembro (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.º 85/374/CEE, em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos) e nos arts. 318.º e 319.º do Código de Processo Civil; admite-se o requerido chamamento de D..., para intervir na presente ação como Ré.

(…)

Notifique e proceda-se à citação da Chamada (art. 319.º do Código de Processo Civil).

5 – Em 06-05-2024 (ref. 39028788) a chamada D... foi citada para a ação, com cópia dos articulados até então apresentados, incluindo a contestação apresentada pela C..., S.A. na qual foi requerida a intervenção referida em 3., e o despacho referido em 4. que, deferindo o incidente, admitiu a sua intervenção principal provocada na ação como ré.

6 – Em 01-07-2024 (ref. 39497258) a chamada D... apresentou contestação na qual suscita, como questão prévia, a inadmissibilidade do seu chamamento a título de intervenção principal, por não se estar perante um litisconsórcio voluntário, apenas podendo a sua intervenção ocorrer ao abrigo do regime fixado para a intervenção acessória, e não principal, nos termos do disposto no artigo 321.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, concluindo a contestação apresentada, além do mais, nos seguintes termos:

a) Deve ser o chamamento da Interveniente D... a título de intervenção principal ser rejeitado, (…)

7 – Em 09-12-2024 (ref. 466387567) foi proferido despacho saneador que, no que aqui releva, se pronunciou nos seguintes termos:

«(…) Após a sua citação, a sociedade D... apresentou contestação, tendo suscitado, como questão prévia, a inadmissibilidade do seu chamamento, sustentando, no essencial, que a causa de pedir configurada na petição inicial se mostra delineada por referência ao regime dos direitos do consumidor na compra e venda de bens de consumo e, em termos subsidiários, da compra e venda de bens defeituosos, e assim proposta apenas contra o vendedor, sem que a autora traga à colação qualquer sequer putativa responsabilidade do fabricante pelos danos alegadamente sofridos.

Mais alega que a intervenção da D... foi admitida a título principal, mas não estarmos perante um caso de litisconsórcio, mormente voluntário, inexistindo qualquer responsabilidade solidária no quadro da acção, considerando a relação material controvertida configurada pela autora.

Sendo que uma eventual responsabilidade da D... apenas poderia ser efectivada no âmbito de uma acção de regresso e assim sendo a sua intervenção apenas poderia ocorrer ao abrigo do regime fixado para a intervenção acessória.

Mais sustenta que, a admitir-se entendimento contrário (no sentido da intervenção da D... a título principal), levaria a que se concluísse necessariamente pela sua ilegitimidade passiva processual (e substantiva).

Importa ponderar que, conforme resulta do artigo 30º do Código de Processo Civil, o autor e o réu são parte legítima quando, respectivamente, têm interesse directo em demandar ou contradizer, exprimindo-se tais respectivos interesses pela utilidade derivada da procedência da acção ou pelo prejuízo que dessa procedência advenha, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (artigo 30º do Código de Processo Civil).

O que implica que, liminarmente, não existindo critério legal em contrário, designadamente nos casos previstos no artigo 33º do Código de Processo Civil, a legitimidade seja aferida por referência aos factos alegados pelo autor.

No entanto, não se poderá descurar que, conforme decorre disposto no artigo 316º do Código de Processo Civil, fora dos casos em que ocorra preterição de litisconsórcio necessário e dos casos de dúvida fundada do autor quanto ao sujeito da relação material controvertida, o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida.

Caso o juiz entenda ocorrer alguma dessas situações, proferirá então decisão admitindo a intervenção, sendo o chamado citado e por via de tal citação, tornar-se-ão então estáveis os elementos essenciais da causa, devendo a instância manter-se a mesma, designadamente quanto às pessoas, e a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa apreciará a relação jurídica de que seja titular, constituindo, quanto a ele, caso julgado (artigos 260º, 2662º alínea b), 318º, 320º e 564º do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, além da ré inicialmente demandada, por força dos despachos a que se aludiu, passaram também a intervir a titulo principal na acção, quer a sociedade C..., S.A., quer a sociedade D....

Não se podendo descurar que, por força do disposto no artigo 613º do Código de Processo Civil, proferida determinada decisão no processo, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

Sendo que, conforme decorre do disposto no artigo 644º do Código de Processo Civil, apenas caberá recurso, com subida imediata, do despacho que não admita a intervenção, só podendo o despacho que a admita vir a ser impugnado no recurso que venha a ser interposto a final (nesse sentido, SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, Coimbra, 13ª edição, 2024, p. 88).

Donde a legitimidade processual das referidas rés mostra-se justificada por via das referidas decisões, as quais não poderão ser objecto de reversão e nem os efeitos dela decorrentes, salvo em sede de recurso que venha a ser delas interposto. mas apenas a final.

Não se podendo agora considerar que tais rés carecem de legitimidade passiva, em sentido contrário das decisões anteriores, que tiveram necessariamente como pressuposto que tal legitimidade se verificava (não fosse assim teriam sido indeferidas as intervenções a titulo principal), porque tal consubstanciaria uma decisão violadora do referido princípio do esgotamento do poder jurisdicional, independentemente de tais decisões não se poderem ainda considerar transitadas em julgado. (…)

Pelo exposto indefere-se o requerido pela ré D... e as excepções dilatórias de ilegitimidade invocadas pelas rés, concluindo-se que as partes têm legitimidade. (…)».

8 – Em 10-12-2024 (ref. 466609189) foi efetuada notificação eletrónica do despacho referido em 7. às partes.

9 – Em 10-01-2025 (ref. 41226069) a interveniente sociedade D... apresentou requerimento de interposição de recurso do despacho saneador de 09-12-2024 supra referido em 7. para este Tribunal da Relação, «(…) na parte em que, indeferindo o requerido pela Chamada na sua Contestação quanto à qualificação e fundamento com que ocorre o seu chamamento à presente lide, manteve o chamamento e intervenção da ora Recorrente a título principal (cfr. artigo 316.º, n.º 3, al. a) do CPC)”, concluindo pela revogação da “Decisão recorrida e substituída por outra que rejeite o chamamento da Chamada a título de intervenção principal, prosseguindo os autos os demais e ulteriores termos.».

10 – Em 19-02-2025 (ref. 468925012) foi proferido despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso, com o seguinte teor:

A ré D... veio recorrer do despacho saneador, na parte em que, indeferindo o que requereu na sua contestação quanto à qualificação e fundamento com que ocorre o seu chamamento, manteve a sua intervenção a título principal.

Para tanto invocou o disposto no artigo 644º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, em ordem a justificar a admissibilidade de recurso autónomo.

(…)

Nos termos do disposto no artigo 644º do Código de Processo Civil, cabe recurso de apelação.

a) Da decisão que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

Para além desses casos apenas será admissível recurso de apelação autónomo de algumas das decisões previstas no nº 2 do mesmo artigo, sendo que as demais serão apenas passíveis de recurso a final.

A decisão recorrida não pôs termo ao processo e nem ao incidente de intervenção principal, na medida em que a intervenção da agora recorrente foi determinada no despacho proferido em 07/03/2024, sendo que na decisão agora recorrida apenas se decidiu, no essencial, que se mostrava esgotado o poder jurisdicional em primeira instância quanto à admissibilidade do pedido de intervenção principal e que tal questão apenas poderia vir a ser discutida em sede de recurso, mas a final e não autonomamente.

Nas palavras de SALVADOR DA COSTA (Os Incidentes da Instância, Coimbra, 13ª edição, 2024, p. 88) “Do despacho que não admita a intervenção – liminar ou não – cabe recurso com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo - artigos 644º, nº 1, alínea a), 645º, nº 2 e 647º nº 1. O despacho que admita a intervenção não é autonomamente recorrível, mas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final – artigo 644º, nº 3” (podendo ver-se no mesmo sentido, A. ABRANTES GERALDES, Recursos do Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2016, 3ª edição, p. 168)

Sendo que o entendimento doutrinário e jurisprudencial citado pela recorrente reporta-se precisamente a uma decisão de indeferimento do incidente e não a um recurso interposto de decisão que o admitiu.

Para concluir que o recurso interposto não é admissível em separado e de imediato.

Pelo exposto indefiro o requerimento apresentado pela ré D... e em consequência não admito o recurso interposto pela mesma.

Custas pela recorrente.

Notifique.»


Análise dos factos e aplicação da lei

1. Objeto do recurso de apelação não admitido e decisão recorrida

A aqui reclamante interpôs recurso do despacho saneador proferido em 09-12-2024 para obter a revogação da decisão que admitiu o chamamento da aqui agora reclamante D... a intervir na ação a título de intervenção principal provocada passiva. É este, e só este, o objeto do recurso interposto.

Ora, a decisão que apreciou o incidente de intervenção principal da referida D... – incidente esse deduzido, por seu turno, pela interveniente C..., S.A. – e admitiu a sua intervenção principal provocada “para intervir na presente ação como Ré” é a decisão proferida em 07-03-2024, referida em 4. da fundamentação de facto.

2. Fundamentos da decisão de não admissão do recurso

São os seguintes os fundamentos do despacho de não admissão do recurso:

1.º – «(…) A decisão recorrida não pôs termo ao processo e nem ao incidente de intervenção principal, na medida em que a intervenção da agora recorrente foi determinada no despacho proferido em 07/03/2024, sendo que na decisão agora recorrida apenas se decidiu, no essencial, que se mostrava esgotado o poder jurisdicional em primeira instância quanto à admissibilidade do pedido de intervenção principal (…)»

e

2.º – «(…) que tal questão apenas poderia vir a ser discutida em sede de recurso, mas a final e não autonomamente. (…)».

Com tais fundamentos conclui que «(…) o recurso interposto não é admissível em separado e de imediato.»

3. Fundamentos da reclamação

Discorda a reclamante da consideração efetuada pelo tribunal de primeira instância de que “o Despacho Saneador não é, naquela parte, suscetível de recurso autónomo, apenas podendo, de acordo com o entendimento propugnado na decisão em crise, ser objeto de impugnação a final conjuntamente com decisão que venha a pôr termo à causa”, defendendo que não se pode considerar “como faz o douto Tribunal, que esse termo ocorreu logo com a decisão que primeiro determinou o chamamento da Ré à acção”, uma vez que só “ao indeferir a pretensão da ora Reclamante, mantendo o seu chamamento a título principal (…) o Tribunal a quo colocou termo a este incidente de intervenção de terceiros”.

Não assiste aqui qualquer razão à reclamante: a decisão que coloca termo ao incidente de intervenção principal provocada passiva deduzido pela interveniente C..., S.A. é a decisão proferida em 07-03-2024, referida em 4. da fundamentação de facto. Com a prolação dessa decisão esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal quanto à questão da admissibilidade da intervenção principal provocada passiva da (agora reclamante) D..., não podendo o tribunal de 1.ª instância, em sede do despacho saneador, alterar a decisão anteriormente proferida sobre a suscitada e decidida questão da admissibilidade da sua intervenção principal provocada passiva requerida pelo interveniente C..., S.A..

Não subsistem dúvidas, atento o disposto no n.º 2 do art. 318.º e no n.º 1 do art. 319.º, ambos do Cód. Proc. Civil, que o despacho proferido em 07-03-2024 é a decisão que põe fim ao incidente de intervenção principal provocada passiva deduzido pela interveniente C..., S.A..

Proferida tal decisão, não pode a mesma ser alterada a não ser por via de recurso, pelo que não podia o tribunal de primeira instância ter apreciado novamente, no despacho saneador, a – assim denominada – ‘questão prévia da inadmissibilidade do seu chamamento a título de intervenção principal provocada’ suscitada pela aqui reclamante na contestação por si apresentada, sob pena de violação do disposto no art. 613.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.

Daí que, em respeito do disposto neste n.º 1 do art. 613.º do Cód. Proc. Civil, o tribunal de primeira instância, no despacho saneador, se tenha limitado a afirmar não poder contradizer ou repetir a decisão anteriormente tomada (no despacho de 07-03-2024) quanto à admissibilidade da requerida intervenção principal provocada passiva da D..., não sendo, de resto, correta a afirmação efetuada pela aqui reclamante nas alegações do recurso interposto em 10-01-2025 de que o tribunal, no despacho saneador, «(…) indeferindo o requerido pela Chamada na sua Contestação quanto à qualificação e fundamento com que ocorre o seu chamamento à presente lide, manteve o chamamento e intervenção da ora Recorrente a título principal (…)». No despacho proferido em 09-12-2024 não foi emitida qualquer segunda pronúncia – confirmatória – sobre a admissibilidade da intervenção principal provocada passiva da D... mas apenas afirmado o óbvio: a questão referente à (in)admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada passiva suscitada na contestação já foi objeto de anterior decisão, não podendo ser novamente apreciada pelo tribunal de primeira instância.

Também não colhe a argumentação da reclamante quanto à violação do direito da mesma a contraditório prévio à decisão sobre o chamamento. Como resulta da leitura das disposições reguladoras dos incidentes de intervenção provocada de terceiros – cfr. arts. 316.º a 320.º do Cód. Proc. Civil –, não está legalmente previsto o contraditório daquele cuja intervenção é requerida previamente à apreciação e decisão do incidente.

Tal não acarreta a impossibilidade de reação da chamada. Os seus direitos não ficam prejudicados uma vez que a mesma, chamada à ação por meio de citação (art. 319.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), pode recorrer dessa decisão, nomeadamente, se da mesma discordar por entender que não estão verificados os pressupostos do deferimento do incidente deduzido (como parece ser o caso). Era o que lhe cabia ter feito, através da competente interposição de recurso do despacho/decisão proferida em 07-03-2024, e não através do pedido de alteração da decisão anteriormente proferida deduzido como ‘questão prévia’ na contestação apresentada.

Assiste, pois, razão ao tribunal no despacho reclamado, na parte em que afirma não ser admissível – para obter a revogação da decisão que admitiu o incidente de intervenção principal provocada da aqui reclamante como ré na ação (decisão proferida em 07-03-2024) – a interposição de recurso do despacho saneador, uma vez que neste despacho e quanto a tal questão, única questão aqui em apreciação, o tribunal se limitou a dizer – e bem, como já explicitado – ter-se esgotado o seu poder jurisdicional quanto à decisão do incidente de intervenção principal provocada.

Sendo assim de concluir que não é admissível recurso de apelação autónoma do despacho-saneador na parte em que, perante a questão suscitada pela D... na contestação apresentada da inadmissibilidade da sua intervenção principal provocada passiva, considerou precludida a possibilidade de (nova) pronúncia por se tratar de questão já anteriormente decidida.

O objetivo do recurso interposto pela D... é a obtenção da revogação, em recurso, da decisão que admitiu a sua intervenção principal provocada na ação como ré. Ora, tal decisão é a que foi proferida em 07-03-2024 e não o despacho saneador de 09-12-2024.

Dessa decisão de admissão da sua intervenção principal provocada proferida em 07-03-2024 cabia, a nosso ver, recurso de apelação autónomo, que podia – devia – ter sido interposto pela aqui reclamante, nos termos e prazo previstos nos arts. 644.º, n.º 1, al. a) e 638.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.

No sentido da inclusão dos incidentes de intervenção de terceiro na previsão de “decisão que ponha termo a incidente processado autonomamente” da al. a) do n.º 1 do art. 644.º do Cód. Proc. Civil, devendo o recurso ser interposto no prazo de 30 dias, a não ser que esteja em causa um processo urgente (art. 638.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2022 - 7.ª Edição, Almedina, p. 243 e 244. Ver ainda o voto de vencido proferido no Ac. do TRC de 23-04-2024, proc. n.º 2692/23.3T8VIS-A.C1, e o Acórdão de 05-12-2024, proc. n.º 11/24.0T8PNF-A.P1, proferido nesta seção cível do TRP [1] (no qual se aprecia um recurso de apelação autónoma interposto pela chamada no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão que, decidindo ser admissível a intervenção principal provocada passiva deduzida pelo réu, ordenou a citação da chamada para a ação).

Não tendo tal recurso sido tempestivamente interposto, a decisão proferida em 07-03-2024 transitou em julgado, ficando vedada a apreciação do seu mérito, não sendo obviamente admissível a interposição de recurso do despacho saneador para obter a revogação de uma anterior decisão, já transitada em julgado. Não subscrevemos, por conseguinte, a afirmação efetuada no despacho reclamado de que o despacho proferido em 07-03-2024 apenas pode ser discutido em sede de recurso a final, mas não como apelação autónoma.

Independentemente desta discordância, é de manter o despacho reclamado, pelos motivos supra explicitados (art. 643.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

Por fim, e quanto ao Acórdão deste TRP de 25-02-2025, proc. n.º 1280/23.9T8MTS-A.P1, invocado pela reclamante na reclamação inicial, e novamente referido na reclamação da decisão singular para esta conferência, é certo que a sua prolação pressupõe que o tribunal ad quem, naquela situação, não rejeitou o recurso (que foi aí admitido pelo tribunal de primeira instância). Mas tal acórdão tem por objeto, como do mesmo consta, apreciar “(…) se a C... devia ter sido chamada a intervir no quadro de uma intervenção principal, como decidiu o tribunal “a quo”, ou como interveniente acessória, de acordo com a posição da recorrente (…)”; em tal acórdão não há qualquer pronúncia expressa nem qualquer análise sobre a questão aqui em análise. Não é, de todo, correta a afirmação efetuada pela reclamante nas conclusões 3.ª a 5.ª da reclamação contra despacho de não admissão do recurso proferido pela primeira instância e na conclusão 3.ª da sua reclamação para esta conferência, de que em tal acórdão se entendeu que «(…) o poder jurisdicional do juiz quanto a esta questão apenas se esgota depois de ter sido conferido o direito ao contraditório a todas as Partes, sendo a decisão final proferida após esse contraditório a decisão que põe termo ao incidente, para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC (…)».

Não tem assim fundamento a reclamação apresentada pela executada/reclamante, pelo que é de manter o despacho reclamado (art. 643.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

IV – Dispositivo:

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.

Custas pela reclamante/interveniente D..., por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

Notifique.


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Porto, 26/6/2025
(data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
José Manuel Monteiro
Isabel Ferreira
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