I - Em causa já um recurso de decisão interlocutória (não final) que se pronuncia sobre um pedido de alteração/revogação de uma decisão anterior, em si não objecto de recurso, essa sim, versando sobre o indeferimento do pedido de repetição de citações, por alegadas irregularidades…
II - Não se vislumbra a absoluta inutilidade em caso de não admissão autónoma.
Reclamação indeferimento subida recurso
Decisão em Conferência
Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: António Carneiro da Silva
2ª Adjunto: Francisca Micaela da Mota Vieira
A Assembleia da Comunidade de Compartes do Baldio da Praia ..., notificada do despacho que não admitiu o recurso imediato do despacho de indeferimento de determinação de citações alegadamente em falta, para os termos da acção e de recurso pendente nesta Relação, veio reclamar do mesmo, nos termos do artigo 643º do CPC, com os seguintes fundamentos, ipsis verbis:
I
Pela Autora, no processo principal, foi interposto recurso de apelação de despacho, que subiu em separado.
Distribuído nesse Tribunal da Relação, o Exº Relator mandou baixar o processo, para a realização das citações dos RR, que esse recurso aguarda.
1
Pelo Mº Juiz, ordenadas as citações, em dezembro de 2023, vários RR foram citados para os termos da habilitação de herdeiros de alguns deles já falecidos, mas não para os termos da acção e do recurso.
2
Repetidamente requerida a correção do que parecia lapso da secção, o tribunal indeferiu todos esses requerimentos – chegando a advertir a Autora para que não insistisse nesses requerimentos.
II
O despacho recorrido decidiu nestes termos: “O requerimento da autora de 18/11/2024 encontra-se prejudicado pelo despacho de 2/10/2024, que já decidiu a respeito. É legalmente vedado a este tribunal revogar tal despacho e substituí-lo por outro em sentido contrário com fundamento em discordância da autora, ainda que doutamente argumentada, com excepção dos casos de lapso manifesto, que não se verifica, como decorre do art. 613.º, do CPC. Pelo exposto vai indeferida o requerido. “
III
A Autora viu-se obrigada a interpor recurso de apelação, por absoluta inutilidade da impugnação de tal despacho, com recurso da decisão final. (artigo 644º nº 2 h) do CPC)
3
O despacho reclamado não admitiu o recurso de apelação, com o seguinte fundamento: “A impugnação, a final, do despacho que indeferiu as citações em falta, e respectiva procedência terá como consequência a anulação do processado posterior à citação (aliás, petição), pelo que a impugnação da decisão a final não é absolutamente inútil para efeitos de subsunção a esta norma.”
4
Sustenta-se em jurisprudência aplicável à generalidade das decisões interlocutórias – que não pode ter aplicação à falta de citação, que gera nulidade de todo o processo, depois da petição. (artigo 187º a) do CPC)
Impedindo o próprio recurso, que aguarda as citações - ao qual o despacho recorrido desobedece.
5
O indeferimento de citações ordenadas não é uma qualquer decisão interlocutória. Trata-se do início da instância. É impossível ignorá-lo.
O legislador só pode prever o previsível. Não pode prever o absurdo, como é o indeferimento de ordenadas citações em falta.
Paralisado o recurso, há quase ano e meio, corre o risco de ser declarado deserto. (artigo 281º do CPC)
IV
Na sua alegação, a reclamante considerou que “ são lapsos da secção, na execução do despacho de dezembro de 2023 – há um ano, ordenando as citações. O tribunal não reparou em tais lapsos “
O despacho recorrido desmente que houvesse lapso da secção, no (in)cumprimento das ordenadas citações para os termos da causa e do recurso.
O despacho recorrido é decisão surpreendente.
Não menos surpreendente, a não admissão do recurso.
É inconstitucional, por ofensa dos artigos 13º, 20º nºs 1 e 4 e 202º nº 2 da CRP, o artigo 644º nº 2 h), do CPC, interpretado no sentido de que o indeferimento de requerimentos, para cumprimento das citações, em falta, ordenadas pelo tribunal, não admite recurso de apelação.
Ofensa do artigo 13º porque trata desfavoravelmente o recorrente, no confronto com os demais cidadãos.
Do artigo 20º nº 1 porque, deste modo, não é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Do artigo 20º nº 4 porque, violado o princípio da igualdade, nega-se o direito ao processo equitativo.
Do artigo 202º nºs 1 e 2 porque os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
E porque, a não ser assim, os tribunais deixam de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
REQUER a V. Exª que, revogado o despacho reclamado, seja mandado admitir o recurso interposto.
A presente reclamação terá de ser atribuída ao Exº Relator, naquele recurso pendente, que aguarda as citações dos RR.
Veio a reclamante requerer a decisão pela conferência, mediante a argumentação seguinte:
O recurso interposto é de despacho em incidente, em apelação pendente. Nessa apelação, o Mº Juiz proferiu o douto despacho, que se transcreve abaixo, em 3 - mandando cumprir condição da admissão da pendente apelação. Aconteceu que tal despacho não foi cumprido.
Assim,
Este retido recurso, insere-se em incidente daquele recurso, pendente no mesmo processo.
O despacho reclamado obsta à decisão da admissibilidade dessa apelação.
Nem a Exª Relatora, nem os Exºs Adjuntos têm competência para interferir em processo dum seu Colega. Constituiria desaforamento – proibido por lei.
DEVE deferir-se a atribuição da reclamação, ao Exº Relator da apelação, em que se insere o incidente e mandar-se corrigir a distribuição.
Sem prescindir
II
O despacho reclamado divide-se em três partes.
A primeira, limitando a questão ao incidente da habilitação de herdeiros.
No caso, a dos RR, AA.
Tal limitação ao incidente da habilitação, condicionou e determinou todo o despacho.
A segunda, sobre a não admissão do recurso.
A terceira, sobre a suscitada inconstitucionalidade.
III
Depois de lição, com declarado propósito pedagógico,– considera o despacho reclamado que, ainda não habilitados os herdeiros de RR falecidos, estes terão de aceitar o processo no estado em que se encontrar e não tinham de ser citados para os termos da acção e do recurso.
Para concluir que o despacho recorrido não indeferiu citações.
Citações, em dezembro de 2023, ordenadas, como abaixo se lê.
Com o devido respeito –
1
Uma boa lição sempre se agradece. Mas a lei aplica-se a factos.
Segundo o despacho reclamado:
a)– só há RR habilitandos;
b) - e os réus a quem sucedem foram já citados na acção: “o habilitado, pelo
menos fundamentalmente e por via de regra, apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este competiam, estando sujeito à sua anterior actuação processual, devendo aceitar a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando para o futuro e dentro destes limites, o processo.”
2
Com o devido respeito - não são esses, os factos desta acção.
Os RR, a quem os habilitandos sucedem, faleceram antes da entrada da acção.
E há RR, A. BB (metade destes), cujas citações pararam.
Quanto a estes RR A. BB, as ordenadas citações para os termos da causa e do recurso – param, definitivamente, com o despacho reclamado.
Como pode ver-se, na extensa certidão requerida, de todos os termos do apenso B até á data da reclamação.
Se a certidão junta, de todo o apenso B, após o despacho que ordenou as citações, não dissipa alguma dúvida do Exº Tribunal – basta pedir acesso a todos os apensos, para que estas cessem.
3
Em 22 de dezembro foi proferido despacho – nestes termos: “Cite o habilitando e os réus em relação aos quais os autos prosseguiram na sequência do despacho proferido nos autos principais em 24/10/2023, nos termos e para os efeitos do art. 352.º, n.º 1, do CPC, ou seja, para os termos do presente incidente e também, para os termos da causa, e ainda para, querendo, responderem às alegações do recurso em tramitação no apenso A.
“Cite os réus absolvidos da instância por despacho de 24/10/2023, nos termos dos arts. 352.º, n.º 1, e 641.º, n.º 7, do CPC, para os termos do incidente, para os termos da causa, e para os termos do recurso em tramitação no apenso A. 21/12/2023 “
4
Das cerca de três dezenas de RR – o despacho de 21/12/2023 cumpriu-se, quanto a vários RR originários.
Devolvidas para cima da dezena de cartas, enviadas a RR originários – as novas cartas deixaram de incluir a citação, para a ação e o recurso.
Após uma segunda reclamação, foi corrigida a primeira carta precatória, por nova carta.
Mas,
5
Esta atitude corretiva, não mais aconteceu. Inverteu-se.
Quanto a vários RR originários e alguns dos já habilitados, o despacho recorrido decidiu deixar de fazer citações - para não contrariar despacho que citou.
5.1
Se não reage, o A pode ser acusado de inércia processual.
Se recorre e reclama – diz-se-lhe que espere por decisão desfavorável e, no recurso, impugne a decisão aqui recorrida.
5.2
Veja-se o acontecido, na acção nº 2154/07 (após redistribuição), do mesmo juízo central, sobre a mesma praia,– com sentença que tardou 30 anos.
A Relação não conheceu de várias impugnações, tratando-as como recursos autónomos e dando-as como extemporâneas. (DOC que se junta, Acórdão da Relação, a folhas 37 a 41)
A seguir, o Exº Relator, não admitiu a revista, por considerada dupla conforme – impossível, numa ação entrada em juízo em 1993. (artigo 7º nº 1 da Lei 41/2013) – dupla conforme que o Exº Relator no STJ confirmou.
A conferência no STJ, reverteu a dupla conforme – sacrificando a impugnação da decisão, que não conhecera daquelas impugnações.
6
Como pode um recurso pendente, a aguardar as citações dos RR, esperar por decisão desfavorável ao recorrente – que o despacho reclamado, irregularmente antecipa - para, no respetivo recurso, fazer impugnação que pode ser liminarmente rejeitada?
7
Como já dito, são vários os RR CC, cuja citação, para a acção e para o recurso, fica bloqueada pelo despacho recorrido: os RR DD, EE e FF. Além dos já habilitados, herdeiros do Réu, GG.
7.1
Os RR A. BB são RR principais nesta acção. Como o são, nas acções nºs ... e ....
Porquanto,
Na acção 2154/07 – os RR CC alegaram e foi dado como provado, na respetiva sentença (factos provados nºs 56 a 58), que: “Desde a década de 1970, os RR GG e HH sempre utilizaram os prédios das descrições ...), autorizando a sua ocupação por terceiros, com barracas e circos; e alienando, onerosa e gratuitamente, parcial ou totalmente as descrições, transformando-os em prédios urbanos.” (DOC – cópia da sentença, junta ao processo principal – que se junta – artigo 423º nº 3 do CPC).
O ano de 1970, é o da inclusão da praia, a poente da marginal construída em 1901 (artigo 14, da petição inicial) – em partilha adicional das heranças do pai e da avó de GG, o primitivo Réu naquela.
O mesmo alegaram os RR A- BB e HH, na contestação conjunta, na acção 970/23.
Beneficiários principais da oferta da praia, pelos CC - são os RR nas duas acções: os Herdeiros do empreiteiro II, os RR JJ e HH. Ora,
7.2
Objeto da apelação pendente, que aguarda estas citações, é a absolvição da instância dos RR, CC.
Colocar os RR principais fora da contenda, altera toda a situação.
Seria a melhor prenda, oferecida a todos os RR.
Entretanto,
7.3
Com as citações paradas, há ano e meio - os RR KK beneficiam do privilégio de se fazer representar no processo.
Permitiu-lhes antecipado conhecimento do bloqueio destas citações e da paralisação da apelação pendente.
Um daqueles RR, aliados no mesmo interesse, ficou a saber do não conhecimento do recurso no TC, da impugnação constitucional do Acórdão do STJ – por erro na determinação da norma aplicada.
Procurarão todos criar o convencimento de que os RR CC venceram aquela ação.
Não venceram. A Autora é que não venceu os obstáculos processuais, com que se deparou.
7.4
Com diferente causa de pedir – a Autora enfrenta, agora, novos obstáculos.
Séria ameaça, é o bloqueio das citações por fazer, quase dois anos depois da entrada das ações e ano e meio depois de ordenadas – as de parte dos RR, A. BB.
Colocados os RR CC fora da contenda – os RR, beneficiários da oferecida praia, insistirão na lenga-lenga “por si e seus antecessores ...”.
Tal alegação não convenceu, na acção 2154/07. Não se provou a alegada sucessão hereditária, nem qualquer outra. (resposta negativa ao quesito 47º 2ª parte) (DOCs 20. sentença referida e 20.1 - questionário)
Mas as reconvenções procederam, com fundamento no registo de não provada sucessão hereditária. Um registo de facto que não aconteceu – por isso, falso e nulo. (artigo 16º, alª a) do CRP)
O bloqueio das citações de boa parte dos RR A. BB, absolvidos da instância - é a melhor prenda, para todos os RR.
IV
Quanto à (in)admissibilidade do recurso.
Declara-se no despacho reclamado: “completamente destituída de sentido a argumentação pela reclamante de que a não admissão do recurso faria perigar o recurso que aguarda as citações a fazer das partes que o vierem a ser, por via do instituto da deserção.
Mais uma vez, o tribunal desvia-se dos factos da acção – como mostra a certidão junta.
Cita jurisprudência – para afirmar que toda ela fala de absoluta inutilidade.
Levado a este extremo, nada resta para a previsão da norma impugnada.
Nenhum dos Acórdãos citados, no despacho reclamado, trata de indeferimento de citações ordenadas. Estas foram-no, há ano e meio.
E há a insegurança em que fica colocado o recorrente – da qual já se falou.
Para não falar do direito à celeridade processual. (artigo 20º nº 4 da CRP)
Quantas mais décadas teria a A de esperar para ver reconhecido o seu direito? E quem garante que o juiz não rejeitará a impugnação, por ser suscetível de recurso, cujo prazo se extinguira – como erradamente decidiu, no procº 2154? (DOC Acórdão da Relação ora junto)
Cita, ainda, Acórdão, em antigo agravo, com subida diferida - comentando: “não subida imediata dos agravos, agora irrecorribilidade imediata.”
Não há comparação possível entre a inutilidade, que pudesse resultar do momento da subida do recurso e a que pode resultar da sua não admissão.
Uma coisa é a subida do recurso – que podia ser diferida.
A irrecorribilidade imediata, de que fala o despacho reclamado, não existe.
O recurso não é e nunca foi diferível.
V
Considera o despacho reclamado que, “em parte alguma, a requerente da reclamação convoca uma aplicação pelo tribunal de norma (...) expressando antes uma discordância quanto à forma como o tribunal reclamado aplicou determinados preceitos de direito ordinário ao seu caso.”
A reclamante suscitou a questão da constitucionalidade do artigo 644º nº2 h) do CPC, nestes termos:
É inconstitucional, por ofensa dos artigos 13º, 20º nºs 1 e 4 e 202º nº 2 da CRP, o artigo 644º nº 2 h), do CPC, interpretado no sentido de que o indeferimento de requerimentos, para cumprimento das citações, em falta, ordenadas pelo tribunal, não admite recurso de apelação.
Salvo o devido respeito,
Esta última parte da decisão continua condicionada pela limitação do despacho reclamado, aos habilitandos. Tendo considerado ainda que os RR, a quem os habilitandos sucedem, faleceram depois de citados – como se assinala em II.
Tendo concluído que não há citações em falta.
Como se mostra, esses não são os factos.
Está identificada a norma, ratio decidendi, com interpretação de que não admite recurso de apelação, a decisão que indefere citações, antes ordenadas.
VI
Nota final
Apesar deste - e outro incidente, assaz desagradável, que muito se lamenta, - não há sinais nos autos, de que as citações, em falta, serão desbloqueadas, antes de decisão superior.
DEVE revogar-se o despacho reclamado e admitir-se o recurso interposto.
Requereu a admissão da junção de 3 documentos, convocando o artigo 423º nº 3 do CPC).
Cabe decidir:
1.
Quanto aos documentos cuja junção vem requerida, não se admite a mesma, por não se verificarem os pressupostos legais da sua admissibilidade, sendo certo que, não se reportando aos termos da própria reclamação, mas antes aos do recurso, a norma permissiva vem a ser a do artigo 651º, nº 1 do CPC, não se vislumbrando qualquer das hipóteses ali consagradas.
A desconsiderar, pois.
2.
Não existe fundamento legal para a atribuição ao Ex.mo Relator no recurso pendente que aguarda as citações a que se reporta o recurso não admitido imediatamente da presente Reclamação, com o que, devida e legalmente distribuída.
Na verdade, em causa a não admissão de um recurso completamente distinto ou autónomo, com o que a Reclamação da não admissão do recurso e este mesmo é a decidir nos termos gerais.
Não está em causa um incidente de recurso pendente, ao contrário do que aduz a Reclamante, mas a decisão, autónoma, de um requerimento que se reporta agora ao cumprimento do já decidido no âmbito do recurso pendente. Naturalmente que caberá ao Relator daquele outro recurso pendente, oportunamente, verificar das condições de cumprimento do contraditório e por isso que da realização, como naqueles autos ordenada, das citações para os termos respectivos. Mas não é essa circunstância que transmuta a decisão recorrida, cujo recurso se houve por inadmissível, em “incidente” do recurso pendente. Em causa já a tramitação dos autos principais e o cumprimento, nestes, do contraditório quanto aos termos do recurso (ainda quando as citações, como resulta, o sejam no âmbito do apenso B, o da habilitação, como emerge da consulta dos autos).
Donde, como se adiantou, não assiste razão à reclamante quanto à pretensão de conhecimento da Reclamação agora ajuizada pelo Relator do recurso pendente (e a aguardar as citações em falta).
(3.)
Bem assim a menção na decisão sumária que antecedeu o conhecimento em conferência da reclamação aprecianda a que o juízo da habilitação para os termos da acção é autónomo e incidental e sempre prévio e hoc sensu pressuponente ou prejudicial quanto à qualidade de parte que é, por sua vez, pressuposto da citação para os termos da acção e do recurso se reportava, naturalmente, (apenas) aos habilitandos, que não aos demais RR.
O que ali se anotou é tão simplesmente que, quanto aos habilitandos, necessária a habilitação para se aferir então, nessa sede ou momento relevando já a ocasião do óbito, anterior ou subsequente à citação do primitivo Réu para os termos da acção, dos termos das citações ainda em falta (para os termos da acção ou apenas do recurso pendente), avaliação esta que, por inútil para a questão que nos ocupava, se não fez…
Anotava-se ali e reitera-se, com a fundamentação ali expendida, que a citação para os termos da habilitação não o era (ainda, nem tinha de sê-lo concomitantemente) para os termos do recurso, sendo certo que suspensos também os termos da acção e do recurso pendente até à habilitação, como é de lei.
Evidenciava-se apenas à Reclamante que não lhe assistia razão quanto a atrasos nas citações a efectuar…
4. Da (in)admissibilidade legal de recurso autónomo da decisão recorrida
Quanto ao verdadeiramente em causa nesta reclamação de indeferimento de recurso autónomo.
As decisões judiciais são suscetíveis de impugnação mediante a interposição de recursos, os quais se classificam em ordinários e extraordinários, conforme previsto no artigo 627.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC).
Constituem recursos ordinários, entre outros, a apelação e a revista, ao passo que os recursos extraordinários compreendem, nomeadamente, o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão da sentença.
No que respeita à apelação – cujo regime jurídico se encontra densificado nos artigos 644.º e seguintes do CPC –, uma das principais questões a considerar é se o recurso deve ser interposto de imediato e de forma autónoma, logo após a prolação da decisão (a chamada apelação autónoma), ou se, pelo contrário, a sua interposição deve aguardar a decisão final do processo, sendo então deduzido conjuntamente com a impugnação desta última.
A este propósito, estabelece o n.º 1 do artigo 644.º do CPC que há lugar a apelação imediata e autónoma nos seguintes casos:
a) Quando se trate de decisão proferida em primeira instância que ponha termo à causa, a um procedimento cautelar ou a um incidente processado de forma autónoma;
b) Quando o despacho saneador, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu (ou alguns dos réus), quanto a um ou mais pedidos.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 644.º do CPC prevê um elenco adicional de decisões interlocutórias proferidas na primeira instância que são também suscetíveis de recurso imediato, entre as quais se destacam:
As decisões cuja impugnação, caso diferida para o recurso da decisão final, se tornaria absolutamente inútil;
E, ainda, nos demais casos expressamente previstos na lei.
Fora das situações previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 644.º do CPC, as restantes decisões interlocutórias não são de imediato recorríveis, devendo, nesses casos, a parte aguardar pela oportunidade de interpor recurso da decisão final, momento em que poderá então impugnar tais decisões conjuntamente – cfr. artigo 644.º, n.º 3, do CPC.
Tem, neste quadro, inteira razão o Tribunal Reclamado no que tange à inadmissibilidade autónoma do recurso interposto, aqui nos remetendo, por inteira procedência, para o argumentário utilizado.
Assim é que: “o recurso interposto pela autora visa a impugnação do despacho de 7/01/2025, que indeferiu a requerida revogação do despacho de 2/10/2024. Tal despacho indeferiu a repetição da citação de vários réus com fundamento em irregularidades invocadas pela autora.
Argumenta a autora que a impugnação desta decisão com a decisão final seria absolutamente inútil, nos termos do art. 644.º, n.º 2, alínea h), do CPC.
A este respeito, e com proveito, citamos António dos Santos Abrantes Geraldes, in Recurso em Processo Civil – Novo Regime, p. 183: “(…) não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final.”
A impugnação do despacho em questão a final e respectiva procedência terá como consequência a anulação do processado posterior à citação, pelo que a impugnação da decisão a final não é absolutamente inútil para efeitos de subsunção a esta norma.”
Em causa já um recurso de decisão interlocutória (não final) que se pronuncia sobre um pedido de alteração/revogação de uma decisão anterior, em si não objecto de recurso, essa sim, versando sobre o indeferimento do pedido de repetição de citações, por alegadas irregularidades…
Não se vislumbra, pois, a absoluta inutilidade em caso de não admissão autónoma, convocando-se a unanimidade da jurisprudência a propósito. A título meramente exemplificativo, Ac. do STJ de 07.12.2023, no processo 801/21.6T8CSC-A.L1.S1, onde se consigna que: “a inutilidade, significativamente adjetivada de absoluta, enquanto requisito da dedução autónoma do recurso de apelação, ocorre quando um desfecho favorável da impugnação de um determinado despacho, quando obtido apenas com o resultado do recurso da decisão final, já não consegue reverter o resultado do despacho recorrido, não se revelando eficaz a inutilização dos atos entretanto praticados.”
Cite-se já o Acórdão da Relação de Coimbra, no processo 102/08.5TBCDN-A.C1, de 12-01-2010, para tornar mais claro o recurso na decisão sumária à jurisprudência formada a propósito da figura da retenção dos agravos, em termos perfeitamente pertinentes: “(…) V – A figura da “inutilidade absoluta do recurso” colocava-se anteriormente à reforma operada pelo Dec. Lei nº 303/2007 relativamente à subida imediata ou diferida dos agravos, estabelecendo o artº 734º, nº 2, do CPC então em vigor que, entre outros, subiam imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis. VI – Os contornos de tal figura permanecem inalterados, já que a actual impugnação de decisões interlocutórias com o recurso da decisão final equivale, em traços largos, à anterior retenção dos agravos. VII – Tais contornos constituíam, na vigência do anterior artº 734º, nº 2, do CPC, questão que motivou algumas decisões da jurisprudência, sendo unânime a ideia de que a inutilidade que se pretendia evitar era apenas a do recurso, em si mesmo, e não a de actos processuais entretanto praticados. VIII – Esta inutilidade verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível, de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil, mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição.”
Também, na Doutrina, Rui Pinto, Oportunidade Processual de Interposição de Apelação à luz do art. 644º do CPC, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisbon Law Review, Ano LXI, 2020, nº 2, p. 642, para quem em causa “decisões com efeitos de direito ou de facto irreversíveis, pelo que a procedência recursória diferida não alcançaria efeito útil por não os poder afastar”[1].
A decisão recorrida só poderá ser recorrível autonomamente caso se considere que, se aguardarmos pelo recurso da decisão final para apreciarmos se a decisão de não revogar ou alterar a decisão que houve as citações por realizadas e regulares, a decisão sobre essa questão pode já não ter qualquer utilidade.
A inutilidade, significativamente adjetivada de absoluta, enquanto requisito da dedução autónoma do recurso de apelação, ocorre quando um desfecho favorável da impugnação de um determinado despacho, quando obtido apenas com o resultado do recurso da decisão final, já não consegue reverter o resultado do despacho recorrido, não se revelando eficaz a inutilização dos atos entretanto praticados.
Em conclusão, a inutilidade a que se refere a alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC) é de natureza absoluta, isto é, exige-se que o eventual provimento do recurso interposto da decisão final não tenha a virtualidade de reverter os efeitos do despacho ora impugnado, tornando ineficaz a sua reapreciação. A inutilização dos atos subsequentes tem, pois, de ser inviável.
Não se verifica, nem é demonstrado pela reclamante, ainda em sede de requerimento de submissão à conferência da questão (sendo totalmente impertinente a argumentação quanto ao “fundo” da controvérsia em sede de recurso já pendente, cuja apreciação não está aqui em causa), que a não admissão imediata do recurso torne a impugnação absolutamente inútil, nos termos exigidos pela norma citada[2].
Igualmente despicienda é a alegação da reclamante segundo a qual a não admissão do recurso poderia comprometer o conhecimento do recurso pendente no qual foram ordenadas as citações, em razão da deserção. Tal argumento é totalmente infundado, pois a deserção constitui uma sanção pela inércia da parte, ou seja, pela omissão de acto processual que lhe incumba. Ora, a citação das partes, sendo um ato de natureza oficiosa, jamais poderá servir de fundamento para a deserção. Tal entendimento não encontra respaldo na lei processual nem na jurisprudência.
Cabe, aliás, ressaltar que, no caso, sempre será “antecipado” (com relação à decisão final da causa) o conhecimento da eficiência das citações cuja regularidade não aceita a Reclamante no âmbito do Recurso autónomo já pendente, quando haja de subir, por o tribunal ter por cumpridas as ordenadas citações para os termos respectivos…
Tudo para concluir pela inadmissibilidade de recurso autónomo, como decidiu o Tribunal reclamado.
5. Da Violação da Lei Fundamental
Não se vislumbra qualquer fundamento válido na invocação genérica de normas constitucionais, feita pela Reclamante.
A suscitação de uma questão de inconstitucionalidade deve ser feita de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido, de forma a obrigar este a pronunciar-se sobre a mesma (art. 72.º, n.º 2, da LTC). A doutrina e a jurisprudência têm sido uniformes em considerar que a fiscalização concreta da constitucionalidade incide sobre normas e não sobre decisões judiciais (art. 79.º-C, n.º 1, da LTC). Veja-se, a este propósito, Jorge Miranda, O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, p. 10; e o Acórdão do Tribunal Constitucional de 10-03-2010, processo n.º 11/10, relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira, disponível em www.dgsi.pt.
Mesmo quando a inconstitucionalidade alegada se reporta a uma decisão judicial, é necessário fundamentar qual a dimensão normativa ou interpretativa da norma aplicada que contraria a Constituição. A requerente não faz tal demonstração. Em vez disso, a sua argumentação, na Reclamação, não cabendo já considerar a concretização em sede de requerimento de submissão à conferência, caracteriza discordância quanto à forma como o tribunal aplicou o direito ordinário ao caso concreto, o que não configura uma verdadeira questão de inconstitucionalidade.
Em suma, não foi enunciada, no requerimento de reclamação, qualquer questão de inconstitucionalidade com a necessária densidade normativa. O que foi invocado é uma discordância com a interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais feitas pela decisão reclamada, o que está fora do escopo da fiscalização concreta da constitucionalidade.
De todo o modo, ainda quando se atente agora na concretização da questão da conformidade constitucional da interpretação (que o é a da unanimidade da jurisprudência) adoptada pela decisão recorrida, quanto à exigência de absoluta inutilidade do recurso como condição da sua admissão como autónomo (nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea h), do CPC), está esta em conformidade com a Constituição, como já teve oportunidade de reconhecer o Tribunal Constitucional. Vejam-se, a este respeito, a decisão de 16.03.1993, publicada no BMJ n.º 425, p. 142[3], e, mais recentemente, o Acórdão n.º 280/2024, processo n.º 795/2023, disponível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240280.html, as quais versam, justamente, sobre a conformidade da interpretação em causa com os preceitos constitucionais convocados pela Reclamante.
Por tudo o exposto, a reclamação apresentada não merece provimento, devendo manter-se o despacho reclamado que indeferiu a admissibilidade do recurso interposto.
III.Decisão:
Nega-se provimento à reclamação deduzida, mantendo-se o despacho reclamado.
Sem custas, atenta a isenção prevista no nº 5 do art. 16º da Lei nº 75/2017, de 17 de Agosto, visto o objecto da acção.
Porto, 26 de Junho de 2025
Isabel Peixoto Pereira
António Carneiro da Silva
Francisca Mota Vieira
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[1] Bem assim anotando a continuidade da solução em relação ao agravo anteriormente existente.
[2] Discutível até a própria utilidade do recurso não admitido, na ausência já de impugnação por recurso do despacho verdadeiramente decisório, o que indeferiu a repetição de citações.
[3] Vejam-se bem assim os Acórdãos do TC citados por Rui Pinto, loc. cit., nota de rodapé 35, a propósito da norma pregressa quanto ao agravo, cuja aplicação já se justificou, colhendo plenamente a ratio essendi daquelas pronúncias de conformidade à Lei Fundamental à situação decidenda.